Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B3634
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUCAS COELHO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE MANDATO
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
MANDATO NO INTERESSE COMUM
Nº do Documento: SJ200312110036342
Data do Acordão: 12/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - Essencial no contrato a favor de terceiro como figura típica autónoma (artigo 443.º do Código Civil) é que os contraentes procedam com a intenção de atribuir, através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário, assim se distinguindo o verdadeiro contrato a favor de terceiro daqueles contratos (obrigacionais) cuja prestação principal se destina a terceiro, mas sem que este adquira previamente, segundo a intenção dos contraentes e o próprio conteúdo do contrato, qualquer direito (de crédito) à prestação; neste caso, atribui-se ao promissário o direito de exigir que se faça a prestação a terceiro, não adquirindo este crédito algum, podendo somente receber a prestação como destinatário dela - trata-se, pois, de um falso contrato a favor de terceiro, contrato a favor de terceiro impróprio ou contrato com prestação a terceiro; no primeiro caso, já o terceiro se torna verdadeiramente titular do crédito - tratando--se agora de contrato a favor de terceiro verdadeiro e próprio;
II - O fundamento da livre revogabilidade do mandato plasmada no n.º 1 do artigo 1170.º, tradicionalmente radicada na relação de confiança do mandante para com o mandatário e na natureza intuitu personae do contrato, assenta verdadeiramente no interesse do mandante, com a consequente alienidade da actividade do mandatário, da operação económica no seu conjunto e, logo, dos seus resultados;
III - O princípio da livre revogabilidade é, porém, afastado nas situações, hipotizadas no n.º 2 do artigo 1170.º: quando o mandato tenha sido conferido «também no interesse do mandatário ou de terceiro» (mandato «de interesse comum», denominado in rem propriam no primeiro caso) não pode ser revogado pelo mandante sem o acordo do interessado, salvo justa causa;
IV - O interesse do mandatário na conservação do mandato susceptível de justificar a irrevogabilidade, conforme a tutela gizada no n.º 2 do artigo 1170.º, não se reconduz à retribuição ou a outras vantagens patrimoniais ou sociais para ele emergentes do contrato de mandato, tão-pouco podendo consistir numa actuação do mandatário por sua conta, a qual subverteria a função económico-social e a tipicidade do contrato delineada no artigo 1157.º;
V - O critério de aferição do interesse juridicamente relevante no seio do n.º 2 do artigo 1170.º passa necessariamente pelo desenvolvimento da actividade objecto do mandato, em conexão com uma outra relação, normalmente de tipo contratual, entre o mandante e o mandatário, ou entre mandante e terceiro, da qual flui um direito próprio do mandatário ou do terceiro, sendo o mandato condição, consequência, garantia ou modo de exercício desse direito;
VI - A aplicação do regime do mandato ao contrato de prestação de serviço, com as necessárias adaptações, nos termos do artigo 1156.º, significa, por um lado, que nem todas as normas integradoras do regime objecto da remissão se tornam necessariamente aplicáveis, e, por outro lado, que a sua aplicação, sendo caso disso, não tem lugar qua tale, mas com os cuidados devidos, de forma a evitar equiparações inadequadas que deixem no esquecimento, nomeadamente, especificidades imanentes à situação a regular.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal da Justiça:
I
"A - Indústria Hoteleira de Turismo, Lda.", com sede em ...., instaurou, em 24 de Maio de 1992, na actual 11.ª Vara Cível de Lisboa, contra o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, como sucessor do Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN), com sede nesta cidade, acção ordinária visando o cumprimento - conforme contrato entre ambas as partes celebrado - de obrigações pecuniárias do réu, no valor global de 31 154 351$50, em contrapartida das correlativas prestações de alojamento e alimentação efectuadas pela autora, entre finais dos anos 70 e meados da década de 80, a favor de 19 famílias regressadas dos antigos territórios portugueses ultramarinos tornados independentes.
Além da condenação do réu no pagamento da aludida importância, pede a autora os juros de mora, vencidos no montante de 40 000 000$00 - 71 154 351$00, na totalidade - e vincendos até integral pagamento.
Recusando ademais solver as aludidas retribuições, conquanto reiteradamente instado nesse sentido, o réu forçou a autora a recorrer ao crédito para honrar compromissos, prejudicando o seu bom nome e sobrevivência como sociedade comercial, com o que lhe causou prejuízos nos termos do artigo 483.º do Código Civil.
Nesta base formula a autora em último lugar o respectivo pedido de indemnização, consoante o que se liquidar em execução.
Na contestação foi excepcionada a prescrição, que procedeu no saneador em parte, com a absolvição do réu dos juros vencidos antes de 25 de Março de 1987, vindo a sentença final, de 12 de Outubro de 2001, a julgar a acção parcialmente procedente, condenando o réu a satisfazer à autora 2 788 975$00 e os juros moratórios à taxa legal desde aquela data, mas absolvendo-o do pedido de indemnização formulado ao abrigo do artigo 483.º do Código Civil.
