Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERNANDES CADILHA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO RESCISÃO DE CONTRATO RESCISÃO PELO TRABALHADOR CURSO DE FORMAÇÃO E REABILITAÇÃO PROFISSIONAL AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | SJ200512070026204 | ||
Data do Acordão: | 12/07/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 9461/04 | ||
Data: | 03/02/2005 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - Não tendo sido feita a prova de que o trabalhador frequentou um curso de formação de pilotagem de aviões que, nos termos contratualmente estabelecidos, fora considerado "necessário e adequado" para o habilitar a exercer a actividade que constituía o objecto do contrato, não é possível fazer funcionar a cláusula de garantia que estava prevista para o caso de o trabalhador rescindir o contrato e se destinava a ressarcir a entidade patronal dos custos de formação; II - Neste contexto, não se justifica ordenar a ampliação da matéria de facto para o efeito de apurar se a formação efectivamente ministrada ao trabalhador, não sendo aquela que se encontrava contratualmente prevista, era ou não a única formação que este recebeu para poder desempenhar a actividade contratada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório. "A" - Transporte Aéreo, Lda, com sede em Lisboa, intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra B, em que, além do mais, pede a condenação do Réu a reembolsá-la das importâncias que despendeu com o curso de formação para pilotagem que lhe ministrou, invocando como fundamento o facto de o Réu ter entretanto rescindido o contrato de trabalho que com ela celebrara sem cumprir o prazo de garantia aí estabelecido. Em sentença de primeira instância a acção foi julgada improcedente, nesta parte, pelo que a Autora interpôs recurso de apelação, em que, discutindo os resultados probatórios alcançados, pediu a anulação do julgamento e a ampliação da matéria de facto, de modo a apurar-se se foi ou não a formação dada pela Autora que habilitou o Réu a exercer a actividade de pilotagem que constituía o objecto do contrato. O Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso por entender, essencialmente, que não podia alterar as respostas aos quesitos e que não havia lugar à ampliação da matéria de facto. É contra esta decisão que se insurge de novo a Autora, mediante recurso de revista, em cuja alegação formula as seguintes conclusões: 1. Quer o Meritíssimo Julgador a quo, quer o Tribunal da Relação, fizeram uma incorrecta interpretação da factualidade que promana dos autos e, consequentemente, fizeram também uma incorrecta aplicação do direito aos factos. 2. O Réu, ora Recorrido, obrigou-se a prestar à Autora, ora Recorrente, uma prestação mínima de trabalho durante 3 anos, como contrapartida da formação que a Autora lhe desse para poder pilotar aviões "Falcon 20". 3. A Recorrente concedeu ao Recorrido a formação necessária para poder pilotar aviões "Falcon 20"; 4. Facultando-lhe três voos de formação, para esse tipo de aviões, num total de 5H50, mais um voo de verificação, tudo num total de 7 horas e 10 minutos, como decorre da peritagem realizada no processo. 5. Apesar disso, o Recorrido não cumpriu o tempo de prestação de trabalho a que se obrigara, permanecendo apenas ao serviço da Recorrente durante 6 meses, tendo rescindido o seu contrato de trabalho para ir trabalhar para uma empresa concorrente da ora Recorrente, no sector de transportes aéreos. 6. Nessa formação a Recorrente despendeu € 6.421,00. 7. Os voos de formação e de verificação, como os que foram concedidos ao Recorrido, não são praticados pelas empresas aéreas ao pessoal já formado e qualificado, ao contrário do que o Recorrido alegou, como decorre da resposta dada ao artigo 11º da Base Instrutória que considerou como não provada a matéria constante desse artigo 11°. 8. A aceitar-se o entendimento da douta sentença de 1ª Instância, sobre a natureza da formação ministrada pela Autora ao Réu, que aliás se não aceita por ser incorrecta, então tornava-se necessário anular o julgamento para ampliação da matéria de facto, nos termos do artigo 712°, n° 4, do Código do Processo Civil, 9. A fim de se apurar, com rigor e segurança, se foi ou não a formação dada pela Autora ao Réu que o habilitou a pilotar aviões "Falcon 20" como foi alegado na petição inicial e como de facto sucedeu. 