Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO MEDIDA DA PENA MATÉRIA DE FACTO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200609210031865 | ||
Data do Acordão: | 09/21/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | A medida da pena não é discutível autonomamente em recurso extraordinário de revisão: no ordenamento português a revisão versa sobre a questão de facto e opera, não uma reapreciação do anterior julgado, mas antes, uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, com base em novos dados de facto. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, arguida devidamente identificada, invocando o disposto no artigo 449.º, n.º 1, d), do Código de Processo Penal, vem recorrer extraordinariamente da decisão judicial transitada em julgado, depois de apreciada em recursos sucessivos pela relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça, que a condenou, em cúmulo jurídico de várias penas por crimes de burla informática e falsificação de documento particular, na pena única conjunta de 5 anos de prisão. Em suma, depois de um extenso petitório que ora se torna dispensável reproduzir integralmente, porque, alicerçando-se em: «1. A confissão sem reservas por escrito, fls. …, … , … ,… /…; 2. A disposição de ressarcir de imediato o Assistente, fls…., …/….; 3. A nulidade da queixa – fls…., …., …., …., por ilegitimidade activa; 4. A nulidade processual resultante da confusão entre legal representante do Assistente e testemunha do Assistente – fls….;…. In dubio pro reo no que diz respeito a muitos dos factos constantes da acusação e da culpa da recorrente, 6. Necessidade de ar prevalência à dignidade da pessoa humana, mormente crianças de tenra idade em detrimento da medida de coação mais grave», entende que «estão reunida as condições legais para ser concedida a revisão, devendo […] a medida da culpa diminuída consideravelmente, pela confissão sem reservas; pela existência de factos tremendamente poderosos no plano psicológico sobre a mente e a vontade da recorrente; vontade esta que deixou de ficar no pleno arbítrio da recorrente, mas totalmente condicionada, o que se explica quando vemos o nosso pai a morrer e a nossa mãe doente do foro mental». O Ministério Púbico junto do tribunal a quo posicionou-se pelo indeferimento liminar do pedido nomeadamente por ser objectivo principal deste a discussão da medida da pena e a discussão de questões de direito o que está vedado num recurso desta natureza. O juiz do processo informou do seguinte jeito: «O requerimento apresentado pela arguida AA, apenas pretende pôr em causa questões de direito, não aludindo a quaisquer factos novos ou meios de prova que permitam estribar convicção diversa daquela que levou o tribunal colectivo e os tribunais superiores a considerarem provado o cometimento, por parte daquela cidadã, dos elementos típicos dos crimes pelos quais foi condenada. Remete-se, pois, na presente fundamentação da informação cabida, para o teor dos acórdãos prolatados e transitados em julgado. Por outro lado, a requerente pretende pôr em causa a justeza da condenação apresentando argumentário relativamente à medida concreta da pena, o que está vedado em sede de revisão. Entendemos que o pedido deve ser indeferido liminarmente, por falta de fundamento legal». Subidos os autos, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta concordou com a posição da sua homóloga junto da 1.ª instância. 2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. O recurso extraordinário de revisão possibilitando ultrapassar a normal intangibilidade do caso julgado, visa a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua, através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada. No ordenamento português a revisão opera, não uma reapreciação do anterior julgado, antes, uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, mas com base em novos dados de facto. Ou seja, versa sobre a questão de facto. Os fundamentos taxativos deste recurso extraordinário vêm enunciados no artigo 449.º do Código de Processo Penal e são apenas estes: a. falsidade dos meios de prova; b. injustiça da decisão; c. inconciliabilidade de decisões; d. descoberta de novos factos ou meios de defesa. No caso, a recorrente assenta o recurso nesta última hipótese. Mas cumpre adiantar já que «a revisão não se dá, segundo a nossa lei, quando os novos factos ou meios de prova poderiam fundamentar simplesmente a aplicação de uma norma penal com pena menos grave que a imposta. Requer-se que “evidenciem inocência”, e a alternativa seja, portanto, condenação-absolvição».(1) “Com fundamento na alínea d), do n.º 1 do artigo 449.º, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada (art.