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Processo n.º 273/06, 5.ª Secção
Relator: Conselheiro Simas Santos
1.
Tribunal Colectivo da 4.ª Vara Criminal do Porto, condenou o arguido AJDC, com os sinais dos autos, na pena única de 14 anos e 6 meses de prisão, na sequência de realização de cúmulo jurídico de diversas penas parcelares em que o mesmo fora condenado.
Inconformado, recorreu para a Relação, colocando as seguintes questões:
– O Tribunal “a quo” não valorou devidamente as especiais circunstâncias atenuantes;
– O Tribunal “a quo” interpretou de forma manifestamente errada as disposições plasmadas nos arts. 40° n° 1, 2 e 3, 710 no 1 e 2 ai. d), 72° n° 1 e 2, ais. b) e c), 77° e 78°, todos do C. Penal;
– A decisão deve ser substituída por outra que determine a aplicação de uma única pena menor.
Quer na 1.ª Instância, quer na Relação foi suscitada pelo Ministério Público a questão prévia da incompetência da Relação para conhecer e decidir do recurso, por entender que tal compete a este Supremo Tribunal.
A Relação do Porto (proc. n.º 2386/05-4), por acórdão de 10-10-2005, considerou-se incompetente para conhecer e decidir do recurso e determinou o seu envio a este Supremo Tribunal de Justiça, por o ter por competente para o efeito.
Para tanto, considerou o seguinte:
«Como resulta da leitura das conclusões da motivação do recurso, o arguido-recorrente apenas questiona a medida da pena, sendo certo que não põe em causa a matéria de facto ou qualquer dos vícios enumerados nas ais. a), b) e c), do n° 2 do art. 410°, do C. P. Penal.
Assim em nosso entendimento e de acordo com o preceituado no art. 432°, al. d), do CPP não tem esta Relação competência para conhecer e decidir do recurso interposto de decisão final de Tribunal Colectivo cingida à matéria de direito.
Neste sentido e também em caso de cúmulo jurídico decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, v. g., Ac. de 6/05/04, CJ Acs. do STJ, T. 2, pag. 191.»
Distribuído neste Tribunal a 19.01.2006, teve vista o Ministério Público.
O relator suscitou no visto preliminar a questão da competência, por entender que a mesma cabe à Relação.
Com vista à resolução dessa questão prévia, foram colhidos vistos e apresentado o processo em conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.
2.1.
E conhecendo.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, tem vindo a coexistir duas correntes sobre a questão da competência, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso da decisão final do tribunal colectivo em recurso que visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, quando o recorrente se dirigiu à Relação e não ao Supremo Tribunal de Justiça.
Se tem havido uma pronúncia, ultimamente mais numerosa, no sentido sustentado pela Relação, que no entanto se escusou a caracterizar a natureza da incompetência de que decidiu padecer, diverso tem sido o entendimento de vários outros conselheiros.
Dessa divergência se fez coro, já em Junho de 2002, um documento emanado dos juízes conselheiros das secções criminais (disponível em www.verboijuridico.net), nos seguintes termos:
«2. Matéria problemática
A alínea d) do art. 432.º impõe que o recurso de acórdão final proferido por tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito, seja necessariamente interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, ou antes permite que esse recurso seja interposto per saltum para o STJ ?
O STJ tem divergido quanto a esta questão.
2.1. Pronunciou-se no sentido de não poder o recorrente optar, partindo do teor literal da norma contida naquela al. d) [Acs., de 21-02-2001 - P.º n.º 3302/00-3 e de 22-11-2001, P.º n.º 2258/01-5.], e acentuando que, sendo a determinação da competência uma matéria de interesse e de ordem pública, tal natureza a subtrai da livre opção dos recorrentes [Acs., de 21-02-2001, P.º n.º 3302/00-3, de 17-10-2001, P.º n.º 1573/01-3, de 24-10-2001, P.º n.º 679/01-3, de 20-02-2002, P.º n.º 4210/01-3, e de 29-01-2003, P.º n.º 4088/02-3].