10. Não tendo o Tribunal da Relação exercido essa faculdade deve agora o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 729° do Código de Processo Civil, ordenar que o processo volte ao Tribunal recorrido para que seja ampliada a decisão de facto "em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito." 11. A douta sentença recorrida, e o douto acórdão da Relação que a confirmou, decidindo como decidiram, violaram o artigo 36°, n° 3, do regime jurídico aprovado pelo Dec-Lei n° 49408, de 24 de Novembro de 1969, ao caso aplicável, e fizeram um errado enquadramento da matéria de facto que promana do processo como factualidade provada. O réu, ora recorrido, contra-alegou defendendo a manutenção do julgado, e, neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma representante do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negada a revista. Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Matéria de facto. Com interesse para a decisão da causa, as instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto: 1.) A A. é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de transporte aéreo, trabalho aéreo e prestação de serviços de assistência em escala ao transporte aéreo a terceiros. 2.) Para o exercício dessa sua actividade, a A. possui diversas aeronaves de modelos diferentes que têm que ser pilotados por profissionais habilitados para esse efeito. 3.) No dia 1 de Outubro de 1999, foi celebrado entre A. e R. o "contrato de trabalho a termo certo", de fls. 17 a 18. 4.) Tendo ficado consignado no n.º 2 da cláusula 5.ª do contrato que «para além da obrigatoriedade de prestação de trabalho, nos termos gerais, durante o prazo de duração do contrato, fixado em cinco anos, o R. obriga-se, ainda, a uma prestação de serviço mínima de três anos, para o FALCON 20, e mais 2 anos para o FALCON 50 (...), sob pena de ter de restituir à A. as importâncias despendidas por esta com as suas formações, nos montantes indicados no n.º 1 desta cláusula». 5.) Por comunicação escrita datada de 21 de Fevereiro de 2000, o R. rescindiu o contrato de trabalho que o ligava à A., com efeitos a partir do dia 28 de Fevereiro de 2000, para ir trabalhar para outra empresa de transportes aéreos. 6.) Os créditos salariais do R. vencidos em 28 de Fevereiro de 2000, ascendem à quantia ilíquida de 956.667$00, a título de retribuição do mês, férias e subsidio de férias, subsidio de Natal e horas de voo. 7.) A A. limitou-se a facultar ao R. três voos de treino, com um total de 5H50 para formação de pilotagem do "FALCON 20". 8.) Não houve aulas teóricas. 9.) Não houve sequer acompanhamento da instrução teórica. 10.) Não houve instrução em simulador. 11.) O último voo efectuado foi de verificação. Para melhor explicitação, transcreve-se o teor da cláusula 5ª do contrato de trabalho, dado como reproduzido no antecedente n.º 3 da matéria de facto: "1 - O segundo outorgante vai receber a expensas do primeiro outorgante as formações necessárias e adequadas para pilotar o Falcon 20 e o Falcon 50. Tais formações serão ministradas pelo Centro de Formação SIMUFLITE, em Dallas, EUA. As respectivas despesas de deslocação e estadia do segundo outorgante, bem como os custos das referidas formações, serão suportados pelo primeiro outorgante, estimando-se o seu valor em cerca de 5122 contos para o Falcon 20 e em cerca de 6782 contos para o Falcon 50. 2 - Para além da obrigatoriedade de prestação de trabalho, nos termos gerais, durante o prazo de duração do contrato, fixado em cinco anos, o segundo outorgante obriga-se, ainda, a uma prestação de serviço mínima de três anos, para o FALCON 20, e mais 2 anos para o FALCON 50, nos termos do n.º 3 do artigo 36º do RJCIT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, sob pena de ter de restituir à primeira outorgante as importâncias despendidas por esta com as suas formações, nos montantes indicados no n.º 1 desta cláusula». 3. Fundamentação de direito. Sustenta a recorrente que os voos de formação e verificação que facultou ao réu constituem a "formação necessária e adequada" ao exercício da actividade de pilotagem que este se comprometeu a realizar e preenchem o requisito a que se refere o n.