Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99B131
Nº Convencional: JSTJ00036779
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: FIANÇA OMNIBUS
OPERAÇÃO BANCÁRIA
OBRIGAÇÃO FUTURA
OBJECTO
DETERMINAÇÃO DO VALOR
NULIDADE
REDUÇÃO DO NEGÓCIO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: SJ199904290001312
Data do Acordão: 04/29/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 619/98
Data: 07/06/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR OBG.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 280 N1 ARTIGO 292 ARTIGO 334 ARTIGO 400 ARTIGO 565 N2 ARTIGO 628 ARTIGO 859.
DL 177/86 DE 1986/07/02 ARTIGO 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC1167/98 DE 199/01/26 2SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC147/98 DE 1998/12/15 1SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC260/97 DE 1997/11725 1SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC1005/98 DE 199/02/03 2SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC182/98 DE 1999/04/14 2SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC531/97 DE 1998/10/01 2SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC260/97 DE 1997/11/25 1SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC180/98 DE 199/02/24 2SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC500/97 DE 1997/01/14 1SEC.
Sumário : I - A "fiança geral", ou "fiança omnibus", criada pela prática bancária, surgiu com a finalidade de garantir através de um terceiro, o fiador, o reembolso dos financiamentos e outros movimentos de capital feitos pelas instituições bancárias em benefício dos seus clientes.
II - Tal modalidade de fiança possui assim por objecto os direitos de crédito que visa garantir - nos termos do artigo 628º do CCIV -, tanto se podendo referir a obrigações já constituídas como a obrigações futuras, e caracteriza-se por apresentar um conteúdo genérico, muito amplo, com um grau de determinabilidade variável.
III - Quando tal fiança, mesmo a prestada no âmbito de financiamentos ou outras operações bancárias, é posterior ou contemporânea do negócio jurídico que se pretende garantir, normalmente estará afastado o problema da determinação do objecto, salvas eventuais excepções, na medida em que o crédito a que se reporta é imediatamente referenciado, com relativa precisão, designadamente quanto á sua origem, prazo, valores máximos, relações intersubjectivas etc.
IV - Nesta última hipótese não é de se considerar nula tal fiança por indeterminabilidade do respectivo objecto nos termos e para os efeitos do artigo 280º nº 1 do CCIV.
V - No domínio das obrigações futuras é que se questiona com particular acuidade a validade desse tipo de fiança, mormente quando, face ao grau de abstracção da garantia, se torne impossível ao fiador (mesmo com recurso aos critérios do artigo 400º do CCIV) conhecer "ab-initio" os contornos e limites máximos da sua obrigação ("tecto" ou "plafond"), ou pelo menos os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento, em ordem a proteger o obrigado contra a sua própria leviandade ou excesso de voluntarismo na assunção de responsabilidades.
VI - Pertencendo o fiador e o afiançado a um mesmo grupo económico, cujos capitais societários são detidos a 100% pela empresa mãe (holding), a admitir-se a genericamente a possibilidade de invocação de nulidade total do negócio por pretensa indeterminabilidade do seu objecto (para as obrigações pretéritas e futuras) seria abrir a porta ao fácil torpedeamento dos direitos das entidades credores, mediante conluios sobre "esquemas garantísticos" em nítido abuso do direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. A, Sa com sede em Lisboa, veio propor a presente acção com processo ordinário contra as Rés:
1ª - " B, SA" e
2ª - " C, SA ",
ambas com sede no Porto,
pedindo a sua condenação a pagarem-lhe a quantia de 138737702 escudos acrescida de juros de mora vincendos à taxa indicada na petição, sobretaxa e imposto de selo, sobre até 101439443 escudos e noventa centavos, desde a data de propositura da acção e até efectivo pagamento.
Em relação à primeira Ré fundamentou o pedido num contrato de financiamento em conta corrente (transferido para a conta em contencioso indicada no doc. a folhas 9) e nos saldos devedores na conta de depósitos à ordem n.° 030.08.0938965 e, em relação à segunda, num contrato de fiança nos termos do qual se obrigou de acordo com o documento a fls. 6 a pagar as responsabilidades da primeira ré.

2. Citadas, as rés contestaram invocando o acordo obtido num processo de recuperação de empresas, onde intervieram, e, além disso e com interesse para a decisão do recurso, o abuso de direito.
Concluíram pela improcedência da acção.

3. Proferido despacho saneador-sentença, com data de 24-11-94, nele foi a acção julgada improcedente.

4. Inconformado com tal decisão, dela apelou o A. mas o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso.

5. Mais uma vez, inconformado, interpôs o A. recurso de revista, a que o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 23-9-87, concedeu provimento, ordenando que os autos fossem remetidos à primeira instância para ai se conhecer da matéria de facto e decidir sobre a questão de fundo.

6. Proferida nova decisão em primeira instância, foi a acção julgada procedente e condenadas as Rés no pedido.

7. Inconformadas vieram agora as Rés interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 6-7-98, revogou em parte a decisão recorrida, absolvendo do pedido a Ré B, SA com base na nulidade da fiança por si prestada, confirmando porém a condenação da Ré C, SA.