Aceitando, ainda, que da disposição contida no art. 427.º do CPP, se vê que a regra é o recurso para o Tribunal da Relação, entendeu que se o recurso (de acórdão final proferido pelo tribunal colectivo) tiver por finalidade exclusiva o reexame de matéria de direito, deve ser interposto para o STJ, por força da norma expressa e imperativa da al. d) do art. 432.º do referido diploma, uma das excepções a que se reporta a primeira parte daquele art.º 427.º [Acs., de 21-02-2001, P.º n.º 3302/00-3 e de 22-11-2001, P.º n.º 2258/01-5].
Explicitou-se que “não apontam os elementos de interpretação (art. 9.º, do CC) para um pensamento legislativo no sentido da introdução da possibilidade de um recurso per saltum, dos acórdãos finais do tribunal colectivo, que tenha por objecto exclusivo o reexame de matéria de direito. Antes revelam que o recurso de tais decisões para o STJ não é optativo, constituindo obrigatoriamente um recurso directo, no quadro da assumida distribuição de competências entre o STJ e o Tribunal da Relação, o qual, nesse quadro, só tem competência para conhecer de tais recursos no caso de haver outros recursos da mesma decisão do tribunal colectivo versando sobre matéria de facto, exclusivamente ou em conjunto com matéria de direito” [Ac. de 16-01-2002, Acs. STJ, Ano X T1, p. 166 , P.º n.º 3059/01-3].
No acórdão de 30/04/03 [Proc. nº 4112-02-3ª] foi exposta detalhadamente esta posição, que se enuncia na seguinte síntese:
Os elementos de interpretação não apontam para um pensamento legislativo no sentido da introdução da possibilidade de um recurso per saltum dos acórdãos finais do Tribunal Colectivo que tenha por objecto exclusivo o reexame de matéria de direito. Antes revelam que o recurso de tais decisões para o S.T.J. não é optativo, constituindo obrigatoriamente um recurso directo, no quadro da assumida distribuição de competências entre o S.T.J. e o Tribunal da Relação, o qual, nesse quadro, só tem competência para conhecer de tais recursos no caso de haver outros recursos da mesma decisão do Tribunal Colectivo versando sobre matéria de facto, exclusivamente ou em conjunto com matéria de direito.
Se tivesse sido intenção do legislador admitir o recurso per saltum também no propósito de uma harmonização com o sistema de recursos em processo civil, seria incompreensível que o fizesse, contrariamente ao procedimento seguido naquele processo (cf. art. 725º do C-PC.), sem consagrar expressamente a possibilidade desse recurso, o direito ao contraditório dos outros sujeitos processuais e os dispositivos legais adequados à decisão de possível oposição de posições. A não previsão expressa de qualquer destes aspectos constitui pois forte indício da inexistência de tal propósito (cf. art. 9º, n.º 3, do C.C.).
A letra da lei aponta claramente para que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, devem ser interpostos directamente para o S.T.J. (…). É o que resulta da letra das disposições conjugadas dos arts. 427º (há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça) e 432º, al. d), do C.P.P. (recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça), directamente aplicáveis à questão. Nenhuma menção se faz aí a recurso per saltum, antes se prevê expressamente, de forma imperativa, o recurso directo.
E, sabido que é característica essencial do recurso per saltum a possibilidade «de saltar sobre o tribunal normalmente competente para conhecer dos recurso», e a inerente previsão da salvaguarda da posição dos restantes sujeitos processuais, designadamente os recorridos, verifica-se que nada na letra da lei expressa ou sugere que se trata de uma possibilidade ou que foi prevista a referida salvaguarda.
O legislador, a ter querido com as citadas disposições introduzir, de forma manifestamente inovadora, o mesmo tipo de recurso em processo penal, tinha expresso o seu pensamento em termos incompreensivelmente inadequados, o que não é de presumir.
