Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B1324
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Descritores: COMPRA E VENDA
ERRO
DOLO
DEVER DE INFORMAR
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200405130013247
Data do Acordão: 05/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 2874/03
Data: 11/03/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O negócio oneroso de "cedência" do material e produtos negociáveis de uma loja comercial, embora acompanhado da renúncia do cedente à titularidade da loja e ao direito ao arrendamento, deve qualificar-se como um contrato de compra e venda daquele material, constituindo aqueles actos do alienante elementos acessórios do negócio.
2. Para que o dolo, ou o erro, relevem como fundamento de anulabilidade do negócio, é necessário que a circunstância sobre que incidiram tenha sido determinante para a declaração negocial, isto é, sem cuja verificação a declaração negocial não teria sido emitida ou emitida nos termos em que o foi.
3. É àquele que pretende a anulabilidade do negócio, por erro ou dolo, que incumbe o ónus da prova dos factos integrantes da sua pretensão.
4. A doutrina e a jurisprudência têm considerado a violação dos deveres de informação e esclarecimento de todos os elementos com relevo directo ou indirecto para o conhecimento da temática do contrato (sendo vedada quer a omissão dos esclarecimentos, quer a prestação de esclarecimentos falsos, incompletos ou inexactos) como fundamento de responsabilidade pré-contratual.
5. A violação, na formação do contrato, desses deveres (salvo na medida em que seja causa de vício da declaração ou da vontade da outra parte, ou provoque a celebração de negócio usurário) não releva autonomamente como fundamento de anulabilidade do negócio.
6. Em todo o caso, será também ao interessado na anulação do contrato celebrado que incumbe alegar e provar a factualidade atinente à violação de tais deveres de informação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A-Comércio Internacional, L.da" instaurou, no Tribunal Judicial de Coimbra, execução ordinária para pagamento de quantia certa contra B e C, para obter a cobrança dos montantes de cheques assinados, um pela executada B e os restantes pela executada C, todos eles emitidos na sequência de um negócio celebrado relativamente à loja nº ..., do Centro Comercial ..., em Coimbra.
Sustenta a exequente que encetou negociações com as executadas, em Novembro de 1998, com o fim de estas comprarem a totalidade do material e produtos negociáveis que a exequente tinha na aludida loja, o que foi feito, sendo os cheques em questão os meios de pagamento do preço acordado.
Citadas, deduziram as executadas embargos à execução pugnando pela respectiva procedência e alegando, em resumo, que:
- o Senhor D, representante da exequente, garantiu-lhes que a loja fazia um movimento mensal de 600.000$00 a 700.000$00 e que a renda e condomínio estavam pagos até ao fim do ano;
- as embargantes, neste convencimento, aceitaram comprar os produtos existentes na loja por 2.000.000$00, mas após a conferência da mercadoria verificou-se que o preço era superior e fixaram o valor da mercadoria, por acordo, em 3.409.616$00, que aceitaram só porque continuavam convencidas de que movimento da loja era o acima referido, de 600.000$00 a 700.000$00 por mês;
- o representante legal da exequente sempre soube que as executadas não possuíam o dinheiro necessário para pagar aquele montante, tendo combinado fraccionar a quantia 3.409.616$00 nos vários cheques que constam da execução, tendo sido combinado que só seriam apresentados a pagamento nas datas neles inscritas;
- as embargantes só não chegaram a pagar qualquer cheque porque na data de vencimento do primeiro não tinham fundos, tendo sido o mesmo desdobrado em dois, um dos quais, o único emitido pela executada B;
- por outro lado, a face às pressões exercidas sobre a C por aquele representante da exequente e ao reduzido movimento da loja registado nos primeiros 15 dias, concluiu que por ele havia sido enganada quando este lhe disse que o movimento mensal da loja era o acima indicado, razão que a levou a cancelar o pagamento dos cheques, tendo-se certificado mais tarde que tinha razão quanto ao reduzido movimento da loja, pois os registos de vendas existentes na loja mostravam que o respectivo movimento médio mensal tinha sido, no ano de 1998, de 105.000$00, tendo as embargantes apurado no mês de Dezembro de 1998 um saldo de 197.970$00;
- por isso, foram as embargantes induzidas em erro por parte do representante da exequente que lhes incutiu uma falsa ideia acerca das circunstâncias de facto do negócio que foram decisivas na formação da vontade que as levou a contratar, não tendo o representante da exequente actuado de boa fé na celebração do negócio, o que determina a respectiva anulação, ao abrigo do disposto no artigo 251.º e 254.º do Código Civil.
A embargada contestou os embargos, afirmando, no essencial, que:
- foram as embargantes que contactaram a embargada para efeitos de ficarem a explorar a loja e não o contrário e que em nada contribuiu para as induzir no erro que alegam como fundamento dos embargos;
- acresce que pôs termo ao contrato de arrendamento e as executadas celebraram novo contrato com o senhorio, não tendo sido fixado qualquer valor pela cedência de exploração da loja, tendo a exequente vendido apenas o material que havia na loja;
- não é verdade que tenha informado as embargantes de que a loja fazia o movimento mensal de 600.000$00 a 700.000$00, pois, nesse caso, a própria exequente continuaria a explorar a loja;
- não forneceu a referida informação e a atestar tal afirmação refere que deixou na loja todo o sistema informático de onde constavam os respectivos movimentos mensais, aos quais as executadas tiveram efectivo acesso.
Exarado despacho saneador, condensados e instruídos os autos, procedeu-se a julgamento com decisão acerca da matéria controvertida, vindo, depois, a ser proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.

