Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9304/09.6YYPRT-A.P1S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
EXTINÇÃO DO CONTRATO
CADUCIDADE
IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA (NULIDADES).
Doutrina:
- A. VARELA, Das Obrigações em geral, II, 6ª ed., p. 66.
- ANÍBAL DE CASTRO, A Caducidade, 2ª ed., p. 216.
- P. ROMANO MARTINEZ, Da Cessação do Contrato, pp. 46, 48.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 795.º, 1051.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 668.º, N.º1, AL. C).
Sumário :
I - Pode ocorrer extinção do contrato de locação, por caducidade, para além das hipóteses elencadas no art. 1051.º do CC, quando a base negocial que presidiu às estipulações contratuais das partes tenha assentado em pressupostos que deixaram de existir, designadamente nos casos de impossibilidade superveniente da prestação susceptíveis de conduzirem à extinção do vínculo contratual, nos termos previstos no art. 795.º do mesmo Código.

II - Para tanto, em contrato de arrendamento, há-de verificar-se um evento ou circunstância, subtraído à vontade das partes, que tenha tornado inviável, por inexigível, atento o fim contratual, a utilização do imóvel arrendado pelo locatário.
Decisão Texto Integral:

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            1. - Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa – “acção de pagamento de renda”, prevista no art. 15º-2 do NRAU – em que é Exequente “AA” e são Executadas “BB, S.A.” e “CC, , S.A.”, deduziram estas Demandadas oposição à execução, pedindo a sua extinção total, com fundamento na nulidade dos contratos de “arrendamento” e de “fiança” ou, subsidiariamente, na caducidade do “arrendamento”, a partir de 31/12/2007, ou na sua resolução por alteração anormal das circunstâncias.

             Para tanto alegaram, em síntese e ao que ainda interessa referir, que a sociedade comercial “DD (Centro), Ld.ª”, única que poderia utilizar as instalações, foi declarada insolvente e cessou a actividade, tendo Executada devolvido à Exequente o arrendado totalmente livre e devoluto, após o que se seguiram negociações entre as Partes, tendo a Exequente aceite a resolução amigável do contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 28.02.2009.

             De qualquer modo, mesmo antes da resolução por alteração as circunstâncias decorrentes da crise económica iniciada em 2008, o contrato de arrendamento caducou, em 31.12.2007, a partir da cessação total e definitiva da actividade social da “DD, Ld.ª”, dada a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a “falsa” arrendatária o gozar e fruir.

A Exequente contestou, pugnando pela validade e eficácia do título dado à execução.        

Alegou que desconhece a dimensão do “Grupo F........” e a identidade da empresa que laborou no imóvel, sendo que as Executadas não invocam, nem tinham, qualquer fundamento para devolver o locado e/ou denunciar o contrato com efeitos imediatos, denúncia que nunca efectuaram, e que o contrato de arrendamento não caducava, nem podia ser resolvido, em virtude da cessação de um eventual contrato de subarrendamento que a arrendatária tivesse celebrado com terceira entidade, relativamente à qual mantivesse uma relação de domínio, de participação ou de grupo.

                 A oposição à execução foi julgada parcialmente procedente, com fundamento na extinção do contrato, por caducidade, em 09/10/2008, e, em consequência, determinado o prosseguimento da execução intentada pela Exequente, mas apenas para pagamento da quantia de €357.413,42, acrescida dos juros moratórios vencidos e vincendos, contados à taxa comercial, a partir de 4.12.2009 e até efectivo e integral pagamento.

         Apelaram ambas as Partes.

         O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso das Executadas, mas concedeu-o à da Exequente, julgando inverificada a caducidade do contrato de arrendamento e, por via disso, a oposição à execução totalmente improcedente.

         As Oponentes pedem ainda revista, pretendendo ver total ou parcialmente extinta a execução, mediante a declaração de caducidade do contrato de arrendamento, com efeitos desde 31/12/2007, ou, pelo menos, nos termos decididos na 1ª Instância.