8. Agora inconformado o A, veio desse aresto interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
"1- Os negócios jurídicos só são nulos por indeterminabilidade se for impossível estabelecer a sua extensão através dos instrumentos legais de interpretação e integração.
2 - Não há nulidade se o tribunal puder quantificar a prestação debitória.
3 - A prestação pode ser determinada pelo tribunal se a declaração negocial fornecer um "critério" para essa determinação.
4 - A fiança de fls. 6 é perfeitamente determinada quanto à fonte das obrigações garantidas, na medida em que se aplica apenas às obrigações decorrentes de operações bancárias entre a afiançada e o Banco recorrente.
5 - Tal fiança não constitui obrigação "ad perpetuum", pois apenas se mantém obrigatoriamente pelo período de 5 anos, sendo assim, determinada quanto à sua duração.
6 - Fiadora e afiançada integram um grupo de empresas dominadas a 100% por uma "holding" com um núcleo de administração comum.
7 - A fiadora tem legitimidade para, a todo o tempo, obter informação detalhada das operações por ele afiançadas.
8 - O "quantum" garantido pela fiança dos autos é facilmente determinável a qualquer momento por recurso ao critério de identificação das operações garantidas que a fiança nos fornece e ainda que com recurso ao expediente do art.º 400º do Código Civil.
9 - A fiança não sofre de "nulidade originária"
10 - A fiança garante expressamente as obrigações decorrentes de descoberto em D.O. e financiamentos ou mútuos.
11 - Se se alterasse o seu texto de modo a abranger apenas estes dois tipos de obrigações a fiança não seria nula nos termos relatados no acórdão recorrido.
12 - Se a fiança fosse nula pela sua referência a todas as operações bancárias, então sempre teria de ser reduzida de modo a abranger o núcleo saudável" constituído apenas pelas obrigações derivadas de descoberto de D.O. e financiamentos ou mútuos realizados entre afiançada e beneficiário.
13 - O comportamento das partes durante a acção revela que elas teriam querido essa redução se se tivessem apercebido de que a fiança poderia sofrer de algum grau de nulidade.
14 - O acórdão recorrido aplicou erradamente os preceitos dos artigos 280°, 1, 292° e 400º do Código Civil.
15 - O art.º 280º deveria ter sido aplicado no sentido de que a fiança dos autos é "determinada quanto à fonte das obrigações garantidas e ao limite temporal da garantia e facilmente "determinável" quanto à importância garantida, ainda que por recurso ao art.º 400°.
16 - O art.º 292º deveria ter sido interpretado e aplicado no sentido de permitir a redução da fiança ao ''núcleo saudável" constituído pelas obrigações derivadas de descoberto de D.O. e financiamentos ou mútuos.
17 - O art.º 400º deveria ter sido interpretado no sentido de ser possível o recurso à norma nele contida para efeitos de "determinação" do "quantum" garantido pela fiança dos autos.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e confirmando-se a decisão de primeira instância.