º 449.º, n.º 3).”(2) Suscitados novos factos e novos meios de prova que numa apreciação global despertem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, haverá que conceder-se a revisão. Os factos ou provas devem ser novos mas como é entendimento seguido neste Supremo, sê-lo-ão no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo réu no momento em que o julgamento teve lugar. Mas uma tal “novidade” dos factos deve existir é para o julgador; “novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido os não ignorasse no momento do julgamento”(3). Iniciada a “fase preliminar” que se desenrola no tribunal que proferiu a decisão revidenda, segue-se a instrução, devendo realizar-se as diligências indispensáveis à descoberta da verdade, sendo certo que só poderão ser inquiridas testemunhas ainda não ouvidas no processo se for invocada pelo requerente a ignorância da sua existência ao tempo da decisão ou a impossibilidade de deporem nessa altura – art.º 453.º, n.º 2, do CPP.(4) Pois bem: O exposto basta para mostrar que a pretensão da recorrente está originalmente votada ao fracasso. Com efeito, os «novos factos» que alegadamente «descobriu», por um lado, não passam de um exercício crítico pessoal sobre as provas produzidas em julgamento, não sendo pois, factos no sentido relevante para o efeito. Por outro, envolvem a discussão de várias questões de direito, como a pretensa ilegitimidade do denunciante e nulidades processuais que, para além, como se viu, de arredadas do objecto lícito deste recurso extraordinário, sempre ficariam ao abrigo da força legítima do caso julgado sobre elas formado que, como é sabido cobre mesmo os possíveis casos de nulidade absoluta: «“A irrecorribilidade das decisões judiciais irrevogáveis tem por efeito a sua definitividade e a sua exequibilidade. Quer dizer, esgotou-se no respectivo processo quanto à matéria da decisão o poder jurisdicional, e ficou autorizada a execução da decisão.”(5) E isso acontece, isto é, a sentença agora irrecorrível é irrevogável, mesmo que, hipoteticamente, estivesse ferida de nulidade absoluta – o que de resto não está, in casu, de modo algum demonstrado – pois, embora tal espécie de nulidade seja insanável, ela precisa de ser declarada para produzir efeitos. “Pode ser arguida ou declarada oficiosamente. O acto tem existência jurídica, embora defeituosa, e ainda que o vício seja insanável; e, consequentemente, a falta de anulação deixa-o subsistir. No processo, a nulidade absoluta é coberta pela impossibilidade, depois de findo aquele, de o fazer reviver, no seu todo ou parcialmente. A decisão judicial com trânsito em julgado não se anula, como não se declara a nulidade de actos dum processo que findou com decisão irrevogável” (6). The last but not the least: a recorrente, pelo que se viu, não põe em causa a sua confissão integral e sem reservas dos factos em causa. Em suma, não nega o crime. O que almeja é uma reponderação da pena aplicada, nomeadamente ante a sua ora alegada disposição de ressarcir o banco lesado. Mas o que ficou dito mostra a inocuidade destas circunstâncias em sede de um recurso extraordinário como este em que a única alternativa relevante é a condenação-absolvição e, não, como no caso sucede, a pretensão de suavização da pena concreta aplicada. Inocuidade que se estende ao também alegado pretenso «facto novo» extemporaneamente invocado, aliás, segundo o qual o banco lesado reconheceria «que não está lesado na medida que peticionou», mas noutra, pois mesmo a verificar-se esta circunstância ela nada tem a ver com a consumação do crime, antes, com o possível doseamento concreto da pena. E, repete-se, a medida da pena não é discutível autonomamente em recurso de revisão, em que se discute apenas a justiça da condenação, alternativamente à da absolvição. O recurso improcede manifestamente. 3. Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, negam provimento ao recurso e deliberam denegar a pretendida revisão. A recorrente pelo decaimento ostensivo pagará taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Setembro de 2006 Pereira Madeira (relator) Santos Carvalho Costa Mortágua Rodrigues da Costa ________________ 1- Emílio Orbaneja e Vicente Quemada, Derecho Processual Penal, Madrid 1986, 321, citados por M. Simas Santos e M. Leal-Henriques em Recursos em Processo Penal, 4.ª edição, Rei dos Livros, págs. 197. 2- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, págs. 388. 3- Ibidem 4 - Cfr., também, neste sentido, Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., 4.ª edição, págs. 200. 5- Cavaleiro de Ferreira Curso de Processo Penal, III, edição da AAFDL, 1963, págs. 35 6- Autor cit., ibidem, I, 1959, págs. 294 |