Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | EMÉRICO SOARES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO CULPA DA ENTIDADE PATRONAL PRESUNÇÃO DE CULPA | ||
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Nº do Documento: | SJ200204100042024 | ||
Data do Acordão: | 04/10/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1293/00 | ||
Data: | 04/02/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. | ||
Legislação Nacional: | L 2127 DE 1965/08/03 BXVII N2. D 360/71 DE 1971/08/23 ARTIGO 54. DL 41821 DE 1958/08/11 ARTIGO 23 ARTIGO 42. CCIV66 ARTIGO 342 N1 ARTIGO 324 N1 ARTIGO 487 N1. D 41820 DE 1958/08/11 ARTIGO 1 ARTIGO 154 A ARTIGO 155. DL 441/91 DE 1991/11/14 ARTIGO 8. RGEU51 ARTIGO 135. | ||
Legislação Comunitária: | DIR COM CEE 89/391 DE 1989/06/12 ART6 N3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ PROC168/99 DE 1999/09/22. ACÓRDÃO STJ PROC3175/01 DE 2002/01/23. | ||
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Sumário : | I - O art. 54º do dec. 360/71, estabelece uma presunção legal de culpa, tantum juris, da entidade patronal, quando o acidente seja devido a inobservância, pela mesma, de preceitos legais e regulamentares ou directivas de entidades competentes, sem que essa presunção se estenda ao nexo de causalidade entre aquela inobservância e o acidente. II - Não pode ser imputado à entidade patronal por inobservância de normas legais ou regulamentares ou directivas sobre segurança no trabalho, o acidente que consistiu na queda do sinistrado quando o mesmo se encontrava a trabalhar em cima de um cavalete que possuía a estrutura semelhante aos andaimes, de uma altura de 1,5 metros do piso. III - Embora o exercício da prudência possa aconselhar que, em caos específicos, se proceda ao uso de guarda-corpos e de cinto de segurança não pode ser associada à inobservância de preceitos legais ou regulamentares ou de directivas de entidades competentes para efeitos de se poder extrair a presunção referida no citado art. 54º, podendo estar em causa, se demonstrada, uma omissão do dever objectivo de cuidado consubstanciadora de simples culpa da entidade patronal que, não estando abarcada por aquela presunção, cumpria provar, atento ao disposto nos arts. 487º, n. 1, e 342, n. 1, ambos do C. Civil. IV - Se o emprego de andaimes só é obrigatório a mais de 4 metros de altura, logicamente, também (só) a partir dessa altura passa a funcionar a obrigatoriedade da aplicação de guarda-costas, princípio idêntico valendo para a obrigatoriedade de cintos de segurança, aqui sendo de aplicar o princípio constante do art. 44 n. 2 do Decreto n. 41821 de 11/8/1958. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
No Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, A, residente à Rua Nova da Junqueira, 204, Madalena, Vila Nova de Gaia, patrocinado pelo Ministério Público, instaurou acção declarativa de condenação com processo especial emergente de acidente de trabalho, sob a forma sumária, contra a Companhia de Seguros B, com sede na Rua Gonçalo Cristóvão 105-117, Porto e C e mulher, residentes no lugar da Calçada, Penhalonga, Marco de Canaveses, alegando o seguinte que se sintetiza: Tendo o R. C no exercício da sua actividade de industrial de construção civil, que desenvolve em proveito comum do seu casal, admitido o Autor ao seu serviço, em Janeiro de 1994, para desempenhar as funções de carpinteiro, sob as suas ordens direcção e fiscalização, mediante retribuição, nas obras que aquele adjudicasse, no dia 17 de Dezembro sofreu o A. um acidente de trabalho, sofrendo as lesões descritas no relatório clínico de fls. 9 a 13, que o incapacitaram totalmente para o trabalho até 27/10/98, tendo-lhe nesta data a R. seguradora dado a alta clínica com uma desvalorização permanente para o trabalho de 80% e atribuindo-lhe o perito médico do Tribunal uma incapacidade permanente de 80% com incapacidade absoluta para o exercício da sua profissão habitual e necessitando do auxílio permanente de terceira pessoa. À data do acidente auferia o A. o salário mensal de 75.550$00 x 14 meses, acrescido de 13.530$00 x 11 meses de subsídio de alimentação. O 2º R., entidade patronal do A., tinha a sua responsabilidade infortunística-laboral transferida para a co-R. Seguradora que, na tentativa de conciliação