Como resulta com clareza dos trabalhos preparatórios [Intervenção do Prof. Germano Marques da Silva, Presidente da Comissão de Revisão na conferência parlamentar sobre a revisão, estudo de José Damião da Cunha, A Estrutura dos Recursos na Proposta de Revisão do CPP, publicado na Revista de Ciência Criminal, Ano 8, fasc. 2ª, p.p. 251 e ss], foi preocupação fundamental das alterações introduzidas em matéria de recursos:
— Assegurar-se um recurso efectivo em matéria de facto, mesmo também dos acórdãos proferidos pelo tribunal colectivo, abandonando-se o anterior sistema da «revista alargada»;
— Restituir-se ao S.T.J. a sua função de tribunal que conhece apenas de direito, com excepções em que se inclui a do recurso interposto do tribunal do júri;
— Optar por soluções que, respeitando os objectivos inerentes a tais preocupações e os conhecidos princípios fundamentais que inspiram o nosso actual sistema processual penal, prossigam as finalidades, sempre presentes, de economia processual e de celeridade da justiça.
Em consonância com tais objectivos, ampliaram-se os poderes dos Tribunais da Relação, de forma a poderem conhecer das decisões do Tribunal Colectivo, modo de assegurar um recurso efectivo em matéria de facto e introduziram-se as alterações relativas à motivação do recurso que constam dos nºs 3 e 4 do art. 412º.
E foi também, essencialmente, essa preocupação, aliada, naturalmente, às de unidade e coerência das decisões e às de economia processual, que determinou a introdução da norma do nº 7 do art. 414º [Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente], disposição da qual não resulta a competência do Tribunal da Relação para conhecer de direito, que deriva antes do disposto no art. 428º [Que, tal como anteriormente, estatui que «As relações conhecem de facto e de direito»], conhecimento que só pode, naturalmente, verificar-se nos casos em que lei atribui competência à Relação, conforme determinação constante do art. 427º, que na actual redacção, conjugada com a do actual art. 432º, al. d), e com a do art. 414º, n.º 7, veio estender essa competência aos recursos de acórdãos finais do tribunal colectivo que não visem exclusivamente o reexame de matéria de direito ou que visando esse reexame exclusivo se cumulem com outros recursos da mesma decisão que versem, exclusivamente ou não, sobre matéria de facto.
Do disposto no citado nº 7 do art. 414º não resulta, assim, apoio ao entendimento da admissibilidade, por opção do recorrente, de recurso per saltum para o STJ Também não é significativo o argumento extraído da circunstância de na revisão do C.P.P. se haver transferido para a tramitação unitária, comum à Relação e ao Supremo [Art. 411º, n.º 4], a disposição, anteriormente constante exclusivamente do recurso perante o STJ [Art. 434º, n.º 1], permitindo a produção de alegações escritas em recurso restrito à matéria de direito, pois à Relação passou a competir julgar os recursos versando exclusivamente matéria de direito, quando interpostos juntamente com recursos da mesma decisão versando sobre matéria de facto.
Também se procurou evitar que os Tribunais da Relação decidam, por sistema, em última instância, mas fazendo um uso discreto do princípio da «dupla conforme», harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de justiça a casos de maior gravidade [São expressão destas motivações as alterações introduzidas no art. 400º, nº 1, as quais não inculcam, directa ou indirectamente, a possibilidade do questionado recurso per saltum, delas derivando somente a inovação da possibilidade, em termos limitados, de recurso para o S.T.J. de decisões da Relação, assim retomando a ideia da diferenciação orgânica, mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça – Cf o nº 16, al. e) da mencionada Exposição de Motivos].
2.2. Já no sentido da consagração da possibilidade de o recorrente optar pelo Tribunal ad quem na impugnação de decisão final de tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame de matéria de direito, foram tirados vários outros arestos.
E fê-lo a partir da consideração do sentido e alcance da Revisão de 1998 do CPP, referindo expressamente as inovações de relevo introduzidas no regime dos recursos pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.
A Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII, que veio a conduzir a essa alteração, nota, com efeito, que a versão original do Código inovara significativamente em matéria de recursos face ao CPP de 1929:
“Como se refere no preâmbulo do diploma, foi preocupação do legislador reforçar a economia processual numa óptica de celeridade e eficiência e emprestar efectividade à garantia de um duplo grau de jurisdição.
As soluções postas ao serviço destes objectivos caracterizaram-se pela linearidade quase esquemática dos princípios e por uma forte sensibilidade às conexões entre processo e organização judiciária. Neste contexto, as ideias de tramitação unitária, de competência baseada na natureza do tribunal a quo, de estrutura acusatória ou de revista alargada exprimiram um singular compromisso entre teoria e exigências práticas.
