Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00027334 | ||
Relator: | AMADO GOMES | ||
Descritores: | PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MATÉRIA DE FACTO RECURSO FALTA DE MOTIVAÇÃO REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Nº do Documento: | SJ199506210480233 | ||
Data do Acordão: | 06/21/1995 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO. | ||
Área Temática: | DIR PROC PENAL - RECURSOS. | ||
Legislação Nacional: | CPP87 ARTIGO 127 ARTIGO 410 N2 B C ARTIGO 420 N1 ARTIGO 426 ARTIGO 436. | ||
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Sumário : | I - O Supremo Tribunal de Justiça não aprecia, nem pode alterar a matéria de facto. II - Os vícios apontados nas alíneas do artigo 410, n. 2 do Código de Processo Penal, cognoscíveis pelo Supremo Tribunal de Justiça têm de resultar do texto do acórdão recorrido por si só ou através da experiência comum, não se podendo recorrer a elementos estranhos ainda que estejam no processo. III - É rejeitado sempre o recurso a que falte motivação ou for manifesta a sua improcedência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na 1. Vara Criminal de Lisboa, mediante acusação do Ministério Público que lhe imputava a prática de um crime previsto e punido pelo artigo 21 n. 1 do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, respondeu o arguido: A, cidadão estrangeiro, casado, sem profissão, natural da Guiné Bissau, onde nasceu a 20 de Janeiro de 1964. Veio a ser condenado pela autoria material de um crime previsto e punido pelo artigo 25 alínea a) do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão e ainda na pena acessória de expulsão do território nacional por 5 anos. O arguido interpôs recurso desta decisão. Na motivação apresentada alega contradição insanável da fundamentação, erro notório na apreciação da prova e inadequação entre a matéria efectivamente provada e a pena aplicada. Por outro lado impugna a não suspensão da pena e a aplicação da pena acessória de expulsão. Formulou as seguintes conclusões: 1.- Face aos factos que o acórdão tem por provados e não provados, não legitima a conclusão de que "o Réu destinava as pequenas embalagens que detinha em seu poder à venda a terceiros". 2.- Como se vê dos autos, a acusação de que o Réu destinava os produtos à venda baseia-se na afirmação dos senhores Agentes da P.S.P. que o detiveram, de que: a) - O Réu ter-lhes-á confessado tal facto (folha 25 dos autos). b) - O Réu, no momento da sua intervenção, recebia uma nota de mil escudos pela transacção de uma embalagem, de um indivíduo que acabou por fugir. 3.- Quanto à alegada confissão do Réu, não pode dar-se processualmente por provada, nem ser relevante: com efeito, não só o Réu veio expressamente a negá-la (folhas 12 e 26 verso), como o douto acórdão não a considera verificada. 4.- Relativamente ao segundo aspecto, expressamente deu a decisão recorrida por não provado que a quantia em dinheiro que o arguido detinha fosse proveniente da venda de estupefaciente (folha 57). 5.- Ora, sendo assim, não é possível a conclusão de que o Réu destinava o produto em cuja posse foi encontrado, a venda a terceiros. 6.- Há contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, sendo que a matéria efectivamente provada não consubstancia a pena que veio a ser aplicada. 7.- Ao decidir como fez, o douto acórdão recorrido violou, por errada aplicação, o disposto no artigo 374 do Código de Processo Penal, cometendo os vícios a que se refere o n. 2 do artigo 410 do mesmo código. 8.- Ainda que assim não fosse entendido - o que só teoricamente se concebe - devia a execução da pena aplicada ao Réu ter sido objecto de suspensão. 9.- Com efeito (vd. acórdão, folhas 57 e 75 verso), relativamente ao Réu, - a inexistência de antecedentes criminais; - a sua proveniência de país estrangeiro e distante; - a humilde condição social; - o facto de, como pintor da construção civil, ter trabalho certo; - ter a cargo um amplo agregado familiar na Guiné - Bissau, com filhos de tenra idade, são factos que justificam, na boa aplicação do disposto no artigo 48 do Código Penal, a suspensão da execução da pena que, sendo embora um poder do juiz, não pode deixar de ser aplicado quando resulte da melhor interpretação da lei. 10.