Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00018040 | ||
Relator: | RAMIRO VIDIGAL | ||
Descritores: | MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA MORA DO DEVEDOR CULPA | ||
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Nº do Documento: | SJ199301270825071 | ||
Data do Acordão: | 01/27/1993 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N423 ANO1993 PAG444 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 566 N2 ARTIGO 805 N3. | ||
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Sumário : | I - De acordo com o n. 2 do artigo 566 do Código Civil, o montante da indemnização pela não venda de determinadas acções deve ser fixado na diferença entre o valor que as acções tinham à data de inexecução do mandato e o valor actual. II - A ilíquidez da obrigação obsta, em princípio, à mora, mas já assim não ocorre se a falta de liquidez resultar de culpa de devedor. (artigo 805, n. 3, do Código Civil). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório O autor A propôs na comarca do Porto, acção ordinária em que pediu que o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa fosse condenado a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais causados, a quantia de 5830000 escudos devido a não venda de 265 acções da "SONAE" acrescida de juros de mora à taxa legal de 15% até reembolso. Fundamenta o pedido no incumprimento pelo réu de uma ordem de venda que lhe dera de 365 daquelas acções que tinha adquirido através desse Banco (agência de São João da Madeira) e nele estavam depositadas. A venda poder-se-ia ter realizado a 23 de Outubro de 1987 mas não se concretizara por negligência do Banco. Este veio mais tarde apenas a creditar na sua conta, o valor de 100 acções. Terá pois direito ao valor das restantes 265 e ainda a juros de mora desde 23 de Outubro de 1987, quer referentes a estes cujo montante ascende a 547305 escudos, quer às outras 100 no valor de 178250 escudos contados até à propositura da acção, e os vincendos até efectivo pagamento. O réu contestou aquela obrigação e pediu a absolvição do pedido. Após julgamento, a sentença da 1 instância condenou o Banco a pagar ao autor: a) os juros de mora correspondentes ao atraso na entrega do valor das 100 acções, de 23 de Outubro de 1987 a 9 de Maio de 1988, calculados em 178250 escudos; b) a pagar ainda aquele a título de indemnização pelos prejuízos sofridos a quantia correspondente à diferença de preço que o autor obteria pela venda das 265 acções (de que ainda é titular) se as tivesse vendido ao preço indicado (22000 escudos cada uma), e o preço que essas acções valerão agora (e que se desconhece), a liquidar em execução de sentença. O autor, face a isto, requereu que fosse esclarecido se na condenação se incluem os juros de mora peticionados, relativamente às 265 acções, desde 23 de Outubro de 1987 até efectivo pagamento, ou seja, juros de mora sobre a quantia a liquidar. Por despacho foi esclarecido que não havia lugar a condenação em juros na parte relativa à não venda das 265 acções, porque o montante da indemnização ainda não está fixado e porque o prejuízo sofrido corresponde à diferença de preços. O autor apelou da decisão tão só na parte em que não condenou o réu em juros de mora relativamente à quantia a liquidar em execução de sentença. A Relação manteve a decisão por entender que não eram devidos juros, por a mora só se verificar a partir da fixação definitiva do montante da indemnização, quando o crédito se tornar liquido. O autor voltou a recorrer agora de revista, firmando as seguintes conclusões: 1- O acórdão recorrido é nulo face à alínea d) do n. 1 do artigo 668 do Código de Processo Civil porque não apreciou as questões suscitadas, ignorando-as totalmente. 2- Com efeito, sustentou-se no recurso que a falta de liquidez era imputável ao devedor, a iliquidez era aparente, pelo que a dívida vencia juros de mora. 3- O recorrido sempre teve conhecimento claro da obrigação de indemnizar o recorrente pela não venda culposa das 265 acções e sempre esteve em condições de determinar em escassos segundos, o montante exacto, até ao centavo, da indemnização a pagar ao recorrente. 