         Para tanto, as Recorrentes argumentam nas conclusões da alegação:

“ (…);

4. Face à matéria de facto provada e constante das alíneas B), C) E), L) P) e Q) da Matéria Assente e das respostas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 11º, 12º, 17º, 45º, 46º e 47º da B.I. resulta claramente a impossibilidade definitiva, absoluta e superveniente da Executada/Recorrente gozar e fruir o locado, por si só ou através de qualquer outra sociedade ou empresa.

5. O prédio objecto do contrato consiste numas instalações criadas de raiz exclusivamente para uma concessão de venda e reparação de veículos da marca Mitsubishi, como melhor se alcança da resposta dada ao quesito 4º da BI.

6. A "falsa" arrendatária, BB, tem como objecto social "a gestão e promoção imobiliária, compra e venda de imóveis", como consta provado nos autos, nomeadamente, na alínea L) da Matéria Assente.

7. A empresa que laborava no locado era a DD, Ld.ª, sociedade cujo capital social era detido na totalidade pela CC e que tinha por objecto o comércio automóvel e rodoviário, sendo distribuidor autorizado das marcas Mitsubishi, Fiat e Citroen.

8. Em 31.12.2007, em consequência directa e necessária da denúncia dos contratos de distribuição operada pela Mitsubishi, Fiat e Citroen, a DD (Centro) cessou total e definitivamente a sua actividade.

9. "Não existindo qualquer entidade que, com a "BB" ou com a "CC", esteja em relação de domínio, participação ou grupo, pudesse utilizar o imóvel em causa" - resposta ao quesito 11º da B.I.

10. A Exequente/Recorrida tinha ab initio pleno e total conhecimento da situação física do locado e da situação financeira das Executadas/Recorridas.

11. Assim como sabia perfeitamente que a BB nunca exerceu qualquer actividade no local antes da celebração do aludido contrato de arrendamento, informações a que teve acesso privilegiado porquanto tinha em sua posse os elementos de identificação da "falsa" arrendatária e da fiadora, CC, como decorre das respostas dadas aos quesitos 12º, 45º, 46º e 47º da B.I.

12. Face aos factos provados, a conclusão expendida no 2º parágrafo, da página 20 do douto Acórdão recorrido, nos termos da qual ti (. . .) não se pode considerar como evento gerador da caducidade do arrendamento em apreço, aceite ou previsto pelas partes, a cessação total e definitiva da actividade social no locado por parte da sociedade DD Ldª, mantendo-se a prestação - cedência do uso e fruição do locado objectiva e subjectivamente possível" surge igualmente desprovida de qualquer sentido, veracidade e fundamento.

13. Ao tempo da propositura da presente acção o grupo em causa estava reduzido a três sociedades operacionais sediadas em Braga, Guimarães e Viana do Castelo, distribuidoras autorizadas das marcas Opel e Chevrolet nos distritos de Braga e Viana do Castelo, bem assim como a meia dúzia de pequenas sociedades de direito espanhol que operavam na área da comercialização e reparação de automóveis na província espanhola da Cantábria, também elas distribuidoras das marcas Nissan, Hyunday e Kia nessa região, como resulta provado das respostas aos quesitos 1º  e 2º da B.1.

14. De todas estas sociedades actualmente apenas resta uma, sediada em Guimarães, distribuidora da marca Chevrolet e cujo capital não é participado nem pela CC nem pela BB.

15. Da conclusão expendida no referido 2º parágrafo do Acórdão recorrido, a páginas 20 e transcrito na conclusão 13, supra, parece decorrer que a caducidade só opera se o facto que a gerou tiver sido aceite ou previsto pelas partes. Ora,

16. A ideia que subjaz aos casos de caducidade previstos no Código Civil (art. 1051º) é a da "extinção automática do contrato, como mera consequência de algum evento a que a lei atribui esse efeito. Aqui o contrato resolve-se ipso iure, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade, jurisdicional ou privada, tendentes a extingui-los"..

