Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00024560 | ||
Relator: | MIRANDA GUSMÃO | ||
Descritores: | DEPÓSITO BANCÁRIO INVENTÁRIO SIGILO BANCÁRIO PODERES DO JUIZ FORMA | ||
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Nº do Documento: | SJ199406280858122 | ||
Data do Acordão: | 06/28/1994 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N438 ANO1994 PAG432 - CJSTJ 1994 ANOII TII PAG163 | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 7208 | ||
Data: | 10/19/1993 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | A LUIS DIR BANC PAG105. RAYMOND FARHAT LE SECRET BANCAIRE. C GAVALDA. J STOREFFE DROIT DE LA BANQUE PAG401. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV - PROC INVENT. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 516. CP886 ARTIGO 290 PAR1. DL 475/76 DE 1976/06/16. DL 2/78 DE 1978/01/09 ARTIGO 1 N2 ARTIGO 2 N2 ARTIGO 5. CPC67 ARTIGO 35 B ARTIGO 138 N1 ARTIGO 150 N1 ARTIGO 300 ARTIGO 519 N1 ARTIGO 1342 N3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1980/04/10 IN BMJ N296 PAG190. ACÓRDÃO STJ DE 1980/05/21 IN BMJ N297 PAG207. ACÓRDÃO STJ DE 1981/02/25 IN BMJ N304 PAG444. ACÓRDÃO STJ DE 1977/07/07 IN BMJ N269 PAG136. | ||
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Sumário : | I - O sigilo bancário não pode ser oposto aos herdeiros do cliente, em processo de inventário facultativo, onde foi acusada a falta de relacionamento de um depósito bancário. II - Nesse incidente, o juiz tem o poder de ordenar ao Banco a remessa do extrato da conta do inventariado. III - A lei permite que as partes pratiquem actos no processo através de termo nos autos, sendo adequado esta forma de actuação, para os interessados virem dar autorização para ser afastado o sigilo bancário em relação à conta bancária de que o inventariado era titular, não violando os princípios do dispositivo ou do contraditório. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1 - No inventário facultativo que corre pelo 4. Juízo do Tribunal Judicial de Cascais, em que o inventariado A e interessados B (cabeça de casal), C, D e E, foi acusada a falta de bens na relação apresentada, nomeadamente a conta de depósitos a prazo número 11400208926 no Crédit Lyonnais - Portugal. O Sr. Juiz "a quo" solicitou ao Banco a remessa do extracto dessa conta, na sequência do pedido feito pelos reclamantes. - Dado que o Banco se recusou a enviar os elementos solicitados ao abrigo do sigilo bancário, o Sr. Juiz "a quo" proferiu o seguinte despacho: "Notifiquem-se todos os interessados para, no prazo de dez dias, virem aos autos, por simples termo a lavrar na Secção, conceder autorização para que o Crédit Lyonnais - Portugal possa fornecer as informações relativas á conta bancária em questão. 2 - A interessada E agravou do despacho a Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 19 de Outubro de 1993, negou provimento ao recurso. 3 - A interessada E agravou do Acórdão da Relação para este Supremo Tribunal pedindo a revogação do mesmo, formulando as seguintes conclusões: 1) - a recorrente pode legitimamente opôr-se ao despacho em que se ordena que dê autorização para que sejam revelados elementos sobre uma conta de que é co-titular. 2) - E isso, não só como co-titular da conta em causa, mas também como interessada no inventário dos autos. 3) - Não tendo a ordenada diligência sido requerida por qualquer interessado e não tendo a recorrente sido previamente ouvida, violou-se o princípio do dispositivo e o do contraditório. 4) - É ilegal o despacho em que se obriga a recorrente interessada e co-titular da conta bancária, a dar o seu consentimento para que o seu banco seja dispensado do dever de segredo bancário. 5) - Além de ilegal, a forma utilizada para o efeito - termo nos autos - não é adequado, sendo o acto inútil. 6) - Decidindo-se, como se decidiu, violaram-se as disposições dos artigos 3; 137, 264, e 1342: do Código de Processo Civil e, ainda, a dos artigos 1 e 2 do Dec-Lei n. 2/78, de 9 de Janeiro. 4) - Os agravados não apresentaram contra- alegações. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Questões a apreciar no presente recurso. A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise de duas questões: a primeira, se o despacho recorrido violou o princípio do dispositivo e o do contraditório; a segunda, se a forma utilizada para o efeito - termo nos autos - não é adequada. Abordemos tais questões: III Se o despacho recorrido violou o princípio do dispositivo e o do contraditório. 