Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELENA MONIZ | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA BEM JURÍDICO PROTEGIDO FINS DAS PENAS MEDIDA CONCRETA DA PENA REINCIDÊNCIA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE | ||
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Data do Acordão: | 10/02/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO. | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / REINCIDÊNCIA - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES. | ||
Doutrina: | - Lourenço Martins, Droga e Direito, Lisboa: Aequitas/Ed. Notícias, 1994, p. 122. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 70.º, 71.º, N.ºS 1 E 2, 75.º, N.º 1, IN FINE, N.º2, 76.º, N.º 1. DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º, N.º1, 24.º, 25.º, AL. A). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.º 426/91, HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS/19910426.HTML -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 15.04.2010, PROC. N.º 17/09.0PJAMD.L1.S1; -DE 07.12.2011, PROC. N.º 111/10.4PESTB.E1.S1. | ||
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Sumário : | I - O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, protetor de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública. II - Aquilo que distingue o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, do crime previsto no art. 25.º do mesmo diploma, reside na menor ilicitude da conduta punida neste último dispositivo. III - Constituem, entre outros, fatores relevantes dessa menor ilicitude, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a modalidade e circunstância em que a conduta é realizada, a qualidade e quantidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto da atividade constituir ou não modo de vida, a utilização do lucro da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da atividade desenvolvida, o número de clientes contactados e o posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina. IV - É enquadrável no art. 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01, a conduta do agente que se dedica ao pequeno tráfico, com venda de estupefaciente diretamente ao consumidor final, através de contacto directo e de rua, sem a utilização de quaisquer meios sofisticados, em pequenas doses, ainda que de forma regular. V - A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (arts. 71.º, n.º 1, e 40.º do CP), deve corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências decorrentes dessa lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade do delinquente. VI - A confissão do arguido, o ter cessado o cumprimento da liberdade condicional pouco tempo antes da prática dos factos, os seus antecedentes relacionados com este e com outros crimes e a verificação dos pressupostos formais e material da reincidência, levam a que se considere adequada a aplicação ao agente da pena de 5 anos de prisão. VII - Como se trata de um crime contra a saúde pública, onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de proteção de bens jurídicos são prementes, como o “sentimento jurídico da comunidade” apela a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor de vidas e famílias e como são alargadas as exigências de prevenção da reincidência e de advertência individual (o arguido voltou a cometer crimes logo após o fim do período de liberdade condicional), não deve ser aplicada a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1. Na 6.