º 1 da cláusula 5ª do contrato de trabalho entre eles celebrado, pelo que a rescisão do contrato, por iniciativa do réu, ainda antes do limite mínimo de prestação efectiva de serviço estabelecido no n.º 2 da mesma cláusula, faz incorrer o réu na obrigação de reembolso das despesas de formação. Nestes termos, a recorrente considera que a decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação da factualidade dada como assente, e, para o caso de assim se não entender, pretende que se ordene a ampliação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 729° do Código de Processo Civil, a fim de se apurar, com rigor e segurança, se foi ou não a formação dada pela Autora ao Réu que o habilitou a pilotar aviões "Falcon 20". Para averiguar se existe o invocado erro na aplicação dos factos materiais da causa e se se justifica a pretendida ampliação da matéria de facto, torna-se necessário recordar os factos que se consideram como assentes. No contrato de trabalho a termo certo que a Autora celebrou com o Réu, que consta de fls. 17 a 18 dos autos, que se tem como reproduzido no n.º 3 da matéria de facto, ficou consignado na cláusula 5.ª, n.º 1, que o Réu receberia a expensas da Autora "as formações necessárias e adequadas para pilotar o Falcon 20 e o Falcon 50", que tais formações seriam ministradas pelo Centro de Formação SIMUFLITE, em Dallas, EUA" e que "as respectivas despesas de deslocação e estadia (...), bem como os custos das referidas formações, seriam suportados pela Autora, estimando-se o seu valor em cerca de 5122 contos para o Falcon 20 e em cerca de 6782 contos para o Falcon 50". Por sua vez, no n.º 2 da mesma cláusula ficou estipulado que «para além da obrigatoriedade de prestação de trabalho, nos termos gerais, durante o prazo de duração do contrato, fixado em cinco anos, o Réu obriga-se, ainda, a uma prestação de serviço mínima de três anos, para o FALCON 20, e mais dois anos para o FALCON 50 (...) sob pena de ter de restituir à Autora as importâncias despendidas por esta com as suas formações, nos montantes indicados no n.º 1 desta cláusula». Na sua contestação, o Réu pôs em causa que lhe sido tivesse ministrada a formação prevista na referida cláusula 5.ª, n.º 1, alegando que a Autora se limitou a facultar-lhe três voos de treino, com um total de 5H50 para formação de pilotagem do "FALCON 20 (n.ºs 13 e 19 da contestação), e que não houve aulas teóricas (n.º 15), nem sequer acompanhamento da instrução teórica (n.º 16), e que não houve também instrução em simulador (n.º 17). O Réu acrescentou ainda, nessa peça, que o último voo efectuado foi de verificação (n.º 18, primeira parte), "o que não constitui formação, mas sim controlo, praticado habitual e periodicamente pelas empresas aéreas a todo o seu pessoal já formado e qualificado" (n.º 18, segunda parte) e que "todos os demais conhecimentos e formação que adquiriu par obter, como obteve, a qualificação em Falcon 20 foram por si próprios alcançados sem qualquer ajuda da Autora" (n.º 20). Toda esta matéria foi levada à base instrutória, ficando a constituir os quesitos 6º a 12º, sendo que todos eles foram dados como provados à excepção do que consta da segunda parte do n.º 18 e do n.º 20 da contestação, que foi considerado como "não provado". Acresce que a Autora não logrou provar, ao contrário do que havia alegado na petição inicial, que tivesse ministrado ao Réu um curso de formação para pilotagem do Falcon 20 com a duração de 7 horas e dez minutos e que tivesse despendido, nesse curso, 3.583.333$00 (factos aduzidos nos n.ºs 7 e 8 da petição que constituíram os quesitos 1º e 2º da base instrutória a que o tribunal respondeu "não provado"). Tal significa, conforme, aliás, flui da matéria de facto dada como assente, que a Autora apenas facultou ao Réu, a título de actividade formativa, três voos de treino, num total de 5H50, sendo que o último desses voos foi de verificação. É verdade que do contrato de trabalho subscrito por ambas partes consta que o Réu iria receber a expensas da Autora a formação necessária e adequada para pilotar o Falcon 20 e o Falcon 50 e que essa formação ficaria a cargo de uma entidade estrangeira, importando para a Autora avultadas despesas de deslocação e estadia (cláusula 5.