Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
002707
Nº Convencional: JSTJ00007921
Relator: JAIME DE OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ELEMENTO CONSTITUTIVO
DISTINÇÃO
SUBORDINAÇÃO ECONOMICA
SUBORDINAÇÃO JURIDICA
Nº do Documento: SJ199102270027074
Data do Acordão: 02/27/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N404 ANO1991 PAG321
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5322
Data: 03/07/1990
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: DL 49408 DE 1969/11/24.
CCIV66 ARTIGO 1152 ARTIGO 1154.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1986/11/14 IN BMJ N361 PAG410.
ACÓRDÃO STJ DE 1988/04/22 IN AD N319 PAG1004.
ACÓRDÃO STJ PROC2151 DE 1989/06/26.
Sumário : I - Os elementos essencialmente constitutivos do contrato de trabalho são a subordinação economica e a subordinação juridica.
II - O primeiro elemento consiste no facto de o trabalhador receber certa retribuição do dador de trabalho, sendo necessario para que se verifique o segundo que na prestação da sua actividade o trabalhador esteja sob as ordens, direcção e fiscalização do dador do trabalho.
III - O contrato de prestação de serviços e aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
IV - Em regra, e na existencia ou inexistencia do vinculo de subordinação juridica que se deve encontrar o traço dominante da distinção.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferencia na secção social do Supremo Tribunal de Justiça.
A e B, com os demais sinais dos autos propuseram contra C, esta acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinario, pedindo a condenação desta a pagar-lhe as quantias que mencionam, acrescidas das prestações vencidas e respectivos juros compensatorios a taxa legal.
Alegaram, para tanto, os autores em resumo:
- Que foram contratados pela Re, nos termos e condições constantes dos artigos 1 n. 11 da petição inicial e docs. de folhas 13 a 16;
- Que por carta datada de 27-8-82, a Re rescindiu o contrato de trabalho que estabelecera com os autores (docs. de folhas 103 e 104, 153 a 156).
- Pretendendo, assim, a sua substituição por um contrato de prestação de serviços, o que se ficou a dever ao facto de a Re ter admitido ao seu serviço um medico estrangeiro em substituição dos autores.
Contestou a Re, por impugnação.
Efectuado o julgamento em primeira instancia foi a seguir, proferida sentença que julgando a acção procedente, condenou a Re a pagar aos autores as seguintes quantias em dinheiro;
1) Vencidas no montante de 3945160 escudos, sendo; a) 2563440 escudos para o primeiro autor; b) 1381720 escudos para o segundo autor e;
2) Nas prestações que se venceram ate a execução da sentença.
3) Nos respectivos juros de mora compensatorios, vencidos e vincendos, desde a data do despedimento ate ao integral cumprimento a liquidar, em ambos os casos oportunamente. Incomformada interpos a Re, do assim julgado, apelação para o tribunal do distrito respectivo, mas este. pelo seu acordão de folhas
247 a 249, confirmou a sentença recorrida, excepto no tocante as indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais, relativamente as quais alterou a mesma sentença, tendo, nesta parte absolvido a
Re do pedido.
De novo irresignada trouxe agora, revista para este Supremo, concluindo nas mesmas, que o contrato que celebrara com os recorridos era de prestação de serviços e não de trabalho pelo que não havia lugar ao pagamento aos autores de quaisquer retribuições, apos a cessação daquele contrato com estes.
Na sua contra-alegação concluiram os recorridos no sentido da confirmação do acordão impugnado.
Corridos os vistos legais ha que decidir.
I - Materia de facto:
Foram os requisitos de factos dados como provados pelas instancias:
1) A Re entre outras retribuições esta encarregada de proceder ao exame medico dos trabalhadores portugueses que pretendem emigrar para França, bem como dos respectivos familiares.
2) Para tanto esta a Re, legalmente habilitada a contratar pessoal portugues, sob estatuto local, inscrevendo-o na previdencia social portuguesa e suportando os encargos dai advenientes.
3) Entre os autores e a Re foi estabelecido um contrato para que estes prestassem a esta os seus serviços como medicos, trabalhando sob a direcção e fiscalização da Re (resp. ao quesito 1).
4) Para tanto foi estabelecido entre as partes um horario de trabalho diario, de segunda a sexta-feira e sabado, da parte da manhã. (Resposta ao quesito 2).
5) Os autores eram pagos pela Re a hora mas com entregas monetarias mensais (alinea E da especificação).
6) A Re procedia aos descontos legais na remuneração dos autores para a Previdencia.
7) Os autores mesmo que não tivessem pessoas para observar, tinham de permanecer nos seus postos de trabalho para cumprirem o referido horario de trabalho (resp. ao quesito terceiro).
8) A Re rescindiu por carta de 27-8-82 o contrato referido em resposta ao quesito primeiro, que havia estabelecido com os autores (resp. ao quesito 4) e.
9) Tal rescisão foi feita, sem que primeiro a Re tivesse instaurado contra os autores processos diciplinares com vista ao apuramento de justa causa de despedimento (alinea E da especificação).
10) E não pagou aos autores as quantias por estas auferidas e reclamadas nos artigos 16 a 18 e 23 estes da petição inicial.
II - O Direito:
O unico problema que vem posto no recurso consiste em saber se o contrato de trabalho existente entre os autores e a Re tinham a natureza de contrato de trabalho ou de prestação de serviço.
O contrato de trabalho, como vem referido no artigo 1 do Regime Juridico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n. 49408 "e aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta".