Apelou a autora, sem sucesso, posto que a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Do acórdão neste sentido proferido, em 18 de Abril de 2002, traz ante o Supremo Tribunal a presente revista, cujo objecto, considerando as conclusões da alegação e os fundamentos aduzidos na decisão sob recurso, se resume à questão de saber se o contrato que integra a causa petendi, foi celebrado a favor das famílias beneficiárias das prestações, por modo que a eficácia da sua revogação pelo réu ficasse dependente do assentimento delas.
II
1. A Relação, julgando improcedente a impugnação da matéria de facto deduzida na apelação, considerou consequentemente provados os factos já assentes na 1.ª instância, que ora se dão como reproduzidos nos termos do n.º 6 do artigo 713.º, por remissão do artigo 726.º, do Código de Processo Civil, sem prejuízo das alusões pertinentes.
E neste sentido se considera desde já aconselhar a inteligência da decisão solicitada ao Supremo Tribunal de Justiça um rápido esboço da situação que os autos lhe apresentam.
2. O processo de descolonização que se desenvolveu em 1974/75 gerou o afluxo a Portugal de pessoas e famílias oriundas dos antigos territórios portugueses em África, fazendo surgir a necessidade de apoiar a sua «integração na vida nacional», mediante «um serviço dotado de meios humanos e materiais adequados», estruturado, com esse objectivo, de forma a poder desempenhar uma actividade dinâmica, eficiente e directa».
Foi assim criado na Presidência do Conselho de Ministros, pelo Decreto-Lei n.º 169/75, de 31 de Março - cujo preâmbulo acaba de se citar -, com personalidade jurídica de direito público, o denominado IARN.
Entre as suas atribuições de carácter assistencial figurava a de «promover, directamente ou em colaboração com as diversas entidades públicas ou privadas, o apoio, a orientação e a prestação de auxílio aos desalojados das ex-colónias e respectivas famílias, de harmonia com a sua situação de carência, bem como a sua inserção nos esquemas de segurança social».
E uma Resolução do Conselho de Ministros, de 5 de Maio de 1976, «Diário da República», I Série, de 2 de Julho de 1976 (Suplemento), veio prever, entre as modalidades de assistência e apoio, concretamente, «o alojamento e alimentação concedidos a título provisório em unidades hoteleiras e similares», «àqueles que não tenham possibilidades de modo algum de recorrer a habitação própria, de familiares ou amigos».
Neste conspecto, em resposta a um anúncio publicitado pelo Governo, a autora propôs ao IARN o acolhimento de pessoas e famílias que necessitassem de alojamento e alimentação, em imóveis que tinha disponíveis.
Aprovadas pelo IARN as instalações, acordaram autora e réu em 1977 que a primeira receberia e proporcionaria alojamento e alimentação às famílias portadoras de um termo de responsabilidade ou credencial emitida pelo segundo, conforme a qual este assumia a obrigação de pagar à autora as somas pecuniárias previamente acertadas em retribuição dos aludidos serviços.
Em tais condições se desenvolveu normalmente a execução do contrato, com respeito a centenas de famílias, até Agosto de 1978.
A partir desta altura, o IARN veio a comunicar em diferentes momentos à autora, e a 18 das 19 famílias junto dela credenciadas, a cessação do alojamento nas instalações daquela e da responsabilidade pelo respectivo pagamento a cargo do IARN a partir de determinadas datas.
Não obstante, a autora continuou a prestar o alojamento às 19 famílias a partir dessas datas até 31 de Outubro de 1986, tendo apresentado as respectiva facturas ao réu, que recusou pagá-las, devolvendo-as à autora.
O montante global destas facturas constitui justamente o pedido de capital formulado na presente acção.
Entretanto, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros, de 5 de Maio de 1976, citada há momento, e do carácter provisório da assistência aos retornados nela sublinhado, outros instrumentos governamentais proclamavam a excepcionalidade desse regime, introduzindo-lhe sucessivas restrições.
É o caso da Resolução de 18 de Novembro de 1976, «Diário da República», I Série, de 6 de Dezembro de 1976, citada na sentença, na sequência da qual, como a autora soube, o IARN «procedeu à desocupação dos hotéis de 5, 4 e 3 estrelas, extinguindo os efeitos dos termos de responsabilidade relativamente a pessoas ou agregados familiares com rendimentos próprios iguais ou superiores a 2 000$00 mensais por cabeça».
E da Resolução n.º 225-A/77, «Diário da República», I Série, de 16 de Setembro de 1977 (Suplemento), também referenciada na mesma decisão, «que veio efectivar a cessação do alojamento por conta do Estado em 30 de Setembro de 1977, ressalvando-se situações de deficientes, incapazes, órfãos sem família, menores desacompanhados, viúvas separadas e mães solteiras com filhos menores a seu cargo», sabendo, aliás, a autora «que o IARN procedeu de acordo com os termos daquela Resolução».
Até que o próprio IARN foi extinto pelo Decreto-Lei n.º 97/81, de 2 de Maio, «por estarem preenchidos, no essencial, os objectivos que tinham norteado a sua acção» - lê-se na nota preambular do Decreto-Lei n.º 302/83, de 26 de Junho, mercê do qual as obrigações contratuais do IARN passaram para o réu.