Houve, certamente, a consciência de que o projecto se aproximava, em alguns capítulos, de limites constitucionais e que a sua aplicação dependeria de uma utilização exaustiva dos meios.
Alguns anos decorridos, há que reconhecer que, não obstante os seus aspectos positivos, a experiência, ficou aquém das expectativas. Por razões que, naturalmente, se prenderam mais com dificuldades de aplicação do que com o mérito das soluções, é hoje manifesta a erosão de alguns princípios, de que são exemplo, nomeadamente: (...)
b) A incomunicabilidade entre instâncias de recurso resultante de os poderes das relações e do Supremo Tribunal de Justiça incidirem, em regra, sobre objecto diferente (os primeiros sobre recursos interpostos do tribunal singular; os segundos sobre recursos interpostos do tribunal colectivo ou de júri);
c) A indesejável duplicação de tribunais de recurso que julgam, por regra, em última instância (em princípio, não há recurso ordinário dos acórdãos proferidos pelas relações e pelo Supremo Tribunal de Justiça); (...)
f) O enfraquecimento da função real e simbólica do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal a quem compete decidir, em última instância, sobre a lei e o direito”.
Para corrigir a indicada erosão de princípios, a nova lei visa, expressamente, a introdução de “instrumentos mais consistentes, adequados e dialogantes, obtidos a partir da reavaliação dos meios disponíveis, da tradição jurídica e da cultura prevalecente.”
E para concretização destes objectivos: (...)
“c) Faz-se um uso discreto do princípio da «dupla conforme», harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior gravidade;
d) Admite-se o recurso per saltum, justificado pela medida da pena e pela limitação do recurso a matéria de direito;
e) Retoma-se a ideia de diferenciação orgânica, mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça;
f) Ampliam-se os poderes de cognição das relações, evitando-se que decidam, por sistema, em última instância;” (...)
Destas significativas alterações retirou o STJ, como se referiu, o seguinte entendimento, quanto à opção:
A reforma do processo penal introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25-08, abriu a possibilidade de os Tribunais da Relação conhecerem dos recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo e circunscritos ao reexame da matéria de direito, quando para eles interpostos, podendo o recorrente decidir qual o tribunal superior para onde o pretende fazer [Acs., de 21-06-2001, P.º n.º 1298/01-5, de 05-12-2001, P.º n.º 2986/01-3, de 24-01-2002, P.º n.º 4299/01-5, de 11-10-2000, Acs STJ Ano VIII T3, p. 191, P.º n.º 1892/00-3, de 19-06-2002, P.º n.º 1541/02-3, de 09-10-2002 , P.º n.º 2706/02-3, e de 23-10-2002, P.º n.º 3113/02-3).].
“A partir da reforma processual penal operada pela Lei n.º 59/98, de 25-08, o regime jurídico dos recursos passou a ser o seguinte:
- o recurso das decisões finais proferidas pelos Tribunais Colectivos fica na disponibilidade dos interessados, que assim poderão escolher entre recorrer para o STJ ou para a Relação competente, consoante a matéria que pretendem ver discutir nesse recurso;
- se pretenderem recorrer só de facto, ou de facto e de direito, só o podem fazer para os Tribunais da Relação;
- se tiverem seleccionado o STJ como tribunal de recurso só podem, aí, discutir matéria exclusivamente de direito” [Ac. de 28-06-2000, P.º n.º 234/2000].
« 1 - Interposto um recurso de decisão final do Tribunal Colectivo, que visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, para o Tribunal da Relação, deve ser este e não o Supremo Tribunal a conhecê-lo.
2 - Com efeito, a Revisão do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, não acolheu o entendimento de os recursos de decisões finais do tribunal colectivo restritos à matéria de direito terem de ser necessariamente dirigidos ao Supremo Tribunal de Justiça e por este conhecidos, por falecer competência para tal às Relações.
3 - Na verdade, a possibilidade de recurso directo para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito [al. d) do art. 432.º do CPP], não impede a Relação de conhecer dos recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, restritos ao reexame de matéria de direito (no dizer do art. 411°, n.º 4 do CPP).
