Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLINDO GERALDES | ||
Descritores: | PROPRIEDADE INDUSTRIAL MARCAS SINAL DISTINTIVO PRINCÍPIO DA NOVIDADE CONFUSÃO | ||
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Data do Acordão: | 12/14/2016 | ||
Nº Único do Processo: | |||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCAS DE PRODUTOS / REGISTO DA MARCA / CONCEITO DE IMITAÇÃO DA MARCA. | ||
Doutrina: | - CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, 1997, 39, 40, 52 - FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, I, 1973, 327. - L. COUTO GONÇALVES, Direito de Marcas, 2000, 29. - Marcas & Patentes, Ano XVI, n.º 2, 16 e 17. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI), APROVADO PELO D.L. N.º 16/95, DE 24 DE JANEIRO: - ARTIGOS 165.º, 193.º. | ||
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Sumário : | I - A marca representa o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço apresentado ao consumidor. II - Na constituição da marca, vigora o princípio da novidade ou da especialidade. III - É por intuição sintética e não por dissecação analítica que importa realizar a comparação das marcas. IV - A marca nacional, “PORTO ALEGRE”, é idónea a permitir a adequada distinção do produto, vinho do Porto, a que se destina, distinguindo-se da outra marca antes registada, a marca nacional “VISTA ALEGRE”, também destinada a vinho do Porto. V - A diferenciação das marcas resulta da utilização conjunta dos dois termos nominativos, pois, isoladamente, qualquer um dos termos não tem eficácia distintiva. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA - Vinhos do Porto, S.A., instaurou, em 2 de novembro de 2006, no 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia (Instância Central de Vila Nova de Gaia, 2.ª Secção de Comércio, Comarca do Porto) contra Sociedade BB, S.A.., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que fosse anulada a marca “PORTO ALEGRE” e a Ré fosse condenada a abster-se de usar essa marca, a retirar do mercado as vasilhas que tivessem apostas tal marca e a indemnizá-la dos prejuízos a liquidar em “execução de sentença”. Para tanto, alegou, em síntese, que é titular da marca nacional “VISTA ALEGRE”, para a categoria ou classe 33.ª do produto vinho do Porto, registada desde 17 de fevereiro de 1995; entretanto, em 2003, soube que a R. obteve o registo da marca nacional “PORTO ALEGRE”, também destinada a assinalar vinho do Porto; tais marcas têm enorme semelhança gráfica e fonética, induzindo facilmente o consumidor comum em erro ou confusão; e a R. pretende fazer concorrência desleal ou a mesma é sempre possível, dada a flagrante semelhança das marcas. Contestou a R., alegando que as marcas não são confundíveis e concluindo pela improcedência da ação. Replicou ainda a A., concluindo como na petição inicial. Em 24 de abril de 2007, foi proferido despacho saneador-sentença, a julgar a ação improcedente, decisão que foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15 de setembro de 2008, que determinou o prosseguimento dos termos do processo. Depois de suspensa a instância, a requerimento das partes, e realizada a audiência de discussão e julgamento, em 2 de junho de 2014, foi proferida a sentença, julgando-se a ação improcedente. Inconformada com a sentença, a A. recorreu e, apresentadas as alegações e contra-alegações, o processo foi remetido ao 1.º Juízo da Propriedade Intelectual, que admitiu o recurso e ordenou a sua subida ao Tribunal da Relação de Lisboa. Por acórdão de 4 de maio de 2015, a apelação foi julgada improcedente, confirmando-se a sentença. Inconformada também com este acórdão, a Autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente como conclusões: a) Não se pode considerar que o elemento nominativo “Alegre” seja irrelevante na impressão de conjunto produzida pelas marcas em causa e que deveria ser ignorado na sua comparação. b) No plano concetual, as marcas em causa são compostas por termos portugueses perfeitamente compreendidos pelo público pertinente e a palavra “Alegre”evoca, no espírito do consumidor português, um sentimento de gozo e plenitude. c) A palavra “Alegre” constitui o elemento dominante da marca “PORTO ALEGRE”, pois a palavra “Porto” é descritiva do produto visado por essa marca, o vinho do Porto. d) O exame da semelhança das marcas deve assentar na impressão de conjunto produzida por ambas. e) Não podem constituir objeto de marca “os sinais constituídos, exclusivamente, pela forma imposta pela própria natureza do produto”. f) O vocábulo “Porto” nada vale como marca, pela razão simples de que se limita a referir o produto. g) A marca (“Alegre”) transformou-se em “marca forte”, insuscetível de ser replicada ou objeto de contrafação, quando ambas aplicadas ao mesmo produto, Porto ou Vinho do Porto. h) O acórdão recorrido violou as normas dos arts. 223.