aceitou o acidente como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas pelo A., o quantitativo da retribuição do A. e, bem assim a existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho com o R. C. Mas não concordou com o resultado do exame médico, declinando a sua responsabilidade com o fundamento de que o acidente ficou a dever-se a culpa da entidade patronal do A.. Esta, porém, concordando também com aqueles factos, enjeitou contudo a sua culpa no acidente e responsabilidade da sua parte, por ter transferido a mesma para a R. seguradora. O A. também não concordou com a incapacidade atribuída pelo perito médico por se sentir com incapacidade absoluta para o exercício de toda e qualquer profissão. O A. necessita ainda de tratamentos médicos de enfermagem e de fisioterapia, e, bem assim, da assistência de 3ª pessoa. Tem o direito a uma pensão anual vitalícia calculada com base no seu salário ao tempo de acidente e na incapacidade que lhe vier a ser fixada e a uma prestação suplementar no montante de 25% dessa pensão. O A. gastou 14.000$00 em deslocações ao tribunal. A cadeira de rodas que o A. utiliza deteriora-se e precisa de ser substituída. Concluindo pede que, na procedência da acção e por via dela: a) se decida qual dos RR. é o responsável pela reparação da incapacidade absoluta para o trabalho que adveio ao A. em consequência das lesões por si sofridas em virtude do acidente de que foi vítima, Requereu, também, a sua sujeição a exame por junta Médica formulando os quesitos que teve por pertinentes. Citadas, contestaram os demandadas a acção dizendo, em síntese: A R. B, Companhia de Seguros, S.A.: Apenas por erro, a que foi induzido pelo segurado, aceitou que a responsabilidade infortunística do sinistrado estava transferida para a contestante, devendo, por isso essa declaração de vontade, exarada na tentativa de conciliação ser declarada nula nos termos dos arts. 251º e 247 do Cód. Civ., pois, só após a tentativa de conciliação soube a Contestante que o R. C não se dedica à construção civil mas ao engajamento de mão de obra (trabalho temporário) para o que o mesmo R. não tem alvará, não possuindo autorização legal para o exercício daquela actividade, sendo, por isso, nulos o contrato de utilização por si celebrado e o contrato de trabalho temporário, considerando-se o trabalho prestado ao utilizador. A inexistência de contrato de trabalho ente a vítima e os RR. C e mulher e a nulidade do contrato de utilização implicam a nulidade do contrato de trabalho temporário, eliminando qualquer vínculo que entre o A. e esses RR. pudesse existir. O R. C limitou-se a indicar o A. à empresa D Construções e Obras Públicas. Lda., com sede em Penafiel, sendo esta quem detinha os poderes de direcção e fiscalização sobre o A. O acidente ocorreu durante a construção de um prédio propriedade da empresa E - Empreendimentos Imobiliários, Lda. com sede em Matosinhos que era a responsável pela segurança da construção. O acidente ficou em exclusivo a dever-se a falta das mais primárias condições de segurança que as três empresas relacionadas com o empreendimento em causa não implementaram. Não tendo a Contestante celebrado qualquer contrato de seguro com a referida D ou com a E, empresas responsáveis com a segurança na obra, não pode ser responsabilizada pelas consequências do acidente. Requereu, nos termos do art. 130º do CPT, a intervenção dessas empresas e conclui pela improcedência da acção contra si e a sua absolvição com todas as consequências da lei. Os RR. C e mulher F: Mantém a posição assumida na tentativa de conciliação mas não aceita a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações ao A. por a haver transferido para a R. Seguradora, por adequado contrato que se mantinha em vigor à data do acidente. pelo que devem ser absolvidos do pedido com as legais consequências. E respondendo à contestação da co-Ré, Companhia de Seguros B impugnou os factos por esta alegados com vista a excluir a sua responsabilidade e concluindo pela condenação da mesma Segurador a assumir as obrigações decorrentes do contrato de seguro existente. Respondeu também o A., reiterando que o acidente se deu quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização dos R. Manuel António, que se dedica à industria de construção civil, pelo