Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P573
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
ERRO DE IDENTIDADE
CORRECÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: SJ20080403005735
Data do Acordão: 04/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário :
1 – O recurso extraordinário de revisão é interposto de decisão transitada em julgado, por contraposição aos recursos ordinários que são interpostos das decisões que ainda se não tornaram definitivas, sendo que uma decisão transita em julgado quando já não admite recurso.

3 – Se o arguido foi julgado na ausência e ainda não foi notificado da sentença condenatória, esta não transitou pois aquele ainda pode recorrer, quando tiver lugar essa notificação (n.º 5 do art. 333.º do CPP). Não tendo transitado em julgado não pode ser objecto de um recurso extraordinário de revisão que pressupõe necessariamente o trânsito em julgado.

4 – Os factos descritos na sentença condenatória são acções humanas voluntárias, atribuídas, por conseguinte, a uma pessoa física, relevando o ente que age e procede.

5 – Se foi este a ser julgado embora invocando uma identidade que não é a sua não fica em causa a justiça da condenação, impõe-se somente a correcção do lapso cometido.
Decisão Texto Integral:

1.
O 2º Juízo Criminal de Lisboa, 3ª secção, precedendo julgamento na ausência, condenou no proc. n.º 77/02.4ZFLSB, por sentença que veio a transitar em julgado em 14-12-2004, um indivíduo identificado como AA, solteiro, nascido a 18 de Janeiro de 1977 em França, filho de N... e de M...N..., residente em França, Le Havre,... Av. du Général Leclerc, como autor de 1 crime de falsificação do art. 256º n.ºs 1 al. a) e 3 do C. Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos.
Veio agora o Ministério Público junto daquele Juízo Criminal interpor recurso extraordinário de revisão dessa decisão, invocando o fundamento da al. d) do n.º 1 do art. 449º do CPP e concluindo na sua motivação:
1. No dia 26-04-02 apresentou-se no aeroporto de Lisboa um indivíduo de raça negra que se identificou como sendo AA, nascido a 18-01-77 em Le Harve, mediante passaporte que exibia a sua fotografia, pretendendo viajar para Nova Iorque.
2. Suspeitando-se da viciação desse passaporte o indivíduo foi detido, constituído arguido, prestou termo de identidade e residência e foi submetido a primeiro interrogatório judicial.
3. Em todos esses actos processuais manteve-se a identificação resultante do próprio documento suspeito de falsificação, pelo que nunca constou dos autos a verdadeira identidade do indivíduo efectivamente detido e cuja fotografia estava aposta no passaporte apreendido cujos restantes elementos identificativos pertenciam a pessoa diferente.
4. Confirmada a falsidade do documento através de prova pericial foi deduzida acusação contra AA, como identificado no passaporte viciado, o qual foi julgado na ausência, por força do termo de identidade e residência existente no processo, e condenado, como autor de um crime de falsificação previsto e punido pelo art.º 256º n.ºs 1 alínea a) e 3, na pena de 1 ano e três meses de prisão com execução suspensa por 3 anos.
5. Notificado o arguido da sentença através de carta rogatória, constatou-se que a identificação da pessoa julgada e condenada corresponde a um indivíduo branco enquanto que o indivíduo que deveria ser julgado pelo uso de passaporte falso é negro.
6. Para integral esclarecimento da verdade releva a comparação das impressões digitais do indivíduo detido com aquelas de AA constantes de fls. 103, efectuada pela Policia Judiciária (DCRIP), com a conclusão de que tais impressões digitais foram produzidas por diferentes indivíduos – cfr. fls. 146.
7. Assim confirmada a diferença de identidade, a condenação que teve lugar neste processo não é justa porquanto não terá sido AA a cometer o crime, sendo antes vítima de usurpação de identidade, pelo que a sentença deverá ser revista.
Indicou como prova o passaporte apreendido, os documentos de identificação e fotografia do arguido condenado (fls. 98 a 103 e vº) e o relatório da comparação lofoscópica referente às impressões digitais tiradas ao detido aquando do primeiro interrogatório judicial, constantes da ficha biográfica existente na Policia Judiciária – DCRIP, e às do arguido condenado que constam de fls.103 dos autos principais.
O Senhor Juiz informou, nos termos do art. 454.º do CPP, o seguinte:
Em cumprimento do disposto no art. 454° do Cód. de Processo Penal, passámos a proferir informação sobre o mérito do pedido.
Nos presentes autos foi proferida sentença, transitada em julgado, contra AA, filho de N... e M...N..., nascido em 18 de Janeiro de 1077, em França, condenando o mesmo pela prática de um crime de falsificação de documento autêntico, previsto e punido no art. 256.º, n.ºs 1 al a) e 3 do Cód. Penal, na pena de um ano e três meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos.
Compulsada a certidão junta, verificamos assistir razão ao Ministério Público na interposição do presente recurso de revisão, uma vez que se torna evidente que o individuo que foi detido no aeroporto de Lisboa na posse do passaporte com o nome de “AA” não tem esta identidade.
Com efeito, expedida carta rogatória para França para notificação do arguido AA, este afirmou nunca ter estado em Portugal e ter sido vítima de usurpação de identidade, juntando fotografias e impressões digitais que, comparadas, divergem inequivocamente da fotografia e impressões digitais do individuo detido no aeroporto na posse do aludido passaporte.
Em conformidade, estes novos meios de prova, confrontados com os que foram apreciados no processo, atestam a injustiça da condenação de AA, que não praticou os factos descritos na sentença proferida.
Por todo o exposto, afigura-se-nos ser de autorizar a revisão.