17. A enumeração dos casos de caducidade previstos no art. 1051 º, nº 1, do C. Civil, embora" seja muito vasta e tendencialmente exaustiva, não terá real carácter taxativo, bem podendo ocorrer na prática, onde a imaginação criadora é sempre insuperável, eventos caducantes não cobertos por qualquer das descrições do preceito. Pela própria natureza deles, de resto, será em princípio plenamente admissível a ocorrência de eficácia extintiva de um certo evento, independentemente de ter sido como tal concretamente descrito na lei".

18. Dos factos provados resulta paradigmaticamente a caducidade do ajuizado contrato de arrendamento por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da "falsa" arrendatária gozar e fruir o imóvel objecto imediato do mesmo, como bem decidiu o douto Tribunal de 1ª Instância.

19. Por último, sempre se dirá que a Exequente/Recorrida não sofreu qualquer prejuízo com a celebração da operação bancária de financiamento que celebrou com a Executada/Recorrente, conforme melhor se explanou nas páginas 2 a 5 das Alegações de Apelação apresentadas e que ora, por comodidade, se dão por integralmente reproduzidas, desde logo porque há muito tempo que trás o referido imóvel arrendado a outro grupo.

20. O Acórdão recorrido encontra-se inquinado de nulidade uma vez que a decisão e os fundamentos dele constantes encontram-se em frontal oposição com a matéria de facto provada, como resulta do controvertido no art. 668º, nº 1, alínea c) do C. P. Civil”.

         A Recorrida apresentou resposta, sustentando a inviabilidade da pretensão das Recorrentes.

             2. - Do conteúdo das conclusões transcritas emergem duas questões,

  - uma, de natureza processual, consubstanciada na arguida nulidade do acórdão impugnado, que vem qualificada como oposição entre os fundamentos e a decisão; e,

  - a outra, de direito substantivo, que tem por objecto a verificação da extinção do contrato de arrendamento, por caducidade, e, em caso, afirmativo, em que data.

         3. - De entre a factualidade provada, interessa à apreciação do objecto do recurso, tal como se encontra delimitado, a que segue.

  1. 1. O exequente, AA representado por AA de Investimento Imobiliário, SA, intentou contra as executadas BB, SA (a seguir também designada por “BB) e CC, SA, (a seguir também designada por “CC”) a acção executiva de que estes autos são um apenso, dando à execução o contrato de arrendamento, interpelações e documentos apresentados com o requerimento executivo;

  2. Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 11.01.2006, a executada BB, SA, declarou vender e o exequente AA, representado por CC, SA, declarou comprar, pelo preço de quatro milhões de euros já recebido, “o prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e andar, com logradouro, sito na Avenida Dr. ............., n.º 0000, freguesia e concelho de São João da Madeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o número .................../São João da Madeira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 0000”;

  3. Em 11.01.2006, o exequente, AA, representado por CC, SA, na qualidade de senhorio e ali designada por “primeiro outorgante”, a executada BB, SA, na qualidade de inquilina e ali designada por “segunda outorgante” e a executada F........., CC, SA, na qualidade de fiador e ali designada por “terceiro outorgante”, celebraram o contrato de arrendamento constante do documento apresentado com o requerimento executivo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual a “primeira outorgante” deu de arrendamento à “segunda outorgante” o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o n.º 0000 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 0000, pelo prazo de sete anos, com início na referida data e mediante o pagamento da renda mensal inicial global de €26.667,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor na data de pagamento, a efectuar por crédito na conta NIB 000000000000000, aberta no B.......................Funchal, SA, no primeiro dia do mês imediatamente anterior àquele a que disser respeito;