9. Interpuseram também as Rés recurso subordinado, concluindo nos seguintes termos:
" 1 - Este processo tem uma história longa que inclui a própria história do processo de recuperação de empresa que o precedeu, e a que se faz minuciosa referência no presente processo, designadamente na contestação.
2 - Daí que - e precisamente por causa desse processo de recuperação de empresa que o antecedeu - os actuais autos já tenham ido até ao Supremo Tribunal de Justiça e, por força do douto acórdão proferido no nosso mais alto Tribunal, voltaram à 1ª Instância.
3 - Em consequência dessa baixa do processo está hoje assente e completa pelas Instâncias a matéria de facto útil sobre a alegada matéria do "abuso de direito", que as RR. suscitaram desde a 1ª Instância.
4 - Trata-se da matéria de facto conforme se enumerou no precedente nº 13, aqui dado por reproduzido.
5 - Daí resulta - até pelo juízo que deve ser feito sobre a litigância do recorrido - que este continuou sempre a omitir muito do seu procedimento no processo de recuperação de empresa, como se tivesse sido alheio a ele como se esse seu comportamento não tivesse quaisquer consequências jurídicas.
6 - Seguindo o raciocínio do douto acórdão - já seria sustentável a tese do "abuso de direito" se o A. tivesse aderido logo na assembleia de credores ao acordo ou o tivesse feito por subsequente requerimento; mas que tal abuso não terá ocorrido por, tendo o A. participado em tudo" até ao ponto crucial" e tendo modificado o comportamento que se lhe esperava ("criando a expectativa de que se vincularia" ), optou pelo silêncio, não aderindo de maneira expressa ao dito acordo.
7 - Mas o facto de o A. não ter votado de início, nem por requerimento subsequente, a proposta de gestão controlada, abstendo-se, assim, na votação, só teve como consequência não ter aderido de modo expresso, porque o não quis, à categoria de credores financiadores com direito a dação em cumprimento de bens da dominante e da dominada aqui Ré C, ficando apenas, através do seu silêncio, vinculado ao dito acordo de gestão controlada na categoria de credor comum do n° 3 do respectivo texto.
8 - Nunca poderia ser por estar com reserva mental a ver no que dava o seu comportamento anterior, tentando gorar as justas expectativas das devedoras dominante e dominadas e dos demais credores, todos eivados de boa-fé - além dos demais argumentos atrás expostos no n° 21, aqui dados por reproduzidos.
9 - Efectivamente, em qualquer das categorias de credores a lei estabelece a vinculação necessária de todos eles, mesmo aqueles cujos créditos não foram verificados, submetidos pela maioria de 75% (cf. quanto à concordata o art.º 22º-1) - aqui incluído o A. ora recorrido.
10 - Se seria, pois e também, impensável, como ofensivo de toda a boa fé contratual, que os credores aderentes ao sistema de dação/apoio financeiro viessem agora a soerguer a possibilidade de não se sentirem vinculados pelos seus créditos sobre as sociedades dominadas, não se vê que possa ser diferente a situação em relação aos demais credores, um dos quais o recorrido.
11 - Por outro lado, o A, ora recorrido, sabe e não pode desconhecer que, a vingar o seu ponto de vista, teria descoberto o método de "furar" o sistema, de deitar por terra um acordo de gestão controlada no qual - toda a gente o sabe - tudo foi possível pela interligação, em todos os planos, das diversas empresas.
12 - Pior ainda: sabe e não pode desconhecer que, a triunfar a sua tese, teria provocado a falência de todas as empresas B e C.
13 - Isto é, pelo seu comportamento denuncia claramente o abuso de direito - cuja leitura jurídica é automática da simples leitura e análise da matéria de facto atrás transcrita por assente.
14 - Por força do descrito factualmente, todos os credores que foram indicados pelas seis empresas e/ou reclamaram os seus créditos ficaram enquadrados juridicamente na "fortuna" do processo com todas as suas sequelas inerentes.
15 - A isso não obsta que o Supremo ter arredado, no plano formal processual qualquer efeito de «caso julgado»,
16 - Pois que o comportamento dos credores, um dos quais o A., não permite arredar, no plano substantivo da boa fé e do respeito pela verdade material aquilo que se passou no processo.
17 - O recorrido, como os demais credores nas mesmas circunstancias, situados nominalmente no processo e convocados para a assembleia de credores, assistiram, ou tinham de assistir processualmente, a uma votação unânime (e extensamente maioritária de 82,3% em relação aos créditos conhecidos) de aceitação da desistência da instância, o que tem valor substantivo ou substancial (mesmo que arredado no mero plano processual pelo Supremo), na mais elementar exigência da boa fé negocial do exercício legítimo e não abusivo de direitos.
18 - Mas também o recorrido, como todos os demais credores, viram ser aí declarado, por decisão judicial (apenas cuja importância de "caso julgado formal" foi arredada pelo Supremo) que os créditos conhecidos no processo como referidos às sociedades dominadas, de entre as quais as RR., ficavam reportados, unicamente, à sociedade dominante - e aceitaram esta declaração judicial, designadamente não impugnando esse douto despacho.
19 - É que tudo isso teve evidentes reflexos nas relações processuais e nas relações contratuais existentes, e no caso concreto nas do A., ora recorrido, para com as RR., ora recorrentes, timbradas que têm de estar pela boa fé contratual e afastadas que têm de estar de abuso de direito.
20 - De facto, esta aceitação tem a ver também com as relações societárias de domínio que ficaram descritas, e de que são expressão, como se viu, algumas cláusulas contratuais do acordo.
21 - Seria, pois, inconcebível com todos os antecedentes de facto que ficaram descritos que os credores das dominadas - como é o caso do recorrido - viessem agoira, e ainda, a exigir da dominante a responsabilidade (solidária, segundo alguns) do art.º 501º do CSCom, para além daquilo que o plano de recuperação da empresa através de acordo de gestão controlada lhes não permitia.
22 - Do mesmo passo, seria inconcebível juridicamente sempre no plano do "abuso de direito" que, com os antecedentes referidos, pudessem esses credores das dominadas - como é o caso do A., ora recorrido, - vir a pôr em causa aquela recuperação através de um estranho meio de minar as sociedades dominadas, passando agora a demandá-las judicialmente.
23 - Finalmente, e salvo o devido respeito, o douto acórdão não deixa de, contraditoriamente, reflectir a justeza da tese do «abuso de direito» ao observar: «A nosso ver o que tem importância para a questão levantada é a execução. ( ) Com a acção declarativa a implicação com o abuso de direito apenas pode pôr em causa a condenação das rés em juros, que, nos termos do acordo de gestão controlada, sofreriam um período de carência. A condenação, em si mesma, das rés no capital não colidiria com o acordo de gestão controlada desde que a condenação não fosse executada.» (fls. 497v.).
24 - Com efeito, se se entende que seria abuso de direito executar a sentença da presente acção, não pode admitir-se que a acção se]a proposta para obter uma sentença que não seja título executivo.
25 - Em suma, propor a presente acção representa (representaria) um verdadeiro direito, que a tornaria sempre iníqua e insusceptível de vez alguma proceder.
26 - Assim não decidindo, o douto acórdão violou, salvo o devido respeito o art.º 334º do Código Civil.