ª Vara Criminal de Lisboa, foi julgado, como autor, AA e condenado, por acórdão de 13 de março de 2014, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de prisão efetiva de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses. 2. Inconformado, o arguido interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo no disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (doravante CPP). 3. O arguido AA, na interposição do recurso para este Tribunal, concluiu a sua motivação nos seguintes termos: «1. O Recorrente foi condenado a uma pena de prisão de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de tráfico, p. p. pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro. - quanto à qualificação jurídica dos factos dados como provados: «O Tribunal deu como provado que o arguido vendia cocaína e heroína em locais longe da sua residência (pelo que se deslocava propositadamente a esse local única e exclusivamente para proceder àquela venda), que foi detectado em duas ocasiões pela PSP e que DEPOIS DE PRESENTE A INTERROGATÓRIO JUDICIAL NA SEQUÊNCIA DA PRIMEIRA DETENÇÃO E FICADO SUJEITO À MEDIDA DE COACÇÃO DE APRESENTAÇÕES DIÁRIAS NO OPC, VOLTOU AO MESMO LOCAL PARA PROSSEGUIR A MESMA ACTIVIDADE DE VENDA DE COCAÍNA E HEROÍNA, O QUE ORIGINOU A SEGUNDA DETENÇÃO. «Conforme já se referiu e muito embora o arguido tenha confessado integralmente os factos descritos na acusação esta foi a décima segunda vez que, presente a um Tribunal, sofreu condenação pela prática de crimes relacionados com o tráfico de estupefacientes. «Assim, e considerando, desde logo, que o crime de tráfico de estupefacientes, nas suas diversas modalidades, tem vindo a registar uma crescente proliferação, dificilmente é aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito seja suspensa na sua execução quando as circunstâncias apontam para uma actividade que o arguido exerceu de forma persistente nos últimos anos da sua vida, só tendo parado nos períodos em que esteve preso. 5. Uma vez subidos os autos, o Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça entendeu que: «A actividade de tráfico de estupefacientes desenvolvida pelo recorrente — tendo em conta a sua frequência, tipo e quantidade dos estupefacientes transaccionados e apreendidos, bem como o modus operandi — não é susceptível de ser integrador de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.° do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22/01, sendo-o antes pelo respectivo tipo matricial.(...) 6. Tendo o arguido sido condenado em uma pena de prisão superior a 5 anos, e uma vez que questiona a qualificação jurídica dos factos e a medida concreta da pena aplicada, o que constituem questões de direito, considera-se o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer do recurso, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. c) do CPP. II Fundamentação
A. Matéria de facto provada e não provada
1. Na decisão recorrida, são dados como provados os seguintes factos: «1. O ARGUIDO, DESDE DATA NÃO CONCRETAMENTE APURADA, DEDICA-SE, TODAS AS MANHÃS, À VENDA DE COCAÍNA E HEROÍNA NA ZONA DA MEIA LARANJA, NA RUA MARIA PIA, EM LISBOA, A PARTIR DO NÚMERO 260 DESSA ARTÉRIA, NÃO OBSTANTE SER MORADOR NA ZONA DO LUMIAR. 2. NO DIA 10 DE ABRIL DE 2012, PELAS 09.30 HORAS, O ARGUIDO CHEGOU À RUA MARIA PIA, E PASSADOS 10 MINUTOS, NO CRUZAMENTO DO LARGO DA MEIA LARANJA, FOI ABORDADO POR UM INDIVIDUO, QUE LHE ENTREGOU DINHEIRO, QUE AQUELE GUARDOU NO BOLSO. 3. APÓS TER RECEBIDO O DINHEIRO, O ARGUIDO ENTREGOU AO INDIVÍDUO UMA DOSE DE COCAÍNA. 4. PELAS 10.00 HORAS, O ARGUIDO DESLOCOU-SE AO NÚMERO 260 DA RUA MARIA PIA, ONDE ENTROU, ABRINDO A PORTA COM UMA CHAVE. 5. PASSADOS INSTANTES, O ARGUIDO SAIU DO IMÓVEL E FOI DE NOVO PARA A MEIA LARANJA, ONDE FOI ABORDADO POR DOIS INDIVÍDUOS, QUE LHE DERAM DUAS NOTAS E AQUELE, COMO CONTRAPARTIDA, ENTREGOU-LHES DOSES DE PRODUTO ESTUPEFACIENTE. 