  4. De acordo com o teor da cláusula segunda do aludido contrato de arrendamento, o valor da renda seria actualizada anualmente por aplicação do valor do coeficiente de actualização das rendas publicado pelo Governo, processando-se a primeira actualização um ano após a data de início da vigência do contrato e as seguintes um ano após a actualização anterior;

  5. Em conformidade com o estipulado na cláusula terceira do mencionado contrato de arrendamento, “Os locais arrendados destinam-se à instalação e funcionamento de serviços e actividades da Segunda Outorgante, não lhes podendo ser dado outro destino, ou exercida qualquer outra actividade, sem o consentimento expresso do Senhorio, a ser dado sob a forma de aditamento escrito ao presente contrato (…) As áreas objecto do presente contrato são arrendadas no estado de manutenção e conservação em que se encontram, que a Arrendatária expressamente declara conhecer e aceitar, reconhecendo ainda as aptidões do locado aos fins a que se destina”;

  6. Na cláusula décima primeira do mesmo contrato de arrendamento ficou consignado que “A arrendatária fica, desde já, autorizada a celebrar, com entidades que, consigo ou com a Terceira Outorgante, estejam em relação de domínio, participação ou grupo, um ou mais contratos de cedência de espaço ou subarrendamento, que tenham por objecto parte(s) do locado, não se considerando tal cedência, a qualquer título, como subarrendamento, total ou parcial do locado para efeitos do número Três (…) Caso no exercício da faculdade que lhe é concedida nos termos no número anterior a Arrendatária venha a autorizar a ocupação de parte do locado, deverá obter da concessionária declaração expressa em que esta se comprometa a restituir o espaço cedido, totalmente livre e devoluto de pessoas e bens, à Arrendatária, previamente à cessação, por qualquer forma”;

  7. Na cláusula décima segunda do referido contrato de arrendamento ficou exarado que “A Terceira Outorgante constitui-se fiadora e principal pagadora, assumindo solidariamente com a Inquilina a obrigação de fiel, pontual e integral cumprimento de todas as cláusulas deste contrato e suas renovações, e bem assim declarando que a fiança que prestará subsistirá ainda que haja alteração de renda fixada e mesmo depois de ter decorrido o prazo de cinco anos a que alude o número 2 do artigo 655.º do Código Civil, mantendo-se a fiança até à restituição do locado livre e devoluto e liquidados todos os créditos do Senhorio provenientes desta relação locatícia (…) Apresente fiança é prestada com renúncia expressa ao benefício de excussão prévia do devedor;

  8. Na cláusula décima quinta consignou-se que “A sociedade inquilina terá o direito de adquirir o locado a partir do final do quinto ano de vigência do presente contrato de arrendamento para fins comerciais, devendo – para o efeito – notificar, com um mínimo de seis meses de antecedência, a Primeira Outorgante de que pretende exercer tal direito (…) O preço de aquisição será igual ao valor médio de duas avaliações a realizar para o efeito (…”;

  9. O Grupo F......... precisava de financiamento e os contratos de compra e de arrendamento referidos em B) e C) dos factos assentes tiveram por finalidade a angariação dos montantes de que necessitava;

 10. O exequente é um Fundo ...................... com o Regulamento de Gestão constante do documento apresentado com o requerimento executivo;

  11. As executadas BB, SA e F........., CC, SA, pertencem ao denominado Grupo F.........;

  12. A executada BB, S.A., com sede em Braga, tem como objecto social a gestão e promoção imobiliária, compra e venda de imóveis;

  13. A executada F......... CC, S.A., com sede em Braga, tem como objecto social a gestão de participações sociais, como forma indirecta de exercício de actividades económicas;

  14. O denominado Grupo F......... actualmente está reduzido a três sociedades operacionais sediadas em Braga, Guimarães e Viana do Castelo, distribuidoras autorizadas das marcas Opel e Chevrolet nos distritos de Braga e Viana do Castelo;