3. Com base na factualidade provada, a 11.ª Vara Cível qualificou o contrato como de prestação de serviço (artigo 1154.º do Código Civil), sujeito às regras do mandato (artigo 1156.º), considerando que as comunicações do IARN «no sentido de cancelar a hospedagem» dos acolhidos «foram válidas e eficazes no contexto previsto pelo artigo 1170.º», tanto mais «que os alojados são ’extranei’, face à relação jurídica bipolar, a que, tão-só, se vincularam a autora e o réu».
Nesta ordem de ideias, julgou a acção parcialmente procedente apenas quanto ao alojamento da família B, entre 10 de Julho de 1978 e 31 de Outubro de 1986, a única, das 19 famílias alojadas pela autora a que respeita a presente acção, relativamente à qual «o réu nunca comunicou o cancelamento da hospedagem».
Condenou-se, por conseguinte, o réu a pagar à autora a importância de 2 788 975$00 relativa ao aludido alojamento, com juros de mora às taxas legais desde 25 de Março de 1987, aspecto este que jamais foi objecto de impugnação, quer na apelação, quer na presente revista.
Quanto ao mais improcedeu totalmente a acção, inclusive no tocante ao pedido de indemnização nos termos do artigo 483.º do Código de Processo Civil, por falta de prova dos quesitos 45.º, 46.º e 47.º concernentes aos respectivos factos integradores.
4. Na 2.ª instância foi a sentença confirmada mediante o acórdão sub iudicio, com nuances, todavia, de fundamentação que interessa deixar registadas.
O aresto procedeu a uma elaborada qualificação do contrato, ponderando que do mesmo fluem direitos e obrigações característicos de diversos tipos contratuais, tal como o arrendamento (o gozo das instalações), o aluguer (dos móveis), a compra e venda (de alimentos), a prestação de serviços, elementos que se fundem num contrato misto, próximo do contrato de albergaria ou pousada do Código de Seabra, onde vem a predominar, no entanto, a componente da prestação de serviços, que o faz sub-ingressar no regime dos artigos 1154.º e 1156.º e, por remissão destes normativos, na disciplina do mandato.
Pois bem. Nos termos do n.º 1 do artigo 1170.º, o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, mas se tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro - acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo - não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.
Ora, o acórdão recorrido refere que a autora apelante sustentava configurar--se o contrato em apreço como contrato a favor de terceiro - os terceiros acolhidos nas suas instalações -, pelo que não podia ser unilateralmente revogado pelo réu sem o acordo deles, nos termos do n.º 2 do artigo 1170.º
Mas a Relação não foi sensível a esta argumentação.
Louvando-se em autorizada doutrina e na jurisprudência deste Supremo Tribunal, pondera existir um contrato a favor de terceiro quando «um dos contraentes (promitente) atribui, por conta e à ordem de outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário), estranho á relação contratual» (1).
«Essencial no contrato a favor de terceiro, como figura típica autónoma, é que os contraentes procedam com a intenção de atribuir, através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário», assim se distinguindo «o verdadeiro contrato a favor de terceiro daqueles contratos (obrigacionais) cuja prestação principal se destina a terceiro, mas sem que este adquira previamente, segundo a intenção dos contraentes e o próprio conteúdo do contrato, qualquer direito (de crédito) à prestação» (2).
Neste caso atribui-se «ao promissário o direito de exigir que se faça a prestação a terceiro, não adquirindo este crédito algum, podendo somente receber a prestação como destinatário dela» - trata-se, pois, de um «falso contrato a favor de terceiro, contrato a favor de terceiro impróprio ou contrato com prestação a terceiro».
Já no primeiro caso o terceiro se torna verdadeiramente «titular do crédito» - tratando-se agora de contrato a favor de terceiro verdadeiro e próprio» (3).
Sucede neste quadro que o IARN «prosseguia o exercício de uma actividade de carácter público» - observa o acórdão em recurso - e os «benefícios assistenciais vinham a caber aos desalojados, mas sem que estes vissem nascer um direito subjectivo ao alojamento».
«Os terceiros apenas tinham um direito à assistência, não um direito ao local que habitassem, à comida que lhes ministravam, dentro dos moldes de algum direito como, porventura, um direito de locação».
E daí que, não lhes sendo conferidos «direitos subjectivos autónomos», não se tornasse «necessária a alegada aquiescência dos desalojados».
Presidia, aliás, às incumbências do IARN «uma razão social», por natureza «limitada no tempo e em função de certas circunstâncias» subjacentes à criação do Instituto - as relativas, observe-se, à descolonização e à movimentação transcontinental das populações dos territórios.
Surpreendendo-se, neste conspecto, a partir da sucessão de diplomas dedicados à fenomenologia em causa, sob o signo - recorde-se - da integração na vida nacional, uma progressiva restrição nas medidas de acolhimento originariamente predispostas, que culminou na extinção do IARN, cumpridos os seus objectivos, e na cessação da assistência facultada através deste.