6. PELAS 10.20 HORAS, O ARGUIDO FOI ABORDADO POR MAIS DOIS COMPRADORES, JUNTO AO NÚMERO 262 DA RUA MARIA PIA, PERTO DO "CAFÉ DA ELIZABETE , RECEBENDO DESTES DINHEIROS E ENTREGANDO-LHES DOSES DE ESTUPEFACIENTE. 7. CERCA DAS 10.40 HORAS, O ARGUIDO ENTROU DE NOVO NO NÚMERO 260, E PASSADOS POUCOS MINUTOS, SAIU, TENDO RETOMADO À VENDA DE PRODUTO ESTUPEFACIENTE. 8. ASSIM, PELAS 10.55 HORAS, FOI ABORDADO POR DOIS SUJEITOS, DE QUEM RECEBEU VARIAS NOTAS QUE GUARDOU NO BOLSO DAS CALÇAS QUE TRAJAVA, TENDO-LHES ENTREGUE DOSES DE COCAÍNA. 9. PELAS 11.10 HORAS, O ARGUIDO, QUE MOMENTOS ANTES JÁ TINHA IDO DE NOVO AO NÚMERO 260, REABASTECER-SE DE PRODUTO ESTUPEFACIENTE, FOI CONTACTADO POR UM INDIVÍDUO, A QUEM VENDEU DOSES DESSE PRODUTO. 10. ÀS 11.15 HORAS, AGENTES DA P.S.P. INTERCEPTARAM O ARGUIDO, TENDO-LHE SIDO ENCONTRADO 6 (SEIS) EMBALAGENS DE COCAÍNA, COM O PESO BRUTO DE 0,608 GRAMAS E O PESO LÍQUIDO DE 0,351 GRAMAS, E 2 (DUAS) EMBALAGENS DE HEROÍNA, COMO PESO BRUTO DE 0,375 GRAMAS E O PESO LÍQUIDO DE 0,204 GRAMAS. 11. BEM COMO A QUANTIA MONETÁRIA DE €88,00 (OITENTA E OITO EUROS) E A CHAVE QUE DÁ ACESSO AO NÚMERO 260 DA RUA MARIA PIA. 12. EFECTUADA UMA BUSCA DOMICILIÁRIA AO NÚMERO 260, FOI ENCONTRADO, NO HALL, DO LADO DIREITO, ESCONDIDO POR DETRÁS DE UM MINI MOTOCICLO, UM SACO DE PLÁSTICO INCOLOR, CONTENDO 170 (CENTO E SETENTA) EMBALAGENS DE COCAÍNA, COMO PESO BRUTO DE 17,351 GRAMAS E O PESO LÍQUIDO DE 12,895 GRAMAS, E CINCO EMBALAGENS DE HEROÍNA, COM O PESO BRUTO DE 0,966 GRAMAS E O PESO LÍQUIDO DE 0,722 GRAMAS. 13. SENDO QUE TODAS AS EMBALAGENS SÃO IDÊNTICAS ÀQUELAS QUE O ARGUIDO TRAZIA CONSIGO PARA VENDA DIRECTA NA RUA. 14. PRESENTE AO SENHOR JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL NO DIA 11 DE ABRIL DE 2012, NO ÂMBITO DE PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL PELA PRÁTICA DOS FACTOS SUPRA DESCRITOS, O ARGUIDO FICOU SUJEITO À MEDIDA DE APRESENTAÇÕES PERIÓDICAS COM CARÁCTER DIÁRIO. 15. PORÉM, NO DIA 03 DE MAIO DE 2012, ENTRE AS 10.30 HORAS E AS 11.00 HORAS, NA ZONA DA MEIA LARANJA, EM FRENTE AO "CAFÉ DO. ZEZINHO'; SITO NO NÚMERO 262 DA RUA MARIA PIA, EM LISBOA, O ARGUIDO PROCEDIA À VENDA DE PRODUTO ESTUPEFACIENTE A VÁRIOS INDIVÍDUOS QUE ALI SE ENCONTRAVAM. 16. PELAS 10.30 HORAS, O ARGUIDO RECEBE DE UM INDIVÍDUO UMA NOTA DE DINHEIRO, E ENTREGOU-LHE UMA EMBALAGEM CONTENDO PRODUTO DE NATUREZA ESTUPEFACIENTE. 17. CERCA DAS 10.40 HORAS, O ARGUIDO RECEBE DE UM OUTRO INDIVIDUO UMA NOTA DE DINHEIRO. 18. ACTO CONTÍNUO, O ARGUIDO ATRAVESSA A RUA E ENCAMINHA-SE PARA JUNTO DA VIATURA AUTOMÓVEL DE MATRÍCULA 59-91-EO, DE MARCA "CITROEN", DE COR AZUL, AÍ ESTACIONADO. 19. BAIXA-SE E JUNTO DA RODA TRASEIRA DO LADO DIREITO, REMEXE E RETIRA UM MAÇO DE TABACO, DE ONDE TIRA UMA EMBALAGEM DE PRODUTO ESTUPEFACIENTE QUE METE NO SEU BOLSO. 20. COLOCANDO DE NOVO O MAÇO NO MESMO SÍTIO DE ONDE O TINHA RETIRADO. 21. O ARGUIDO DIRIGE-SE ENTÃO AO INDIVIDUO QUE MOMENTOS ANTES LHE TINHA ENTREGUE A NOTA DE DINHEIRO. 22. E EM TROCA, O ARGUIDO ENTREGA-LHE A EMBALAGEM DE PRODUTO ESTUPEFACIENTE. 23. PELAS 10.45 HORAS, O ARGUIDO DESLOCA-SE DE NOVO PARA JUNTO DA RODA TRASEIRA DA REFERIDA VIATURA AUTOMÓVEL E AGACHANDO-SE, RETIRA NOVAMENTE DO INTERIOR DO MAÇO DÉ TABACO ALGUMAS EMBALAGENS CONTENDO PRODUTO ESTUPEFACIENTE, COLOCANDO NOVAMENTE O MAÇO NO MESMO SÍTIO. 24. ÀS 10.50 HORAS, O ARGUIDO RECEBE QUANTIAS MONETÁRIAS DE DOIS INDIVÍDUOS. 25. E PREPARAVA-SE PARA EFECTUAR A ENTREGA A AMBOS DE DOSES DE PRODUTO DE NATUREZA ESTUPEFACIENTE, DIRIGINDO-SE PARA O EFEITO PARA JUNTO DO CARRO DE MATRÍCULA ..., QUANDO OS AGENTES DA P.S.P. O ABORDARAM. 