10. Contra-alegou o A., sustentando nesta parte a correcção do julgado.

11. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

12. São os seguintes os factos dados como provados pelas instâncias:
a)- Com data de 6-7-92, os representantes da segunda co-ré elaboraram o documento a folhas 6 dos autos, de cujo teor se destaca que a empresa se constitui "....responsável como fiadora e principal pagadora pelo cumprimento de todas as obrigações e responsabilidades que....B SA tenha contraído perante A, SA,.... decorrentes de toda e qualquer operação efectuada ou a efectuar com este Banco, dentro da sua actividade bancária....", doc. este de que é portador o autor.
b)- Consta ainda da mesma declaração que se compromete a reembolsar o A no prazo de 60 dias depois de para tal ter sido avisada pelo banco, por c. r., de todas as importâncias que lhe sejam ou venham a ser devidas.
c)- Na declaração a folhas 6 figura ainda que a signatária renuncia ao beneficio da excussão ou a outro beneficio ou direito que, de qualquer modo, possa limitar, restringir ou anular as obrigações assumidas
d)- Pelo documento a folhas 7 a 8, elaborado em 11-12-85, a empresa B, S.A. solicitou ao aqui autor a abertura de um crédito em conta corrente até ao limite em capital de 60000000 escudos, destinado exclusivamente à liquidação de matérias primas importadas e adquiridas no mercado nacional para o rogante.
e)- O prazo do crédito solicitado começava em 11-12-85 e terminava em 30-5-86, sendo prorrogável por período de 180 dias se até 60 dias do vencimento da conta qualquer das partes não procedesse à sua denúncia.
Tal crédito venceria juros à taxa máxima legalmente prevista para as operações activas de prazo correspondente, ajustável em qualquer tempo, por simples deliberação do Banco, em função das eventuais alterações legais da taxa de juro, contados dia a dia sobre os saldos devedores, pagos postecipadamente ao trimestre na data do vencimento da conta corrente, à taxa que vigorar no início desse período.
f)- Sobre o saldo devedor incidirão sempre sobretaxas ou outros encargos de aplicação legal imperativa.
g)- No caso de mora de qualquer das amortizações devidas, incidirá sobre o respectivo montante e desde o vencimento até ao pagamento, a taxa de juro estabelecida no documento, já referida, acrescida de 2% ao ano ou a que estiver então em vigor.
h)- O autor aceitou conceder o crédito solicitado.
i)- A 1.ª co-ré não liquidou o financiamento.
j)- A 1.a co-ré era titular da conta D/O n.° 030080938965, da agência do autor na Praça da Liberdade, tendo sido enviados pelo autor, periodicamente, os extractos desta conta à titular, sem que tenha havido qualquer reclamação, por parte desta, sobre o respectivo teor.
k)- Por causa das várias operações efectuadas naquela conta D/O, passou a apresentar saldos devedores nas seguintes datas e montantes: 36884241 escudos e sessenta centavos em 21-12-92; 15841729 escudos e sessenta centavos em 19--1-93; 7500 escudos em 22-1-93, no total de 52733471 escudos e vinte centavos. Sobre esta quantia venceram-se ainda juros no montante de 15000839 escudos e 624536 escudos.
l)- Com data de 10-2-94 o autor enviou à segunda ré a carta a folhas 13, cujo teor se considera reproduzido, não tendo sido paga a quantia ali mencionada de 133704216 escudos e noventa centavos.
m)- Por causa de não ter sido pago o financiamento, acima referido, em 21-12-92 o débito correspondente ao capital, aos juros moratórios contados até então, era de 48705972 escudos e setenta centavos. Sobre esta quantia venceram-se ainda juros no montante de 20104965 escudos e 1567959 escudos.
n)- A título de juros remuneratórios e imposto de selo, para o período de 2-11-92 a 21-12--92 corresponde a quantia de 1567959 escudos.
o)- Em relação à conta D/O os juros remuneratórios e imposto de selo para o período de 2-1-2-92 a 21-12-92 somam 624536 escudos.
p)- Dá-se aqui por reproduzido o documento a folhas 6.
q)- Sob o nº 9.903/92 corre termos na 2.ª secção do 6º Juízo Cível da comarca do Porto, uma acção especial de recuperação de empresas em que foram requerentes a D (SGPS), S.A., B, S.A. (a 1ª ré), E, S.A., F, S.A., C, S.A. (2ª ré) e a G, S.A.
r)- A totalidade do capital da 2.a a 6.a requerentes é detida pela primeira.
s)- Em assembleia de credores realizada em 18-6-93 as 2.ª a 6.ª requerentes disseram que dadas.....surgidas relativas à aplicabilidade do art. 30 do CPC ao CPEREF e ao facto do art. 501 do C.S.C. a sociedade dominante (a primeira requerente) ser responsável pelas obrigações das sociedades dominadas, vem ao abrigo do art. 20º nº 2 do DL 10/90 requerer a desistência da instância nos presentes autos relativamente às empresas supra identificadas, prosseguindo tão só em relação à D (SGPS), SA (folhas 106 segs.).
t)- Pelos credores presentes, entre os quais o autor, foi aceite a desistência da instância nos termos requeridos.
u)- Por despacho daquela data foi homologada a desistência nos termos declarados.
v)- Levantada a questão por um dos credores quanto às reclamações relativamente às sociedades que agora foram objecto de desistência, o tribunal ordenou que todas as reclamações feitas relativamente apenas quanto às sociedades de que houve desistência da instância, tais reclamações consideram-se sempre reportadas e unicamente à primeira requerente (D).
x)- O autor não interpôs recurso desta decisão.
y)- O senhor Administrador apresentou a relação de créditos elaborada nos termos do nº 5 do art. 12 do DL 177/86 de 2-7 e, de seguida, como não foi necessário qualquer esclarecimento complementar pôs à votação a relação provisória de créditos que foi aprovada por unanimidade.
w)- Finda a apreciação foi constituída a assembleia definitiva de credores com os titulares dos créditos reconhecidos.
z)- O crédito a que a presente acção se reporta foi reclamada nos autos de recuperação acima referidos.
aa)- Por despacho de ?-12-93 (folhas 134) foi aprovada a gestão controlada da D (SGPS), S.A.
bb)- O autor, na assembleia de 23-11-93, não votou favoravelmente a proposta de gestão controlada, requerendo que ela fosse votada por requerimento, o que foi deferido, sendo o prazo para vir dar adesão ao acordo de 5 dias.
cc)- Alguns dos credores presentes na assembleia definitiva deram logo o seu acordo à proposta, mas o autor não chegou a dá-la na dita assembleia ou posteriormente.