Em semelhante circunstancialismo, as comunicações de cessação a prazo do alojamento e da responsabilidade do IARN, por este concretamente endereçadas à autora e às famílias acolhidas, não constituíram senão mera concretização dessa orientação político-legislativa.
Nesta linha evoca a Relação de Lisboa outro aresto deste Supremo Tribunal que sobre a mesma problemática se debruçara, onde se escreveu (4).
«A denúncia efectuada não surgiu, pois, como um acto ex novo. Pelo contrário, teve por substrato, ou causa mediata, as determinações constantes dos últimos diplomas legais que regularam o termo da competência do Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais e a liquidação da situação final.»
Não tendo, em suma, havido «a intenção de atribuir aos terceiros, retornados, qualquer direito subjectivo - conclui-se no acórdão recorrido - estamos perante um falso contrato a favor de terceiro».
E em remate:
«Como tal, estando em causa um contrato misto, em que predomina a prestação de serviços, é-lhe aplicável a regulamentação própria do contrato de mandato que permite a sua livre revogabilidade, a produzir efeitos logo que conhecida da outra parte (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), razão por que, a partir das datas em que era dado conhecimento à autora da cessação do contrato relativamente a cada uma das famílias aí mencionadas, não impendia qualquer responsabilidade contratual sobre o réu, em relação ao alojamento ou alimentação que a autora pudesse continuar a prestar, como prestou, aos referidos desalojados, por se considerar extinto o referido contrato.»

5. Não se conformando ainda com a decisão que vem de sumariar-se interpõe a autora a presente revista, sintetizando a sua alegação em 55 conclusões.
Cremos, todavia, dispensável a sua reprodução na economia do presente acórdão, uma vez que se trata grosso modo de explicitações e transcrições não raro literais da alegação da apelação e suas conclusões, mera reedição da mesma tese aí já sustentada, a bem dizer sem novidades argumentativas.
Numa palavra, o negócio jurídico celebrado entre autora e réu - contrato de prestação de serviço, sujeito ao regime do mandato - seria um contrato concluído não só no interesse da autora, mas também no interesse de terceiro, as pessoas e famílias, justamente, acolhidas nas suas instalações.
E tratando-se assim de prestação de serviço convencionada também no interesse destas, conforme o n.º 2 do artigo 1170.º do Código Civil, não poderia o contrato ser livremente revogado pelo réu sem acordo dos interessados.
Para além, no entanto, do tema nuclear da revogação, dois aspectos assumem nas conclusões específico realce, reclamando preliminar tomada de posição.
5.1. O primeiro surge em conexão directa com aquele tema, na medida em que a recorrente pretende ser indemnizada dos prejuízos emergentes da rescisão/revogação unilateral, nos termos do artigo 1172.º, alínea c).
Tanto mais que se trata de «mandato oneroso», que o IARN revogou sem guardar a «antecedência conveniente» (cfr. as conclusões 33.ª a 36.ª).
Observe-se, porém, desde já que da matéria de facto provada não constam quaisquer elementos permitindo ajuizar sobre se a revogação teve ou não lugar com a antecedência conveniente.
De todo o modo, uma tal pretensão indemnizatória faria sentido, em abstracto, na pressuposição da eficácia da revogação relativamente à autora.
Mas esta nega o pressuposto, quando conclui do mesmo passo que a revogação/rescisão «não foi válida nem eficaz no sentido da sua oponibilidade à autora enquanto parte negocial» (conclusão 32:ª); que se tratou de uma «rescisão ineficaz e inoperante» em face dela (conclusão 37.ª).
Aliás, só a ineficácia da revogação, estaria em sintonia com a causa petendi e os pedidos principais formulados na petição, de condenação do réu a cumprir o contrato e de indemnização pela mora no cumprimento (cfr., de resto, a conclusão 8.ª: «é exactamente o preço desses alojamentos que constitui o pedido da autora na presente acção»; e também a conclusão 5.ª), com respeito, precisamente, ao período posterior à revogação.
Abstraindo, aliás, por momentos da contradição evidenciada, verifica-se a propósito que o pedido de indemnização vertido nas citadas conclusões está fora do objecto da acção, havendo-se a autora dispensado na petição de estender a relação processual a essa pretensão, sequer a título subsidiário.
Nas condições expostas, não pode dela conhecer-se neste momento.
5.2. Diferente dessa pretensão indemnizatória, em segundo lugar, é, porém, o pedido de indemnização formulado na alínea c) da parte final do petitório (fls. 13), com fundamento nos factos alegados nos artigos 150.º a 152.º, ao abrigo do artigo 483.º do Código Civil.
Refere a recorrente nas conclusões 47.ª a 49.ª que a sentença não se pronunciou sobre essa parte do pedido, mas isso não é exacto.
As aludidas alegações deram origem aos quesitos 45.º, 46.º e 47.º, considerados não provados na 1.ª instância - respostas, aliás, como se deixou entrever, que a autora recorrente pretendeu, sem êxito, fazer alterar pela Relação no sentido positivo.
Ora, em face das aludidas respostas negativas, a sentença é expressa em declarar, sublinhou-se há instantes (supra, II, 3.), a improcedência desse pedido de indemnização.