26. EM POSSE DO ARGUIDO, DENTRO DO SEU BOLSO ESTAVA A QUANTIA MONETÁRIA DE €60,00 (SESSENTA EUROS), FRACCIONADA EM CINCO NOTAS DE € 10,00 (DEZ EUROS) E 27. JUNTO DA RODA TRASEIRA DA VIATURA AUTOMÓVEL ONDE O ARGUIDO ESCONDIA O PRODUTO ESTUPEFACIENTE PARA VENDA, ESTAVA UM MAÇO DE TABACO COM AS INSCRIÇÕES “SG VENTIL”. 28. E DENTRO DESSE MAÇO DE TABACO ESTAVAM ACONDICIONADAS DEZ BOLSAS, TENDO CADA UMA SEIS EMBALAGENS DE PLÁSTICO INCOLOR, CONTENDO COCAÍNA. 29. NO TOTAL O ARGUIDO TINHA EM SEU PODER 60 (SESSENTA) EMBALAGENS DE COCAÍNA, COMO PESO BRUTO DE 5,722 GRAMAS E O PESO LÍQUIDO DE 4,652 GRAMAS. 30. O ARGUIDO CONHECIA A NATUREZA E CARACTERÍSTICAS ESTUPEFACIENTES DA HEROÍNA E DA COCAÍNA QUE TRAZIA CONSIGO. 31. MESMO ASSIM, DECIDIU MANTER EM SEU PODER AS SUBSTÂNCIAS, ACIMA DISCRIMINADAS, VENDENDO-AS A TERCEIROS. 32. O DINHEIRO QUE LHE FOI APREENDIDO É O PROVENTO ECONÓMICO REALIZADO POR SI, NA SUA ACTIVIDADE DE VENDA DE HEROÍNA E DE COCAÍNA. 33. O ARGUIDO AGIU CONSCIENTE E DELIBERADAMENTE, FAZENDO-0 COM PLENA LIBERDADE DE ACTUAÇÃO BEM SABENDO QUE A SUA CONDUTA ERA CRIMINALMENTE PUNIDA POR LEI. 34. COM INTENÇÃO DE, COM A SUA DESCRITA CONDUTA, CONSEGUIR BENEFÍCIO ECONÓMICO, O QUE LOGROU OBTER. 35. O ARGUIDO FOI CONDENADO, POR ACÓRDÃO, PROFERIDO NO PROCESSO N° 63/04.0PXLSB, O QUAL CORREU TERMOS NA 80 VARA CRIMINAL DE LISBOA, NA PENA ÚNICA DE 7 (SETE) ANOS DE PRISÃO, TRANSITADA EM JULGADO NO DIA 02/01/2006, PELA PRÁTICA DE UM CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES, PREVISTO E PUNIDO PELO ARTIGO 21.° N° 1 DO DECRETO LEI. N.°15/93, DE 22/01, POR FACTOS COMETIDOS ENTRE JULHO DE 2004 E FINAIS DE SETEMBRO DE 2004. 36. O ARGUIDO CUMPRIU PARCIALMENTE A PENA DE PRISÃO, ENTRE JANEIRO DE 2006 E JANEIRO DE 2011, TENDO SIDO RESTITUÍDO À LIBERDADE EM 19/01/2011. 37. NÃO OBSTANTE TAL CONDENAÇÃO E A PENA DE PRISÃO EFECTIVA APLICADA, O ARGUIDO, NO ANO DE 2012, NÃO SE COIBIU DE VOLTAR A VENDER PRODUTO DE NATUREZA ESTUPEFACIENTE. 38. NEM TÃO POUCO TER SIDO PRESENTE A PRIMEIRO INTERROGATÓRIO NO DIA 11/04/2012, LEVOU O ARGUIDO A ATRIBUIR SIGNIFICADO À DECISÃO JUDICIAL DE APLICAÇÃO DA MEDIDA DE COACÇÃO, DE FORMA A ABSTER-SE DA PRÁTICA DOS ACTOS DELITUOSOS SUPRA DESCRITOS. 39. O ARGUIDO CONFESSOU LIVRE, INTEGRALMENTE E SEM RESERVAS OS FACTOS PELOS QUAIS FOI ACUSADO. 40. O ARGUIDO, NATURAL DE LISBOA, FOI CRIADO NO PAÇO DO LUMIAR COM OS PAIS E UM IRMÃO, AGREGADO FAMILIAR DE BAIXA CONDIÇÃO SOCIOECONÓMICA, DIFICULDADES QUE VIRIAM A PERPETUAR-SE NO TEMPO. 41. OS PAIS DO ARGUIDO VIRIAM A SEPARAR-SE QUANDO O ARGUIDO ERA PEQUENO, TENDO SIDO CRIADO PELO AVÔ MATERNO E PELA MÃE, FIGURA À QUAL ERA AFECTIVAMENTE MUITO LIGADO. 42. AO NÍVEL ESCOLAR, NA IDADE ADEQUADA, O ARGUIDO INICIOU A INSTRUÇÃO PRIMÁRIA, TENDO CONCLUÍDO A 4° CLASSE, AOS DOZE ANOS. 43. O PERCURSO ESCOLAR DO ARGUIDO REGISTA FALTA DE ASSIDUIDADE E POUCO INVESTIMENTO NOS ESTUDOS, A PAR DA AUSÊNCIA DE SUPERVISÃO E CONTROLO PARENTAL. 44. POR VOLTA DOS CATORZE ANOS O ARGUIDO COMEÇOU A TRABALHAR NUMA DROGARIA, ONDE ESTEVE QUATRO ANOS, DEPOIS TRABALHOU COMO ESTOFADOR, DURANTE CERCA DE DOZE ANOS NUMA FÁBRICA, QUE VIRIA A FALIR EM 1980. 45. DESDE ENTÃO O PERCURSO LABORAL DO ARGUIDO TEM-SE CENTRADO NA ÁREA DA CONSTRUÇÃO CIVIL E TEM SIDO IRREGULAR. 46. EMBORA INICIADO NUMA IDADE TARDIA, O ARGUIDO VIRIA A TER UM PROLONGADO PERCURSO COMO CONSUMIDOR DE ESTUPEFACIENTES. 