Passemos ao direito aplicável.

13. São as seguintes as questões postas ao Supremo Tribunal de Justiça:
1 - Se é nula a fiança concedida pela segunda ré (recurso principal);
2 - Se os pedidos improcedem por existir abuso de direito (recurso subordinado).

14. Recurso principal do A.
Invalidade da fiança.
Depois de obter decisão favorável na 1.ª instância, o Banco A. viu a Relação do Porto decidir de forma diversa, concluindo pela nulidade da fiança constante do documento de fls. 6, por considerar indeterminável o seu objecto, atento o disposto no art.º 280 n.º 1 do CC.
Essa fiança havia sido prestada pela 2.ª Ré, C, destacando-se do teor do documento que a empresa se constituía "....responsável como fiadora e principal pagadora pelo cumprimento de todas as obrigações e responsabilidades que a firma B, S.A. tenha contraído perante o Banco A, SA, com sede em Lisboa, decorrentes de toda e qualquer operação efectuada ou a efectuar com este Banco, dentro da sua actividade bancária, designadamente as provenientes de descoberto de D.O., de contratos de financiamento ou mútuo, ou qualquer outra no âmbito daquela actividade".
Conforme se verifica pela amplitude dos termos empregues, estamos perante uma fiança criada pela prática bancária, designada por fiança geral ou "omnibus", que surgiu com a finalidade de garantir através de um terceiro, o fiador, o reembolso dos financiamentos e outros movimentos de capital feitos pelos Bancos em benefício dos seus clientes.
Distingue Calvão da Silva in "Estudos de Direito Comercial", pág. 332, nota 2 entre "fiança geral" e "fiança omnibus": a primeira - " prestada para todas as obrigações do devedor principal resultantes de um qualquer título ou causa, de operações económicas de qualquer género ou espécie, inclusive ilícito"; a segunda - com origem na prática bancária como aquela "que se estende às obrigações decorridas ou a decorrer de certa ou certas relações de negócios".
Para este autor, haverá na fiança "omnibus" a necessária determinabilidade... ainda que prestada para todos as obrigações actuais e futuras do devedor principal nascentes de certos e determinados tipos ou categorias de actividades por ele desenvolvidas, pois se refere o conteúdo que as dívidas principais podem assumir nos futuros negócios do garantido com o beneficiário da garantia".
Tal como se escreveu no Ac deste STJ de 26-1-99 in Proc 1167/98, em paráfrase do Ac. também deste Supremo de 15-12-98, in Proc 747/98 - 1ª Sec:
"A fiança geral - ou genérica, omnibus, ou de conteúdo indeterminado - é uma criação da prática bancária. Através dela, os bancos procuram garantir o cumprimento por terceiros, dos financiamentos que fazem aos clientes profissionais que são da movimentação e financiamentos a rentabilização de capitais, os bancos tentam garantir nas exigidas fianças, os financiamentos feitos e a fazer, envolvendo nelas uma cobertura passível de abranger a ligeireza ou a cobiça do devedor ou do próprio banco, em total alheamento à sua repercussão no património dos fiadores e à ruína destes".
Esta "modalidade" de fiança tem assim por objecto os direitos de crédito que visa garantir - nos termos do art.º 628º, do CCIV - tanto se podendo referir a obrigações já constituídas como a obrigações futuras e caracteriza-se por apresentar um conteúdo genérico, muito amplo, com um grau de determinabilidade variável.
A sua validade suscita fortes dúvidas quer na jurisprudência quer na doutrina, precisamente pelo facto de vincular quem a presta de forma quase ilimitada, ou pelo menos nos limites da determinabilidade do seu objecto.
E face ao preceituado no n.º 1 do art.º 280º do CC: "é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável".
Será pois ou não nula a garantia "omnibus" a que se reportam os autos?
Quando a fiança, mesmo a prestada no âmbito de financiamentos ou outras operações bancárias, é posterior ou contemporânea do negócio jurídico que se pretende garantir, normalmente estará afastado o problema da determinabilidade do objecto, sem prejuízo de eventuais excepções, na medida em que o crédito a que se reporta é imediatamente referenciado, com relativa precisão, designadamente quanto à sua origem, prazo, valores máximos, relações intersubjectivas etc.
No domínio das obrigações futuras é que se questiona, com particular acuidade, a sua validade, precisamente pela razão inversa: as partes não dispõem de um negócio anterior ou a concluir na ocasião a que possam fazer uma referência precisa, recorrendo, como alternativa, a fórmulas genéricas como a constante do documento de fls. 6, por forma a que os financiamentos ou outras movimentações de capital possam vir a ser enquadrados na fiança já prestada.