E a Relação, confirmando a sentença, não exceptuou este aspecto da decisão apelada.
Como, por outro lado, a recorrente se limitou a concluir que a sentença não conhecera do pedido, abstendo-se de aduzir fundamentos de impugnação do acórdão em recurso nessa parte, é evidente que, delimitando-se o objecto do recurso pelo teor das conclusões, não pode neste entender-se incluída a questão em exame.
III
1. Em face do exposto, coligidos os necessários elementos de apreciação, cumpre decidir.
Como inicialmente se adiantou, o cerne do objecto da revista está na questão de saber se o contrato sub iudicio foi celebrado entre autora e réu a favor das famílias beneficiárias das prestações, por modo que a eficácia da sua revogação pelo réu ficasse dependente do consentimento destas.
Com os fundamentos factuais oportunamente referenciados, à luz do direito aplicável, a questão foi resolvida pelo acórdão sob revista em sentido negativo, o que transparece do aresto e sua fundamentação de forma a merecer inteira concordância.
E não se vendo, por conseguinte, razões para divergir na essência da decisão perfilhada, permitimo-nos tão-somente aditar as seguintes notas.
2. Caracterizando-se o contrato como prestação de serviço (artigo 1154.º, do Código Civil), sujeito, com as necessárias adaptações, ao regime do mandato (artigo 1156.º), perfila-se no âmbito da disciplina desta figura contratual típica vertida nos artigos 1157.º e segs. o questionado artigo 1170.º, acerca da «revogabilidade do mandato», epígrafe desde logo significativa do conteúdo normativo.
Na verdade, o n.º 1 formula o princípio da livre revogabilidade do mandato por qualquer das partes. Enquanto o n.º 2 introduz uma restrição à regra na hipótese de o mandato ter sido também conferido no interesse do mandatário ou de terceiro, caso em que o mandante não pode revogá-lo sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.
Ora, por um lado, o contrato em apreço não merece a qualificação de contrato a favor de terceiro, no sentido do artigo 443.º do Código Civil, pelas razões há pouco extractadas do acórdão sob recurso, para que se remete (5).
E em tal condicionalismo poderia realmente dizer-se ser esta uma via impraticável de integração, como quer que fosse, da hipótese configurada no n.º 2 do artigo 1170.º, conducente à irrevogabilidade por parte do mandante.
Importa em todo o caso definir, no seio da norma, o conteúdo do interesse, do mandatário ou de terceiro, susceptível de introduzir derrogação ao princípio da livre revogabilidade pelo mandante esmaltado no n.º 1.
3. O preceito colheu inspiração no artigo 1723.º do Código Civil italiano de 1942 (6), o que nos permite desfrutar também, em excurso necessariamente breve, da extensa e profunda teorização desenvolvida em torno dessa fonte no país de origem.

3.1. A problemática em causa coloca, em primeiro lugar, como questão de primacial relevo, a do fundamento justificativo da faculdade de revogação do mandante.
Na tradição romanística e passando pelo direito intermédio até aos nossos dias na generalidade dos ordenamentos, a característica da revogabilidade, indissoluvelmente ligada a um mandato fundamentalmente unilateral e gratuito, tem sido radicada na relação de confiança do mandante para com o mandatário e na natureza intuitu personae do contrato (7) (8).
O mandatário age, efectivamente, por conta do mandante, e compreende-se por isso que seja posto termo à respectiva actividade desde que falte a confiança do interessado na sua prossecução (9).
Todavia, cada vez mais se tem duvidado da justificação da revogabilidade centrada exclusivamente no elemento fiduciário do mandato unilateral (10).
Actualmente tende-se a considerar que o seu fundamento reside na necessidade de impedir que uma prestação a cumprir por conta de outrem seja realizada contra a vontade do dominus. E, assim, no mandato unilateral os efeitos económicos da actividade do mandatário repercutem-se unicamente na esfera do mandante, sendo por isso razoável reconhecer-lhe o poder de pôr termo a essa actividade, garantindo-se em regra ao mandatário, no plano económico, a indemnização dos danos sofridos (cfr. o artigo 1172.º do nosso Código Civil).
Justifica-se, já se escreveu entre nós, «que o interesse do mandante possa determinar a própria cessação unilateral ad nutum da relação contratual; não faria sentido, atenta a configuração do mandato como contrato que desempenha uma função gestória», «sob a orientação programática e gestória do mandante», que o Direito impusesse a este «a obrigação de suportar uma gestão que se lhe afigura ruinosa ou que, de qualquer modo, lhe fosse incómoda ou prejudicial» (11).
Em suma, «o fundamento da livre revogabilidade do mandato assenta no interesse do mandante», segundo a concepção do mandato como «contrato de gestão, programado pelo mandante, com a consequente aliniedade da actividade do mandatário, da operação económica no seu conjunto e, logo, dos seus resultados» (12). Deve, por conseguinte o mandante, como dominus acti, «ter o poder de controlar - inclusive no sentido de poder fazer cessar - a produção dos efeitos jurídicos que, directa ou indirectamente, se lhe destinam».