º, n.º s 1, alínea b), e 2, 245.º, n.º s 1, alínea c), e 2, 258.º, 266.º, n.º 1, e 234.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial. Com a revista, a Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido e a anulação da marca da Recorrida. Contra-alegou a Ré, no sentido de ser negada revista. Admitido o recurso, pela conferência, e corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Neste recurso, está em discussão a anulação de marca comercial, por alegada imitação de outra marca. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Pelas instâncias, foram dados como provados os seguintes factos: 1. A A. é titular da marca nacional “VISTA ALEGRE”, cujo registo foi requerido em 18 de novembro de 1991, ficando registada, em 17 de fevereiro de 1995, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) sob o n.º 278338 – P, para a categoria ou classe 33.ª do produto “vinho do Porto”. 2. A mesma marca está em vigor, tendo sido revalidada até 17 de fevereiro de 2015. 3. A referida marca, tendo tido como primeira titular a Sociedade Agrícola CC, S.A., tem a A. como sua atual titular, por averbamento de 17 de junho de 1998. 4. A mesma marca encontra-se também registada a favor da A. em vários países da Europa. 5. Através da implantação comercial da marca “VISTA ALEGRE”, com o respetivo produto de vinho do Porto de grande qualidade, a A. tem obtido, desde há vários anos, prémios e distinções nacionais e internacionais de grande significado no mercado. 6. A A. foi surpreendida por correio eletrónico de 1 de dezembro de 2003, enviado por cliente estrangeiro, que a alertou para a comercialização de um novo produto de vinho do Porto, encontrado no mercado com a designação de “PORTO ALEGRE”. 7. A R. obtivera o registo, já em 1996, da marca nacional “PORTO ALEGRE”, no INPI, sob o n.º 316181. 8. Em face disso, a A. apresentou reclamação junto da R., através da sua agente de Marcas e Patentes, nos termos que constam da carta registada, com aviso de receção, de 18.08.2006. 9. A esta carta, a R. respondeu, através da carta registada, com aviso de receção de 28.08.2006. 10. Ambas as marcas são destinadas a assinalar produtos idênticos, os do “vinho do Porto”. *** 2.2. Delimitada a matéria de facto, importa então apreciar o objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da anulação de marca comercial “PORTO ALEGRE”, por imitação da marca comercial “VISTA ALEGRE”. A propriedade industrial, no âmbito da qual se destaca o instituto da marca, desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza. Na verdade, a liberdade de concorrência entre os agentes económicos, para corresponder ao que socialmente se deseja, tem de ser ordenada por regras jurídicas. Esta regulação é feita, especialmente, mediante a atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva, ou não, certas realidades imateriais e a imposição de certos deveres no sentido de um procedimento honesto. É no âmbito da primeira que se inscrevem os chamados direitos privativos da propriedade industrial, onde se insere, designadamente, a figura da marca – artigos 165.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial (CPI), aprovado pelo DL n.º 16/95, de 24 de janeiro, aplicável ao caso vertente em virtude do registo da marca cuja anulação foi pedida ter sido aprovado durante a sua vigência. A marca, como é reconhecido, foi ganhando ao longo dos tempos tal relevância que há já quem a venha considerando como um instrumento estratégico das empresas, quer no mercado nacional quer no mercado internacional, constituindo um bem tão valioso quanto o produto ou serviço correspondente (Marcas & Patentes, Ano XVI, n.º 2, pág. 16 e 17). A marca representa o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço apresentado ao consumidor, constituindo o “bilhete de identidade” de um produto ou serviço, visando essencialmente estabelecer uma relação entre os produtos e serviços e determinado agente económico, independentemente da individualização concreta deste (CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, 1997, págs. 39 e 40). No âmbito da constituição da marca, vigora o princípio da novidade ou da especialidade, segundo o qual “há de ser constituída por forma tal que não se confunda com outra anteriormente adotada para o mesmo produto ou semelhante” (FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, I, 1973, pág. 327). Por outro lado, quanto à possibilidade de confusão de uma marca com outra existente no mercado, o juízo é feito, através do seu confronto, pelo consumidor médio dos produtos ou serviços em causa, o qual não se identifica com o consumidor particularmente atento e sabedor ou o consumidor desprevenido e descuidado. Convém realçar ainda que o confronto das marcas é realizado, por regra, perante o sinal de um produto e a memória conservada de um outro, sendo a comparação sucessiva e não simultânea. Com a comparação dos sinais sucessiva, é a memória do primeiro, que existe quando aparece o segundo, que implica, nesse momento, o destaque das semelhanças, ao contrário do que sucede quando a comparação é simultânea. Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que importa realizar a comparação das marcas (CARLOS OLAVO, Ibidem, pág. 52). Desenhado, sumariamente, o quadro geral do regime jurídico da marca, analisemos o caso sub judice, no qual está em causa o uso da marca nacional “PORTO ALEGRE”, por alegada imitação da marca nacional “VISTA ALEGRE”, e com registo anterior no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, sendo certo ainda que ambas as marcas se destinam a assinalar o mesmo produto, o vinho do Porto. Como se aludiu, e resulta do disposto no art. 165.º do CPI, a marca de produtos ou serviços, numa manifestação do princípio da liberdade, pode ser constituída de forma variada, mas devendo ser adequada a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos produtos das outras empresas. Podendo embora a constituição gráfica da marca ser diversificada, o caráter distintivo tem de estar sempre presente, por ser inerente ao conceito da marca, para, assim, poder cumprir a sua função identificadora (L. COUTO GONÇALVES, Direito de Marcas, 2000, pág. 29). Destacando a eficácia distintiva da marca, considera-se que a marca nacional, “PORTO ALEGRE”, é idónea a permitir a adequada distinção do produto, o vinho do Porto, a que se destina, distinguindo-se da outra marca antes registada, a marca nacional “VISTA ALEGRE”, também destinada a vinho do Porto. Gráfica e foneticamente, as marcas diferenciam-se claramente, ainda que utilizem um elemento comum, de caráter genérico, constituído pela palavra “ALEGRE”. No contexto global das marcas, ambas nominativas, percebe-se facilmente uma nítida diferenciação, não se justificando, para o efeito, proceder à autonomização dos seus elementos, para se afirmar o contrário. Por outro lado, também não é possível afirmar, com rigor, que um elemento da marca seja mais forte ou preponderante que o outro, para se concluir que tal elemento é constituído pelo termo “ALEGRE” e, sendo assim, a semelhança ser ostensiva. Na verdade, a diferenciação das marcas resulta da utilização conjunta dos dois termos nominativos, pois, isoladamente, qualquer um dos termos não tem eficácia distintiva, não sendo possível estabelecer um diferente e claro grau de capacidade distintiva, de modo a permitir qualificar um elemento como sendo forte e o outro como sendo fraco. Assim, as marcas não têm semelhança gráfica e fonética que possa induzir o consumidor em erro ou confusão, para além de não compreender, também, o risco de associação, mesmo sem um exame atento ou confronto minucioso, para distinguir os produtos, por parte de alguém medianamente diligente e com conhecimentos normais do mercado. O consumidor médio do vinho do Porto, em Portugal, não tem dificuldade, na verdade, em distinguir com facilidade o vinho de uma marca da outra, sendo certo ainda que não foi alegado e provado o contrário, diversamente do que, de algum modo, sucedeu no estrangeiro (facto n.º 6). Nesta perspetiva, ao concluir-se pela validade da constituição da marca “PORTO ALEGRE”, à luz do Código da Propriedade Industrial, não podemos deixar de afirmar que não impressiona a decisão comunitária, de sentido contrário, especificada nos autos, e que pode ter tido outros pressupostos. Assim, não se encontra preenchido o requisito da imitação da marca, previsto no art. 193.º do CPI, e, por isso, não há fundamento legal para declarar a invalidade da marca “PORTO ALEGRE”, justificando-se a improcedência da ação e a sua confirmação pelo acórdão recorrido. Nesta conformidade, é de negar a revista. 2.3. Em conclusão, extrai-se de mais relevante: I. A marca representa o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço apresentado ao consumidor. II. Na constituição da marca, vigora o princípio da novidade ou da especialidade. III. É por intuição sintética e não por dissecação analítica que importa realizar a comparação das marcas. IV. A marca nacional, “PORTO ALEGRE”, é idónea a permitir a adequada distinção do produto, vinho do Porto, a que se destina, distinguindo-se da outra marca antes registada, a marca nacional “VISTA ALEGRE”, também destinada a vinho do Porto. V. A diferenciação das marcas resulta da utilização conjunta dos dois termos nominativos, pois, isoladamente, qualquer um dos termos não tem eficácia distintiva. 2.4. A Recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil. III – DECISÃO Pelo exposto, decide-se:
1) Negar a revista. 2) Condenar a Recorrente (Autora) no pagamento das custas.
Lisboa, 14 de dezembro de 2016
Olindo Geraldes (Relator) Maria dos Prazeres Beleza Salazar Casanova |