4- A não se declarar nulo o acórdão deve condenar-se o Banco nos juros de mora desde 23 de Outubro de 1987 até efectivo pagamento no que toca a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, revogando aquele. Alega, além da violação do artigo 660 citado, a do n. 3 do artigo 805 do Código Civil. O recorrido não contra alegou. Corridos os vistos, cumpre decidir. II - Fundamentos 1. Antes de mais, anote-se que estão provados os seguintes factos: a) O autor comprou por intermédio do réu (agência de São João da Madeira), 500 acções ao portador da "SONAE". b) Em 21 de Setembro de 1987 depositou no mesmo Banco, na agência de São João da Madeira, aquelas acções, que se encontravam incorporadas nos títulos que haviam sido entregues ao autor, ou seja, em dois títulos de 50 e em quatro de 100. c) Em 21 de Outubro de 1987, o autor deu ordem ao réu, naquela agência, para vender em Bolsa, 365 daquelas acções. d) A essa ordem se refere o documento de fls. 14, assinado pelo autor. e) Nesse documento indica-se o prazo de validade da ordem, até 31 de Outubro de 1987. f) A referida venda em bolsa não chegou a ser efectuada, nem no prazo de validade da ordem, nem posteriormente. g) Em 10 de Novembro de 1982, foi entregue ao autor, na agência de S. João da Madeira, cópia de um telex, cujo teor está reproduzido no documento de fls. 15. h) O autor enviou ao réu as cartas que se reproduzem nas cópias de fls. 16 a 18, 21 a 23 e 45 a 47. i) O Banco réu enviou ao autor as cartas que se encontram a fls. 19 e 20, e 24 e 25 dos autos. j) No seguimento da carta de fls. 24 e 25 o Banco lançou a crédito, na conta do autor, em 9 de Maio de 1988, a quantia de 2200000 escudos, relativa à aquisição de 100 acções que estavam representadas em dois títulos de 50, pelo preço de 22000 escudos cada uma, ou seja, pela cotação que tiveram na Bolsa em 23 de Outubro de 1987. l) Durante o período de tempo em que a ordem de venda dada pelo autor se manteve válida, nada impedia e era legal a venda na bolsa de valores, designadamente na do Porto, de títulos de 100 acções, designadamente da "SONAE". m) O réu só em 10 de Novembro de 1987, comunicou ao autor, o que consta do telex de fls. 15 dos autos. n) A partir de 23 de Outubro de 1987, o autor dirigiu-se várias vezes à agência do réu em São João da Madeira para saber o preço de venda das 365 acções, nunca obtendo qualquer resposta definitiva. o) Sendo, no entanto informado de que tudo estava em ordem e que a venda já se devia ter processado, faltando apenas creditar o produto da mesma na sua conta. p) Só em 9 de Novembro de 1987, a agência solicitou informação sobre o andamento da ordem de venda dada pelo autor. q) Os títulos de 100 acções da "SONAE", que o autor adquirira eram desdobráveis pela "SONAE" em títulos de 50 acções ou, até, de menor quantidade. r) A ordem de venda que constitui fls. 14 dos autos já continha impressa a nota que refere que "esta instituição só pode dar cumprimento a esta ordem desde que os títulos se encontrem em seu poder e em ordem de venda". s) O Banco adquiriu as 100 acções especificadas em j) ao preço que tinham na vigência da ordem de venda, por reconhecer ter havido demora na informação prestada ao autor de que não havia vendido a totalidade das 365 acções e da razão porque não efectuara a venda de 265 dessas acções. t) Até 3 de Novembro de 1987 pelo menos existiram na bolsa de valores do Porto, compradores para as 365 acções, nas condições pretendidas pelo autor, isto é, à cotação de 22000 escudos cada uma. u) Após 3 de Novembro de 1987, deu-se uma queda na bolsa, com constantes baixas das cotações das acções, designadamente das acções da "SONAE", com ausência de compradores para a generalidade das acções, mantendo-se esta situação até à data da propositura desta acção. 2. A primeira questão posta no recurso, é a da nulidade do acórdão recorrido face à alínea d) do n. 1 do artigo 668 do Código de Processo Civil, ou seja, por ter deixado de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, o que, a ocorrer, acarretaria efectivamente nulidade. Mas não é o caso. O recorrente na apelação procurou justificar, até prolixamente, a razão de dever vingar a condenação antecipada de juros de mora com os argumentos basilares (vasados nas conclusões) de que a obrigação de indemnizar era do conhecimento do réu e a iliquidez apenas aparente, porque em escassos segundos o recorrido podia determinar o montante exacto da indemnização a pagar. Ora o acórdão sob recurso versou precisamente a questão de saber se a dívida era ou não ilíquida e, ao contrário da tese do recorrente, entendeu que os juros moratórios só podiam ser exigidos quando o devedor se encontrasse em mora, o que ocorreria a partir da fixação definitiva do montante da indemnização, isto é quando o crédito se tornasse líquido. Acrescentou que a liquidação é uma operação preliminar da execução judicial, processo a que pode recorrer em caso de iliquidez da obrigação. Sendo assim, conheceu da única questão que aliás fora posta no recurso. O que se poderá dizer é que o tribunal se não teria pronunciado sobre todos e cada um dos argumentos apresentados pela parte, mas isto não significa omissão de pronúncia sobre questão que devesse resolver, como é entendimento pacífico. 