Na mesma orientação, evoque-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 24 de Janeiro de 1990 (139., onde se lê (pág. 591): «Tendo em conta que os actos praticados pelo mandatário produzem os seus efeitos na esfera jurídica do mandante, logo se vêem as razões e a necessidade de, para protecção da sua personalidade contra a autónoma modelação da sua esfera jurídica pelo mandatário, se instituir a livre revogabilidade do mandato. A função da revogabilidade é a de salvaguardar a autonomia da presonalidade do mandante.»
Em consonância, de resto, com o carácter «unilateral, incondicionado e discricionário» do acto de extinção sub iudicio, refira-se entre parêntesis, não deixa de se propender para o qualificar juridicamente, a despeito do nomen iuris legal, como denúncia, antes que revogação - uma denúncia stricto sensu, ou ordinária, como forma de extinção característica de mandatos duradouros por tempo indeterminado, ou uma denúncia extraordinária, ou imprópria, no caso de mandato para determinado assunto ou por tempo determinado (14).
3.2. A livre revogabilidade do mandato que flui do n.º 1 do artigo 1170.º, nos termos expostos, é, porém, afastada nas situações hipotizadas no n.º 2 do mesmo artigo: quando o mandato tenha sido conferido «também no interesse do mandatário ou de terceiro» (mandato «de interesse comum»; denominado, como sabemos, in rem propriam no primeiro caso) não pode ser revogado pelo mandante sem o acordo do interessado, salvo justa causa.
Falta apurar qual o conceito de interesse na conservação do mandato, tutelado pelo n.º 2 do artigo 1170.º, susceptível de justificar semelhante restrição ao princípio da revogabilidade.
No tocante ao mandatário entende-se, em primeiro lugar, que a aferição do interesse relevante não pode resultar de «um critério meramente económico com a inerente e grave consequência duma excessiva extensão dos casos de irrevogabilidade absoluta».
Mais precisamente, «o carácter oneroso do contrato não basta, de per si, para afirmar o interesse do interposto, sem prejuízo da relevância da onerosidade para efeitos indemnizatórios», retirando-se, aliás, «da articulação entre o artigo 1170.º e a alínea c) do artigo 1172.º», «inequivocamente, a conclusão de que, para a lei, a retribuição não constitui critério para a determinação do interesse» em apreço.
O «interesse do mandatário tem de ser suficientemente relevante em termos de justificar a grave medida da irrevogabilidade», e não satisfaz esta exigência «o estrito interesse na manutenção do ‘status’ de mandatário, em virtude de benefícios económicos - quer directos, como seja a retribuição, quer indirectos, como seja, por ex., a facilidade de obtenção de crédito em decorrência da qualidade de mandatário -, ou outros - prestígio, por exemplo» (15).
Nesta ordem de ideias tem a jurisprudência deste Supremo afirmado que o interesse de que fala o n.º 2 do artigo 1170.º «não pode ser uma qualquer vantagem do mandatário ou de terceiro», nomeadamente, «que o mandatário receba uma remuneração ou aufira lucros da sua actividade a qual, como se disse, implica a modelação da esfera jurídica do mandante», com a consequente livre revogabilidade do mandato em tais hipóteses, «ainda que em certos casos possa haver lugar a indemnização (gerente de sociedade, contrato de agência)» (16).
Imprestável, pois, o critério da retribuição e das vantagens patrimoniais ou sociais do mandatário, mercê do mandato, muito menos, em segundo lugar, poderia o interesse nuclearmente relevante do mandatário in rem propriam reconduzir-se a uma actuação por sua conta.
Posto que, em razão da sua causa ou função económico-social, acolhida na tipificação do contrato delineada pelo artigo 1157.º do Código Civil, o mandato é um negócio mediante o qual o mandatário se obriga a praticar actos jurídicos por conta do mandante, obviamente que a tipicidade legal resultaria subvertida a admitir-se um mandato por conta de outra pessoa diferente dele.
Aliás, tanto o n.º 2 do artigo 1170.º do Código português, como o artigo 1723.º do Código italiano são expressos em prescrever que o mandato deve ser conferido também (anche) no interesse do mandatário, formulação que exclui, por um lado, a possibilidade da prossecução exclusiva de um interesse do mandatário, implicando, do mesmo passo, necessariamente, uma actuação por conta do mandante (17).
Depurado, neste conspecto, de peculiares escolhos o acesso ao conteúdo do interesse do mandatário que pode justificar a irrevogabilidade do mandato, propende-se doutrinariamente a considerar que o critério de aferição do interesse juridicamente relevante «passa necessariamente pelo desenvolvimento da actividade objecto do mandato, pelo cumprimento do acto (ou da actividade) gestório» (18).
Isto é, existirá o interesse em questão, acrescendo ao interesse próprio do mandante, «quando o mandatário tenha um direito próprio a fazer valer conexionado com o próprio encargo e o mandato seja a condição, ou a consequência ou o modo de execução do direito que lhe pertence, ou represente então para o mandatário uma garantia do próprio direito» (19).