1 - A agravante sustenta que se é certo que o Meritíssimo Juiz pode, nos termos do n.3 do artigo 1342 do Código de Processo Civil, mandar proceder às diligências que julgue necessárias, não é menos certo que só poderá ordenar as que forem legalmente permitidas: não cabe nos seus poderes obrigar alguém a dar a indispensável autorização para que seja dispensado o sigilo bancário. Daí que não tendo tal sido requerido e não ouvindo a recorrente, se tenha de concluir que foram violados os princípios do dispositivo e do contraditório. Que dizer? 2 - Analisando-se os elementos coligidos nos autos verifica-se que no decurso do inventário facultativo vieram os interessados, na oportunidade própria, acusar a falta de bens na relação apresentada, nomeadamente a relacionada com a conta de depósitos a prazo n. 11400208926, no Crédit Lyonnais - Portugal. Tal incidente verificou-se por iniciativa de interessados e processa-se nos termos do artigo 1342 Código de Processo Civil que aglutina tais princípios fundamentais de Processo Civil: o dispositivo (a iniciativa do incidente pertence aos interessados no inventário), o contraditório (o cabeça de casal, que apresenta a relação de bens, é notificado para os relacionar ou dizer o que se lhe oferecer), e o inquisitório (o Juiz manda proceder às diligências que julgue convenientes). São princípios devidamente definidos, de tal sorte que o poder inquisitório do Juiz surge e desenvolve-se sem bulir com aqueles outros princípios. O Juiz, no uso de tais poderes, ordena a quaisquer pessoas, sejam ou não partes na causa, para colaborarem para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo as inspecções necessárias, facultando o que lhe for requisitado e praticando os actos que lhe forem determinados - artigo 519, n.1 do Código de Processo Civil. Foi no uso dos seus poderes que o Sr. Juiz "a quo" ordenou perante a recusa do Banco de fornecer o extracto da conta a prazo em causa, com base no seu dever de sigilo, que todos os interessados no inventário cumprissem o seu dever de cooperação no sentido de ser afastado o sigilo bancário invocado com base no Dec. Lei n.2/78, de 9 de Janeiro. Tal ordem, expressa no despacho posto em crise, é legal, isto é, contém-se dentro do poder inquisitório do Sr. Juiz "a quo" ? A resposta não poderá deixar de ser afirmativa depois de saber-se o que é o segredo bancário e as pessoas em relação às quais não pode ser oposto o segredo. 3 - No exercício da sua profissão, o banqueiro (instituição de crédito), recolhe múltiplas informações sobre os negócios dos seus clientes ou terceiros e por vezes mesmo o conhecimento de factos pessoais ou familiares. Diversos países admitem que o banqueiro tem não só o dever de discrição sancionado por uma responsabilidade civil, mas também o segredo profissional sancionado no Código Penal (Raymond Farhat, Le Secret Bancaire, Etude de Droit Comparé). O Dec. Lei n. 2/78, de 9 de Janeiro, completado pelo alargamento da cominação do parágrafo 1 do artigo 290, do Código Penal de 1887 (introduzido pelo Dec. Lei n.475/76, de 16 de Junho), consagrou, entre nós, definitivamente, o segredo bancário como segredo profissional. O Dec. Lei n.2/78, no n.2 do artigo 1: pormenorizou certos factos sujeitos ao segredo: "os nomes dos clientes, contas de depósito e seus movimentos, operações bancárias, cambiais e financeiras realizadas, licenciamentos de operações concedidas e elementos relativos a processos em causa na inspecção de crédito do Banco de Portugal. - O segredo profissional Bancário pode, no entanto, ser levantado por iniciativa dos próprios interessados (artigo 2, n.2: do Dec. Lei n. 2/78), e a obrigação do banco ao segredo tem limites: o artigo 5 do Dec. Lei n.2/78 ressalva os deveres de informação..."nos termos da legislação actual". Parece que o legislador de 1978, em face do conflito potencial entre o interesse ou dever de guardar segredo e o interesse ou dever de informar, não deixou de conceder predomínio a este último (Alfredo Luís, Direito Bancário, pág. 105 e seguintes). Interpretação esta que pode muito bem ser a correcta mas não tem sido a seguida neste Supremo Tribunal (acórdão de 10 de Abril de 1980, no Boletim do Ministério da