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público que se pronunciou proficientemente no sentido de que é inadmissível o presente recurso de revisão, devendo antes proceder-se na 1.ª Instância à correcção, que se imponha, nos elementos de identificação, ao abrigo do disposto no art. 380.º do CPP, comunicando-se a mesma ao cidadão francês AA.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

2.1.
E conhecendo.
Resulta dos autos que:
No dia de Abril de 2002, pelas 09:40 horas, no Aeroporto de Lisboa, o aquando do controlo documental para o voo nº 1315 com destino a Nova Iorque, o arguido apresentou como documento de identificação o “passaporte” que se encontra junto aos autos (fls. 7).
Tal documento, para cuja feitura contribuíra pelo menos com a entrega da sua fotografia, não fora emitido pelas autoridades competentes, apresentando “deficiente impressão do fundo do suporte do papel e impressão das menções fixas em fonte de tamanho diferente e com erros ortográficos (...) suporte de papel com simulação de marca de água e sem fibras nem filete de segurança” e que “a película laminada é totalmente falsa (...) e a perfuração do número do documento é diferente do espécime”
O arguido quis usar aquele documento como se de um passaporte se tratasse, embora soubesse que o mesmo não era verdadeiro e que punha em crise a credibilidade e fé pública que um passaporte merece, querendo também facilitar a sua deslocação a países estrangeiros.
Sabia que a sua conduta era proibida por lei.
Logo constituído arguido, declarou chamar-se AA, de nacionalidade francesa, nascido em 18/01/1977, residente na Av. du Général Leclerc, ... – Le Havre, não tendo exibido qualquer outro documento de identificação.
Nesse mesmo dia, foi presente ao Juiz de Instrução Criminal, para primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
Quando do interrogatório para além dos elementos de identificação já anteriormente dados quando da sua constituição como arguido, indicou, corno filiação, N... e M...N... Não foi exibido qualquer documento de identificação.
A detenção foi validada, o arguido libertado e sujeito a termo de identidade e de residência, que prestou, tendo então repetido os referidos elementos de identificação já anteriormente declarados e indicado, como “outro domicílio à sua escolha”, a Rua da Indústria, ...,....° E, em Lisboa.
Não foi exibido qualquer documento de identificação.
O arguido, que nunca mais foi localizado, veio a ser acusado, julgado, com indicação daquela identificação, na ausência, nos termos do art. 333.º n.º 1 e 196.º n.º 3, al. d) do CPP (fls. 72) e condenado, pela prática de um crime de falsificação do art. 256.°, n.°s 1, a), e 3, do C. Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 3 anos.
Devolvida a carta rogatória dirigida à República Francesa para notificação da sentença condenatória ao arguido na morada que indicara e comparadas as impressões digitais, constante de ficha biográfica do arguido, recolhidas quando da sua detenção, com as impressões digitais do cidadão francês AA, nascido a 18/01/1970, em Le Havre, filho de D...M...J...L... e de B...C...A..., concluiu-se pertencerem as aludidas impressões digitais a diferentes indivíduos.
O arguido é de raça negra, conforme a fotografia aposta no passaporte em causa (fls. 2 a 7, 13, 14, 18), enquanto o cidadão francês AA é de raça branca, sendo diferentes as datas de nascimento, a ascendência e, como se viu, as impressões digitais (fls. 14, 18 com fls. 98 a 103), nunca tendo estado em Portugal.