O interesse ou direito do mandatário in rem suam «não tem a sua génese na relação gestória», antes «decorre duma outra relação entre o mandante e o mandatário», que «determina amiúde a constituição do mandato ou que, não a determinando embora, pode vir a condicionar ou a regular significativamente os termos do ‘agir por conta’, nomeadamente quanto ao seu aspecto consequencial, traduzido na repercussão (destinação) dos efeitos na esfera do mandante» - v. g., A, devedor de 500 contos a B, celebra com este um mandato para cobrar um crédito seu sobre C, do mesmo montante, dando B pagamento ao débito de A com a respectiva quantia.
A definição, por outras palavras, do interesse do mandatário na relação de mandato in rem propriam «passa pela identificação de uma outra relação, normalmente de tipo contratual, entre as partes, relação essa que conforma ou até determina aquele contrato».
E se assim é com respeito ao interesse de uma das partes, «por maioria de razão o será - como temos deixado entender - quando se questiona sobre a existência de um interesse externo à relação, pertencente a terceiro».
Em sintonia aduzem justamente os autores face ao artigo 1723.º do Codice Civile, que a «irrevogabilidade absoluta» aí prevista, «no caso de mandato conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro», ocorre, na falta de justa causa, «quando entre mandante e mandatário, ou entre mandante e terceiro, existe uma outra relação na base da qual o mandatário ou o terceiro é credor do mandante» (20).
E a Cassação italiana (21) precisa também que a situação hipotizada na referida norma se caracteriza «pela concomitância de uma diversa relação intercedente entre o mandante e o mandatário (ou um terceiro) que imprime à outorga do mandato o carácter de um acto obrigacional, essencial à realização de um interesse do mandatário (ou do terceiro) diverso do que vai estritamente implicado na execução do mandato».
Sufragando este mesmo entendimento, pondera igualmente a jurisprudência deste Supremo Tribunal já mencionada, em caso análogo de «contrato de albergaria» envolvendo desalojados dos antigos territórios portugueses em África (22).
«Para que haja também um interesse relevante do mandatário ou de terceiro, por forma a tornar irrevogável o mandato, importa que, expressa ou tacitamente se defina entre o mandante e o mandatário ou o terceiro uma relação que confira a estes o direito a uma prestação.(...) Como simples mandato, o negócio é revogável, mas porque expressa ou tacitamente se definira uma outra relação contratual o negócio torna-se irrevogável.
(...)
Para haver mandato de interesse comum não basta que o mandatário ou o terceiro tenham um interesse qualquer, é necessário que esse interesse se integre numa relação jurídica vinculativa, isto é, que o mandante, tendo o mandatário o poder de praticar actos cujos efeitos se produzem na esfera jurídica daquele, queira vincular-se a uma prestação a que o mandatário ou o terceiro tenham direito.»
4. Pois bem. Na situação que nos é presente, e em quanto à autora concerne, não se configura uma tal diversidade de relações jurídicas, tudo se passando no seio da mesma relação contratual submetida hipoteticamente ao regime do mandato.
E o mesmo se diga no tocante às famílias alojadas nas instalações da autora, uma vez que inexiste relação jurídica entre elas e o réu, como oportunamente não deixou de se notar.
Ora, o regime do mandato aplica-se ao contrato de prestação de serviço em apreço, nos termos do artigo 1156.º, com as necessárias adaptações. E isto significa, por um lado, que nem todas as normas integradoras do regime objecto da remissão se tornam necessariamente aplicáveis, e, por outro lado, que a sua aplicação, sendo caso disso, não tem lugar qua tale, mas com os cuidados devidos, de forma a evitar equiparações inadequadas que deixem no esquecimento, nomeadamente, especificidades imanentes à situação a regular.
Eis assim que em face dos condicionalismos do caso sub iudicio, há momentos esboçados, careça de aplicação, por todo o exposto, o n.º 2 do artigo 1170.º do Código Civil.
Mas não deixará de se observar, em aparte, a finalizar, que o circunstancialismo factual em que se verificaram as comunicações do IARN tendentes a pôr termo ao alojamento em instalações da autora, no quadro de sucessivas restrições político-legislativas culminando na cessação da assistência a famílias retornadas, perspectivada a sua integração na vida nacional, pode bem pensar-se que tudo representam «circunstâncias, factos, situações que segundo a boa fé haveriam tornado inexigível a continuação da relação contratual», e susceptíveis por isso de se reconduzir ao conceito de justa causa de revogação (23).
5. O acórdão em revista merece, pois, integral concordância, seja quanto à decisão, seja no tocante aos fundamentos, para os quais se remete nos termos do artigo 713.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, com os subsídios que vêm de se aditar, negando-se provimento ao recurso.
Custas pela autora recorrente (artigo 446.º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário concedido (fls. 271).

Lisboa, 11 de Dezembro de 2003
Lucas Coelho
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
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(1) Cita-se neste passo do acórdão Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição [revista e actualizada (Reimpressão), Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2003], pág. 410..
(2) Antunes Varela, ibidem..