ª, n.º 1). E esse documento, tendo sido junto à petição e não tendo sido impugnado pelo Réu quanto à veracidade da letra e da assinatura, tem de considerar-se como dotado de força probatória plena quanto às considerações que forem contrárias aos interesses do declarante, conforme prevêem as disposições conjugadas dos artigos 374º, n.º 1, e 376º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil. No entanto, a força probatória apenas atesta a conformidade da vontade declarada das partes, e não abrange a exactidão material dos factos a que se reporta, pelo que não permite concluir, no plano dos factos, que tenha sido efectivamente concretizada a acção de formação aí prevista e que a Autora tenha despendido as importâncias aí mencionadas. De resto, a Autora, na sua petição, não confirma que tenha sido levada a cabo a referida acção de formação e apenas assevera que ministrou ao Réu um curso de formação para pilotagem com a duração de 7 horas e dez minutos, com um encargo económico de 3.583.333$00, factos esses que, aliás - como se anotou -, não conseguiu provar. Ora, não se põe em dúvida - nem o Réu contesta -, que o contrato de trabalho celebrado entre as partes continha uma cláusula de salvaguarda que impunha ao Réu o cumprimento de um mínimo de 5 anos de trabalho na referida actividade de pilotagem (cláusula 5ª, n.º 1). Só que essa obrigação contratual estava indissociavelmente ligada ao dever, que também impendia sobre a Autora, de facultar ao Réu a necessária e adequada formação nessa área e que o n.º 2 da mesma cláusula especificava como sendo uma acção formativa a ministrar pelo Centro de Formação SIMUFLITE, nos Estados Unidos da América, e que importaria um dispêndio estimado, na antiga moeda, de esc. de 11.904.000$00. A interdependência entre os deveres contratuais opostos é, desde logo, evidenciada pelo facto de a cláusula 5ª, n.º 2, in fine, impor ao Réu uma cláusula penal, para o caso de este vir a rescindir o contrato antes de transcorrido o prazo de garantia de 5 anos, e que foi justamente fixada em montante idêntico ao valor estimado do custo da formação. Como um declaratário normal logo poderia deduzir, o limite temporal mínimo fixado para a vigência do contrato destina-se a permitir à entidade patronal recuperar o investimento efectuado na formação do piloto, e por isso é que o incumprimento contratual quanto a esse aspecto do clausulado faz incorrer o trabalhador na restituição dos montantes despendidos na actividade formativa. Não se provando, como não se provou, que a Autora tenha facultado ao Réu, conforme estava contratualmente previsto, a frequência do referido curso de formação, não é possível fazer funcionar a cláusula de salvaguarda, que, como se viu, tem em vista ressarcir a entidade empregadora das despesas de formação que tenha suportado para habilitar o trabalhador ao exercício da actividade contratada. E neste contexto não faz tem qualquer efeito útil a pretendida ampliação de matéria de facto para apurar se foi a formação dada pela Autora ao Réu que o qualificou para a pilotagem dos aviões "Falcon 20". A ampliação da matéria de facto, sendo um dos raros casos em que o Supremo pode intervir no apuramento e fixação dos factos materiais da causa, pressupõe a existência de um erro de direito na decisão de facto e que esse resulte da insuficiência da matéria de facto para justificar a decisão jurídica do pleito. Ora, no caso, como se viu, só a prova de que o Réu tinha efectivamente obtido a habilitação para a pilotagem através do curso de formação mencionado na cláusula 5ª, n.º 1, do contrato é que permitiria accionar a garantia de reembolso. E não seria a circunstância de se vir a provar que os três voos de treino facultados ao Réu tinham constituído afinal a única formação que este recebeu, para efeito de exercer a actividade contratada, que poderia conduzir a esse resultado e à consequente procedência da acção. 4. Decisão Em face do exposto, acordam em negar a revista e confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 7 de Dezembro de 2005 Fernandes Cadilha, relator Mário Pereira, Laura Leonardo. |