Justiça n.296, pág 190, e de 21 de Maio de 1980, no B.M.J, n.297, pág). A questão do verdadeiro alcance do artigo 5 do Dec. Lei n. 2/78 fica em aberto nos presentes autos na medida em que não se está, conforme se verá, perante uma conflitualidade entre o dever de guardar segredo e o dever de informar. Em boa verdade o que está em causa é o de saber quais as pessoas que estão na "esfera de discrição": as que, em virtude de necessidades práticas e de acordo com os princípios gerais de direito, estão associadas à gestão de contas bancárias, não podendo em relação a elas ser oposto o segredo. Estão na "esfera de discrição" os representantes legais do cliente incapaz, os tutores e os curadores; os herdeiros e os legatários do cliente; os testamenteiros; os representantes convencionais; os mandatários qualificados das Sociedades Comerciais e das pessoas colectivas em geral; incluindo os liquidatários; os administradores dos bens do falido; os co-titulares de contas; os cônjuges, sempre que lhes caiba a administração dos bens comuns ou próprios de outro cônjugue (C. Gavolda et S. Stouffel, Droit de la Banque, 402 e 403; Raymond Farhat, obra citada, pág 28; e Alberto Luís, obra citada, 103). 4 - Precisada a natureza e o objecto do sigilo bancário e ainda indicadas as pessoas em relação ás quais não pode ser oposto o segredo, torna-se clara a afirmação feita de que a ordem, expressa no despacho posto em causa, era legal, isto é, continha-se dentro do poder inquisitório do Sr. Juiz "a quo". O cliente, no caso dos autos, era o inventariado e a interessada E (a agravante) por a conta a prazo em causa a ambos pertencer. Trata-se da chamada conta conjunta ou colectiva que, por um lado, regula-se pelos princípios da solidariedade activa (acórdão deste Supremo Tribunal de 25 de Fevereiro de 1981 - Boletim Ministério da Justiça n. 304, págs 444) e, por outro lado, é de presumir que os co-depositários - se nada tiver sido estabelecido entre eles - comparticipem em partes iguais na conta de depósito, por força do disposto no artigo 516, do Código Civil (Acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Julho de 1977, no B.M.J, n.269, pág 136). Dada a natureza do depósito bancário em causa, tanto o A (ora, inventariado) como a E podiam, na qualidade de co-depositantes, pedir as informações, que tivessem por oportunas, relativas ao depósito conjunto. Este direito que tem o depositante de exigir da instituição de crédito as informações, tidas por oportunas (necessárias), relativas aos seus depósitos transmite-se aos herdeiros do mesmo por os depósitos, como bens, passarem a fazer parte do acervo da herança deixada em aberto por morte do depositante. Os herdeiros de um depositante não são terceiros em relação às contas do mesmo, por ser assim, a doutrina inclui os "herdeiros" do cliente na "esfera de discrição" (não poder em relação a eles ser oposto o segredo), sendo certo que a jurisprudência estrangeira citada por C. Gavalda e J. Stoceffet vai no sentido da doutrina (obra citada, pág 402). 5 - No caso dos autos, os herdeiros de um dos dois depositantes acusaram a falta da conta de depósito a prazo n. 11400208926, no Crédit Lyonnais - Portugal na relação de bens apresentada no inventário facultativo para partilha dos bens de um dos titulares daquela conta, precisamente o inventariado A. O Sr. Juiz "a quo", solicitou ao Banco a remessa do extracto da conta do inventariado, na sequência do pedido formulado naquele incidente. O banco recusou-se, escudando-se no sigilo bancário. Recusa que o Sr. Juiz "a quo" não devia ter aceite e não poderá aceitar dada a doutrina deixada firmada: o segredo bancário não pode ser oposto aos herdeiros de um cliente. Se o Sr. Juiz "a quo" podia ter insistido (e poderá insistir e ordenar ao Banco o cumprimento de informar, sob pena de incorrer em sanções criminais e civis), com o Banco para fornecer o extracto da conta em causa por tal ter partido dos herdeiros, não se vê razões para que, no interesse de todos os herdeiros, não possa exigir o dever de cooperação daqueles sucessores para ser removido o obstáculo (que não existe, conforme o exposto), posto pelo Banco. A ordem expressa no despacho posto em crise contêm-se na pretensão formulada pelos interessados que acusaram a falta de descrição da conta em causa na relação apresentada e, por ser assim, poder