Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01S4202
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: EMÉRICO SOARES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CULPA DA ENTIDADE PATRONAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: SJ200204100042024
Data do Acordão: 04/10/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1293/00
Data: 04/02/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: L 2127 DE 1965/08/03 BXVII N2.
D 360/71 DE 1971/08/23 ARTIGO 54.
DL 41821 DE 1958/08/11 ARTIGO 23 ARTIGO 42.
CCIV66 ARTIGO 342 N1 ARTIGO 324 N1 ARTIGO 487 N1.
D 41820 DE 1958/08/11 ARTIGO 1 ARTIGO 154 A ARTIGO 155.
DL 441/91 DE 1991/11/14 ARTIGO 8.
RGEU51 ARTIGO 135.
Legislação Comunitária: DIR COM CEE 89/391 DE 1989/06/12 ART6 N3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC168/99 DE 1999/09/22.
ACÓRDÃO STJ PROC3175/01 DE 2002/01/23.
Sumário : I - O art. 54º do dec. 360/71, estabelece uma presunção legal de culpa, tantum juris, da entidade patronal, quando o acidente seja devido a inobservância, pela mesma, de preceitos legais e regulamentares ou directivas de entidades competentes, sem que essa presunção se estenda ao nexo de causalidade entre aquela inobservância e o acidente.
II - Não pode ser imputado à entidade patronal por inobservância de normas legais ou regulamentares ou directivas sobre segurança no trabalho, o acidente que consistiu na queda do sinistrado quando o mesmo se encontrava a trabalhar em cima de um cavalete que possuía a estrutura semelhante aos andaimes, de uma altura de 1,5 metros do piso.
III - Embora o exercício da prudência possa aconselhar que, em caos específicos, se proceda ao uso de guarda-corpos e de cinto de segurança não pode ser associada à inobservância de preceitos legais ou regulamentares ou de directivas de entidades competentes para efeitos de se poder extrair a presunção referida no citado art. 54º, podendo estar em causa, se demonstrada, uma omissão do dever objectivo de cuidado consubstanciadora de simples culpa da entidade patronal que, não estando abarcada por aquela presunção, cumpria provar, atento ao disposto nos arts. 487º, n. 1, e 342, n. 1, ambos do C. Civil.
IV - Se o emprego de andaimes só é obrigatório a mais de 4 metros de altura, logicamente, também (só) a partir dessa altura passa a funcionar a obrigatoriedade da aplicação de guarda-costas, princípio idêntico valendo para a obrigatoriedade de cintos de segurança, aqui sendo de aplicar o princípio constante do art. 44 n. 2 do Decreto n. 41821 de 11/8/1958.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, A, residente à Rua Nova da Junqueira, 204, Madalena, Vila Nova de Gaia, patrocinado pelo Ministério Público, instaurou acção declarativa de condenação com processo especial emergente de acidente de trabalho, sob a forma sumária, contra a Companhia de Seguros B, com sede na Rua Gonçalo Cristóvão 105-117, Porto e C e mulher, residentes no lugar da Calçada, Penhalonga, Marco de Canaveses, alegando o seguinte que se sintetiza:

Tendo o R. C no exercício da sua actividade de industrial de construção civil, que desenvolve em proveito comum do seu casal, admitido o Autor ao seu serviço, em Janeiro de 1994, para desempenhar as funções de carpinteiro, sob as suas ordens direcção e fiscalização, mediante retribuição, nas obras que aquele adjudicasse, no dia 17 de Dezembro sofreu o A. um acidente de trabalho, sofrendo as lesões descritas no relatório clínico de fls. 9 a 13, que o incapacitaram totalmente para o trabalho até 27/10/98, tendo-lhe nesta data a R. seguradora dado a alta clínica com uma desvalorização permanente para o trabalho de 80% e atribuindo-lhe o perito médico do Tribunal uma incapacidade permanente de 80% com incapacidade absoluta para o exercício da sua profissão habitual e necessitando do auxílio permanente de terceira pessoa. À data do acidente auferia o A. o salário mensal de 75.550$00 x 14 meses, acrescido de 13.530$00 x 11 meses de subsídio de alimentação. O 2º R., entidade patronal do A., tinha a sua responsabilidade infortunística-laboral transferida para a co-R. Seguradora que, na tentativa de conciliação aceitou o acidente como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas pelo A., o quantitativo da retribuição do A. e, bem assim a existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho com o R. C. Mas não concordou com o resultado do exame médico, declinando a sua responsabilidade com o fundamento de que o acidente ficou a dever-se a culpa da entidade patronal do A.. Esta, porém, concordando também com aqueles factos, enjeitou contudo a sua culpa no acidente e responsabilidade da sua parte, por ter transferido a mesma para a R. seguradora. O A. também não concordou com a incapacidade atribuída pelo perito médico por se sentir com incapacidade absoluta para o exercício de toda e qualquer profissão. O A. necessita ainda de tratamentos médicos de enfermagem e de fisioterapia, e, bem assim, da assistência de 3ª pessoa. Tem o direito a uma pensão anual vitalícia calculada com base no seu salário ao tempo de acidente e na incapacidade que lhe vier a ser fixada e a uma prestação suplementar no montante de 25% dessa pensão. O A. gastou 14.000$00 em deslocações ao tribunal. A cadeira de rodas que o A. utiliza deteriora-se e precisa de ser substituída.