(3) Cita-se no sentido exposto o acórdão deste Supremo, de 7 de Janeiro de 1992, «Boletim do Ministério da Justiça», n.º 413 (1992), pág. 484..
(4) Acórdão, de 5 de Maio de 1992, «Boletim» citado, n.º 417 (1992), págs. 672 e segs. (pág. 682)..
(5) No mesmo sentido, em caso análogo, o acórdão do Supremo, de 24 de Janeiro de 1990, «Boletim», n.º 393 (1990), págs. 588 e segs., citado pelo réu recorrido na contra-alegação..
(6) Que se transcreve, em tradução de momento, com diferenças que facilmente se notarão, despiciendas em atenção ao fundo comum aqui nuclearmente apreciável, salientado em itálico: «1723. (Revogabilidade do mandato). O mandante pode revogar o mandato; mas, se tiver sido convencionada a irrevogabilidade, responde pelos danos, salvo ocorrendo justa causa. O mandato conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro não se extingue por revogação do mandante, salvo convenção em sentido diverso ou ocorrendo justa causa de revogação; não se extingue por morte ou por incapacidade superveniente do mandante.»
(7) Luca Nanni, Dell’Estinzione del Mandato, «Commentario del Codice Civile Scialoja - Branca a cura di Francesco Galgano», Zanichelli Editore/Soc. Ed. del Foro Italiano, Bologna/Roma, 1994, págs. 43 e segs., com vasta recensão bibliográfica, em especial de todos os quadrantes da família romano--germânica, em que a doutrina portuguesa se encontra também representada (pág. 99, nota 25); Francesco Galgano, Diritto Civile e Commerciale, vol. 2.º, Le Obbligazioni e i Contratti, tomo 2.º, I Singoli Contratti (...), 3.ª edição, CEDAM, Padova, 2002, pág. 114.
(8) Em contraposição ao mandato assim concebido no exclusivo interesse do mandante e de natureza unilateral, prefigura-se igualmente por secular tradição o mandato também no interesse do mandatário - o mandato denominado in rem propriam - ou de terceiro, configurado no segundo parágrafo do artigo 1723.º do Código italiano, definido como «sinalagmático» e por isto mesmo considerado irrevogável à luz desse preceito - Nanni, op. cit., pág. 44..
(9) Nanni, op. cit., págs. 59 e seguintes..
(10) Nanni, ibidem; cfr., na doutrina portuguesa, Manuel Januário da Costa Gomes, Em Tema de Revogação do Mandato Civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1989, págs. 83 e seguintes..
(11) Januário gomes, op. cit., págs. 96/98..
(12) Januário gomes, ibidem, observando (nota 309) que este fundamento da livre revogabilidade se articula com a ratio do próprio mandato. «Nos casos, não característicos, em que a ‘confiança’ na pessoa do mandatário tenha sido determinante para ‘provocar’ o mandato, é lógico que a quebra dessa confiança justifique a revogação, ainda que seja irrepreensível a actuação gestória», o mesmo podendo dizer-se «dos casos em que, apesar de o nascimento do mandato não assentar na fidúcia, sobrevêm algum acontecimento (ou o mandante tem conhecimento de algum facto) a partir do qual a pessoa do mandatário deixa de ser indiferente para o mandante»..
(13) Citado supra, nota 5
(14) Januário gomes, op. cit., págs. 73/77 e 103/105; Nanni, op. cit., págs. 51/59..
(15) No sentido exposto, Januário gomes, op. cit., págs.146/148; também Nanni, op. cit., págs. 103/104..
(16) Acórdão de 27 de Janeiro de 1990, citado na nota 5. O mesmo entendimento, linearmente, de que o «mandato não deve considerar-se conferido também no interesse do mandatário (mandato ‘in rem propriam’) apenas pelo facto de ser remunerado» auferiu, aliás, actualizado sufrágio no recente acórdão, de 9 de Janeiro de 2003, revista n.º 4134/02, 7.ª Secção, em texto integral na base de dados do Tribunal..
(17) No sentido exposto, Nanni, op. cit., págs. 99 e segs.; Januário gomes, op. cit., pág. 147; acórdão deste Supremo, de 27 de Janeiro de 1990, citado na nota 5, onde se escreve: «Se o negócio é celebrado no exclusivo interesse do mandatário ou de terceiro, então estamos perante um contrato que não pode qualificar-se de mandato (...), aliás um mandato com tal natureza não é previsto pela lei»..
(18) Estamos a seguir de perto Januário gomes, op. cit., págs. 148/150, com recensão de outra doutrina transalpina..
(19) Nesta lieralidade, exactamente, o aresto, de 9 de Janeiro do ano corrente, citado supra, nota 16..
(20) Galgano, op. cit., pág.115..
(21) Apud Galgano, ibidem, nota 13.
(22) Acórdão, de 24 de Janeiro de 1990, citado supra, nota 5; no mesmo sentido o acórdão, de 9 de Outubro de 2003, revista n.º 2201/03, 7.ª Secção, com outras informações doutrinárias e jurisprudenciais.:
(23) Conceito parafraseado de Baptista Machado, apud Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Lda., Coimbra, 1997, pág. 810..