Inconformadas, apelaram as embargantes, sem êxito embora, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 4 de Novembro de 2003, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.

Interpuseram, então, as embargantes recurso de revista, pretendendo a reforma da decisão recorrida e que os embargos sejam considerados procedentes por provados.

Não houve contra-alegações.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do presente recurso formularam as recorrentes as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil):
1. As recorrentes foram enganadas pelo representante da recorrida relativamente aos valores da facturação mensal do estabelecimento objecto do negócio.
2. A sua atitude não foi apenas uma forma de enaltecer o objecto do negócio através de sugestões ou artifícios que se possam considerar usuais à luz do nosso ordenamento jurídico.
3. Tratou-se de um comportamento claramente doloso visto ter existido manifesta intenção de induzir as recorrentes em erro.
4. Com esse objectivo foram usados artifícios, sugestões que levaram as recorrentes a acreditar no valor da facturação apresentado como sendo o verdadeiro.

5. A referida questão era essencial para a celebração do negócio.

6. Caso soubessem que o valor não era o invocado (600.000$00 a 700.000$00) não teriam celebrado o negócio.

7. Assim sendo, violou-se o disposto nos artigos 253°, n°1 e 254°, n°1, ambos do Código Civil, visto o referido comportamento ter sido claramente doloso.

8. Violou-se ainda o disposto no artigo 227°, n°1, CC visto ter existido má fé por parte do representante da Recorrida.

9. Por fim, existia inclusivamente um dever por parte da recorrida de informar com veracidade as recorrentes visto tratar-se de uma questão claramente essencial para a celebração do negócio e aquela estar numa posição de superioridade informacional.

Encontra-se assente, em definitivo, a seguinte matéria fáctica:

i) - a exequente "A - Comércio Internacional, L.da" é portadora e possuidora dos seguintes títulos de crédito:

- cheque nº 1033062339 de 12/12/98 , no montante de 146.000$00;
- cheque nº 4934241402 de 27/12/98, no montante de 292.000$00;
- cheque nº 4034241403 de 27/01/99, no montante de 292.000$00;
- cheque nº 3134241404 de 27/02/99, no montante de 292.000$00;
- cheque nº 2234241405 de 27/03/99, no montante de 292.000$00;
- cheque nº 1334241406 de 27/04/99, no montante de 292.000$00;
- cheque nº 0434241407 de 27/05/99, no montante de 292.000$00;
- cheque nº 9234241408 de 27/06/99, no montante de 292.000$00;
- cheque nº 8334241409 de 27/07/99, no montante de 292.000$00;
- cheque nº 7434241410 de 27/08/99, no montante de 292.000$00;
- cheque nº 6534241411 de 27/09/99, no montante de 292.000$00;
- cheque nº 5634241412 de 27/10/99, no montante de 292.000$00;
ii) - apresentados a pagamento os mesmos vieram devolvidos, uns com a menção "conta encerrada", outros por "falta de provisão" e outros com a indicação "revogado";
iii) - o primeiro dos cheques está assinado pela executada B e os restantes pela executada C;
iv) - as executadas, em Novembro de 1998, encetaram negociações com a exequente, na pessoa do Administrador D, a fim desta lhes "ceder" o material e produtos negociáveis na loja nº ..., do Centro Comercial Mayflower;
v) - no dia 16 de Novembro de 1998 a executada B passou a explorar a loja por sua conta, tendo a filha do D acompanhado a executada B a fim de a inteirar dos pormenores do funcionamento de loja, bem como para facturar a mercadoria existente na mesma e objecto do referendado negócio;
vi) - para pagamento do preço a executada C emitiu os cheques pós-datados e constantes do autos identificados como documentos 2 a 12 inclusive, a serem descontados todos os meses no dia 27, tendo ficado acordado que só seriam apresentados a pagamento na data neles inscrita;
vii) - estes cheques não foram liquidados;
viii) - o primeiro cheque foi desdobrado em dois cheques pós-datados de 146.000$00, tendo a Executada B emitido o cheque de 146.000$00, para 12 de Dezembro, que constitui o documento n.º 1 da petição;
ix) - o D no decurso das negociações disse às executadas que o arrendamento estava pago até ao final do ano;
x) - o valor da mercadoria existente na loja objecto do negócio foi fixado por acordo em 2.005.616$00;
xi) - a executada C convenceu-se que seria uma boa oportunidade de inicialmente ter mercadoria suficiente para vender e de que era uma boa oportunidade para a filha se ocupar;
xii) - o D, nos contactos realizados com as executadas, sempre pretendeu vender-lhes a mercadoria existente na loja e deixar de explorar a loja;
xiii) - pelo pouco movimento que a primeira executada realizou nos primeiros 15 dias, começou a desconfiar do bom negócio que o D a tinha convencido a realizar e, por isso, mandou cancelar os referidos cheques;
xiv) - as executadas pagaram ao senhorio em Dezembro de 1998, a quantia de 55.345$00, correspondendo 46.000$00 à renda relativa ao mês de Janeiro de 1999 e 9.345$00 ao condomínio relativo aos meses de Novembro e Dezembro de 1998 e Janeiro de 1999;
xv) - a loja facturou no ano de 1995, em mês e meio de laboração, 295.502$00; no ano de 1996 facturou nos doze meses 1.728.808$00; no ano de 1997 facturou nos doze meses 2.478.145$00; e no ano de 1998 (com excepção dos meses de Fevereiro e Março até 11 de Novembro) facturou 842.252$00;
xvi) - as executadas exploraram a loja no mês de Dezembro e estavam convencidas que nesse mês poderiam realizar algum dinheiro;
xvii) - no mês de Dezembro de 1998 a loja teve um movimento de mercadorias de pelo menos 197.970$00;
xviii) - o D facturou e vendeu às executadas, além das mercadorias que faziam parte integrante do estabelecimento, outros bens que pertenciam também à loja, a saber: um conjunto de armário chão/parede, por 460.000$00; um conjunto de montras e porta de vidro, por 140.000$00; um conjunto de reposteiros e sanefas por 25.000$00; um POS c/gaveta + Impressora + Monitor, por 100.000$00; uma forra em latão por 30.000$00; um tecto falso colocado, por 60.000$00; iluminação completa ao estabelecimento, por 90.000$00; forro das paredes, aplicado CZ, por 70.000$00; um escadote, por 4.000$00; vários acessórios para decorar montras, por 20.000$00; um conjunto de expositores dourados de parede, por 57.000$00; um expositor dourado com rodízios, por 30.000$00; um espelho com moldura, por 25.000$00; um manequim de senhora, por 14.000$00; uma cadeira com rodízios, por 8.000$00; um painel com moldura, por 7.000$00; e chão flutuante colocado, por 60.000$00;
xix) - o senhorio das instalações onde funcionava a loja celebrou com a executada C um novo contrato de arrendamento;
xx) - a embargada vendeu às embargantes todo o material que se encontrava na loja e os cheques em execução serviram para a liquidação de tal material;
xxi) - o valor global do material que as embargantes adquiriram à embargada atingiu o montante de 3.503.901$00, assim discriminado:
- factura nº 983 de 16/11/98 (doc. 4) 1.404.000$00
- factura nº 986 de 17/11/98 (doc. 5) 670.720$00
- factura nº 987 de 17/11/98 (doc. 6) 578.391$00
- factura nº 988 de 17/11/98 (doc. 7) 662.153$00
- factura nº 989 de 17/11/98 (doc. 8) 94.362$00
- factura nº 994 de 17/11/98 (doc. 9) 94.275$00;
xxii) - a embargada deixou na loja todo o sistema informático que controlava os movimentos da loja o qual não estava envolvido no negócio, e de onde constavam as informações sobre os movimentos de mercadorias da loja, e do qual foram retirados os documentos nº 2 junto com a petição de embargos e aqueles que mais tarde juntou a 6 de Junho, a folhas 21 e seguintes;
xxiii) - a renda de Dezembro de 1998 encontrava-se liquidada;
xxiv) - e as despesas de condomínio também se encontravam liquidadas até à data da ocupação da loja pelas executadas;
A questão suscitada no recurso - que já se arrasta desde a dedução dos embargos de executado - consiste em saber se o negócio celebrado entre as embargantes e a exequente deve ser anulado por dolo, por erro, ou mesmo por violação por parte da primeira, em desconformidade com as regras da boa fé negocial, de deveres de informação a que estaria adstrita.
Cumpre, antes de mais, esclarecer que as recorrentes, escamoteando a verdade dos factos apurada, insistem na afirmação de que a exequente as enganou quanto aos valores da facturação mensal do estabelecimento objecto do negócio (não obstante, como veremos, não ter sido o estabelecimento comercial o objecto do negócio realmente realizado).
Na verdade, aquilo que por elas foi alegado desde o início e ficou a constar dos pontos 1º e 3º da base instrutória - "o Sr. D no decurso dessas negociações disse às executadas que o estabelecimento fazia movimentos mensais de 600.000$00 a 700.000$00", "pretendendo com estas informações enganar as executadas e levá-las a aceitar o referido negócio" - foi considerado não provado.
Logo, falece toda a argumentação baseada no pressuposto da existência de tais factos, relativamente aos quais, por não provados, tudo se passa como se não tivessem, sequer, sido alegados. (1)
Aliás, nem mesmo o negócio jurídico celebrado entre a exequente e as embargantes pode ser visto, ou qualificado, como um puro contrato de cedência ou cessão, temporária ou definitiva, do estabelecimento comercial a que nos autos se alude.
Com efeito, resulta da matéria de facto provada, além do mais, que:
- as executadas, em Novembro de 1998, encetaram negociações com a exequente, na pessoa do Administrador D, a fim desta lhes "ceder" o material e produtos negociáveis na loja nº 46, do Centro Comercial Mayflower;
- no dia 16 de Novembro de 1998 a executada B passou a explorar a loja por sua conta, tendo a filha do D acompanhado a executada B a fim de a inteirar dos pormenores do funcionamento de loja, bem como para facturar a mercadoria existente na mesma e objecto do referendado negócio;
- o valor da mercadoria existente na loja objecto do negócio foi fixado por acordo em 2.005.616$00;
- a executada C convenceu-se que seria uma boa oportunidade de inicialmente ter mercadoria suficiente para vender e de que era uma boa oportunidade para a filha se ocupar;
- o D, nos contactos realizados com as executadas, sempre pretendeu vender-lhes a mercadoria existente na loja e deixar de explorar a loja;
- a embargada vendeu às embargantes todo o material que se encontrava na loja, no valor global de 3.503.901$00 e os cheques em execução serviram para a liquidação de tal material;
- o senhorio das instalações onde funcionava a loja celebrou com a executada C um novo contrato de arrendamento.
Ocorreu, portanto, entre as partes, um mero contrato oneroso de alienação (transferência do direito de propriedade) dos artigos e equipamento que se encontravam na loja referida, acompanhado, é certo, por um acto da exequente de demissão da titularidade desse estabelecimento que, de então em diante, passou a ser explorado pelas executadas, bem como de renúncia ao direito ao arrendamento (por isso o novo contrato outorgado entre as executadas e o senhorio).
Tendo sido, exclusivamente, para pagar o preço dessa alienação do material que se encontrava na loja que os cheques dados à execução foram emitidos.
Será assim perante este negócio concreto - contrato de compra e venda do material existente na loja, a que não são de todo alheios (surgindo como seus elementos acessórios) quer o movimento da loja e o rendimento que proporcionava, quer a situação financeira líquida que apresentava (e, neste aspecto, é patente que a renda estava paga até ao fim do ano de 1998 e as despesas de condomínio mostravam-se liquidadas até ao momento em que as executadas iniciaram a exploração da loja) - que se questionará da existência dos vícios invocados pelas recorrentes.