Concluindo pede que, na procedência da acção e por via dela:

a) se decida qual dos RR. é o responsável pela reparação da incapacidade absoluta para o trabalho que adveio ao A. em consequência das lesões por si sofridas em virtude do acidente de que foi vítima,
b) condenando-o (os) a pagar-lhe, no mínimo,
b1 - A pensão anual e vitalícia calculada com base no salário de 75.550$00 X 14+13.530$00 X 11 meses de subsídio de alimentação o auferido à data do acidente, e na Incapacidade que vier a ser fixada ao A. em exame por junta Médica; devida desde o dia 18 de Junho de 1998, dia seguinte aquele em que se completaram 18 meses de incapacidade temporária absoluta.
b2 - Acrescido no mês de Dezembro de cada ano de um duodécimo dessa pensão.
b3 - E acrescida da prestação suplementar no montante de 25% da pensão que lhe vier a ser atribuída (Base XVIII da Lei 2127, de 03/08/65).
c) A prestar-lhe ou a suportar os tratamentos médicos, de enfermagem e de fisioterapia de que o A. ainda necessita.
d) A substituir a cadeira de rodas que o A. utiliza se e quando se deteriorada pelo uso.
e) A reembolsá-lo dos 14.000$00 que o A. despendeu em transportes para se deslocar da sua residência a este Tribunal.

Requereu, também, a sua sujeição a exame por junta Médica formulando os quesitos que teve por pertinentes.

Citadas, contestaram os demandadas a acção dizendo, em síntese:

A R. B, Companhia de Seguros, S.A.:

Apenas por erro, a que foi induzido pelo segurado, aceitou que a responsabilidade infortunística do sinistrado estava transferida para a contestante, devendo, por isso essa declaração de vontade, exarada na tentativa de conciliação ser declarada nula nos termos dos arts. 251º e 247 do Cód. Civ., pois, só após a tentativa de conciliação soube a Contestante que o R. C não se dedica à construção civil mas ao engajamento de mão de obra (trabalho temporário) para o que o mesmo R. não tem alvará, não possuindo autorização legal para o exercício daquela actividade, sendo, por isso, nulos o contrato de utilização por si celebrado e o contrato de trabalho temporário, considerando-se o trabalho prestado ao utilizador. A inexistência de contrato de trabalho ente a vítima e os RR. C e mulher e a nulidade do contrato de utilização implicam a nulidade do contrato de trabalho temporário, eliminando qualquer vínculo que entre o A. e esses RR. pudesse existir. O R. C limitou-se a indicar o A. à empresa D Construções e Obras Públicas. Lda., com sede em Penafiel, sendo esta quem detinha os poderes de direcção e fiscalização sobre o A. O acidente ocorreu durante a construção de um prédio propriedade da empresa E - Empreendimentos Imobiliários, Lda. com sede em Matosinhos que era a responsável pela segurança da construção. O acidente ficou em exclusivo a dever-se a falta das mais primárias condições de segurança que as três empresas relacionadas com o empreendimento em causa não implementaram. Não tendo a Contestante celebrado qualquer contrato de seguro com a referida D ou com a E, empresas responsáveis com a segurança na obra, não pode ser responsabilizada pelas consequências do acidente.

Requereu, nos termos do art. 130º do CPT, a intervenção dessas empresas e conclui pela improcedência da acção contra si e a sua absolvição com todas as consequências da lei.

Os RR. C e mulher F:

Mantém a posição assumida na tentativa de conciliação mas não aceita a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações ao A. por a haver transferido para a R. Seguradora, por adequado contrato que se mantinha em vigor à data do acidente. pelo que devem ser absolvidos do pedido com as legais consequências. E respondendo à contestação da co-Ré, Companhia de Seguros B impugnou os factos por esta alegados com vista a excluir a sua responsabilidade e concluindo pela condenação da mesma Segurador a assumir as obrigações decorrentes do contrato de seguro existente.

Respondeu também o A., reiterando que o acidente se deu quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização dos R. Manuel António, que se dedica à industria de construção civil, pelo que não aceita qualquer erro na declaração da vontade da R. seguradora.

Citadas, face ao requerimento de intervenção formulado pela R. Seguradora, vieram as intervenientes E, Lda. e D, Lda apresentar a sua contestação conjunta, contrariando os factos alegados pela R. Seguradora e confirmando a versão do R. C de que o acidente que sinistrou o A. se deu enquanto este trabalhava para o mesmo C que, com a interveniente D celebrara um contrato de subempreitada na obra pertencente à co-interveniente E. E concluem pela sua absolvição do pedido.

Após resposta da R. seguradora, foi saneado o processo com a afirmação genérica de verificação dos pressupostos da validade e da regularidade da instância, sendo de seguida, organizados a especificação e o questionário, sem qualquer reclamação das partes.

Realizado o julgamento, o questionário mereceu as respostas constantes do despacho de fls.191 a 193, que também não foram objecto de qualquer reclamação.

Seguiu-se a prolação da sentença (fls. 205 a 208), que decidiu "julgar a acção procedente, absolvendo-se os réus C e os chamados do pedido e condenando a seguradora nos seguintes moldes:

1) A pagar ao autor a pensão anual vitalícia e actualizável de 885.267$00, acrescida da prestação suplementar por necessitar de 3ª pessoa, no montante anual de 221.317$00; a pagar em duodécimos e no domicilio deste, acrescida prestação suplementar legal, devida desde 18/6/98.
2) A prestar-lhe ou a suportar os tratamentos médicos de enfermagem e fisioterapia de que o autor necessite;
3) A substituir a cadeira de rodas que o autor utiliza, se e quando se deteriorar pelo uso;
4) A pagar-lhe a quantia de 14.000$00 de despesas com deslocações a tribunal;
5) A pagar juros de mora á taxa legal, desde as datas da constituição em mora.