Tais fórmulas, nalguns casos negociadas, mas muitas vezes constantes de estereótipos ou modelos pré-elaborados pelas entidades bancárias, podem ser mais ou menos amplas, apresentar maior ou menor grau de pormenorização acerca da caracterização dos futuros negócios jurídicos a garantir pela fiança, não sendo raros os casos em que o grau de abstracção a que por vezes se chega ponha em causa a determinabilidade do respectivo objecto, mesmo com recurso à previsão do art.º 400º do CC (expressamente invocado pelo recorrente mas que a Relação já demonstrou não se aplicar senão depois de verificados os pressupostos do art.º 280º).
É que, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 25-11-97, in Proc 260/97 - 1.ª Sec, "...a lei não admite que alguém, sem quaisquer limites, se possa declarar fiador de todos os débitos que um terceiro tenha ou possa vir a ter, equivalente a alguém se obrigar a pagar a outrem o que este queira, sem limite algum".
Conforme escreve Vaz Serra, in RLJ ano 107º, pág. 261 citado no recente Ac. deste STJ de 14-4-99, in Proc 1182798 - 2ª Sec, "o fiador não pode e não deve correr o risco de se expor à ruína por efeito da imprudência com que o credor consentiu na dívida principal e o devedor na multiplicação dos seus débitos só porque lhes tenha garantido o pagamento".
Assim, os citados art.ºs 280º e 400º do CC devem ser interpretados, quanto à determinabilidade do objecto da fiança, no sentido de que têm de ser fixados critérios objectivos que permitam no futuro avaliar o conteúdo da prestação de forma a que o fiador, possa "ab-initio" conhecer os limites da sua obrigação ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento - além do último aresto citado, focam estas exigências os Acs de 1-10-98, in Proc 531/97 - 2.ª Sec e de 26-1-99, in Proc 1167/98 - 1.ª Sec.
A determinabilidade da fiança deve pois existir logo no momento da sua constituição (cfr. Vaz Serra, in RLJ, ano 107, pág. 255), no documento em que é estipulada, sob pena de se esvaziar de conteúdo o art.º 280º quando exige que seja determinável. E critérios objectivos de determinação, para além da natureza da dívida ou operação bancária, do destino das quantias colocadas à disposição do cliente do Banco e da estipulação de um prazo, a fixação de um limite máximo do valor a garantir (tecto ou "plafond") surge como a maior garantia de protecção contra a leviandade ou excesso de voluntarismo na assunção de responsabilidades por parte dos obrigados - conf., porém, no sentido da desnecessidade de fixação desse limite máximo, o citado Ac. do STJ de 25-11-1997, in Proc 260/97 - 1ª Sec.
O documento de fls. 6, não obstante uma certa vacuidade e/ou generalidade de redacção, é, contudo, susceptível de identificar alguns dos critérios objectivos a que se fez referência. E desde logo, porque nele se deixa exarada a fonte das obrigações contraídas e contraendas, no sentido de que se aplica às operações bancárias entre a sociedade afiançada e a instituição bancária ora recorrente, o que imediatamente exclui qualquer outra fonte de dívidas.
É certo que abrange toda e qualquer dívida indiscriminadamente contraída quer quanto à natureza, quer quanto ao montante, no vasto domínio da actividade bancária mas a expressa referência a operações a descoberto de D/O e a contratos de financiamento ou mútuo, ainda que se considere feita a título meramente exemplificativo, o que logo incula o advérbio "designadamente", não deixa de conter um apreciável grau de determinação.
No que concerne ao limite temporal, que nos autos se afirma não existir, face à limitação temporal de cinco anos imposta pelo art.º 654º do CC não se vislumbra qualquer necessidade da sua menção no documento que titula a fiança, a menos que as partes pretendessem fazer uso da faculdade de estabelecer prazo diverso.
Tudo dependerá todavia da melhor interpretação a dar à expressão "objecto... indeterminável " vertida no nº 1 do citado artº 280º do CCIV.
A emissão de um juízo subsuntivo em tal postulado normativo ficará sempre dependente das peculiares circunstâncias do caso concreto, sendo assim de apreciação e avaliação casuísticas.
Ora, na hipótese vertente, depara-se-nos uma garantia prestada por uma sociedade integrada numa espécie de "holding", na qual a totalidade do capital de ambas as sociedades, fiadora e afiançada, é detida pela empresa mãe, e com um núcleo comum de administração. Não é pois de crer que a fiadora, apesar de formalmente pessoa jurídica distinta da sua afiançada, não tivesse acesso a informação detalhada e por isso não conhecesse os montantes envolvidos ou mesmo os "programas" das obrigações a garantir através da fiança por si subscrita, pelo menos os decorrentes das obrigações de pretérito.
Apesar da "abrangência" do documento em causa, na situação configurada dos autos apenas falta o estabelecimento desse montante máximo para a responsabilidade da fiadora, para que se torne indiscutível a verificação dos critérios objectivos susceptíveis de assegurarem a determinabilidade e, consequentemente, a validade da fiança prestada pela 2.ª Ré, sendo que - repete-se - nem toda a jurisprudência exige a fixação deste limite - conf., v.g, o citado Ac. deste STJ de 15-11-95 e o Ac. de 14-1-97 in Proc 500/97 - 1ª Sec.