ser dada, como o foi, sem ser por iniciativa de qualquer interessado no inventário e não oposição dos demais. Conclui-se, assim, que o despacho recorrido não violou qualquer princípio fundamental do Processo Civil, mormente o do dispositivo e o do contraditório. IV Se a forma utilizada para o efeito - termo nos autos - não é adequada. A agravante sustenta que o que está e se pôs em causa foi a forma que se decidiu escolher para o efeito, não só porque não é um acto que a Lei preveja que possa ser feito por termos nos autos, mas também e principalmente porque, caso alguém interessado não conceda a autorização ordenada, o despacho será perfeitamente inútil. Será como diz a agravante? Entende-se que não. Em primeira linha, a questão de saber se os interessados cumprem ou não o dever de colaboração imposta pelo Sr. Juiz "a quo" só surgirá após o decurso do prazo concedido para o cumprimento de tal dever. Extravasa, assim, o âmbito do presente recurso, sendo certo que, face ao deixado exposto, o Sr. Juiz "a quo" ultrapassará tal questão ao ordenar ao Banco que remeta o extracto de conta em causa por o sigilo bancário não poder ser oposto aos herdeiros do co-titular dessa conta. Em segunda linha, não se vê nada na Lei que proíba o Juiz de indicar, como indicou, o modo como deve ser prestado o dever de colaboração. Dir-se-á mesmo que a prática pela parte de acto através de "termo " é permitido pela Lei: a parte pode desistir, confessar, transigir por termo no processo artigo 300: do Código de Processo Civil. A Lei, sempre com o objectivo de facilitar a participação das partes no processo, até permite que confira mandato judicial por declaração verbal no auto de qualquer diligência artigo 35 alínea h), do Código de Processo Civil. Acresce que a Lei é no sentido de facilitar a actuação das partes no processo: os actos processuais terão a forma que, nos termos mais simples, melhor corresponde ao fim que visem atingir - artigo 138, n.1 do Código de Processo Civil. O meio indicado pelo Sr. Juiz "a quo" - o termo nos autos - é o mais simples para se atingir o cumprimento do dever de colaboração imposto aos interessados, uma vez que o requerimento pode apresentar-se, e apresenta-se frequentemente, como um meio mais complicado e dispendioso para os interessados que não sabem ler, não podem escrever ou não têm mandatário judicial constituído. Se é certo que qualquer interessado pode não recorrer do modo indicado pelo Sr. Juiz "a quo" para prestar o dever de colaboração imposto (por ter o direito de poder praticar o acto através de requerimento - artigo 150, n.1, do Código de Processo Civil), não é menos certo que se o prestar através de "termo nos autos" fará pelo modo mais simples e adequado ao acto que praticou, e, assim, permitido por Lei - artigo 138 n.1, do Código de Processo Civil. Conclui-se, assim, ser de admitir como adequado o modo indicado pelo Sr. Juiz "a quo" - termo nos autos - para os interessados cumprirem o dever de colaboração que lhes foi imposto: darem autorização para ser afastado o sigilo bancário invocado pelo Banco (invocação indevida como se apontou), em relação a um depósito a prazo de que o inventariado é co-titular. V Conclusão: Do exposto, poderá extrair-se que: 1) - o sigilo bancário não pode ser oposto aos herdeiros de cliente. 2) - No incidente de acusação de falta de descrição de depósitos bancários na relação apresentada, o juiz tem o poder de ordenar ao Banco a remessa do extracto da conta do inventariado. 3) - A Lei permite que as partes pratiquem actos no processo através do termo nos autos. Face a tais conclusões, em conjugação com os elementos reunidos nos autos, poderá precisar-se que: 1) - o despacho recorrido não violou o princípio do dispositivo e o do contraditório. 2) - é adequado o termo nos autos para os interessados virem dar autorização para ser afastado o sigilo bancário invocado (indevidamente), pelo Banco respeitante á conta de que o inventariado é co-titular. 3) - O Acórdão recorrido não merece censura. Termos em que se nega provimento ao agravo, confirmando-se o Acórdão recorrido. Custas pela agravante. Lisboa, 28 de Junho de 1994. Miranda Gusmão, Araújo Ribeiro, Raul Mateus. Decisões Impugnadas I - Despacho de 10 de Janeiro de 1993 do Tribunal de Cascais, 4 Juízo, 3 Secção; II - Acórdão de 19 de Outubro de 1993 da Relação de Lisboa |