Inconformada, levou a R. Companhia de Seguros G recurso dessa sentença à Relação do Porto, interpondo o A. recurso subordinado.

O Tribunal da Relação do Porto, pelo douto acórdão de fls. 283 a 289, verso, conhecendo da questão prévia neste sentido suscitada pela Recorrente principal, considerou-a procedente e decidiu não tomar conhecimento do recurso subordinado interposto pelo Autor. E conhecendo, em seguida, do mérito da apelação, julgou-a improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Não se conformando ainda com o decidido pela Relação do Porto, pede a Ré revista dela a este Supremo Tribunal, apresentando, oportunamente a sua alegação que remata com as seguintes conclusões:

1. - Dado que a violação das condições e normas de segurança, enquanto causa exclusiva do acidente em apreço resulta claramente demonstrada nos autos, deveria ter sido observado o disposto no art. 54º do Dec. n.º 360/71, contrariamente ao que considerou o Tribunal "a quo".
2. - Na verdade, ao concluir que não houve violação das regras de segurança no trabalho pela E.P, nem que o acidente ocorreu por culpa desta, a decisão sob censura fez indevida interpretação dos factos provados e, consequentemente, desadequada aplicação do direito impendente.
3. - Como é do conhecimento geral, a natureza abstracta da Lei obsta a que esta preveja, casuisticamente, as situações concretas de cada sector de actividade que disciplina, sendo certo que o que a Lei tem de estabelecer e efectivamente prevê -, é que a entidade patronal está obrigada a:
"Avaliar os riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, inclusivamente na escolha dos equipamentos de trabalho e na concepção dos locais de trabalho," Art. 6º, n.º 3 da Directiva n.º 89/391/CEE de 12.06.89 do Conselho das Comunidades Europeias.