Em qualquer destes casos - aquele que se acaba de referir e o dos presentes autos - deparam-se-nos situações diversas da que levou Vaz Serra, em anotação ao acórdão publicado na RLJ, Ano 107, pag. 255 a pronunciar-se pela invalidade da fiança geral, já que na hipótese aí versada os termos eram de tal modo abrangentes que nem sequer continham a restrição a "negócios bancários" pois que se reportavam a uma "... fiança pessoal e solidária na forma mais ampla e incondicionada por toda e qualquer obrigação assumida ou que venha a ser assumida para convosco ou qualquer filial do mesmo instituto...".
Na hipótese sub-judice, - conforme resulta do elenco da matéria de facto - a dívida geradora dos "descobertos de DO" saldos (devedores ) havia sido contraída pela afiançada em 11-12-85, tendo a respectiva "abertura de crédito em conta corrente" uma finalidade bem determinada e logo aquando de tal abertura lhe foi fixado o "tecto" ou "plafond" de 60.000.000$00, e o "programa" prestacional, em termos quantitativos e cronológicos do financiamento a garantir, encontrava-se previamente estabelecido e a ser regularmente executado.
E a fiança "omnibus foi subscrita apenas em 6-7-92, isto é 6 anos e meio depois da celebração do mútuo bancário...
Assim, não só o montante dessa concreta dívida se encontrava "ab initio" determinado, como os respectivos acréscimos eram perfeitamente determináveis aquando da subscrição da fiança. E a operação bancária em causa era sem dúvida uma "operação efectuada" com o banco credor ora recorrente "dentro da sua actividade bancária, sendo certo que, face ao texto do termo de fiança, a responsabilidade assumida pela Ré se enquadrava na fórmula "responsabilidades... decorrentes de toda e qualquer operação efectuada ou a efectuar com este Banco", abrangendo por isso, não só as obrigações de futuro como também as já contraídas no passado.
Ora - na esteira do que se escreveu no Ac deste STJ de 26-1-99, in Proc 1167/ 2ª Sec, "as dívidas existentes no momento da constituição da fiança são por sua natureza e em regra determinadas ou de fácil determinação, mesmo quando não se tenham fixado os critérios para essa operação, designadamente quando a fiança é acessória de um contacto de reestruturação de dívida".
Nesta conformidade, a fiança em apreço poderia considerar-se nula quanto às obrigações futuras e válida quanto às obrigações de pretérito que visaria garantir.
Contudo, segundo o preceituado no artº 292º do CCIV, a nulidade parcial não determina a invalidade de todo o negócio salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte vicida. Conf., neste sentido, Vaz Serra, in RLJ, ano 108º, pág. 292 e o Ac. deste STJ de 1-10-98, in Proc. 531/97 - 2ª Sec.
E tal como se obtemperou no citado Ac. deste STJ de 26-1-99 "existindo" presunção de vontade de redução é a parte que pretende a nulidade total do negócio que cabe o ónus de provar que este não teria sido concluído sem a parte viciada".
Em nada invalida a solução acima encontrada no texto supra a doutrina dos recentes acórdãos deste STJ de 14-4-99, in Proc 1182/98 - 2ª Sec e de 3-2-99, in Proc 1005/98 - 2ª Sec ( este com formação alargada ), pois que, para além das totais abstracção, irrestrição, ilimitação e indeterminabilidade dos termos de fiança subjacentes às declarações de nulidade total que geraram, a primeira dessas fianças havia sido subscrita em 12-8-92 e a data do concessão do mútuo através da mesma garantido apenas veio a ocorrer "futuramente" em 11-9-92.
Diga-se ainda, em abono da tese da redução da garantia ao seu "núcleo saudável" atrás perfilhada que, pertencendo as Rés ao mesmo grupo económico, cujos capitais societários são detidos a 100% pela empresa mãe, a qual assegura parcialmente, e em conjunto, as respectivas administrações, a admitir-se a possibilidade de invocação de nulidade total do negócio por pretensa indeterminabilidade do seu objecto estaria aberta a porta para o fácil torpedeamento dos direitos dos credores.
E não só no caso presente, mas em todos os casos congéneres. Tornar-se-ia sempre possível entre empresas "irmãs", ou com interesses económicos coincidentes ou afins, o conluio sobre um dado " esquema garantístico "e depois virem as mesmas invocar, com êxito, em seu proveito, e quando melhor lhes aprouvesse, a sua própria leviandade ou precipitação ao subscreverem um dado "negócio de objecto indeterminável" para conseguirem obter a respectiva nulidade e assim tornarem inviável aos seus credores a cobrança dos respectivos créditos.
E, nessas eventualidade e conformidade, tal pretensão não poderia deixar de exceder os limites impostos da boa-fé, tornando assim ilegítimo o execício do direito de obter a nulidade do negócio - conf. artº 334º do CCIV 66.
Deste modo, sob qualquer ângulo que se visione o problema, a fiança a aludida nos autos não pode - com reporte à concreta operação afiançada a que respeita e às demais concretas circunstâncias supra-mencionadas - ser considerada como inválida.
Assim não havendo decidido, não pode, nesta parte, subsistir o acórdão recorrido.