  15. Bem assim como a meia dúzia de pequenas sociedades de direito espanhol que operam na área da comercialização e reparação de automóveis na província espanhola da Cantábria, também elas distribuidoras autorizadas das marcas Nissan, Hyundai e Kia nessa região;

(…);

  32. A sociedade DD (Centro) – , Lda., com sede na Avenida Dr. ............., n.º 0000, em S. João da Madeira, tendo por objecto social o comércio automóvel e rodoviário, foi constituída com o capital social de €250.000,00, divididos em duas quotas de €175.000,00 e 75.000,00, ambas pertencentes a F......... – CC, SA, exercendo a respectiva gerência EE, FF, GG e HH;

  33. A referida sociedade DD (Centro) – , Lda, foi declarada insolvente por sentença proferida em 14.10.2008 e transitada em julgado em 24.11.2008;

  34. A empresa que laborava no prédio objecto do contrato de arrendamento, a sociedade comercial por quotas que girava sob a denominação de DD (Centro), Lda, cessou total e definitivamente a sua actividade em 31.12.2007, em consequência directa e necessária das denúncias dos contratos de concessão por parte das marcas Mitsubshi, Fiat e Citroen;

  35. O prédio objecto do contrato de arrendamento referido em C) dos factos assentes consiste numas instalações criadas de raiz para uma concessão de venda e reparação de veículos da marca Mitsubishi e por isso exclusivamente destinadas à actividade de reparação e exposição de veículos e estação de serviço;

  36. Não existindo qualquer entidade que, com a “BB” ou a “CC”, esteja em relação de domínio, participação ou grupo, pudesse utilizar o imóvel em causa;

  37. A executada BB, SA, em 6.10.2008, remeteu ao exequente a carta de fls. 39/40, informando da sua intenção de devolver o imóvel e solicitando informação sobre o local onde poderia proceder à entrega das chaves;

  38. Após a expedição da referida carta seguiram-se negociações entre as partes;

  39. Em 2.12.2009, a exequente remeteu às executadas BB, SA e CC SA, as cartas registadas com aviso de recepção apresentadas com o requerimento executivo, interpelando-as para proceder ao pagamento da quantia de €872.000,71, referente às rendas não pagas dos meses de Novembro de 2007 a Dezembro de 2009, acrescida do montante de €436.000,35 a título de indemnização nos termos do artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil;

  40. As executadas BB, SA e CC, SA, não dispunham de meios financeiros para pagar as prestações em atraso, pelo que a executada “BB” propôs à exequente uma dação em pagamento da dívida integral, mediante a transferência da propriedade de bens e direitos (…);

  41. A exequente mandou proceder à avaliação dos imóveis;

  42. Após a realização das avaliações referidas, e no seguimento das reuniões havidas, as partes chegaram a elaborar a minuta de resolução por acordo do contrato de arrendamento, nos termos documentados a fls. 45 a 48;

  43. Uma vez que o património que as executadas pretendiam transferir para a exequente não era suficiente para liquidação integral da dívida, seria necessário que a executada “BB” liquidasse o capital em dívida remanescente;

  44.Este último ponto não foi consensual e, por isso, as negociações frustraram-se, não tendo havido qualquer acordo entre as partes;

  (…);

  49. A executada “BB” pagou à exequente €708.419,98 correspondente às rendas até Outubro de 2007 (inclusive);

  50. As executadas sempre criaram no exequente a convicção de que são sociedades coligadas, mantendo entre elas uma relação de participação, de domínio ou de grupo;

  51. Foi a executada CC quem pagou à consultora imobiliária I.......... os honorários devidos pela sua intervenção no negócio celebrado entre a exequente e as executadas, apesar de o contrato de mediação imobiliária ter sido celebrado pela executada BB;

  52. A exequente conhecia a situação física do local arrendado e a situação financeira das executadas;

  53. E também sabia que a executada “BB” nunca exerceu qualquer actividade no local antes da celebração do aludido contrato de arrendamento;

  54. A exequente pediu os elementos de identificação da arrendatária e da fiadora.

    4. - Mérito do recurso.