4. - Por sua vez, o Dec. Lei n.º 441/91, de 14.11, que transformou em direito interno quer a referida Directiva, quer a Convenção n.º 155 da O.I.T., estabelece no seu Art. 8º os deveres que em matéria de segurança no trabalho impendem sobre o empregador.
5. Por outro lado, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Dec. Lei 38382, de 07.08.51, consagra no seu art. 135º que: "Durante a execução de obras de qualquer natureza serão obrigatoriamente adoptadas as precauções e as disposições necessárias para garantir a segurança do público e dos operários..."
6. - Ademais, o Dec. Lei 41821, de 11.08.58, dando concreta expressão à disciplina estabelecida no Dec.41820, da mesma data, aprovou o Regulamento de Segurança do Trabalho na Construção Civil, prescrevendo o seu art. 155º que:
"O pessoal das obras tomará as precauções necessárias à segurança própria ou alheia abstendo-se de quaisquer actos que originem situações de perigo."
Sendo que o anterior art. 154º estipula que:
"Os operários cumprirão as regras de segurança respeitantes ao seu trabalho, quer estabelecidas pela legislação aplicada, quer concretamente determinadas pela entidade que os dirigir."
7. - O resultado consubstanciado nos autos - a queda desamparada do autor de um cavalete - evidencia, sem mais, que a entidade emprega-dora não tomou as devidas precauções que aquela operação exigia, nem prescreveu e fez cumprir as normas de segurança que ao mesmo deve-riam ser aplicadas.
8. - Efectivamente, ficou provado que o A. não usava o cinto de segurança, apesar de se fazer sentir, na ocasião, muito vento e chuva; trabalhava em cima de um andaime, tendo que caminhar por cima de uma prancha, acima cerca de 1,5 m. do piso; e, no andaime não foram instalados guarda-costas.
9. - A falta de cinto de segurança representa, objectivamente, infracção do disposto no art. 150º do Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais, aprovado pela Port. 53/71, de 03.02, com as alterações introduzidas pela Pª 702/80, de 22.09 e na Directiva 92/57/CEE do Conselho de 24.06.92, arts.9º al. a) e 10º al. a) e no ponto 5.2 da Secção II, parte B, Anexo IV (Prescrições mínimas de segurança); no art.º 11º da Portaria 101/96, 03.04; e ainda,
10. - No art.º 151º do citado Reg. Geral de Segurança e Higiene do Trabalho. nos Estabelecimentos Industriais, onde expressamente se prevê "1 - Os trabalhadores expostos ao risco de queda livre devem usar cintos de segurança, de forma e materiais apropriados, suficientemente resistentes, bem como cabos de amarração e respectivos elementos de fixação".
11. - Ao considerar que o uso do cinto de segurança só esta previsto nas obras em telhados, o Tribunal «a quo, postergou o preceituado nos normativos aludidos nos pontos 9 e 10 destas conclusões.
12. - Outrotanto acontecendo em relação à falta de guarda-costas, já que a decisão em apreço considera que as circunstâncias em que o sinistrado desenvolvia a sua tarefa não implicavam a obrigatoriedade de uso dos mesmos.
13. Efectivamente, a falta de guarda corpos, absolutamente indispensável para garantir a protecção do trabalhador na hipótese de desequilíbrio ou falta de apoio, evitando assim a queda no solo, integra frontal violação do disposto no ponto 6.2 da Secção II, parte B, Anexo IV (Prescrições mínimas de segurança) da Directiva 92/57/CEE do Conselho de 24.06.9, normativo que não foi considerado na decisão sob censura.
14. Provado como ficou que nenhum dos equipamentos referidos existia no local e, só por isso, é que o sinistrado se precipitou no piso inferior, sem encontrar qualquer equipamento de protecção que o amparasse, ou, pelo menos, reduzisse o impacto da queda, tem obrigatoriamente de concluir-se que o acidente dos autos ficou a dever-se a falta de condições de segurança, o que sempre determinaria a responsabilidade da entidade patronal do sinistrado - o aqui 2º R..
15. Presume a lei que sobre este recaia o dever de impor as necessárias regras de segurança no trabalho, de fiscalizar a execução e o cumprimento das mesmas e, bem assim, de disponibilizar aos seus trabalhadores todos os equipamentos individuais de segurança indispensáveis para a obra que estão a executar, o que na situação dos autos não ocorreu.
16. - A este propósito é paradigmático o acórdão do S.T.J., de 17.06.98, in C.J., Ano 1998, Tomo II, págs.289 e segts., acima transcrito, pois a situação dos autos é rigorosamente idêntica à contemplada naquele aresto, já que ali se manifestaram evidentes omissões das condições de segurança, no mesmo sector da construção civil.
17. Na verdade, tanto numa hipótese como na outra, a entidade patronal não cuidou - como era seu indeclinável dever - de estabelecer regras preventivas de segurança, violando, por consequência, as normas atinentes à segurança no trabalho acima citadas.
18. A sentença sob censura, ao recusar-se a aplicar o art. 54º do Dec. n.º 360/71 de 21.08, não fazendo funcionar a presunção de culpa da entidade patronal, ínsita na mencionada disposição legal fez indevida interpretação e incorrecta aplicação da lei.
19. Daqui decorre que a decisão sub judice violou o disposto nas normas supra referidas, designadamente, designadamente, da Base XLIII da LAT, do art.54º do Dec. Lei n.º 360/71, do art. 135º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, dos arts.154º e 155º do Dec. Lei 41821, do Dec. 41820, ambos de 11.08.58, arts.150º e 1510 do Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais, aprovado pela Port. n.º 53/71, de 03.02, com as alterações introduzidas pela Port. n.º 702/80, de 22.09 e na Directiva 92/57/CEE do Conselho de 24.06.92, arts. 9 al. a) e 10 al. a) e no ponto 5.2 da Secção II, parte B, Anexo IV (Prescrições mínimas de segurança) e art.23º do Decreto n.º41821, de 11 de Agosto de 1958, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que condene o 2~. R. em via principal, sendo-o a ora recorrente, apenas em via subsidiária, nos termos das Bases XVII e XLIII da LAT.
20. - Por outro lado e sob perspectiva distinta, não pode deixar de haver, qualquer que seja a actividade desenvolvida, uma pessoa ou entidade responsável pela segurança dos trabalhadores, como resulta do dispositivo do art. 59 n.º1 al. c) da CR, o art.7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aprovado pela Lei n.º 45/78, de 11/07, os arts.118º e 118º-A do Tratado da CEE e o D.L. n.º 441/91, de 14.11, arts.4º e 8º, n.º2 (com a redacção do D.L. 133/99 de 21.04).
21. - Ficou provado que a proprietária da obra era a empresa E (nº. 3 da matéria de facto da sentença) e a empreiteira, a firma D, Construção Civil e Obras Públicas, L.da (n.ºs 14, 15, 22 e 30), pelo que a implementação, observância e fiscalização do cumprimento das regras de segurança estava adstrita àquelas entidades, por virtude das suas apontadas qualidades, conforme emerge dos arts.80º n.º 1 e 4º al. c) do D.L. n.º 441/91, de 14/11 (com redacção do D.L. n. 133/99, de 21/04),
22. - Em relação à dona da obra, tal função é atribuída a um coordenador da obra em matéria de segurança e saúde, a nomear nos termos do disposto no art. 5 n. 2 do Dec. Lei n. 155/95.
23. - Por sua vez, era à adjudicatária da obra - D, Construção Civil e Obras Públicas, L.da - a quem competia fixar as regras de segurança e velar pelo seu rigoroso cumprimento, ou seja, cabia-lhe o dever de fiscalizar com o indispensável rigor os materiais, ferramentas, máquinas e equipamentos utilizados na obra.
24. - Deveria, por consequência, impor a instalação de andaimes providos das indispensáveis condições de segurança, ou seja, de guarda costas, achando-se obrigada não só a fornecer cintos de segurança como a zelar pela sua permanente utilização quando as condições de trabalho o exigissem, o que não fez.
25. - Tem assim de concluir-se que o acidente se ficou a dever a culpa de terceiro, seja ele o dono da obra, seja o empreiteiro geral, até porque o n.º1 do art.7º da Directiva 92/57/CEE prescreve - "1. O facto do dono da obra ou o director/fiscal da obra nomearem um ou vários coordenadores para a execução das tarefas referidas nos artigos 5º e 6º não os desobriga das suas responsabilidades neste domínio.".
26 - Ao entender que o ordenamento jurídico -infortunístico vigente no mo-mento do acidente - Lei n.º 2127 e Dec. n.º 360/7 1 - comete apenas à entidade patronal (ou entidade para quem esta tiver transferido a sua responsabilidade infortunística) a responsabilidade pela reparação das consequências do acidente, com exclusão da responsabilidade de terceiros, o acórdão impugnado não tomou na devida conta os preceitos legais aplicáveis face à matéria de facto averiguada, pelo que violou, nomeadamente, o art. 59, n. 1 al. c) da CR, o art.7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aprovado pela Lei n.º 45/78, de 11/07, os arts.118º e 118º-A do Tratado da CEE e o DL 441/91, de 14.11, os arts.8º, nºs 1 e 4º al. c) do DL 441/91, de 14/11 (com redacção do DL 133/99, de 21/04), o art.5º n.º 2 do Dec. Lei n.º 155/95 e o n.º1 do art.7º da Directiva 92/57/CEE, devendo ser revogado e substituído por outro que, condenando a proprietária e a empreiteira da obra, absolva a recorrente.

