Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
003686
Nº Convencional: JSTJ00026728
Relator: METELLO DE NAPOLES
Descritores: CRÉDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO
LEI APLICÁVEL
Nº do Documento: SJ199502150036864
Data do Acordão: 02/15/1995
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N444 ANO1995 PAG506
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: LCT69 ARTIGO 38 N1.
CCIV66 ARTIGO 306 N4.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO TC DE 1994/01/26 IN DR IIS DE 1995/01/06.
Sumário : O disposto no artigo 38, n. 1, da L.C.T. de 1969, no que toca à fixação do prazo prescricional de um ano e à determinação do seu termo inicial, para reclamação de créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer ao trabalhador, tem a natureza de lei especial que afasta a aplicação de regras diferentes do Código Civil, designadamente, a contida no n. 4 do seu artigo 306.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal do Trabalho do Porto foi proposta por A, em 6 de Dezembro de 1991, acção de processo ordinário emergente de contrato individual de trabalho contra o "Banco Português do Atlântico, Sociedade Anónima", pedindo que este fosse condenado a reconhecer a nulidade de uma sanção disciplinar de interrupção do contrato de trabalho com que puniu o autor, a reconhecer a ilicitude do despedimento deste e a pagar-lhe determinadas importâncias.
O réu contestou e, em reconvenção, pediu a condenação do autor a pagar-lhe a quantia que viesse a liquidar-se em execução de sentença, mas nunca inferior em capital a 61065643 escudos e 80 centavos, a título de indemnização por prejuízos decorrentes de grave e culposo comportamento do reconvindo enquanto trabalhador ao serviço do reconvinte na medida em que desrespeitou as ordens e instruções recebidas da sua entidade patronal quanto à concessão de crédito.
Respondendo, o autor excepcionou a prescrição dos créditos reclamados na reconvenção, invocando para tanto o artigo 38 da L.C.T., por ter decorrido mais de um ano entre a cessação do contrato de trabalho e a apresentação da reconvenção.
Do despacho saneador que julgou procedente a excepção de prescrição recorreu o réu, tendo a Relação do Porto negado provimento ao recurso que, qualificado de agravo, subira imediatamente nos próprios autos.
De novo inconformado, o réu voltou a recorrer, agora para este Supremo Tribunal, tendo-se aqui decidido, em acórdão de folhas 365 e seguintes, que o recurso seguiria como revista.
No fecho da sua alegação o recorrente alinhou as seguintes conclusões:
1 - Os princípios relativos à prescrição inseridos no Código Civil têm plena aplicação ao foro laboral, nomeadamente o previsto no n. 4 do artigo 306;
2 - Assim, se o crédito respeitar a dívida ilíquida, e é o caso do reclamado em reconvenção, "... a prescrição só começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação";
3 - No caso dos autos, só após se ter procedido à execução do património dos devedores a deduzir em execução de sentença é que se pode liquidar a responsabilidade do reconvindo;
4 - Concretamente, só após o reconvinte saber o montante que das quantias indicadas nos artigos 78 a 85 da reconvenção venha a ficar desembolsado, até ao limite em capital de 61065643 escudos e 80 centavos e a ter lugar em execução de sentença e após excussão do património dos respectivos devedores, é que a responsabilidade do reconvindo fica liquidada;
5 - Não ocorreu assim a prescrição relativamente ao crédito deduzido em reconvenção, devendo os autos prosseguirem também quanto a ela, improcedendo a excepção;
6 - O princípio do "favor laboris" impõe que se analisem os dois lados da questão, pois se o crédito do trabalhador for ilíquido não pode ficar prejudicado pela interpretação restritiva que se fez do artigo 38 da L.C.T.;
7 - Esse artigo 38 não colide com o princípio do artigo 306 n. 4 do Código Civil, que antes protege também o credor trabalhador titular de crédito ilíquido sobre a entidade patronal;
8 - Se o despedimento vier a ser julgado nulo não há que falar em prazo de prescrição, pois este só começa a correr a partir do dia seguinte àquele em que tiver cessado o contrato de trabalho, o que neste caso não ocorreria.
Contra-alegou por sua vez o autor em apoio do decidido.
É desfavorável ao recorrente o parecer emitido pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal.
Colhidos que foram os legais vistos, cumpre apreciar.
Está unicamente em causa no presente recurso a questão de saber se, pelo decurso do prazo de um ano, estabelecido no artigo 38 n. 1 da lei do contrato de trabalho (LCT) anexa ao Decreto-Lei n. 49408, de 24 de
Novembro de 1969, ocorreu a prescrição dos créditos reclamados na reconvenção.
Neste restrito âmbito relevam para a decisão os seguintes factos assentes pela Relação:
- O contrato de trabalho celebrado entre o autor e o réu cessou em 17 de Dezembro de 1990;
- A contestação/reconvenção foi apresentada na secretaria do tribunal (de 1. instância) em 10 de Janeiro de 1992.