2.2.
Assentes os factos essenciais, vejamos a disciplina jurídica.
Trata-se de um recurso extraordinário de revisão que, como é própria da sua natureza, é interposto de decisão transitada em julgado, por contraposição aos recursos ordinários que são interpostos das decisões que ainda se não tornaram definitivas.
Diz-se, pois, que uma decisão transita em julgado quando não admite recurso e passou o prazo para arguir a sua nulidade ou quando admita recurso já decorreu o prazo para a sua interposição (cfr. n.º 1, parte final, do art. 497.º do CPC “sentença que já não admite recurso ordinário”).
Ora, o art. 449.º do CPP invocado pelo recorrente dispõe no corpo do seu n.º 1 «a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:» (realçado agora).
Como observou o Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça, a sentença condenatória em causa não transitou ainda em julgado, toda a vez que o arguido foi julgado na ausência, nos termos do art.º 333º nº 1 e 196º nº 3 al. d) do CPP.
E, de acordo com o disposto no n.º 5 do mesmo art. 333.º, no caso previsto nos n.ºs 2 e 3, havendo julgamento na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, contando-se o prazo para interposição de recurso pelo arguido a partir da notificação da sentença.
Como se viu, o arguido não foi ainda notificado da sentença condenatória, pelo que poderá ainda recorrer dela, o que significa que a mesma não transitou em julgado.
Não tendo transitado em julgado não pode ser objecto de um recurso extraordinário de revisão que pressupõe necessariamente o trânsito em julgado.
Não cabe, assim, recurso de revisão, que deve ser rejeitado.

2.3.
Mas mesmo que se entendesse diversamente, não seria este recurso extraordinário o expediente processual adequado à solução do problema que os autos documentam.
Como se viu, foi julgado um determinado arguido de raça negra, por exibir um determinado passaporte que fora materialmente falsificado, uma vez que não fora emitido pela autoridade que tinha competência para tal e ostentava elementos físicos diversos dos utilizados nos passaporte regulares correspondentes.
Verificou-se depois, que a identidade que constava desse documento, bem como os elementos respeitantes designadamente à residência não eram igualmente verdadeiros, ficando-se sem saber se de todo os restantes, o nome, idade e ascendência correspondiam à verdade.
Como se verificou que o arguido não é a pessoa que, com o mesmo nome, diferente raça, ascendentes, impressões digitais e data de nascimento, vive na morada indicada pelo arguido.
Mas estes factos não postulam a injustiça da condenação a que o art. 449.º faz apelo nas alíneas c), d) e g) do seu n.º 1, o erro judiciário que funda a possibilidade de revisão das sentenças penais.
Nenhuma legislação moderna adoptou o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado.

Foi escolhida uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o acto jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, e que se traduz na possibilidade limitada de revisão das sentenças penais, que foi entre nós consagrada.

A segurança é seguramente um dos fins do processo penal, não é seguramente o único e nem sequer o prevalente, que se encontra antes na justiça.

Aliás, o recurso de revisão inscreve-se também, parcialmente, nas garantias constitucionais de defesa, no princípio da revisão consagrado no n.º 6 do art. 29.º da Constituição: os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

Essas condições da lei encontram-se nos art.ºs 449.º a 466.º do Código de Processo Penal (CPP), admitindo-se a revisão das decisões penais, não só a favor da defesa, mas igualmente da acusação.

São, em síntese, os seguintes os fundamentos e condições de admissibilidade da revisão:

— Falsidade dos meios de prova: falsidade reconhecidos por sentença transitada, de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever [art. 449.º, n.º 1, al. a)];

— Sentença injusta: crime cometido por juiz ou jurado, reconhecido em sentença transitada relacionado com o exercício de funções no processo [art. 449.º, n.º 1, al. b)];

— Inconciabilidade de decisões: entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. c)];

— Descoberta de novos factos ou meios de prova, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. d)].

— Descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º [art. 449.º, n.º 1, al. e)].

— Declaração, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação [art. 449.º, n.º 1, al. f)].

— Prolação, por uma instância internacional, de sentença vinculativa do Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça [art. 449.º, n.º 1, al. g)].

O legislador ordinário não se limitou, pois, a consagrar a possibilidade de revisão das sentenças condenatórias, mas visou igualmente as decisões penais favoráveis ao arguido.

Porém, também ponderou, neste último domínio, o princípio constitucional de que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime (n.º 5 do art. 29.º da CRP), que não inviabiliza, mas limita fortemente a possibilidade de revisão contra o arguido e previu, para este último caso, dois fundamentos de revisão contra os quatro previstos para as decisões condenatórias.