Não houve contra-alegações.

Colhidos que se mostram os vistos dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

Tendo em conta as conclusões da alegação da Recorrente - são estas que como se sabe, delimitam, em princípio, o objecto do recurso (art..1º, n.º 2 al. a) do Cód. Proc. Trabalho, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 272-A/81m de 30/09 e arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, do Cód. Proc. Civ.) - uma única questão é, fundamentalmente, nelas submetida ao Julgamento deste Supremo Tribunal, a qual se prende com saber se a materialidade factícia apurada aponta para a conclusão de que o acidente que sinistrou o Autor se deveu, como o afirma a Recorrente, à culpa da sua entidade patronal ou de terceiros.

As Instâncias deram como apurada a seguinte matéria de facto:

Proveniente da especificação:

1) O réu marido desenvolve a sua actividade em proveito comum do casal, já que os rendimentos auferidos do exercício da mesma se destinam ao suporte dos encargos correntes do seu agregado familiar - Alínea A);.

2) O A., no dia 17 de Dezembro de 1996 encontrava-se no exercício das suas funções, numa obra, tendo-se desequilibrado, súbita, inesperada e repentinamente, e, por vias disso, caído desamparado ao chão - Al. B);
3) acidente ocorreu durante a construção de um prédio sito na Rua Padre Costa, na freguesia de S. Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, de que é proprietária a empresa E - Empreendimentos Imobiliários, Lda. - Al. C);
4) Como consequência necessária e directa dessa queda o A. sofreu as lesões descritas no Boletim de exame junto a fls. 8, no relatório clínico de fls.. 9 a 13 e no auto de exame médico de fís. 27, (cujo teor literal de um e outros aqui se dá por integrado e reproduzido para todos as efeitos legais) - Al. D);
5) As quais o incapacitaram totalmente para o trabalho (l.T.A.) desde esse dia 17/12/96 a 27/10/98 (cfr. Boletim de alta junto a fls.6) - Al. E);.
6) A 27/10/98 a Ré Seguradora deu alta clinica ao A. considerando-o com uma desvalorização permanente para o trabalho (l.P.P.) de 80% - Al. F);
7) À data do acidente o A. auferia ao serviço da sua E. Patronal, o salário mensal de 75.550$00 X 14 meses, acrescido de 13.530$00 X 11 meses de subsidio de alimentação - Al. G);
8) O 2º réu tinha celebrado com a ré seguradora um contrato de seguro para transferência da responsabilidade infortunística, por contrato titulado pela apólice nº 92977, na modalidade de folha de férias, junta a fls. 14 a 22 e 25, cujos dizeres se dão por reproduzidos - Al. H);
9) O A. necessita ainda de tratamentos Médicos, de enfermagem e de fisioterapia em virtude das lesões e sequelas que lhe advieram em consequência do acidente de que foi vitima - Al. I);
10) O A. deslocou-se três vezes a este Tribunal por ter sido convocado; e, fê-lo de ambulância por se locomover numa cadeira de rodas e despendeu 14.000$00 nessas três deslocações - Al. J);
11) A cadeira de rodas que o A. utiliza, com o uso, deteriora-se e tem de ser reparada ou substituída - Al K);
12) O 2º réu não se encontra habilitado com alvará como empresa de trabalho temporário - Al. L);
13) Não foi celebrado qualquer contrato respeitante ao fornecimento de mão de obra entre a empresa D, Construção Civil e Obras Públicas, L.da. e os 2ºs. RR. - Al. M);
14) A "E", é uma sociedade por quotas que tem por objecto a promoção, construção e compra e venda de bens imóveis, conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial de Matosinhos, junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (doc. n.º 1) - Al. N);
15) A "D", é uma sociedade por quotas que tem por objecto a construção civil e obras públicas, conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial de Penafiel junta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (doc. n.º 2) - Al. O);

Provenientes das respostas ao questionário:

16) O Réu C dedica-se, pelo menos, a contratação de determinados trabalhos de Construção Civil, disponibilizando ele a mão-de-obra e respectiva gestão (contratação de pessoal, remuneração, ordens e orientação necessárias); e ficando por conta da outra parte o fornecimento dos materiais e instrumentos necessários á realização dos trabalhos - Ao quesito 1º;
17) O Réu Manuel no desenvolvimento daquela sua actividade admitiu o A. ao seu serviço há cerca de 9/10 anos, para desempenhar as funções de carpinteiro, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, e mediante retribuição, nas obras que aquele adjudicasse - Ao quesito 2º;
18) O A., no dia 17 de Dezembro de 1996 encontrava-se no exercício das suas funções de carpinteiro por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu C - Ao quesito 3º;.
19) Na ocasião do acidente, cerca das 14 h. do dia 17.12.96, o autor encontrava-se a construir a cofragem de uma viga situada no interior da obra, sendo a, ou uma das vigas interiores da placa do 4º piso - Aos quesitos 4º e 15º;
20) O autor caiu de uma altura de aproximadamente 1,5m, em relação ao piso - Ao quesito 5º;
21) O A., em consequência da acidente e das lesões que lhe advieram do mesmo, necessita da assistência constante de 3ª pessoa - Ao quesito 6º;
22) Era a firma D, Construções e Obras Públicas, L.da., que fornecia os materiais (cimento, ferro, areia, madeiras, pregos), bem como o equipamento indispensável à realização da obra desde as ferramentas utilizadas nela à própria maquinaria necessária à construção da viga, incluindo as betoneiras, as madeiras para o vigamento de suporte da cofragem e para a construção deste - Ao quesito 14º;
23) A referida cofragem seria constituída por tábuas de madeira dispostas a todo o comprimento da futura viga de betão com travejamento feito de barrotes de madeira, dando um aspecto semelhante ao de uma linha de caminho de ferro em que as tábuas constituiriam a linha, em ferro, e os barrotes as travessas, e onde seria depois montada a estrutura final que levaria a armação de ferro e o betão - ao quesito 16º;
24) Esta estrutura encontrava-se apoiada em escoras - Ao quesito 17º;
25) Não fora ainda colocada a placa do 4º piso, nem sequer a viga "Marpel" de suporte da mesma - Ao quesito 18º;
26) Não tinham sido ainda instalados guarda-costas ao longo da extremidade daquele piso - Ao quesito 19º;
27) O A. não usava cinto de segurança, sendo que na ocasião se fazia sentir vento e chuva - Ao quesito 20º;
28) O autor procedia aos trabalhos, em "cima" de um cavalete (estrutura semelhante aos andaimes), tendo que caminhar por cima de uma prancha colocada a uma altura de cerca de 1,5 metros do piso - Ao quesito 21º;
29) No cavalete não foram instalados guarda-costas - Ao quesito 24º;
30) A R. E, dona da obra, adjudicou a empreitada da mesma à R. "D», por contrato de empreitada, meramente, verbal - Ao quesito 28º;
31) Entre o A., demais trabalhadores da obra que foram contratados pelo Manuel Pereira, e a R. "D» nunca existiu qualquer vinculo laboral - Ao quesito 30º;
32) Nunca a R. D ou a E, efectuaram qualquer pagamento aos trabalhadores, mas apenas a C - Ao quesito 31º;
33) Nunca os trabalhadores dos subempreiteiros receberam qualquer ordem ou directiva das RR D ou E - Ao quesito 32º;.
34) O fiscal Eng. H, a quem incumbia fiscalizar a obra, não tinha contacto directo com os trabalhadores de C, mas tão só com este - Aos quesitos 33º e 34º.

Contra a fixação destes factos não reagiu nenhuma das partes, sendo, pois, com base nele que se há-de conhecer da questão suscitada neste recurso uma vez que não se vislumbra que ocorra a situação prevista no n.º 2 do art. 722º ou que este Tribunal deva ordenar a ampliação desse quadro factício ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 729º, ambos do Cód. Proc. Civ.

Dispõe o n.º 2 da Base XVII da Lei n.º 2127, de 3/08/65 que "se o acidente tiver resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante, as pensões e indemnizações serão agravadas segundo o prudente arbítrio do Juiz. até aos limites previstos no número anterior", ou seja, nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e morte, o agravamento terá como limite o vencimento base; nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, o agravamento terá como limite a redução da incapacidade resultante do acidente.

E o Dec. n.º 380/71, de 21/08, que regulamentou aquela Lei n.º 2127, veio dispor quanto à culpa da entidade patronal no seu art. 54º: "Para efeito do disposto no n.º 2 da base XVII, considera-se ter resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante o acidente devido à inobservância de preceitos legais e regulamentares, assim como de directivas das entidades competentes, que se refiram à higiene e segurança do trabalho", estabelecendo, assim, esta norma uma presunção legal de culpa, tantum juris, da entidade patronal quando o acidente seja devido a inobservância pela mesma de preceitos legais e regulamentares ou directivas de entidades competentes.

O estabelecimento dessa presunção de culpa tem consequências importantes no âmbito do ónus da prova, uma vez que o n.º 1 do art. 347º do Cód. Civ. prescreve a inversão do ónus da prova quando haja uma presunção legal. Quer di-zer: como aqui nos movimentamos no campo da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, em princípio e atento o disposto no n.º 1 dos arts.. 487º e n.º 1 do 342º do Código Civil, incumbe a quem pretenda retirar efeitos em ser favor da existência de culpa da entidade patronal, fazer a prova dessa culpa, que, na falta de outro critério legal deve ser apreciada pela diligência de um bónus pater familiae em face das circunstância de cada caso (n.º 2 do citado art. 487º). Mas essa culpa da entidade patronal resulta presumida se se verificar ter havido inobservância por aquela de preceitos legais e regulamentares ou de directivas das entidades competentes, relativas à higiene e segurança no trabalho.