47. NO PLANO FAMILIAR, O ARGUIDO VIVEU EM UNIÃO DE FACTO DURANTE VÁRIOS ANOS, RELAÇÃO DA QUAL NASCEU UMA FILHA AGORA COM TRINTA E OITO ANOS. 48. À DATA DOS ACONTECIMENTOS SUBJACENTES AO PRESENTE PROCESSO, O ARGUIDO, QUE HAVIA TERMINADO A MEDIDA DE LIBERDADE CONDICIONAL EM MARÇO DE 2012, TRABALHAVA DE MODO IRREGULAR NO SECTOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL, TENDO O FEITO DURANTE ALGUM TEMPO NA MONTAGEM DE TECTOS FALSOS, SITUAÇÃO LABORAL QUE FOI ESCASSEANDO DADA A CRISE NO SECTOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL. 49. EM PARALELO, O ARGUIDO RETOMOU OS CONSUMOS DE ESTUPEFACIENTES, SOBRETUDO COCAÍNA, O QUE DESORGANIZOU AINDA MAIS O SEU JÁ INSTÁVEL MODO DE VIDA. 50. AO NÍVEL FAMILIAR O ARGUIDO RESIDIA COM A MÃE, FALECIDA ENTRETANTO, NA SEQUÊNCIA DE ALGUNS PROBLEMAS DE SAÚDE. 51. NO PRESENTE, O ARGUIDO RESIDE SOZINHO, NA MESMA CASA, UMA HABITAÇÃO SOCIAL DE TIPOLOGIA Ti, PELA QUAL PAGA €7,50 DE RENDA DE CASA. 52. O ARGUIDO TEM UMA RELAÇÃO DE NAMORO COM BB, DE QUARENTA ANOS, A QUAL TRABALHA HÁ CERCA DE DEZ ANOS NUM EMPRESA DE PANIFICAÇÃO. 53. ANTERIORMENTE MANTEVE UMA UNIÃO DE FACTO COM ESTA COMPANHEIRA, QUE DUROU CERCA DE UM ANO. 54. AINDA NO PLANO FAMILIAR O ARGUIDO NÃO SE RELACIONE COM O IRMÃO NEM COM OS TIOS MATERNOS, QUE DEIXARAM DE LHE PRESTAR APOIO DEVIDO AO SEU ENVOLVIMENTO NO CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES. 55. AO NÍVEL ECONÓMICO, O ARGUIDO, QUE NÃO TEM RENDIMENTOS PRÓPRIOS, VIVENDO UM QUADRO DE PRECARIEDADE ECONÓMICA. 56. O ARGUIDO AA SOFREU AS SEGUINTES CONDENAÇÕES: - PENA DE PRISÃO DE 2 (DOIS) ANOS, SUSPENSA PELO PERÍODO DE TRÊS ANOS COM REGIME DE PROVA, PELA PRÁTICA DE 1 (UM) CRIME DE ROUBO PREVISTO E PUNÍVEL PELO ART° 2100 N° 1 DO CÓDIGO PENAL, EM 22/01/1994, POR DECISÃO DATADA DE 17/04/1997; - PENA DE PRISÃO DE 7 (SETE) MESES PELA PRÁTICA DE 1 (UM) CRIME DE FURTO QUALIFICADO PREVISTO E PUNÍVEL PELO ART° 296° DO CÓDIGO PENAL, EM 6/02/1995, POR DECISÃO DE 7/02/1995; - PENA DE PRISÃO ÚNICA DE 3 (TRÊS) ANOS (ACÓRDÃO CUMULATÓRIO), POR DECISÃO DATADA DE 10/12/1997; - PENA DE PRISÃO DE 7 (SETE) MESES PELA PRÁTICA DE 1 (UM) CRIME DE FURTO QUALIFICADO,NA FORMA TENTADA, PREVISTO E PUNÍVEL PELOS ART°S 203° E 204° N° 1 AL. D), AMBOS DO CÓDIGO PENAL, EM 04/07/1996, POR DECISÃO DE 20/05/1998; - PENA DE PRISÃO DE 3 (TRÊS) ANOS E 6 (SEIS) MESES, EM CÚMULO JURÍDICO COM AS PENAS DOS PROCESSOS N°S 133/95.3PEOER, 71/96, 414/97 E 549/97, PELA PRÁTICA DE 1 (UM) CRIME DE FURTO QUALIFICADO, PREVISTO E PUNÍVEL PELOS ART°S 296° N° I, 297° N° 1 AL. A) DO CÓDIGO PENAL DE 1982, EM 26/10/1994, POR DECISÃO DE 9/03/1999, TENDO SIDO DECLARADA PERDOADA NA PENA IMPOSTA, UM ANO DE PRISÃO, NOS TERMOS DA LEI N° 29/99, DE 12/05, SOB A CONDIÇÃO RESOLUTIVA DO ART° 4° DA MESMA LEI; - PENA DE PRISÃO DE 3 (TRÊS) ANOS E 10 (DEZ) MESES DE PRISÃO (EM CÚMULO JURÍDICO COM O PROC. N° 69/98 DA 2° VARA CRIMINAL DE LISBOA), PELA PRÁTICA DE 1 (UM) CRIME DE FURTO QUALIFICADO PREVISTO E PUNÍVEL PELO ART° 203° E 204° N° 2 AL. E), AMBOS DO CÓDIGO PENAL, EM 06/04/1997, POR DECISÃO DATADA DE 9/06/1999; - PENA DE PRISÃO DE 5 (CINCO) MESES PELA PRÁTICA DE 1 (UM) CRIME DE FURTO QUALIFICADO, COMO CO-AUTOR, PREVISTO E PUNÍVEL PELOS ART°S 203° E 204° N° 1 AL. D), AMBOS DO CÓDIGO PENAL EM 15/11/1995, POR DECISÃO DE 10/10/2000, TRANSITADA EM JULGADO EM 30/10/2000; - PENA DE PRISÃO DE 1 (UM) ANO E 10 (DEZ) MESES PELA PRÁTICA DE 1 (UM) CRIME DE TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE PREVISTO E PUNÍVEL PELOS ART°S 21° N° 1 E 25° AL. A), AMBOS DO DECRETO-LEI. N° 15/93, EM 26/08/2001, POR DECISÃO DE 28/06/2002, TRANSITADA EM JULGADO EM 15/07/2002; - PENA DE PRISÃO DE 7 (SETE) ANOS PELA PRÁTICA, COMO REINCIDENTE, DE UM CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES PREVISTO E PUNÍVEL PELOS ART°S 21° N° 1 DO DECRETO-LEI. N° 15/93, DE 22/01 EM JULHO DE 2004, POR DECISÃO DE 16/12/2005, TRANSITADA EM JULGADO EM 02/01/2006, TENDO SIDO CONVERTIDA POR PROCESSO GRACIOSO DE LIBERDADE CONDICIONAL N° 553/06.0TXLSB EM DEFINITIVA A LIBERDADE CONDICIONAL, COM