15. Abuso do direito
Recurso subordinado das Rés
As sociedades Rés, vencidas quanto questão do abuso do direito no aresto sob análise, dele vieram interpor recurso subordinado restrito tal questão.
Fundamentam a sua posição, em suma, na circunstância de o A., em processo especial de recuperação de empresa que correu termos no 6.º Juízo Cível do Porto, ter ficado vinculado à medida de gestão controlada aprovada por larga maioria em assembleia de credores, na medida em que a recuperação da empresa dominante envolve a recuperação das demais requerentes no processo de recuperação, não obstante terem desistido da instância, sendo isso que está implícito na boa fé contratual que dimana da aceitação de que os créditos sobre as empresas dominadas se reportem unicamente à dominante.
Esta assunto foi já abordado "ex-professo" no acórdão deste Supremo Tribunal constante de fls. 373 a 376 destes autos, datado de 23-9-97, no qual se analisou a matéria relativa ao processo especial de recuperação de empresa a que se reportam as recorrentes e para cuja apreciação desde já se remete.
Logo a 1ª instância se apercebeu de que tal processo especial - a que se aplicava ainda o DL 177/86, de 2/7 - apenas permitia que a acção fosse proposta por um única empresa, o que levou as ora recorrentes a desistirem do pedido para deixarem só a empresa dominante, D, SGPS, S.A.
E o citado acórdão do STJ refere-se expressamente, com referência ao art.º 2º do referido DL, que este processo foi criado para viabilizar determinada empresa com dificuldades transitórias para solver os seus compromissos e que um grupo de sociedades é uma entidade distinta, não beneficiando das medidas previstas na lei então vigente, tal como sucede perante a actual legislação. E então, acrescenta-se, "mesmo numa situação de domínio total, cada uma das sociedades coligadas mantém a sua individualidade jurídica".
Colocada a questão nestes claros termos, resta extrair as conclusões adequadas à argumentação das recorrentes.
Não é certamente por acaso que, quando um determinado grupo de empresas se depara com dificuldades justificativas das medidas de protecção legalmente previstas, propõe tantas acções quantas as empresas a recuperar; e se aparentemente se sujeitam a resultados diversos e, porventura, opostos, a prática mostra que os credores comuns a todas elas actuam de forma idêntica em cada um dos processos, viabilizando ou inviabilizando a recuperação de todas as empresas do grupo.
Perante o erro de estratégia - apresentarem-se em conjunto a requerer a recuperação - às recorrentes mais não restou do que "agarrarem-se" ao abuso do direito na propositura da presente acção, com base num despacho que imputou todos os créditos reclamados no processo de recuperação à empresa não desistente, a dominante.
A este respeito já se exarou no citado acórdão interlocutório deste Tribunal (fls. 374) que "a imputação dos créditos à empresa não desistente apenas contende com a constituição da assembleia definitiva de credores", pois, como se sabe, as reclamações de créditos e a sua consequente aprovação nestes processos especiais não os constitui, modifica ou extingue, apenas possuem uma finalidade estritamente processual. Daí que mais adiante se acrescente que "a assembleia definitiva de credores nada decidiu sobre a extinção ou modificação de créditos, designadamente do ora recorrente" (que era então o aqui A) .
A imputação desses créditos, tal como as recorrentes pretendem, "traduz o aceitar que um processo de recuperação que é "de empresa" (e daí, que tenha havido a desistência da instância) produza efeitos em relação "a um grupo de empresas". O que não é admissível".
Mais adiante, volta-se a salientar que o despacho em que se apoiam as recorrentes não podia ter "o efeito de extinguir a responsabilidade obrigacional de qualquer das sociedades desistentes da instância... nem sequer na assembleia definitiva se decidiu, depois, fosse o que fosse sobre essa responsabilidade".
Finalmente concluiu-se, em perfeita sintonia com as anteriores considerações, numa perspectiva de direito substantivo, que "não houve assunção de dívida pela empresa dominante, com exoneração das ora Rés, porque o Banco não fez declaração expressa nesse sentido - v. art.º 565º n.º 2 do CCIV. Nem houve novação de qualquer dívida, porque não houve manifestação de vontades expressas nesse sentido - v. art.º 859º do mesmo Código".
Perante o acerto deste raciocínio, que não podia ser mais claro e rigoroso - o qual as ora recorrentes não conseguiram de modo algum abalar nas alegações da presente revista, não se vê como pode ter o A. e ora recorrido ficado vinculado a não propor a presente acção, abusando do direito ao fazê-lo. Não são pois de considerar como relevantes quaisquer expectativas que o A. pudesse ter criado às ora recorrentes de se deixar cair em tal inércia.
Não de descortina pois qualquer ultrapassagem dos limites impostos pela boa-fé por parte da entidade bancária A. ora recorrida, em termos de se haver por ilegítima a intentação da acção dos presentes autos, tudo com vista à sua subsunção no instituto do abuso do direito contemplado no artº 334º do CPC.
É, por conseguinte, de manter, nesta parte, o acórdão recorrido.

16. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- conceder a revista ao recurso principal interposto pelo A.;
- revogar, nesta parte, o acórdão recorrido;
- julgar a acção procedente e provada e em consequência, condenar as RR no pedido;
- negar a revista ao recurso subordinado interposto pelas RR;
- confirmar, nesta parte, o acórdão recorrido.
Custas pelas RR, quer no Supremo quer nas instâncias.
Lisboa, 29 de Abril de 1999.
Ferreira de Almeida,
Moura Cruz,
Abílio de Vasconcelos.