que não aceita qualquer erro na declaração da vontade da R. seguradora. Citadas, face ao requerimento de intervenção formulado pela R. Seguradora, vieram as intervenientes E, Lda. e D, Lda apresentar a sua contestação conjunta, contrariando os factos alegados pela R. Seguradora e confirmando a versão do R. C de que o acidente que sinistrou o A. se deu enquanto este trabalhava para o mesmo C que, com a interveniente D celebrara um contrato de subempreitada na obra pertencente à co-interveniente E. E concluem pela sua absolvição do pedido. Após resposta da R. seguradora, foi saneado o processo com a afirmação genérica de verificação dos pressupostos da validade e da regularidade da instância, sendo de seguida, organizados a especificação e o questionário, sem qualquer reclamação das partes. Realizado o julgamento, o questionário mereceu as respostas constantes do despacho de fls.191 a 193, que também não foram objecto de qualquer reclamação. Seguiu-se a prolação da sentença (fls. 205 a 208), que decidiu "julgar a acção procedente, absolvendo-se os réus C e os chamados do pedido e condenando a seguradora nos seguintes moldes: 1) A pagar ao autor a pensão anual vitalícia e actualizável de 885.267$00, acrescida da prestação suplementar por necessitar de 3ª pessoa, no montante anual de 221.317$00; a pagar em duodécimos e no domicilio deste, acrescida prestação suplementar legal, devida desde 18/6/98. Inconformada, levou a R. Companhia de Seguros G recurso dessa sentença à Relação do Porto, interpondo o A. recurso subordinado. O Tribunal da Relação do Porto, pelo douto acórdão de fls. 283 a 289, verso, conhecendo da questão prévia neste sentido suscitada pela Recorrente principal, considerou-a procedente e decidiu não tomar conhecimento do recurso subordinado interposto pelo Autor. E conhecendo, em seguida, do mérito da apelação, julgou-a improcedente, confirmando a sentença recorrida. Não se conformando ainda com o decidido pela Relação do Porto, pede a Ré revista dela a este Supremo Tribunal, apresentando, oportunamente a sua alegação que remata com as seguintes conclusões: 1. - Dado que a violação das condições e normas de segurança, enquanto causa exclusiva do acidente em apreço resulta claramente demonstrada nos autos, deveria ter sido observado o disposto no art. 54º do Dec. n.º 360/71, contrariamente ao que considerou o Tribunal "a quo". Não houve contra-alegações. Colhidos que se mostram os vistos dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar e decidir. Tendo em conta as conclusões da alegação da Recorrente - são estas que como se sabe, delimitam, em princípio, o objecto do recurso (art..1º, n.º 2 al. a) do Cód. Proc. Trabalho, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 272-A/81m de 30/09 e arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, do Cód. Proc. Civ.) - uma única questão é, fundamentalmente, nelas submetida ao Julgamento deste Supremo Tribunal, a qual se prende com saber se a materialidade factícia apurada aponta para a conclusão de que o acidente que sinistrou o Autor se deveu, como o afirma a Recorrente, à culpa da sua entidade patronal ou de terceiros. As Instâncias deram como apurada a seguinte matéria de facto: Proveniente da especificação: 1) O réu marido desenvolve a sua actividade em proveito comum do casal, já que os rendimentos auferidos do exercício da mesma se destinam ao suporte dos encargos correntes do seu agregado familiar - Alínea A);. 2) O A., no dia 17 de Dezembro de 1996 encontrava-se no exercício das suas funções, numa obra, tendo-se desequilibrado, súbita, inesperada e repentinamente, e, por vias disso, caído desamparado ao chão - Al. B); Contra a fixação destes factos não reagiu nenhuma das partes, sendo, pois, com base nele que se há-de conhecer da questão suscitada neste recurso uma vez que não se vislumbra que ocorra a situação prevista no n.º 2 do art. 722º ou que este Tribunal deva ordenar a ampliação desse quadro factício ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 729º, ambos do Cód. Proc. Civ. Dispõe o n.º 2 da Base XVII da Lei n.