- Com o entendimento seguido violou o douto acórdão aquele artigo 48 do Código Penal. 11.- Também a condenação do Réu na pena acessória de expulsão é, face à factualidade apurada e às circunstâncias objectivas da conduta e pessoais do arguido, inadequada. 12.- Também aqui o circunstancialismo atrás evidenciado, em especial no que se liga ao agregado familiar, ao período de tempo em que o Réu se encontra em Portugal e aos especiais laços históricos entre os povos dos dois países, melhor se coadunam com a não aplicação de pena acessória, maxime da expulsão. 13.- Mostra-se violado pela decisão recorrida o n. 1 do artigo 34 do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro. Termina formulando o pedido de absolvição ou, se assim não se entender, que seja declarada a suspensão da pena, anulando-se a pena a acessória de expulsão. Respondeu o Ministério Público que, com muita lucidez, impugna toda a argumentação do recorrente e conclui pela improcedência do recurso. Neste Supremo Tribunal o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto suscitou a questão prévia da rejeição do recurso. Notificado o recorrente para se pronunciar, fê-lo pela forma que consta de folhas 83 e 84, concluindo que são improcedentes os fundamentos de rejeição do recurso. Foram colhidos os vistos legais. Vieram os autos à conferência para decisão da questão prévia. Passa-se a decidir. O Código de Processo Penal de 1987 é profundamente inovador, especialmente em matéria de recurso onde surge a figura da rejeição liminar. No Preâmbulo do código, o legislador justifica a rejeição desta forma: "com as inovações introduzidas procurou obter-se um duplo efeito: potenciar a economia processual numa óptica de celeridade e de eficiência; e, ao mesmo tempo..." "Para alcançar o primeiro desiderato, tentou obviar-se ao reconhecido pendor para o abuso dos recursos, abrindo-se a possibilidade de rejeição liminar de todo o recurso por manifesta falta de fundamento". Acresce que deixou de existir a concepção paternalística do Código de Processo Penal/29, onde vigorava o princípio do conhecimento amplo do tribunal de recurso que supria as deficiências ou insuficiências dos recorrentes. Os recorrentes devem expor com rigor e precisão os fundamentos do recurso e levarem às conclusões da motivação as questões que devem ser decididas e o sentido em que o devem ser. Essas conclusões constituem o objecto do recurso que o tribunal de recurso deve conhecer, o Supremo Tribunal de Justiça deve seleccionar com rigor os recursos que merecem ser julgados com o formalismo de uma audiência. Só assim se cumpre o quadro altamente restritivo do novo código, em matéria de recurso e só assim o Supremo Tribunal de Justiça assume a dignidade que a lei lhe confere. Prescreve o artigo 420 n. 1 do Código de Processo Penal que o recurso deve ser rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência. Vejamos, portanto, os fundamentos do recurso. 1. - Contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova. São os vícios a que alude o artigo 410 n. 2 alíneas b) e c), do Código de Processo Penal. Porém, dada a forma como vêm alegados, é manifesto que tal alegação não os integra. Os vícios que a lei tem em vista são os que resultam do texto da decisão por forma tão flagrante que não passam despercebidos ao cidadão médio. Basta atentar nos sugestivos exemplos apresentados por Maia Gonçalves nas anotações àquele artigo 410, para se ficar com uma noção clara daquilo que a lei tem em vista. A existência desses vícios determina o reenvio do processo e não a absolvição, como o recorrente pretende. A contradição insanável e o erro notório que o recorrente invoca, não resultam da leitura do texto da decisão sobre matéria de facto. São vícios que, na versão do recorrente, terão existido na