Face ao disposto no artigo 253º nº 1 do C. Civil entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante. Contudo, diz-se no nº 2 daquele preceito que "não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes no comércio jurídico".

Assim, a fixação dos limites, para além dos quais as sugestões ou artifícios dolosos são relevantes, é importante, sob pena de na prática se assistir ao triunfo da má fé. Não representam dolo as condições vagas e gerais usadas no comércio (como referia o artigo 667º do Código de Seabra), mas já constituirá dolo o engano específico, a dissimulação do erro que vá contra os deveres de lealdade e informação próprios da relação pré-contratual. (2)

Por sua vez, conforme o art. 252º do C.Civil "o erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação (nos termos do art. 247º) se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo".
Ora, como bem se acentua no acórdão recorrido, quer o dolo (art. 254º, nº 1, do C.Civil - "o declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo") quer o erro (art. 251º do mesmo diploma - "o erro que atinja os motivos determinantes da vontade" só provocam a anulabilidade do contrato quando forem essenciais para a formação da vontade da parte que o invoca.
"O erro sobre os motivos é, por conseguinte, uma ideia inexacta, uma representação inexacta, sobre a existência, subsistência ou verificação de uma circunstância presente ou actual que era determinante para a declaração negocial, ideia inexacta sem a qual a declaração negocial não teria sido emitida ou não teria sido emitida nos precisos moldes em que o foi". (3)
De igual modo, "quem comete o dolo sabe e quer que o enganado preste a declaração que doutro modo não prestava. Há um nexo de causalidade entre o dolo e a actuação. (...) Em virtude disto, a concretização do dolo pressupõe um erro da parte do declarante, erro esse determinado intencionalmente por outrem (o próprio declaratário ou um terceiro). Por isso, a vítima do dolo não só se engana (como no caso do erro) mas ela é, além disso, enganada. Deste modo, o dolo pode também ser designado como erro qualificado". (4)
Consequentemente, para que releve como fundamento de anulabilidade do negócio, "é necessário que o erro seja essencial, no sentido de que levou o errante a concluir o negócio em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído". (5)

In casu, tendo as recorrentes imputado à exequente uma actuação decepetora - tê-las convencido de que o movimento mensal da loja era de 600.000$00 a 700.000$00 mensais (facto que, como acima vimos, não provaram) - e tendo, ainda, alegado que "apenas nesse pressuposto concluíram o negócio", aí fundamentando o erro acerca das qualidades da coisa, não demonstraram a realidade do por elas afirmado (resposta negativa ao quesito 4º).
Como tal, e sem necessidade de outras considerações, porque lhes incumbia provar os factos alegados, extintivos do direito da embargada (art. 342º, nº 2, do C.Civil) e o não fizeram, evidentemente os embargos devem improceder.
Acresce, no entanto, e porque as recorrentes aludem à eventual violação pela embargada dos princípios da boa fé, que se tem entendido que são ilegítimos os comportamentos que, desviando-se de uma procura honesta e correcta de um eventual consenso contratual, venham a causar danos a outrem. Da mesma forma são vedados os comportamentos pré-contratuais que inculquem, na contraparte, uma ideia distorcida sobre a realidade contratual.