 4. 1. - Nulidade do acórdão.

As Recorrentes argúem a nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 668º-1-c) CPC – alegando que “os fundamentos dele constantes encontram-se em frontal oposição com a matéria de facto provada”.

         Se bem se interpreta, as Recorrentes, que nada concretizam, invocam, como vício do acórdão, oposição entre os fundamentos de facto (matéria de facto provada) e os fundamentos de direito ou fundamentação jurídica da decisão.

         A nulidade prevista na norma invocada respeita a uma contradição lógica da decisão, a um vício formal de incompatibilidade entre as premissas e a conclusão no silogismo judiciário. Há-de ocorrer entre os fundamentos e a decisão, por esta conter uma conclusão a que aqueles logicamente não conduziriam.

         Sem prejuízo de poder ocorrer erro de julgamento, por eventual erro de subsunção dos factos ao regime jurídico aplicável ou erro na interpretação ou aplicação do direito, certo é não existir o arguido vício formal.

         Improcede, portanto, a arguição de nulidade.

4. 2. - A caducidade do contrato.

 As Recorrentes continuam a sustentar que o contrato de arrendamento celebrado entre a Exequente e a Executada “BB, SA”, como locatária, se extinguiu, por caducidade, por “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva” da arrendatária gozar e fruir o imóvel objecto do contrato.

Argumentam que, consistindo o locado numas instalações criadas de raiz, exclusivamente para uma concessão de venda e reparação de veículos da marca “Mitsubishi”, nele laborando a Sociedade comercial “DD”, cujo capital era detido pela CC, e tendo a “DD” cessado a actividade em 31/12/2007, sem que existisse qualquer sociedade que com a “BB” ou a “CC” estivesse numa relação de domínio ou grupo, que pudesse utilizar o imóvel, o contrato caducou naquela data.   

O acórdão impugnado, depois de considerar que não se está perante um caso de caducidade do contrato de arrendamento previsto no art. 1051º C. Civil, propôs-se “indagar se contratualmente as partes previram a ocorrência de um qualquer evento gerador de caducidade do contrato, como o apontado na decisão recorrida (sentença)”, questão a que respondeu negativamente, considerando que as Executadas não alegaram a factualidade de que lançou mão o julgador da 1ª Instância, a qual, por via disso, também não poderia ter-se por provada.

As Recorrentes não põem em causa que as normas relativas à extinção do contrato de locação, por caducidade, elencadas no art. 1051º do Código Civil, não prevêem a hipótese que o caso reflecte.

    Invocam, como evento caducante, como dito, a impossibilidade superveniente de a arrendatária gozar e fruir o imóvel locado, dada a cessação de actividade da “DD”, que nele laborava.

A caducidade, como facto jurídico extintivo de direitos, opera ope legis, resolvendo ou dissolvendo automaticamente o negócio, independentemente de qualquer manifestação de vontade das partes.

Com efeito, verificado o facto legal ou convencionalmente previsto como susceptível de dela ser fundamento, a caducidade surge e opera, dependendo de simples constatação desse evento impeditivo da eficácia.

De notar que, por assentarem sempre num fundamento legal, as situações que geradoras de caducidade não se encontram, elas mesmas, na disponibilidade das partes, podendo estas, tão só, estipular os respectivos pressupostos. Por isso, como esclarece P. ROMANO MARTINEZ (“Da Cessação do Contrato”, 48), “a liberdade contratual pode moldar e permitir o recurso à caducidade, mas esta causa de cessação do vínculo não resulta da autonomia das partes, mas sim da lei”.

Sendo o evento prejudicial superveniente, isto é, ocorrendo após o início da produção de efeitos do negócio, a ineficácia, traduzida na cessação de vigência, produz-se para futuro, ocorrendo a dissolução (cfr. ANÍBAL DE CASTRO, “A Caducidade”, 2ª ed., 216).