4 - Com a Revisão efectuada pela Lei n.º 59/98:
- Foi consagrado o recurso das decisões de 1.ª instância para a Relação como regime-regra, apenas com a excepção do recurso directo para o Supremo das decisões finais do Tribunal do Júri, excepção que não abrange o recurso per saltum para o STJ quando se impugnam decisões extraídas pelo tribunal colectivo (art. 427.º do CPP);
- Reconheceu-se o princípio de atribuir às Relações competência para conhecer dos recursos restritos à matéria de direito, mesmo que se trate de recursos de decisões finais do Tribunal Colectivo (cfr. art. 414, n.º 7 e 428.º, n.º 1 do CPP);
- Com o intuito de aproximação de tal regime com o que está concebido para o processo civil, significativo da ideia de harmonização de sistemas que se completam;
- Abriu-se um caminho processual que propicia a possibilidade de discussão, sem limites, dos vícios referidos no n.º 2 do art. 410.° do CPP, e viabiliza um efectivo 2° grau de recurso;
- Transferiu-se para a tramitação unitária (comum às Relações e ao Supremo), da disposição, anteriormente exclusiva deste último, que previa a possibilidade de alegações escritas nos recursos restritos à matéria de direito (anterior art. 434.°, n.º 1 e actual art. 411.º, n.º 4, do CPP).
- Consagrou-se o recurso per saltum das decisões finais do Tribunal Colectivo restrito à matéria de direito, como expediente impugnatório que, como o próprio nome indica, permite que se salte sobre o tribunal normalmente competente, o que pressupõe que o tribunal ultrapassado (no caso a Relação), tem também essa competência” [Sumário do Relator, Acs. de 30-11-2000, P.º n.º 2791/00-5, de 10-05-2001, P.º n.º 689/01-5, de 22-11-2001, P.º n.º 2742/01-5, 06-12-2001, P.º n.º 3533/01-5 e, numa formulação muito próxima, o Ac. 18-10-2000 , P.º n.º 2193/00-3]
“1 - O regime de recursos instituídos pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, contém inovações de relevo quando comparado com o regime originário do CPP de 1987, positivando, nomeadamente, os art.s 427.º, 428.º, n.º 1, 432.º e 434.º, os objectivos legislativos nesse campo prosseguidos pelo legislador.
2 - Se numa interpretação literal da al. d) do art. 434.º do CPP, se poderá extrair a conclusão de que dos acórdãos finais do tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito, se deve recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, tal elemento interpretativo, não é, porventura, o mais importante, decorrendo antes da combinação dos elementos lógico, histórico e sistemático, uma outra asserção, que se tem por mais correcta e preferível, a de que, quando está em causa matéria de direito, se pretendeu deixar na disponibilidade do interessado, nos casos em que o recurso seja admissível, a escolha do tribunal ad quem: a Relação ou o Supremo.
3 - Assim, as Relações, salvo quanto às deliberações do tribunal de júri, não sofrem, no actual regime de recursos, qualquer limitação ao conhecimento de direito, qualquer que seja a natureza do tribunal recorrido e a gravidade da infracção.
4 - Daí que, com aquela ressalva, devam conhecer de todo o tipo de recursos de decisões finais da primeira instância que para ali sejam encaminhados, mesmo nos casos em que versando decisão do colectivo o recorrente se limite a discutir matéria de direito, e com eles, dos interlocutórios que os acompanhem na subida [Ac. do STJ, de 23-11-2000 , P.º n.º 2832/00-5. Idem no ac. de 10-01-2002, P.º n.º 4107/01-5].
“3 - Se a gravidade das infracções deixou de constituir limitação aos poderes cognitivos daquela classe de tribunais superiores, quando está em causa o conhecimento de facto e (ou) de facto e de direito, dificilmente se encontraria justificação racional e lógica para que tal limitação surgisse quando, apenas em discussão, matéria de direito. Quem pode o mais, isto é, quem pode julgar de facto e de direito, não deixará de poder o menos, isto é julgar (só) de direito.
4 - Esta conclusão é a que mais se harmoniza com o proclamado objectivo de pôr cobro à falada incomunicabilidade entre os tribunais superiores que o regime de 1987 acabou por deixar estabelecer e a que melhor satisfaz o objectivo da implantação discreta do "princípio da dupla conforme" declaradamente almejada pelo novo regime.