Com efeito, dos fundamentos já enunciados só os dois primeiros, em que está em causa genuinidade da decisão, em que esta está afectada no seu nascimento (por uso de meios de prova falsos ou de intervenção de membro de tribunal suspeito, com toda a quebra de confiança geral no sistema) é que podem fundar o pedido de revisão contra a defesa.

Já os restantes fundamentos, designadamente a inconciabilidade de decisões [art. 449.º, n.º 1, al. c)] e descoberta de novos factos ou meios de prova [art. 449.º, n.º 1, al. d)] só operam, como resulta do uso ali feito da expressão "graves dúvidas graves sobre a justiça da condenação", em relação a decisões condenatórias.

Foi invocado, como fundamento da presente revisão, o disposto nos art. 449.º, n.º 1 al. d): descoberta de novos factos ou meios de prova que, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação

Ora, dúvidas não há de que o arguido (a pessoa física concreta), que foi julgado no processo em causa, de raça negra, com a fisionomia retratada nos autos e com as impressões digitais também recolhidas, foi o autor do crime pelo qual veio a ser condenado; o que vale por dizer que não está em causa a justiça da sua condenação.
E só essa é que constitui o fundamento de revisão invocado.
A circunstância de se ter apurado que a pessoa com o mesmo nome e morada invocados por aquele arguido é pessoa física diversa e alheia aos factos, não põe em causa a justiça da condenação, mas tão só a identidade invocada pelo arguido e sob a qual foi julgado.
O que justifica a rectificação da sentença condenatória, fazendo constar que o arguido usou determinada identidade e que tinha determinadas características físicas recolhidas nos autos, o que pode ter lugar, pelo uso do disposto no art. 380.º, n.º 1, b) do CPP, uma vez que não importa uma modificação essencial da sentença.
Não é, aliás, a primeira vez que esta problemática foi abordada no Supremo Tribunal de Justiça, que maioritariamente tem seguido esta posição:
Assim:
— (1) – O princípio da «res judicata pro veritate habetur» é uma afirmação de mera utilidade e não de justiça pura. Nestas circunstâncias, não está impedida a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica. (2) – Hoje, a revisão da sentença criminal transitada em julgado é admissível em qualquer das 4 hipóteses contempladas no art. 449º do CPP. (3) – Se houve uma confusão de nomes e da nacionalidade da mesma pessoa física demandada criminalmente, os meios de prova de que o tribunal de serviu para formular o seu juízo condenatório em relação a uma pessoa física em nada foram condicionados pelos elementos de identificação do ente que se se submeteu à justiça do tribunal criminal. (4) – Os factos descritos na sentença revidenda são acções humanas voluntárias, atribuídas, por conseguinte, a uma pessoa física. O que releva, nesta parte, é o ente que age e procede, e não tanto o titular dos direitos e obrigações correspondentes, a pessoa jurídica a que se reporta o arguido. (5) – O que sucedeu foi tão somente um erro de identificação do arguido submetido a julgamento, mas hoje (art. 324º, nº 1, al. a) do CPP) nem é essencial, na sentença, a identificação do arguido por forma coincidente com a dos registos oficiais, porquanto a lei se contenta com simples indicações tendentes à sua identificação até onde isso for possível. (6) – Não se encontra, pois, preenchido o condicionalismo da revisão de sentença contemplada no art. 449º, nº 1, al. a) do CPP. (7) – Impõe-se somente a correcção do lapso cometido por iniciativa do Tribunal ou a requerimento do Mº Pº - art. 380º do CPP. (AcSTJ de 11/03/1993 Acs do STJ 1, 212)
— (1) – Não há lugar a revisão de sentença quando o condenado é a pessoa física embora identificada com outro nome, que cometeu o crime objecto da condenação. (2) – Em tais situações, haverá, simplesmente, que averiguar, incidentalmente, a verdadeira identidade do condenado e, uma vez feita a prova, ordenar oficiosamente as correspondentes rectificações na sentença, cancelamentos e averbamentos nos respectivos certificados de registo criminal. (AcSTJ de 20/02/2003, proc. nº 395/03)