EFEITOS A PARTIR DE 27/03/2012 E DECLARADA EXTINTA A PENA APLICADA AO ARGUIDO NO ÂMBITO DO PROC. N° 63/04.0PXLSB DA 8° VARA CRIMINAL DE LISBOA, COM EFEITOS A PARTIR DESSA DATA, POR DECISÃO DATADA DE 21/01/2013, TRANSITADA EM JULGADO EM 18/02/2013. - PENA DE PRISÃO DE 2 (DOIS) ANOS, SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO POR IGUAL PERÍODO PELA PRÁTICA DE 1 (UM) CRIME DE FURTO QUALIFICADO, PREVISTO E PUNÍVEL PELOS ART°S 203° N° 1 E 204° N° 1 AL. B), AMBOS DO CÓDIGO PENAL, EM 29/10/2011, POR DECISÃO DE 02/10/2012, TRANSITADA EM JULGADO EM 07/11/2012; - PENA DE PRISÃO DE 10 (DE.2) MESES, PELA PRÁTICA DE 1 (UM) CRIME DE FURTO QUALIFICADO, PREVISTO E PUNÍVEL PELOS ART°S 203° N° 1 E 204° N° 1 AL. B), AMBOS DO CÓDIGO PENAL, EM 17/02/2013, POR DECISÃO DE 25/06/2013, TRANSITADA EM JULGADO EM 25/07/2013, PENA DECLARADA EXTINTA PELO CUMPRIMENTO POR DECISÃO DATADA DE 04/02/2014.»
2. Foram dados como não provados, relativamente aos agora requerentes, os seguintes factos: «NÃO SE PROVOU QUE:
1. Quanto à qualificação jurídica O arguido vem condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, todavia entende que os factos provados deveriam ser subsumidos à previsão do art. 25.º, do mesmo diploma legal. Isto porque considera que, da avaliação global dos factos, se poderá concluir por uma menor gravidade da conduta dado que apenas vendia produto estupefaciente ao consumidor final, atuou sempre sozinho e sem qualquer tipo de sofisticação, não tendo grande quantidade de droga em seu poder. O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, protetor de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública. Ou, mais precisamente, “o escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. Assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos” (ac. do TC n.º 426/91, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19910426.html); ou nas palavras de Lourenço Martins (Droga e direito, Lisboa: Æquitas/Ed. Notícias, 1994, p. 122, “o bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente a saúde pública. (…) Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes”. Aquilo que distingue o crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º, do DL n.º 15/93, do crime previsto no art. 25.º do mesmo diploma, reside na menor ilicitude da conduta punida neste último dispositivo. Segundo a lei constituem, entre outros, fatores relevantes dessa menor ilicitude, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a modalidade e circunstância em que a conduta é realizada, a qualidade e quantidade do produto vendido, entre outros fatores que atento o caso concreto possam diminuir a ilicitude da conduta realizada. Sem analisar um tipo que deixa em aberto a caracterização da ilicitude como diminuta, teremos que recorrer à jurisprudência para que, com alguma constância, possamos determinar o que integra a menor ilicitude num comportamento de tráfico de estupefacientes. Assim, tem-se considerado que será a partir de uma análise global dos factos que se procederá à atribuição de um significado unitário quanto à ilicitude do comportamento (neste sentido, ac. do STJ, proc. n.º 111/10.4PESTB.E1.S1, de 07.12.2011), avaliando não só a quantidade, como a qualidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto de a atividade constituir ou não modo de vida, a utilização do produto da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da atividade desenvolvida, o número de consumidores/clientes contactados e o “posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina” (ac. do STJ, proc. n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1, de 15.04.2010; cf. também ac. do STJ, proc. n.