5 - Por outro lado, o recurso per saltum não é imposto, antes admitido.
6 - Logo, não sendo obrigatório, terá de concluir-se, logicamente, que, quando está em causa matéria de direito apenas, se pretendeu deixar na disponibilidade do recorrente, nos casos em que o recurso seja admissível, a escolha do tribunal ad quem: a Relação ou o Supremo.
7 - Enfim, dá-se corpo ao alargamento dos poderes de cognição das Relações, impedindo-se que decidam, por sistema, em última instância.
8 - Donde, a conclusão de que, ao referir-se aos recursos para o STJ na alínea d) do art. 432.º [recurso das decisões finais do colectivo restritas a matéria de direito] o legislador expressou-se algo equivocamente, pois estava arredado do seu pensamento, nessa hipótese, impor o recurso para o mais alto tribunal, antes, e tão-somente, permiti-lo.
9 - De resto, é solução harmónica com o sistema emergente do processo civil nomeadamente do seu art. 725.º onde consagra idêntico regime de recurso per saltum, com possibilidade de opção pelo interessado entre a Relação e o STJ.
10 - Sai, deste jeito, reforçada a função real e simbólica do STJ como tribunal a quem compete decidir, em última instância, sobre a lei e o direito, intervindo assim, com maior amplitude no controlo das decisões dos tribunais superiores em vez de, em regra, se cingir, como outrora, a decisões da 1.ª instância.
11 - São razões bastantes para ter como mais acertada a interpretação aqui defendida segundo a qual, em suma, as Relações, salvo quanto às deliberações finais do tribunal de júri, não sofrem, no actual regime de recursos, qualquer limitação no conhecimento de direito, qualquer que seja a natureza do tribunal recorrido e a gravidade da infracção....” [Acs. de 24-01-2002, P.º n.º 130/02-5; de 11-04-2002, Acs STJ X, 2, 162, P.º n.º 978/02-5; de 11-04-2002, P.º n.º 978/02-5, de 07-03-2002, P.º n.º 626/02-5].
“1 - Incidindo o recurso apenas sobre matéria de direito, pode ser dirigido também à Relação, já que não são decisivos em favor da obrigatoriedade de interposição para o STJ os argumentos de que as normas de organização judiciária que distribuem a competência dos tribunais são de interesse e ordem pública e da celeridade processual.
2 - O Tribunal de Relação encontra-se apetrechado para julgar não só de facto como de direito, pelo que a opção dos interessados é respeitável na medida em que corresponda melhor aos seus objectivos e estratégia de defesa.
3 - Não parece que se esteja perante uma lacuna (art. 4.º do CPP) a colmatar através das normas do processo civil, posto que sejam adjuvantes da argumentação no sentido exposto as regras do art. 725.º do CPC.
4 - A interpretação mais adequada será a que entende que o recurso directo para o STJ só é admissível dos acórdãos proferidos pelo tribunal de júri, e de acórdãos proferidos pelo tribunal colectivo (exclusivamente para reexame de matéria de direito), mas desde que pudessem ser recorríveis nos termos do art. 400.º do CPP [Ac. de 10-04-2002, P.º n.º 150/02-3 ; cfr. Também ac. de 15-05-2002, P.º n.º 1681/02-3.] “.
E, em resposta à natureza publicística do direito processual penal, invocada pela tese adversa, ponderou-se no ac. de 11-4-2002 [P.º n.º 978/02-5]:
“Não se vê que a margem de arbítrio (conferida pela opção) seja maior do que a que é concedida ao interessado quando lhe é facultada logo – art.º 399.º do CPP vigente - a própria iniciativa de interpor recurso ou deixar de o fazer. Isto é: Tal objecção só colheria plenamente se, à semelhança do que acontecia, em certos casos, no regime do Código de 1929, o recurso (ordinário) fosse obrigatório.
De resto, é solução harmónica com o sistema emergente do processo civil – nomeadamente do seu artigo 725.º onde consagra idêntico regime de recurso per saltum, com possibilidade de opção pelo interessado entre a relação e o Supremo Tribunal – sendo certo que, apesar de regular a composição de conflitos «civis» não deixa também de ter natureza de direito público.