Assim, nos presentes autos, competia à ora Recorrente, seguradora, provar a culpa da entidade patronal ou do seu representante na produção do acidente, ou provocar a inversão desse ónus de prova, provando que a entidade patronal (ou o seu representante), inobservou as regras legais ou regulamentares ou directivas de entidades competentes atinentes à segurança no trabalho, uma vez que, provado isso, a lei (art. 54º do Dec. n.º 160/71) estabelece uma presunção legal da culpa da entidade patronal sem que, todavia essa presunção se estenda ao nexo de causalidade entre aquela inobservância e o acidente (1), cumprindo então à entidade patronal ilidir aquela presunção, provando que o acidente, não obstante a inobservância dos preceitos, não se deveu a culpa sua.

Será que se prova que houve, no caso versado nos presentes autos, inobservância por parte da entidade patronal do sinistrado ou do seu representante de normas referentes à segurança no trabalho ?

Seleccionemos, de entre a matéria de facto fixada, para uma melhor apreciação, aquela que respeita à forma como ocorreu esse acidente.

Esse acidente ocorreu durante a construção de um prédio, em Matosinhos, propriedade da empresa E, Lda.. Encontrava-se o A. a construir a cofragem de uma viga situada no interior da placa do 4º piso da obra. Essa cofragem seria constituída por tábuas de madeira dispostas a todo o cumprimento da futura viga de betão com travejamento feito de barrotes de madeira, dando um aspecto semelhante ao de uma linha de caminho de ferro em que as tábuas constituem a linha, em ferro, e os barrotes as travessas, e onde seria depois montada a estrutura final que levaria a armação de ferro e o betão. Esta estrutura encontrava-se apoiada em escoras. Não fora ainda colocada a placa do 4º piso, nem sequer a viga "Marpel" de suporte da mesma e não tinham sido ainda instalados guarda-costas ao longo da extremidade daquele piso. O autor procedia aos trabalhos em cima de um cavalete (estrutura semelhante aos andaimes), no qual não foram instalados guarda-costas, tendo que caminhar por cima de uma prancha colocada a uma altura de cerca de 1,5 metros do piso. O A. não usava cinto de segurança, sendo que na ocasião se fazia sentir vento e chuva. Tendo-se desequilibrado, súbita, inesperada e repentinamente, o Autor caiu desamparado no chão de uma altura de, aproximadamente, 1,5 m, em relação ao piso.

Entende a Recorrente que provado que o Autor trabalhava em cima de um cavalete (com estrutura semelhante a um andaime) que não tinha guarda-costas e não usando ele o cinto de segurança, numa ocasião em que se fazia sentir muito vento e chuva, demonstrado ficou que o acidente que sinistrou o mesmo autor ficou a dever-se à violação de normas atinentes à segurança no trabalho, citando, concretamente as seguintes: Art. 6º, n.º 3 da Directiva n.º 89/391/CEE de 12.06.89, do Conselho das Comunidades Europeias de acordo com a qual a entidade patronal está obrigada a "Avaliar os riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, inclusivamente na escolha dos equipamentos de trabalho ... e na concepção dos locais de trabalho"; o art. 8º do Dec.-Lei n.º 441/91, de 14.11, que estabelece as obrigações gerais do empregador em matéria de segurança dos trabalhadores; o art. 135º do Regulamento Geral das Edificações urbanas, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 38382, de 07.08.951 que dispõe que "durante a execução de obras de qualquer natureza serão obrigatoriamente adoptadas as precauções e as disposições necessárias para garantir a segurança do público e dos operários..."; os arts. 154 e 155º do Dec. 41820, de 11.08.958, que prescrevem, respectivamente, que "os operários cumprirão as regras de segurança respeitantes ao seu trabalho, quer estabelecidas pela legislação aplicável, quer concretamente determinadas pela entidade que os dirigir" e "o pessoal das obras tomará as precauções necessárias à segurança própria ou alheia abstendo-se de quaisquer actos que originem situações de perigo".

Mas, salvo o devido respeito, cremos que não lhe assiste razão. A materialidade factícia apurada é por demais exígua para, a partir dela, se poder, sem mais, imputar à entidade patronal ou a quem quer que seja, a inobservância de normas legais ou regulamentares ou de directivas sobre segurança no trabalho. E os factos que a ora Recorrente alegou, tendentes a demonstrar a culpa da entidade patronal na produção do acidente, não os logrou a mesma provar. E assim, ficou-se sem saber das verdadeiras razões por que o sinistrado, trabalhando em cima de um cavalete, se desequilibrou "súbita, inesperada e repentinamente" e caiu desamparado ao chão. E, no que respeita ao "cavalete" apenas se sabe que o mesmo tinha uma "estrutura semelhante aos andaimes" e que o Autor na execução do seu trabalho, tinha de "caminhar por cima duma prancha colocada a uma altura de 1,5 m do piso". Mas qual a largura dessa prancha? quais as condições da sua estabilidade? Os factos fixados não no-lo esclarecem.

As normas que a Recorrente cita como tendo sido violadas, estabelecem apenas princípios de prevenção de acidentes, ou seja, obrigações de natureza abstracta a cargo das entidades patronais e dos próprios trabalhadores, com vista a prevenir a ocorrência de sinistros laborais, pelo que só casuisticamente, face ao circunstancialismo concreto em que certo acidente ocorreu é que se poderá avaliar se houve ou não inobservância por parte da entidade patronal ou de terceiros, de preceitos legais e regulamentares ou de directivas sobre a segurança no trabalho.