apreciação e valoração que o Tribunal Colectivo fez da prova produzida em julgamento. Por isso diz que não lhe parece possível a conclusão de que o arguido destinava à venda a terceiros o estupefaciente que detinha, razão porque deve ser absolvido. O Supremo Tribunal de Justiça, quando funciona como tribunal de recurso, não reexamina a matéria de facto nem a pode alterar. Isto é tão elementar que constrange ter que repeti-lo constantemente. Não se trata de uma interpretação pessoal. É o entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência. Na verdade, se este Tribunal não assistiu à prova produzida, como poderia saber se a interpretação que o recorrente faz da prova, é a exacta? O Tribunal Colectivo aprecia e valora a prova produzida em julgamento de acordo com o preceituado no artigo 127 do Código de Processo Penal e verte a sua convicção na decisão sobre matéria de facto. Essa convicção não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça. Atento o exposto é manifesto que o alegado não integra qualquer dos vícios do elenco do citado artigo 410 n. 2. 2. - Ainda que algum desses vícios se verificasse, improcedia também o pedido de absolvição porque a consequência legal é o reenvio do processo para que, em novo julgamento, a 1. instância sem as imperfeições da matéria de facto, as quais tornavam impossível a decisão da causa (cfr. artigos 410, 426 e 436 do Código de Processo Penal). Os factos provados contêm todos os elementos objectivos e subjectivos do crime por que o arguido foi condenado. Por isso a condenação foi legal. 3. - Manifesta é também a improcedência do pedido de suspensão da pena. Este instituto tem por base um juízo favorável acerca do futuro comportamento do arguido por forma a que o Tribunal se convença de que ele reconheceu o mal da sua conduta e não voltará a delinquir. Essa convicção do Tribunal há-de assentar em dados objectivos que resultem da matéria de facto por forma a que o tribunal de recurso possa verificar se se justifica ou não a suspensão. Entre esses dados objectivos têm especial relevo a confissão aberta e o arrependimento activo, que não se provaram. Apenas se provou a situação social, familiar e económica do arguido, sem relevo para este efeito. Nada na matéria de facto permite tal juízo de prognose favorável ao arguido. Acresce que neste tipo de crime, só em casos excepcionais se justifica a suspensão da execução da pena aos traficantes do "mercado da morte". Demasiada benevolência usou o Tribunal Colectivo ao convolar o crime da acusação para o crime de tráfico de menor gravidade. O arguido não a compreendeu. 4. - O pedido de revogação da pena acessória de expulsão assenta na "factualidade apurada e circunstâncias objectivas e pessoais do Arguido" - n. 111 da motivação. É manifesto que da matéria de facto não se pode concluir da forma que o recorrente pretende. Como já se disse, não é possível concluir pela possibilidade do bom comportamento futuro do arguido por forma a integrar-se na nossa sociedade respeitando os valores que o ordenamento jurídico defende e correspondendo à generosidade de um Estado que o admitiu no seu seio. Nem sequer os laços familiares o prendem a Portugal porque a sua verdadeira família vive na Guiné. A decisão recorrida aplicou esta pena não como consequência automática da condenação pelo crime. Fundamentou-a de forma concisa e correcta, não violando as garantias constitucionais. Os argumentos do recorrente contrariam o que resulta dos autos e da lei, razão porque são manifestamente improcedentes. Sendo improcedentes de forma manifesta todos os fundamentos do recurso, manifesta é também a improcedência total. Em face no exposto decide-se de acordo com o disposto no art. 420 n. 1 do Código de Processo Penal rejeitar o recurso, condenando-se o recorrente a pagar 4 UCs de taxa de justiça e as custas, com 1/3 de procuradoria. Lisboa, 21 de Junho de 1995. Amado Gomes, Herculano Lima, Fernandes de Magalhães. Decisão impugnada: Acórdão de 10 de Fevereiro de 1995 da 1. Vara Criminal de Lisboa. |