º 2127, de 3/08/65 que "se o acidente tiver resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante, as pensões e indemnizações serão agravadas segundo o prudente arbítrio do Juiz. até aos limites previstos no número anterior", ou seja, nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e morte, o agravamento terá como limite o vencimento base; nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, o agravamento terá como limite a redução da incapacidade resultante do acidente. E o Dec. n.º 380/71, de 21/08, que regulamentou aquela Lei n.º 2127, veio dispor quanto à culpa da entidade patronal no seu art. 54º: "Para efeito do disposto no n.º 2 da base XVII, considera-se ter resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante o acidente devido à inobservância de preceitos legais e regulamentares, assim como de directivas das entidades competentes, que se refiram à higiene e segurança do trabalho", estabelecendo, assim, esta norma uma presunção legal de culpa, tantum juris, da entidade patronal quando o acidente seja devido a inobservância pela mesma de preceitos legais e regulamentares ou directivas de entidades competentes. O estabelecimento dessa presunção de culpa tem consequências importantes no âmbito do ónus da prova, uma vez que o n.º 1 do art. 347º do Cód. Civ. prescreve a inversão do ónus da prova quando haja uma presunção legal. Quer di-zer: como aqui nos movimentamos no campo da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, em princípio e atento o disposto no n.º 1 dos arts.. 487º e n.º 1 do 342º do Código Civil, incumbe a quem pretenda retirar efeitos em ser favor da existência de culpa da entidade patronal, fazer a prova dessa culpa, que, na falta de outro critério legal deve ser apreciada pela diligência de um bónus pater familiae em face das circunstância de cada caso (n.º 2 do citado art. 487º). Mas essa culpa da entidade patronal resulta presumida se se verificar ter havido inobservância por aquela de preceitos legais e regulamentares ou de directivas das entidades competentes, relativas à higiene e segurança no trabalho. Assim, nos presentes autos, competia à ora Recorrente, seguradora, provar a culpa da entidade patronal ou do seu representante na produção do acidente, ou provocar a inversão desse ónus de prova, provando que a entidade patronal (ou o seu representante), inobservou as regras legais ou regulamentares ou directivas de entidades competentes atinentes à segurança no trabalho, uma vez que, provado isso, a lei (art. 54º do Dec. n.º 160/71) estabelece uma presunção legal da culpa da entidade patronal sem que, todavia essa presunção se estenda ao nexo de causalidade entre aquela inobservância e o acidente (1), cumprindo então à entidade patronal ilidir aquela presunção, provando que o acidente, não obstante a inobservância dos preceitos, não se deveu a culpa sua. Será que se prova que houve, no caso versado nos presentes autos, inobservância por parte da entidade patronal do sinistrado ou do seu representante de normas referentes à segurança no trabalho ? Seleccionemos, de entre a matéria de facto fixada, para uma melhor apreciação, aquela que respeita à forma como ocorreu esse acidente. Esse acidente ocorreu durante a construção de um prédio, em Matosinhos, propriedade da empresa E, Lda.. Encontrava-se o A. a construir a cofragem de uma viga situada no interior da placa do 4º piso da obra. Essa cofragem seria constituída por tábuas de madeira dispostas a todo o cumprimento da futura viga de betão com travejamento feito de barrotes de madeira, dando um aspecto semelhante ao de uma linha de caminho de ferro em que as tábuas constituem a linha, em ferro, e os barrotes as travessas, e onde seria depois montada a estrutura final que levaria a armação de ferro e o betão. Esta estrutura encontrava-se apoiada em escoras. Não fora ainda colocada a placa do 4º piso, nem sequer a viga "Marpel" de suporte da mesma e não tinham sido ainda instalados guarda-costas ao longo da extremidade daquele piso. O autor procedia aos trabalhos em cima de um cavalete (estrutura semelhante aos andaimes), no qual não foram instalados guarda-costas, tendo que caminhar por cima de uma prancha colocada a uma altura de cerca de 1,5 metros do piso. O A. não usava cinto de segurança, sendo que na ocasião se fazia sentir vento e chuva. Tendo-se desequilibrado, súbita, inesperada e repentinamente, o Autor caiu desamparado no chão de uma altura de, aproximadamente, 1,5 m, em relação ao piso. Entende a Recorrente que provado que o Autor trabalhava em cima de um cavalete (com estrutura semelhante a um andaime) que não tinha guarda-costas e não usando ele o cinto de segurança, numa ocasião em que se fazia sentir muito vento e chuva, demonstrado ficou que o acidente que sinistrou o mesmo autor ficou a dever-se à violação de normas atinentes à segurança no trabalho, citando, concretamente as seguintes: Art. 6º, n.