  De caducidade pode falar-se quando a base negocial que presidiu às estipulações das partes tenha assentado em pressupostos que deixam de existir.

Assim, nos casos de impossibilidade superveniente da prestação, designadamente, quando conduza à extinção do vínculo contratual, nos termos previstos no art. 795º C. Civil.

A impossibilidade absoluta e definitiva é um facto ou evento que, concorrendo os pressupostos respectivos, “opera por si”, sem necessidade de valoração. Bastará, pois, que se demonstre que, por qualquer circunstância, “o comportamento exigível do devedor, segundo o conteúdo da obrigação, se torna inviável” (P. R. MARTINEZ, ob. cit., 46; A. VARELA, “Das Obrigações em geral”, II, 6ª ed., 66).

Aqui chegados, resta averiguar se, perante o conteúdo do quadro factual disponível, está demonstrada a verificação de um evento ou circunstância, subtraído à vontade das Partes, que tenha tornado inviável a utilização do imóvel arrendado pela locatária, por si ou pelas entidades às quais poderia cedê-lo, nos termos previsto na cláusula 11ª (facto 6).

 Ora, a resposta terá de ser, necessariamente, negativa.

Se, efectivamente, é verdade que, após a cessação de actividade da “DD, Lda.” não existia qualquer entidade que, com as Executadas estivesse em relação de domínio ou grupo, e pudesse utilizar o imóvel, não pode deixar de ter-se presente que, antes disso, nada, do clausulado no contrato de arrendamento ou para além dele provado, fazia depender a eficácia do mesmo ou ser o seu fim, exclusivo ou não, a cedência à “DD” ou mesmo a qualquer outra sociedade em situação jurídica idêntica.

Escapa, portanto, ao conteúdo da obrigação, segundo o convencionado, a inexigibilidade do respectivo cumprimento por impossibilidade superveniente: - arrendatária é a “BB”, a cuja instalação e funcionamento de serviços e actividades se destinou o locado, apenas tendo ficado autorizada a cedê-lo em certas condições e com determinadas limitações (cláusulas 3ª e 11ª), não sendo a cedência e sua possibilidade o fim contratual convencionado, mas uma mera faculdade.

Por isso, insiste-se, se, como, em sede de matéria de facto, decidiu definitivamente o Tribunal da Relação, não se pode considerar, por nem sequer ter sido alegado, que as Partes sabiam que o locado seria exclusivamente utilizado pela DD e que a Exequente não ignorava que as Executadas não dispunham de outra entidade que pudesse utilizar o imóvel, afastada está a existência de qualquer facto susceptível de ser utilizado - como se admite que esses o pudessem ser - como pressuposto do recurso à figura da caducidade.

Nesta conformidade, na improcedência das conclusões do recurso, a decisão impugnada não merece censura.

4. 3. - Respondendo, em síntese conclusiva, à questão substantiva enunciada, dir-se-á:

- Pode ocorrer extinção do contrato de locação, por caducidade, para além das hipóteses elencadas no art. 1051º C. Civil, quando a base negocial que presidiu às estipulações contratuais das partes tenha assentado em pressupostos que deixaram de existir, designadamente nos casos de impossibilidade superveniente da prestação susceptíveis de conduzirem à extinção do vínculo contratual, nos termos previstos no art. 795º do mesmo Código.   

- Para tanto, em contrato de arrendamento, há-de verificar-se um evento ou circunstância, subtraído à vontade das partes, que tenha tornado inviável, por inexigível, atento o fim contratual, a utilização do imóvel arrendado pelo locatário.

5. - Decisão.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

- Negar a revista;

- Confirmar a decisão recorrida; e,

- Condenar as Recorrentes nas custas.

 Lisboa, 8 de Maio de 2013

Alves Velho (Relator)

Paulo Sá

Garcia Calejo