Definição esta que foi reproduzida no artigo 1152 do Codigo Civil vigente.
Tem-se entendido que são dois os elementos essencialmente constitutivos do contrato de trabalho: a) a subordinação economica, e, b) a subordinação juridica.
O primeiro elemento consiste no facto de o trabalhador receber certa retribuição do dador de trabalho.
Para que se verifique o segundo e necessario que na prestação da sua actividade, o trabalhador esteja sob as ordens, direcção e fiscalização do dador do trabalho.
O Dr. Abilio Neto, na sua lição sobre "O contrato de trabalho", Suplemento do Boletim do Ministerio da Justiça a pag. 170, escreve:
A subordinação juridica consiste na relação de dependencia em que o trabalhador se coloca, por força da celebração do contrato ficando sujeito nas prestações da sua actividade, as ordens, fiscalização e direcção do dador de trabalho, dentro dos limites do contrato e das normas que a regem. Ainda sobre este elemento escreveu o Dr. Barros Moura, em "Introdução ao Direito do Trabalho" pag. 26. "O trabalho e prestado sob a autoridade e direcção do empregador".
Isto significa que este tem poderes para dar ordens, directivas, instruções, ao trabalhador sobre o trabalho. O empregador pode tomar disposições vinculativas para o trabalhador sobre o local, os meios e regras tecnicas, a ordem e o tempo da realização das tarefas.
Uma figura proxima ou afim deste contrato e a da prestação de serviços, definida no artigo 1154 do Codigo Civil como sendo "aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual com ou sem retribuição".
Reconhecem os autores que na pratica nem sempre e facil distinguir entre duas figuras (confer. Monteiro Fernandes em Noções Fundamentais do Direito do trabalho, e Mario Frota, Contrato de Trabalho pag. 60).
Mas em regra, tem-se entendido que e na existencia ou inexistencia do vinculo de subordinação juridica que se deve encontrar o traço dominante da distinção.
A este respeito escreveu o professor Galvão Teles no Boletim do Ministerio da Justiça n. 83 a pag.165:
"Promete-se no contrato de trabalho a actividade na sua raiz; como processo ou instrumento posto dentro dos limites mais ou menos largos a disposição da outra parte para a realização dos seus fins; não se promete este ou aquele efeito a alcançar, mediante o emprego de esforço, como a transformação ou o transporte de uma coisa".
E mais adiante acrescenta:
"Mas como se pode verdadeiramente saber se se promete o trabalho ou um seu resultado?
Todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele. O unico criterio legitimo esta em saber se a actividade e ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ele aproveita, que dela e credora".
Na jurisprudencia tem-se entendido que são dois os elementos fundamentais do contrato de trabalho:
Um vinculo de subordinação economica (actividade remunerada); b) Um vinculo de subordinação juridica (autoridade e direcção de pessoas a quem a actividade e prestada).
Este vinculo - subordinação juridica - resulta da circunstancia de o trabalhador se encontrar submetido a autoridade e direcção do empregador, que lhe da ordens, enquanto que na prestação de serviços não se verifica tal subordinação considerando-se apenas o resultado das actividades.
Isto sem prejuizo de neste ultimo poder haver ordens ou instruções, as quais se dirigem ao objecto do resultado e não a forma de o conseguir.
Por isso e que, em contrato de trabalho ha uma integração de actividades num empreendimento dirigido pelo dador de trabalho, enquanto que na prestação de serviços, o prestador mantem-se autonomo face a organização (acordãos deste Supremo Tribunal de 14-11-86, 22-4-88 e 26-6-89, respectivamente no Boletim do Ministerio da Justiça; 361 - 410, Acordãos Doutrinais n.319 - 1004, e o ultimo proferido no recurso n.
2151; AJ 1 volume - 21).
Expostos estes principios, recordemos o caso dos autos.
Os autores foram contratados pela Re, para como medicos, procederem aos exames clinicos dos trabalhadores portugueses e seus familiares que pretendem emigrar para França. Pelo exercicio de tal actividade profissional os autores eram remunerados a hora, embora so fossem pagos no fim de cada mes, procedendo a Re nos respectivos quantitativos aos descontos para a previdencia.
Estavam sujeitos a um horario de trabalho diario de segunda a sexta - feira, e so da parte da manhã no sabado.
Durante esse horario tinham que permanecer no seu local de trabalho mesmo que não houvesse pessoas para examinar.
E no cumprimento das suas prestações estavam subordinados a direcção e fiscalização da Re.
Face a estes dados de facto não podem subsistir duvidas sobre a qualificação como de trabalho, do contrato que a Re celebrara com os autores.
Na verdade, do descritivo apontado, resulta que a relação laboral entre estes e aquela era dominada por aqueles dois traços caracteristicos do contrato de trabalho: a dependencia economica dos autores em relação a Re que os remunerava, não em função do numero de exames que faziam, mas em função do seu horario de trabalho; e da subordinação juridica pois estavam sujeitos na execução da sua actividade a direcção e fiscalização da Re.
Fica, assim fora de causa a hipotese de tal contrato assumir a natureza da prestação de serviços, como a Re tem vindo a pretender.
Improcede, pois o recurso.
III - Decisão:
Nos termos expostos decidem negar a Revista, confirmando o acordão recorrido.
As custas ficam a cargo da Re.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 1991.
Jaime de Oliveira;
Prazeres Pais;
Castelo Paulo.