— (1) – O recurso extraordinário de revisão possibilita, em circunstâncias taxativamente enunciadas, ultrapassar a normal intangibilidade do caso julgado, visando por essa via a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua, através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada. (2) – Os fundamentos taxativos deste recurso extraordinário vêm enunciados no artigo 449.º do Código de Processo Penal e são apenas estes: (i) falsidade dos meios de prova; (ii) injustiça da decisão; (iii) inconciliabilidade de decisões; (iv) descoberta de novos factos ou meios de defesa. (3) – Tendo sido julgada a pessoa física que efectivamente cometeu o crime, embora identificando-se falsamente com nome de outra pessoa que se sabe nada ter tido a ver com tal actuação, o caso não se enquadra em qualquer dos fundamentos legais do recurso extraordinário de revisão de sentença. (4) – Não há, assim, lugar a revisão da sentença, quando é condenada a pessoa física que cometeu um crime, embora identificada com outro nome. (5) – Embora a lei actual o não o preveja expressamente, nessas circunstâncias, deve seguir-se o procedimento contemplado no Código de Processo Penal de 1929 e no parecer de 10 de Novembro de 1949 da Procuradoria Geral da República. (AcSTJ de 27/03/2003, proc. nº 876/03-5)
— Não há lugar a revisão de sentença quando é condenada a pessoa física que cometeu um crime, embora identificado com outro nome. (AcSTJ de 09/10/2003, Acs STJ XI, 3)
— (1) – A revisão extraordinária de sentença transitada em julgado não pode ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa (art. 449 .º, n.º 1, do CPP). (2) – No caso em que a pessoa que foi condenada foi o verdadeiro agente da infracção e em que apenas a sua identidade foi falseada pela indicação de sinais identificativos não correspondentes aos da pessoa em causa, haverá lugar à rectificação oficiosa dos dados de identificação do condenado, não existindo fundamento para a revisão da decisão condenatória. (AcSTJ de 11/05/2006, proc. nº 1171/06-5).
Numa posição em que se reconhecem as dificuldades de casos mais complexos do que o presente, entendeu este Tribunal:
— (1) – A solução encontrada para a ocorrência de erro na identidade do arguido condenado não tem sido uniformemente tratada por este Supremo Tribunal: ora se tem decidido que a existência de erro na identificação de pessoa condenada e sua posterior averiguação constitui um facto novo, ou novos meios de prova, o que justifica e fundamenta o recurso de revisão, ora se tem entendido que aquele erro deve ser rectificado através do recurso ao instituto da correcção da sentença previsto no art. 380.° do CPP. (2) – Sucede que em situações ou casos como o dos autos, em que ocorreu usurpação de identidade, não estando apenas em causa um mero erro ou lapso de identificação, a solução apresenta-se mais complexa, designadamente quando, como ora se verifica, se desconhece em absoluto a identidade do usurpador e inexistem no processo objecto do pedido de revisão elementos susceptíveis de conduzirem à obtenção da identidade daquele. (3) – Com efeito, neste tipo de casos ou situações o recurso ao instituto da correcção da sentença, expediente processual que pressupõe uma averiguação rápida, simples e incidental, não se torna viável, posto que a rectificação do erro só é possível quando se possa fazer constar que a pessoa condenada foi X, com a sua verdadeira identidade, e que não foi Y; deixando vazio o lugar da identidade do arguido toma-se inviável, visto que uma sentença não pode ter lugares vazios, não se compadecendo a correcção material com um non liquet. (4) – Por isso, nas circunstâncias concretas dos autos, em que apenas se sabe, com total certeza, que a pessoa física julgada e condenada no processo não é a que figura na respectiva sentença, ou seja E, não é viável o recurso ao instituto da correcção. (5) – A reposição da correspondência entre a realidade e o processo impõe uma nova decisão que diga, após a adequada prova, que E não cometeu a infracção a que a sua identidade ficou processualmente ligada. (AcSTJ de 29/03/2006, proc. nº 481/06-3)
Coerentemente, entendeu este Supremo Tribunal de Justiça que é de autorizar a revisão de sentença, ordenando-se a imediata suspensão da execução da prisão em que foi condenado o recorrente, se resulta com clareza dos autos que a pessoa física que foi detida em flagrante, interrogada como arguido, que passou procuração ao advogado, foi julgada e condenada, usurpou a identidade do irmão, criando uma grave situação de injustiça para com este último, que se encontra a cumprir pena alheia. (AcSTJ de 17/03/2004, proc. nº 1093/04-3, no mesmo sentido AcSTJ de 28/01/1994, Acs STJ II, 1, 217).
Aqui a pessoa física condenada e a cumprir pena não fora o autor do crime, o que postula efectivamente a injustiça da condenação.
O que não é o caso presente.

3.
Pelo exposto, rejeita-se o presente recurso extraordinário de revisão interposto pelo Ministério Público.
Sem custas.

Lisboa, 3 de Abril de 2008

Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho
Rodrigues da Costa