º 17-09.0PJAMD.L1.S1, de 15.04.2010). No fundo, tudo isto constitui aspectos da prática do crime (entre outros) que de algum modo serviram ao legislador para construir o tipo qualificado previsto no art. 24.º, do DL n.º 15/93. Por seu turno, estaremos perante um comportamento a integrar no tipo fundamental de crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, do DL n.º 15/93, quando estamos perante um vendedor com uma atividade de média ou grande escala provocadora de uma danosidade social média ou elevada, sem que, no entanto, se atinja o grau de ilicitude agravada pressuposto no art. 24.º referido. Assim, ter-se-á que concluir, a partir dos factos dados como provados, que a punição concedida ao arguido se mostra claramente desajustada e desproporcionada relativamente aos factos praticados. Ora, a partir daqueles factos percebemos que o agente se dedicava à venda de cocaína e heroína, “todas as manhãs” (facto provado 1), nomeadamente, assim aconteceu no dia 10.04.2012 e no dia 03.05.2012 (factos provados 2 a 9 e 15 a 24); no primeiro dia referido foram encontradas em seu poder seis embalagens com cocaína, e duas embalagens com heroína (facto provado 10), e aquando da realização de uma busca encontraram 170 embalagens com cocaína e cinco com heroína (facto provado 12); no segundo dia referido foram encontradas na sua posse dez bolsas contendo cada uma seis embalagens com cocaína (o que perfaz um total de 60 embalagens) (factos provados 28 e 29); o produto era vendido diretamente ao consumidor final; na sua posse nunca foram encontradas avultadas quantias em dinheiro — € 88,00 e € 60, 00, em momentos distintos (factos provados 11 e 26). Assim, tendo em conta que apesar de o arguido se dedicar ao tráfico de estupefacientes “todas as manhãs” (embora esteja dado como provado em apenas dois dias), ainda assim tratava-se de pequeno tráfico. Aliás, nem se conhecem bens de fortuna provenientes de tal atividade; pelo contrário — provou-se que “ao nível económico, o arguido, (...) não tem rendimentos próprios, vivendo um quadro de precariedade económica” (facto provado 55). Porém, articulado com estes factos, teremos que salientar que o arguido já anteriormente tinha sido condenado por crime de tráfico de estupefacientes, numa pena de 7 anos de prisão efetiva, por factos praticados em 2004. Mas, ainda que se deva ter isto em consideração, devemos tê-lo como indício de uma maior culpa, como irá ocorrer quando se tornar determinante para podermos integrar a situação no âmbito da reincidência, mas não de uma maior ilicitude dos factos praticados em 2012. Na verdade, a ilicitude, enquanto maior ou menor desconformidade entre o comportamento do agente e a norma de determinação e de valoração subjacente ao tipo legal de crime, deverá ser analisada objetivamente a partir dos factos praticados. Assim, consideramos que o ilícito praticado pelo agente, porque se trata de pequena tráfico, com venda de estupefacientes diretamente ao consumidor final, através de contacto direto e de rua, sem a utilização de quaisquer meios sofisticados, em pequenas doses, ainda que de forma regular, não pode ser enquadrado no âmbito da média criminalidade. Pelo que a conduta do agente integra o ilícito previsto no art. 25.º, al. a) do DL n.º 15/93, com uma moldura penal abstrata entre 1 e 5 anos de prisão. Trata-se de um caso de fronteira entre a pequena e a média criminalidade, entre o pequeno e médio tráfico, no limite da pequena criminalidade. Todavia, a moldura penal estabelecida é suficientemente ampla para poder abarcar ilícitos tão diversos de pequeno tráfico como o ilícito subjacente à criminalidade praticada pelo arguido dos presentes autos.