E que, de algum modo, está de acordo com um dos fins claramente também perseguidos pela actual reforma: limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Pois, em larga medida, é de esperar afoitamente que o recorrente, definitivamente convencido pelo peso do julgamento superior da relação e respectivos fundamentos, se sinta desincentivado para levar mais alto a sua discordância.”
Quanto a uma aludida violação do princípio do juiz natural, argumentou-se que a possibilidade de opção pelo recorrente entre uma de duas categorias de tribunais superiores para dirigir o recurso, não viola, de per si , um tal princípio.
“Basta que as regras estejam, em abstracto fixadas à partida, nomeadamente no momento da consumação do facto. É o que dizem os Mestres: “Particularmente relevante se nos apresenta a doutrina italiana para a interpretação do nosso preceito constitucional [art.º 32.º, n.º 9, da CR], pois que também o artigo 25.º da Constituição italiana refere o juiz preconstituído por lei.
A doutrina e jurisprudência italianas começaram por interpretar o preceito da sua constituição como querendo garantir, para além da proibição de tribunais extraordinários, a determinação do tribunal competente com relação ao facto abstracto realizável no futuro e não a posteriori, ou seja, uma competência fixada imediata e exclusivamente por lei, mas resolúvel a posteriori mediante um procedimento singular. Portanto, esta orientação consagrava uma reserva absoluta da lei em matéria de competência jurisdicional, a qual devia ser estabelecida com anterioridade aos factos que hão-de ser julgados.
Numa corrente doutrinal mais recente, o princípio do juiz natural preconstituído por lei vem a ser interpretado como sendo aquele que é racionalmente idóneo para garantir a objectividade e imparcialidade do julgamento. (...) A tal luz, que é a consagrada na Lei Fundamental, estão definitivamente afastados eventuais fantasmas quanto ao respeito absoluto pelo falado princípio constitucional, assim como qualquer receio quanto à pretensa violação do princípio da proibição de desaforamento consagrado no artigo 23.º da LOFTJ. Diga-se finalmente que não se vê bem como podem resultar diminuídos os direitos de defesa do arguido quando, em vez de poder dispor de apenas uma possibilidade de recurso, como quer a Relação, vê esse direito alargado com a possibilidade de acesso a duas classes de tribunais superiores, um deles, justamente, o Supremo Tribunal de Justiça.“
2.3. Assim, importaria clarificar o sentido optativo da possibilidade conferida pela al. d) do art. 432.º do CPP, que, aliás, merece igualmente ser esclarecida quanto ao seu âmbito, como adiante melhor se verá.
Na verdade, importa tornar claro se pode ser interposto recurso de qualquer decisão final de tribunal colectivo, que vise exclusivamente o reexame da matéria de direito, independentemente da gravidade das penas infligidas e do critério da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.
A possibilidade de recurso per saltum das decisões dos tribunais colectivos (e de júri) para o Supremo Tribunal sem conexão com as infracções julgadas e penas aplicadas, tem levado a que não se interponha uma “filtragem” equivalente à que se vem denominando de “dupla conforme”. Ou seja, de acordo com as alíneas d) e f) do artigo 400º do CPPenal a confirmação de uma absolvição pela 2.ª Instância ou a confirmação de condenação por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções ou então por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, o recurso não é admissível.
Porém, se o recurso tiver sido interposto directamente para o STJ, então essa “filtragem”, quanto à admissibilidade, não tem sido feita – há escassas manifestações em alguns acórdãos - o que resulta na ocupação do mais Alto Tribunal na apreciação, por exemplo, se determinada pena deve ou não ser suspensa, se deve ou não ser determinada a expulsão de um estrangeiro.»
2.2.
Sufragamos a posição que se decidiu pela possibilidade de opção, por parte do recorrente, do tribunal ad quem, em caso de recurso exclusivamente de direito de Tribunal colectivo.
E fazemo-lo com base nos argumentos acima expostos e que foram inclusive repescados de acórdãos com o mesmo relator.