Ora, a cláusula da boa fé contida no artigo 227º, nº 1, do C. Civil engloba, no que aqui importa, os deveres de informação que obrigam as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à "conclusão honesta do negócio". (6)

Concretamente a doutrina e a jurisprudência têm considerado a violação desses deveres de informação e esclarecimento de todos os elementos com relevo directo ou indirecto para o conhecimento da temática do contrato (sendo vedada quer a omissão dos esclarecimentos, quer a prestação de esclarecimentos falsos, incompletos ou inexactos) como fundamento de responsabilidade pré-contratual. (7)
Como escreve Sinde Monteiro (8), "de entre os grupos de casos de responsabilidade por culpa na formação dos contratos, conta-se o da celebração de um contrato não correspondente às expectativas, devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão de esclarecimento devido". É exigida informação a respeito das circunstâncias que "são de molde a provocar a frustração do fim contratual".

Mas já não assim autonomamente se considera (excepto quando são causa de vícios da declaração ou da vontade ou revertem em negócio usurário) como fundamento de invalidação dos negócios jurídicos. (9)
Em todo o caso, não se nos afigura ter-se provado qualquer omissão, deficiência ou inexactidão, intencional ou não, de informação por parte da exequente sobre a natureza ou as condições do negócio: elucidou as executadas sobre o estado das rendas e despesas de condomínio, acompanhou a executada B (por intermédio da filha do seu representante) a fim de a inteirar dos pormenores do funcionamento da loja, bem como para facturar a mercadoria existente na mesma, e deixou na loja todo o sistema informático que controlava os respectivos movimentos e permitia às executadas aperceber-se de toda a realidade contabilística.
Mais não lhe seria exigível. Sobretudo se atendermos a que no negócio em causa nem sequer foi ferido o princípio da comutatividade dos contratos, já que o montante dos cheques dados à execução (acrescidos do outro de 146.000$00 entretanto pago) - 3.504.000$00 - que se destinaram justamente ao pagamento do material adquirido, corresponde, em evidente equilíbrio, ao valor das mercadorias e equipamento existentes na loja e que foram adquiridos pelas executadas - 3.503.901$00.
Ademais, seria sempre às embargantes, por força do disposto no art. 342º, nº 2, do C.Civil, que incumbia a prova de que a exequente havia violado quaisquer deveres de informação a que estivesse adstrita, o que manifestamente não conseguiram.
Desta forma, também por esta razão, o recurso não pode improceder.

Pelo exposto, decide-se:
a) - julgar improcedente o recurso de revista interposto pelas embargantes B e C;
b) - confirmar o acórdão recorrido;
c) - condenar as recorrentes nas custas da revista.

Lisboa, 13 de Maio de 2004
Araújo Barros
Oliveira Barros
Salvador da Costa
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(1) Esta conclusão traduz a jurisprudência corrente, de que se dá conta, entre outros, no Ac. STJ de 03/10/2002, no Proc. 2393/02 da 7ª secção (relator Oliveira Barros).
(2) Cfr. Oliveira Ascensão, in "Direito Civil - Teoria Geral", vol. II, Coimbra, 1999, págs. 139 e 140; Carvalho Fernandes, in "Teoria Geral do Direito Civil", vol. II; 2ª edição, págs. 143 e 144.
(3) Heinrich Horster, in "A Parte Geral do Código Civil Português", Coimbra, 1992, pág. 570.
(4) Ibidem, págs. 583 e 584.
(5) Cfr. Ac. STJ de 14/01/2003, no Proc. 2155/02 da 1ª secção (relator Pinto Monteiro).
(6) Menezes Cordeiro, in "Da Boa Fé no Direito Civil", vol. I, pág. 583.
(7) Ac. RP de 15/12/94, in CJ Ano XIX, 5, pág. 235 (relator Oliveira Barros); Ac. STJ de 18/11/99, no Proc. 869/99 da 2ª secção (relator Ferreira de Almeida).
(8)"Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações", Coimbra, 1989, designadamente nas págs. 47, 358 e 360.
(9) Atente-se em que é, exactamente, nesta perspectiva que se situa o Estudo de Sónia Moreira (Scientia Jurídica, Tomo LI, nº 294, Setembro-Dezembro 2002, págs. 515 a 530) citado pelas recorrentes. Claro que a situação seria diversa se estivéssemos perante um contrato de adesão, por força do disposto nos arts. 5º, 6º e 8º do Dec.lei nº 446/85, de 25 de Outubro.