3. Afastada a pretensa nulidade, impõe-se apreciar a questão dos juros. A matéria de facto retrata a celebração entre as partes de um contrato de mandato pelo qual o autor ordenou ao réu que procedesse à venda de 365 acções, que este não chegou a vender por culpa sua. A responsabilidade decorrente dessa inexecução é contratual e teve lugar logo que em 23 de Outubro de 1987 a venda podia ter tido lugar e não ocorreu. De harmonia com o n. 2 do artigo 566 do Código Civil, a indemnização foi fixada na diferença entre o valor que as acções (265 pois que as restantes 100, tinha o seu valor sido depositado pelo réu na conta do autor) tinham a data de 23 de Outubro de 1987 (22000 escudos cada uma) e o valor actual que a 1 instância relegou para execução por, à data da sentença, o tribunal o desconhecer. Esta decisão não foi posta em causa, assim como não se controverte que a quantia indemnizatória vença juros de mora; apenas se discute a data do início da sua contagem, que o acórdão recorrido relegou para o momento da liquidação como operação preliminar da execução, e o recorrente insiste em que seja a data da inexecução do mandato a 23 de Outubro de 1987. A 1 parte do n. 3 do artigo 805 do Código Civil (que não foi modificado pelo Decreto-Lei n. 262/83) dispõe: "Se o crédito for ilíquido não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor". A regra de que "in illiquido non fit mora" é correntemente justificada pelo facto de o devedor não poder cumprir, enquanto se não apura o objecto da prestação, pois é necessário que o obrigado saiba quanto deve. Mas isto não serve para que o devedor protele injustificadamente a liquidação do crédito; se o atraso lhe for imputável considera-se em mora (P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado vol. II, 3 ed., 1986, pag. 65). E assim, se em princípio a iliquidez obsta à mora, já assim não ocorre se a falta de liquidez resultar de culpa do devedor. Com efeito, se o devedor conhece o "quantum" da sua dívida, pode liquidá-la, e não o faz nem paga, não se justifica que permaneça isento de juros que se legitimam precisamente devido à sua inércia em cumprir. E esta liquidação na área contratual pode "verificar-se relativamente à obrigação originária em si, ou à obrigação superveniente de indemnização por falta de cumprimento" (F. Correia das Neves, Manual dos Juros, 3 ed., 1989, pag. 305). O recorrente entende precisamente que a falta de liquidez é imputável ao devedor. A questão centra-se, pois, em apurar se o réu podia e devia ter feito a liquidação no cumprimento da sua obrigação de indemnizar ou tal liquidação lhe era impossível atendendo ao desconhecimento ou ignorância do "quantum debeatur" e desde quando era devido. E é possível ao tribunal analisar este aspecto porque a culpa integra elementos de direito designadamente na perspectiva do confronto do comportamento do réu com a diligência exigível que uma pessoa normal teria ("bonus pater familias") em face do condicionalismo do caso concreto, segundo o padrão dos artigos 799 n. 2 e 487 n. 2 do Código Civil. Ora, podendo e devendo as 265 acções serem vendidas a 23 de Outubro de 1987 por 22000 escudos cada uma pelo Banco, o que este sabia, e não o tendo sido por sua culpa, desde essa data que o réu tinha conhecimento de um dos marcos basilares do cálculo da indemnização. O outro era constituído pelo valor das acções à data em que se pretendesse liquidar o prejuízo, valor esse de que o mesmo réu diáriamente dispunha e lhe permitia, querendo indemnizar, calculá-lo de imediato. A iliquidez era, assim aparente, mostrando-se desenhada com suficiente nitidez a sua culpa na falta de liquidação, culpa que aliás se presume em matéria contratual (artigo 799 n. 1 do citado Código). Note-se que em relação às outras 100 acções, cujo valor o Banco depositou na conta do autor em 9 de Maio de 1988, fê-lo pela cotação que elas tinham à data de 23 de Outubro de 1987, e os juros de mora correspondentes foram contados entre duas datas e nelas condenado o réu, sem reacção da sua parte. III - Decisão Em resumo, tendo o réu conhecimento claro da obrigação de indemnizar e do montante exacto da indemnização em cada momento devida, deve considerar-se que a falta de liquidez lhe é imputável para efeitos do n. 3 do artigo 805 do Código Civil, e os juros de mora contados desde o dia do incumprimento. Em consequência, concede-se revista no que concerne a violação de lei substantiva e condena-se o réu a pagar juros de mora à taxa legal desde 23 de Outubro de 1987 sobre a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativa às 265 acções. Custas neste Tribunal e na Relação pelo recorrido. Lisboa 27 de Janeiro de 1993. Ramiro Vidigal; Eduardo Martins; Olímpio da Fonseca. Decisões impugnadas: I - Sentença de 25 de Setembro de 1990 do 1 Juízo Cível do Porto. II - Acórdão de 6 de Novembro de 1990 da Relação do Porto. |