Salientamos que o Relatório de Avaliação dos Recursos em Processo Civil e Processo Penal, Maio de 2005 do Gabinete de Politica Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça (disponível em http://www.gplp.mj.pt/), depois de considerar as alteações introduzidas em 1998 no CPP, se pronuncia de iure condito pela solução da opção, da seguinte forma:
«IV. Finalmente, cumpre deixar algumas pistas de reflexão acerca da via de recurso para o Supremo dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, consagrada na alínea d) do artigo 432.º.
Uma primeira questão que se pode colocar centra-se na natureza facultativa ou obrigatória deste recurso per saltum nas situações em que a sua finalidade exclusiva se restrinja ao reexame da matéria de direito. Propende-se para a natureza facultativa, que se considera mais conforme com o escopo da Revisão de 1998 (Cfr. o n.º 16 da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII, que conduziu à citada Revisão. Esta problemática encontra-se perspectivada em Questões Merecedoras de Ponderação Legislativa (Reflexão dos Juízes Conselheiros das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça), Junho de 2003, pp. 14-25. Cfr. http://www.verbojuridico.net/.»
2.3.
Importa notar ainda que a decisão recorrida toma por certo que o recurso fosse exclusivamente de direito, numa posição muito divulgada de que a questão da medida da pena, mesmo da medida concreta da pena é sempre exclusivamente de direito.
Não é esse o entendimento do Tribunal Constitucional expresso no Ac. n.º 505/03 de 28.10.03, DR IIS, de 5.1.04, quando decidiu "julgar inconstitucional a norma do art. 432.º, al. d), do CPP, interpretada no sentido de que o STJ só pode conhecer da medida concreta da pena nos casos de desrespeito dos respectivos parâmetros (culpa do arguido, exigências de prevenção, moldura penal abstracta e tipo legal de crime em causa), violação de regras da experiência ou desproporção da quantificação efectuada, sem que tal restrição dos seus poderes de cognição implique a remessa do processo para outro tribunal de recurso", no recurso interposto anteriormente, mas então pendente no STJ, quanto à medida da pena deve dar-se a oportunidade ao recorrente, face à novidade daquele aresto do Tribunal Constitucional, de ver o recurso apreciado na Relação.
E pode entender-se, efectivamente, que nem sempre o recurso da questão da medida concreta da pena constitui uma exclusiva questão de direito.
«Em matéria de medida concreta da pena, enquanto que ao STJ só assistem aqueles poderes de cognição, as Relações podem proceder a um reexame mais amplo, e eventualmente avaliar diversamente o significado da matéria de facto, quer em relação a cada parâmetro, quer em relação à imagem global do facto e da personalidade do agente, invadindo a margem de liberdade que, no nosso direito, assiste ao julgador na medida da pena e fixando, dentro dela, nova quantificação precisa, ou seja nova pena.» (Ac. do STJ de 4-3-04, proc. n. º 4331/03-5, com o mesmo Relator).
Ora, como se viu, da síntese da própria decisão recorrida, o recorrente sustenta que se verificou erro de direito na decisão da 1.ª instância (“o Tribunal “a quo” interpretou de forma manifestamente errada as disposições plasmadas nos arts. 40° n° 1, 2 e 3, 710 no 1 e 2 ai. d), 72° n° 1 e 2, ais. b) e c), 77° e 78°, todos do C. Penal”), mas também sustenta que ocorreu incorrecta valoração das atenuantes (“o Tribunal “a quo” não valorou devidamente as especiais circunstâncias atenuantes”), o que poderá cair no domínio do facto.
O que vale por dizer que nem sequer se pode afirmar com firmeza que o recurso visa exclusivamente matéria de direito.
3.
Pelo exposto, acordam os juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em determinar a remessa dos autos à Relação do Porto, por lhe caber a competência em razão da matéria e da hierarquia para conhecer do presente recurso.
Sem custas.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2006
Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho, com a seguinte declaração:
“Voto a decisão, pois o recorrente suscita questões relativas ao estabelecimento da matéria de facto, como se nota na parte final do Acórdão e, portanto, o Tribunal da Relação sempre seria competente para conhecer do recurso, independentemente da questão controversa da possibilidade de poder "optar" pelo Tribunal recorrido, na qual estou em total discordância com a solução proposta pelo Excm.º Relator"”.
Costa Mortágua