º 3 da Directiva n.º 89/391/CEE de 12.06.89, do Conselho das Comunidades Europeias de acordo com a qual a entidade patronal está obrigada a "Avaliar os riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, inclusivamente na escolha dos equipamentos de trabalho ... e na concepção dos locais de trabalho"; o art. 8º do Dec.-Lei n.º 441/91, de 14.11, que estabelece as obrigações gerais do empregador em matéria de segurança dos trabalhadores; o art. 135º do Regulamento Geral das Edificações urbanas, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 38382, de 07.08.951 que dispõe que "durante a execução de obras de qualquer natureza serão obrigatoriamente adoptadas as precauções e as disposições necessárias para garantir a segurança do público e dos operários..."; os arts. 154 e 155º do Dec. 41820, de 11.08.958, que prescrevem, respectivamente, que "os operários cumprirão as regras de segurança respeitantes ao seu trabalho, quer estabelecidas pela legislação aplicável, quer concretamente determinadas pela entidade que os dirigir" e "o pessoal das obras tomará as precauções necessárias à segurança própria ou alheia abstendo-se de quaisquer actos que originem situações de perigo". Mas, salvo o devido respeito, cremos que não lhe assiste razão. A materialidade factícia apurada é por demais exígua para, a partir dela, se poder, sem mais, imputar à entidade patronal ou a quem quer que seja, a inobservância de normas legais ou regulamentares ou de directivas sobre segurança no trabalho. E os factos que a ora Recorrente alegou, tendentes a demonstrar a culpa da entidade patronal na produção do acidente, não os logrou a mesma provar. E assim, ficou-se sem saber das verdadeiras razões por que o sinistrado, trabalhando em cima de um cavalete, se desequilibrou "súbita, inesperada e repentinamente" e caiu desamparado ao chão. E, no que respeita ao "cavalete" apenas se sabe que o mesmo tinha uma "estrutura semelhante aos andaimes" e que o Autor na execução do seu trabalho, tinha de "caminhar por cima duma prancha colocada a uma altura de 1,5 m do piso". Mas qual a largura dessa prancha? quais as condições da sua estabilidade? Os factos fixados não no-lo esclarecem. As normas que a Recorrente cita como tendo sido violadas, estabelecem apenas princípios de prevenção de acidentes, ou seja, obrigações de natureza abstracta a cargo das entidades patronais e dos próprios trabalhadores, com vista a prevenir a ocorrência de sinistros laborais, pelo que só casuisticamente, face ao circunstancialismo concreto em que certo acidente ocorreu é que se poderá avaliar se houve ou não inobservância por parte da entidade patronal ou de terceiros, de preceitos legais e regulamentares ou de directivas sobre a segurança no trabalho. No caso em apreço o operário, aqui Recorrido, executava o seu trabalho em cima duma prancha situada apenas a 1,5 m do solo firme. A não ser que essa prancha oferecesse particular perigo - o que, embora alegado não ficou provado - ou que o cavalete, atenta a sua configuração contrariava o que se acha estabelecido em preceitos legais, não se vê que houvesse de se recorrer a quaisquer meios especiais de protecção ao trabalhador, nem que o seu empregador devesse representar a possibilidade de ocorrência de um acidente. Atente-se que, num critério de normalidade, não é de esperar que uma queda (sempre possível em quaisquer circunstâncias, até mesmo ao nível do chão) duma altura de 1,5 metros, seja susceptível de produzir lesões graves no trabalhador. Provavelmente, por isso mesmo é que o Dec. n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958 - que regulamenta a segurança no trabalho da construção civil e que, na sequência do disposto no art. 1º do Dec.-Lei n.