No caso em apreço o operário, aqui Recorrido, executava o seu trabalho em cima duma prancha situada apenas a 1,5 m do solo firme. A não ser que essa prancha oferecesse particular perigo - o que, embora alegado não ficou provado - ou que o cavalete, atenta a sua configuração contrariava o que se acha estabelecido em preceitos legais, não se vê que houvesse de se recorrer a quaisquer meios especiais de protecção ao trabalhador, nem que o seu empregador devesse representar a possibilidade de ocorrência de um acidente. Atente-se que, num critério de normalidade, não é de esperar que uma queda (sempre possível em quaisquer circunstâncias, até mesmo ao nível do chão) duma altura de 1,5 metros, seja susceptível de produzir lesões graves no trabalhador. Provavelmente, por isso mesmo é que o Dec. n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958 - que regulamenta a segurança no trabalho da construção civil e que, na sequência do disposto no art. 1º do Dec.-Lei n.º 41820, da mesma data, estabelece "as normas de segurança que devem ser obrigatoriamente adoptadas para a protecção do trabalho nas obras de construção civil" -, veio dispor, no seu art. 1º, que o emprego de andaimes só é obrigatório nas obras em que os operários tenham de trabalhar a mais de 4 metros do solo ou de qualquer superfície contínua que ofereça as necessárias condições de segurança. O que evidencia que para o próprio legislador não foi indiferente a altura a que os operários trabalham, para o efeito de impor a adopção de determinadas medidas de protecção.

O art. 23º do mesmo diploma preceitua que é obrigatória a aplicação, nos andaimes de madeira, de garda-costas "que deverão ser pregados solidamente às faces interiores dos prumos, a 0,90 m da cada plataforma do andaime"

Ora, se o emprego de andaimes só é obrigatória a mais de 4 m de altura, logicamente, também a partir dessa altura passa a funcionar a obrigatoriedade da aplicação de guarda-costas.

O mesmo se diga dos cintos de segurança cuja obrigatoriedade, nos trabalhos de construção civil, só está prevista "no trabalho em cima dos telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito das condições atmosféricas ..." e quando as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis (art. 44º, § 2º do citado Dec. n.º 41.821) .

Sem dúvida que o exercício da prudência poderá aconselhar - e aconselhará, certamente, muitas vezes -, em casos específicos e fora da previsão das normas acabadas de mencionar, o uso de guarda-costas e de cinto de segurança. Mas a omissão, nessas circunstâncias, desse dever de prudência não pode ser associada à inobservância de preceitos legais e regulamentares ou de directivas de entidades competentes, para o efeito de dali se extrair a presunção aludida no art. 54º do Dec. n.º 360/71, de 21-08. Tal omissão, se provada, traduziria uma omissão do dever objectivo de cuidado consubstanciador de simples culpa da entidade patronal, que, não estando abarcada por aquela presunção, cumpria à Recorrente provar, em atenção ao disposto no n.º 1 do art. 487º, e n.º 1º do art. 342º, do Cód. Civ.

Esse ónus de prova não o logrou a ora Recorrente satisfazer, pois que, tendo sido formulados quesitos tendentes a averiguar, além de mais, se a prancha sobre a qual o operário trabalhava era instável, irregular e escorregadia (quesito 21º), se a mesma lhe dificultava a marcha (quesito 22º), se o sinistrado caiu porque escorregou (quesito 23º), se a instalação de guarda-costas e a colocação do cinto de segurança teriam evitado a queda (quesitos 24º e 25º), esses quesitos foram dados como não provados.

Assim, não havendo razões para considerar que, nas circunstâncias em que o trabalhador, A, executava o seu trabalho (em cima de um cavalete, com a configuração dos andaimes, e a 1,5 metros do piso), a entidade patronal devia representar a possibilidade de aquele se desequilibrar e cair desamparado no chão, também não se pode afirmar qualquer omissão, por parte deste, de um dever objectivo de dotar o cavalete de guarda-costas ou impor ao trabalhador o uso de cinto de segurança.. É certo que se provou que na ocasião do acidente se fazia sentir vento e chuva. Mas nada há nos autos que indique que influência tal facto pode ter tido na execução do trabalho do sinistrado e na queda deste, uma vez que se apurou que este estava a construir a cofragem de uma viga interior da placa do 4º piso. E note-se que, tendo-se perguntado (quesito 20º) se na ocasião fazia-se sentir muito vento e chuva, respondeu-se que apenas se fazia sentir vento e chuva. Nenhuma ligação é assim possível estabelecer entre o vento e a chuva e a queda do trabalhador.

Nestas circunstâncias, cremos que bem andaram as instâncias ao considerarem não ter ficado provada a culpa, quer da entidade patronal (efectiva ou presumida) quer de terceiros, na produção do acidente em causa. O acórdão recorrido sustentou suficiente e proficientemente a decisão que proferiu, aqui se perfilhando integralmente os respectivos fundamentos (art. 713º, n.º 5 do Cód. Proc. Civ.).

Por conseguinte, nega-se a revista, confirmando-se a decisão em recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de Abril de 2002.

Emérico Soares,

Manuel Pereira,

Azambuja Fonseca.

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(1) Cf. Cruz Carvalho em "Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais", pág. 213 e acs. STJ. de 22/09/99, Proc. n.º 168/99 e de 23/0172002, Proc. n.º, 3175/01, ambos da 4ª Secção.