2. Quanto à determinação da medida da pena a) A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos art. 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha tido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração). Assim, fatores como o pequeno tráfico de doses diárias, ou o menor rendimento proveniente da atividade, não serão aqui valorados. Porém, relevantes para esta determinação da medida da pena é a confissão do arguido (facto provado 39), o facto de pouco tempo antes da prática dos factos ter cessado o cumprimento da liberdade condicional (em março de 2012) (facto provado 48), o facto de já várias vezes ter sido condenado por este crime e por outros (facto provado 56) demonstrando-nos o percurso “profissional” do arguido e uma dificuldade em manter a sua vida longe do crime. E se dúvidas tivéssemos quanto a este ponto, elas desaparecem quando verificamos que apesar de o arguido ter sido presente para primeiro interrogatório no dia 11.04.2012 (cf. facto provado 38) nada absteve o arguido de continuar a exercer a sua atividade. Por isso, e tendo em conta o tipo de crime em causa, não só as exigências de prevenção geral positiva, atento o forte alarme social das condutas praticadas, como as exigências de prevenção especial positiva, consubstanciadas no fato de atento o seu percurso não se afigurar como suficiente a simples ameaça da pena, somos levados a concluir pela necessidade de aplicação de uma pena de prisão efetiva. Acresce a verificação dos pressupostos formais da reincidência, isto é, a prática de um crime doloso em que o arguido foi punido (por sentença transitada em julgado) com uma pena de prisão efetiva superior a 6 meses, estando nestes autos em causa também a realização dolosa de um tipo de crime em que deve ser punido com uma pena de prisão efetiva também superior a 6 meses de prisão; para além disto, verifica-se que entre os factos praticados anteriormente (entre julho de 2004 e setembro de 2004) — e em que foi condenado a pena de prisão de 7 anos (por decisão transitada em julgado a 02.01.2006), pena que cumpriu entre janeiro de 2006 e janeiro de 2011 (foi colocado em liberdade a 19.01.2011) — e os factos pelos quais é arguido nestes autos (praticados em abril e maio de 2012), ainda não decorreu o prazo de 5 anos (imposto por força do art. 75.º, n.º 2, do CP). Pelo que os pressupostos formais para aplicação da reincidência estão verificados. Mas, também está verificado o pressuposto material, isto é, a manifestação de uma atitude pessoal de desconsideração pela solene advertência contida na condenação anterior (pressuposto exigido pelo art. 75.º, n.º 1, in fine, do CP) — o que se demonstra não só pelo facto de pouco tempo após ter sido colocado em liberdade ter praticado o mesmo crime, como ainda pelo facto de o ter realizado pouco tempo depois de ter terminado o período de liberdade condicional (que tinha ocorrido em março de 2012). Tudo a demonstrar a existência de uma culpa agravada que deverá igualmente ser tida em conta na determinação da medida concreta da pena. Assim, a moldura penal do facto praticado nos termos dos arts. 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do DL n.º 15/93, passará a ser, por força do disposto no art. 76.º, n.º 1, 1.ª parte, do CP, de pena de prisão entre 1 ano e 4 meses e 5 anos. Atento tudo o exposto, considera-se que a pena adequada será a pena de 5 anos de prisão (cumprindo-se também a exigência do art. 76.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP). b) O nosso sistema de reações criminais é claramente caracterizado por uma preferência pelas penas não privativas da liberdade — cf. art. 70.º do CP — devendo o tribunal dar primazia a estas quando se afigurem bastantes para que sejam cumpridas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Mas estamos perante um crime contra a saúde pública, onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de proteção de bens jurídicos são prementes. Além disto, o “sentimento jurídico da comunidade” apelando, por um lado, a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor de vidas e famílias, por outro lado, também anseia por uma diminuição deste tipo de criminalidade e uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas, isto é, uma exigência acrescida de tutela dos bens jurídicos lesados com o crime. Aliás, tendo em conta as características desta criminalidade e os seus efeitos nefastos para a sociedade, as exigências de manutenção da confiança geral na validade da norma e, portanto, a confiança de que estas condutas são punidas, impõem exigências acrescidas de restauração da paz jurídica. Quanto às exigências de prevenção especial, e tendo em conta o caso concreto — um arguido já condenado, que voltou a cometer o crimes, logo após o fim do período de liberdade condicional, e após um longo período na prisão — consideramos que as exigências de prevenção da reincidência e de advertência individual são alargadas, e as necessidades de socialização do delinquente acrescidas, a imporem um cumprimento efetivo da pena. Assim, da avaliação das exigências de prevenção geral e especial não podemos concluir pela aplicação de uma pena de substituição, pois dado o percurso do arguido e o crime praticado considera-se que aquelas impõem a aplicação de uma pena de prisão efetiva. Na verdade, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto não existem elementos que nos permitam concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente — as condutas anteriores à prática dos factos dos autos não mostram um caminho no sentido de um afastamento progressivo do mundo do crime, mas sim o contrário; quanto aos factos posteriores, encontramos uma atividade profissional irregular (facto provado 48) e um regresso ao consumo de estupefacientes (facto provado 49); vive sozinho (facto provado 51), embora tenha uma relação de namoro (facto provado 52), mas sem contacto com familiares próximos como o irmão ou tios maternos (facto provado 54), dado que a mãe já faleceu (facto provado 50), e vivendo precariamente sem rendimentos próprios (facto provado 55). Por tudo o exposto, consideramos não ser de aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, prevista nos arts. 50.º e ss, do CP. III Conclusão Nos termos expostos acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido AA na parte respeitante à medida concreta da pena, determinando o cumprimento de uma pena de prisão efetiva de 5 (cinco) anos pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do art. 21.º, n.º 1 e art. 25.º, al. 1) do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. 2. No mais, confirmar a decisão recorrida.
Por os recursos terem obtido parcial provimento não são devidas custas, de harmonia com o disposto no art. 513.º, n.º 1 do CPP.
Supremo Tribunal de Justiça, 2 de outubro de 2014 Os juízes conselheiros, (Helena Moniz) (Rodrigues da Costa) |