º 41820, da mesma data, estabelece "as normas de segurança que devem ser obrigatoriamente adoptadas para a protecção do trabalho nas obras de construção civil" -, veio dispor, no seu art. 1º, que o emprego de andaimes só é obrigatório nas obras em que os operários tenham de trabalhar a mais de 4 metros do solo ou de qualquer superfície contínua que ofereça as necessárias condições de segurança. O que evidencia que para o próprio legislador não foi indiferente a altura a que os operários trabalham, para o efeito de impor a adopção de determinadas medidas de protecção. O art. 23º do mesmo diploma preceitua que é obrigatória a aplicação, nos andaimes de madeira, de garda-costas "que deverão ser pregados solidamente às faces interiores dos prumos, a 0,90 m da cada plataforma do andaime" Ora, se o emprego de andaimes só é obrigatória a mais de 4 m de altura, logicamente, também a partir dessa altura passa a funcionar a obrigatoriedade da aplicação de guarda-costas. O mesmo se diga dos cintos de segurança cuja obrigatoriedade, nos trabalhos de construção civil, só está prevista "no trabalho em cima dos telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito das condições atmosféricas ..." e quando as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis (art. 44º, § 2º do citado Dec. n.º 41.821) . Sem dúvida que o exercício da prudência poderá aconselhar - e aconselhará, certamente, muitas vezes -, em casos específicos e fora da previsão das normas acabadas de mencionar, o uso de guarda-costas e de cinto de segurança. Mas a omissão, nessas circunstâncias, desse dever de prudência não pode ser associada à inobservância de preceitos legais e regulamentares ou de directivas de entidades competentes, para o efeito de dali se extrair a presunção aludida no art. 54º do Dec. n.º 360/71, de 21-08. Tal omissão, se provada, traduziria uma omissão do dever objectivo de cuidado consubstanciador de simples culpa da entidade patronal, que, não estando abarcada por aquela presunção, cumpria à Recorrente provar, em atenção ao disposto no n.º 1 do art. 487º, e n.º 1º do art. 342º, do Cód. Civ. Esse ónus de prova não o logrou a ora Recorrente satisfazer, pois que, tendo sido formulados quesitos tendentes a averiguar, além de mais, se a prancha sobre a qual o operário trabalhava era instável, irregular e escorregadia (quesito 21º), se a mesma lhe dificultava a marcha (quesito 22º), se o sinistrado caiu porque escorregou (quesito 23º), se a instalação de guarda-costas e a colocação do cinto de segurança teriam evitado a queda (quesitos 24º e 25º), esses quesitos foram dados como não provados. Assim, não havendo razões para considerar que, nas circunstâncias em que o trabalhador, A, executava o seu trabalho (em cima de um cavalete, com a configuração dos andaimes, e a 1,5 metros do piso), a entidade patronal devia representar a possibilidade de aquele se desequilibrar e cair desamparado no chão, também não se pode afirmar qualquer omissão, por parte deste, de um dever objectivo de dotar o cavalete de guarda-costas ou impor ao trabalhador o uso de cinto de segurança.. É certo que se provou que na ocasião do acidente se fazia sentir vento e chuva. Mas nada há nos autos que indique que influência tal facto pode ter tido na execução do trabalho do sinistrado e na queda deste, uma vez que se apurou que este estava a construir a cofragem de uma viga interior da placa do 4º piso. E note-se que, tendo-se perguntado (quesito 20º) se na ocasião fazia-se sentir muito vento e chuva, respondeu-se que apenas se fazia sentir vento e chuva. Nenhuma ligação é assim possível estabelecer entre o vento e a chuva e a queda do trabalhador. Nestas circunstâncias, cremos que bem andaram as instâncias ao considerarem não ter ficado provada a culpa, quer da entidade patronal (efectiva ou presumida) quer de terceiros, na produção do acidente em causa. O acórdão recorrido sustentou suficiente e proficientemente a decisão que proferiu, aqui se perfilhando integralmente os respectivos fundamentos (art. 713º, n.º 5 do Cód. Proc. Civ.). Por conseguinte, nega-se a revista, confirmando-se a decisão em recurso. Custas pela Recorrente. Lisboa, 10 de Abril de 2002. Emérico Soares, Manuel Pereira, Azambuja Fonseca. ------------------------------- (1) Cf. Cruz Carvalho em "Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais", pág. 213 e acs. STJ. de 22/09/99, Proc. n.º 168/99 e de 23/0172002, Proc. n.º, 3175/01, ambos da 4ª Secção. |