Entendeu-se nas instâncias, sem discrepância, que, tendo mediado mais de um ano entre as duas referidas datas, se completara a prescrição.
Dispõe-se a tal respeito no artigo 38 n. 1 da LCT que todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na lei geral acerca dos créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais.
É seguro - nenhuma dúvida aí se suscita - que os créditos reclamados pelo réu reconvinte emergem de alegada violação de contrato de trabalho que este, como entidade patronal, havia celebrado com o autor reconvindo.
E também dúvida não há de que decorreu mais de um ano entre o dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho e aquele em que o autor foi notificado da apresentação da contestação/reconvenção (visto que essa notificação judicial é naturalmente posterior à apresentação daquela peça na secretaria do tribunal).
Para obviar ao decurso do prazo prescricional invoca contudo o recorrente a norma do artigo 306 n. 4 do Código Civil, segundo a qual, sendo ilíquida a dívida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação.
Entende-se contudo, tal como o fizeram as instâncias, que a invocada norma é inaplicável ao contrato de trabalho e aos créditos que dele emergem.
É que o referenciado artigo 38 n. 1 estabelece um desvio ao regime geral constante do Código Civil ao fixar um prazo especial para a prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho e ao criar uma regra específica para a sua contagem, como assinalam Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho no seu "Comentário às Leis do Trabalho" (volume I, 1994, anot. ao artigo 38 da LCT), vincando estes autores que, para além de uma regulamentação específica restrita a esses pontos, são aplicáveis aos créditos laborais os restantes preceitos legais do Código Civil que regulam a prescrição (artigos 300,
303, 304, 318 e seguintes e 323 e seguintes). Também o Tribunal Constitucional, em acórdão de 26 de Janeiro de 1994, salienta que o legislador consagrou, naquele artigo 38 n. 1, uma disciplina jurídica diferente, no que respeita ao prazo de prescrição dos créditos resultantes do contrato de trabalho, relativamente às que foram estabelecidas para os prazos de prescrição dos créditos resultantes de serviços prestados no exercício de profissões liberais e do direito à indemnização emergente da responsabilidade civil contratual e extracontratual, já que o legislador teve em conta as especificidades da situação de dependência gerada pelo vínculo laboral (acórdão n. 140/94, in Diário da República, II série, de 6 de Janeiro de 1995).
Isto significa, sem margem para grandes dúvidas, que, quer no que toca à fixação do prazo prescricional em um ano, quer no que tange à determinação do termo inicial desse prazo, o artigo 38 n. 1 da LCT tem a natureza de lei especial que afasta a aplicação das regras diferentes do Código Civil, e designadamente da contida no n. 4 do seu artigo 306.
O n. 1 daquele artigo 38 é aliás claro e terminante ao precisar que se aplica a todos os créditos resultantes do contrato de trabalho, o que mais evidencia a intenção do legislador de não abrir qualquer excepção.
Tem-se pois por inaplicável aos créditos laborais e por contrariar a norma especial do artigo 38 n. 1 da LCT, a disposição do n. 4 do artigo 306 do Código Civil.
Mas o recorrente alega ainda que a invocada prescrição não se aplica aos casos de nulidade do despedimento, pois que nesse caso não teria cessado o contrato de trabalho.
Ora também aqui a razão lhe falta.
Por um lado é praticamente uniforme a jurisprudência, que se subscreve, no sentido de considerar que o prazo de prescrição de um ano começa a correr com a cessação factual da relação laboral (cfr. Ac. Trib. Const. de 6 de Maio de 1987, in Boletim do Ministério da Justiça n. 367, páginas 203), o que, como se disse, ocorreu em 17 de Dezembro de 1990.
Por outro lado, e como se vê da petição inicial (seus ns. 24 e 25) e do pedido aí formulado sob a alínea d), o autor optou desde logo, como lhe é legalmente facultado, pela indemnização de antiguidade, em detrimento da sua reintegração, pelo que, havendo que considerar essa opção eficaz e irrevogável face ao disposto nos artigos 13 n. 1, alínea b), e n. 3 da chamada Lei dos Despedimentos (Decreto-Lei n. 64-A/89) e 549 e 542 n. 1 do Código Civil, o contrato de trabalho cessou efectivamente na data indicada.
Improcedem pois todas as conclusões da alegação do recorrente.
Nestes termos decide-se negar a revista.
Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 1995.
Metello de Nápoles,
Dias Simão,
Chichorro Rodrigues.
Decisões impugnadas:
I - Sentença de 24 de Fevereiro de 1992 do Tribunal do Trabalho do Porto;
II - Acórdão de 26 de Outubro de 1992 da Relação do Porto.