Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S4749
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
PRATICANTE DESPORTIVO
FUTEBOLISTA
TRABALHO DE CURTA DURAÇÃO
Nº do Documento: SJ20083004047494
Data do Acordão: 04/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - As disposições insertas na Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio, cuja vigência se operou no sequente dia 13, só são aplicáveis aos acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais surgidos após a sua entrada em vigor.
II - Anteriormente, no domínio da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que aquela regulamentou, não se surpreendia qualquer disposição que, relativamente às incapacidades permanentes – sejam elas parciais ou absolutas (e estas, quer para o trabalho habitual, quer para todo e qualquer tipo de trabalho) -, impusesse qualquer ponderação quando em causa se postavam situações a que, comummente, se dá o epíteto de «profissões de desgaste rápido».
III - Por isso, em tais situações, como é o caso de um futebolista, aplicava-se o regime legal atinente às incapacidades permanentes de modo idêntico a quaisquer outros casos em que se verificasse um evento subsumível ao conceito de acidente de trabalho (definido no art. 6.º da Lei n.º 100/97 e no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 143/99) e respectivas consequências.
IV - O escopo da previsão das pensões nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer tipo de trabalho ou para o trabalho habitual, não se confina unicamente a «compensar» a concreta perda de incapacidade de ganho advinda do sinistrado, mas sim de incapacidade de trabalho, o que poderá causar outros danos que não só necessariamente decorrentes dessa incapacidade.
V - As «profissões de desgaste rápido» não se inserem na previsão constante das alíneas a) ou b) do n.º 1 do art. 8.º da Lei n.º 100/97 (que funcionam para retirar do âmbito aplicativo do diploma as situações aí contempladas), ao nelas se fazer reporte a serviços «de curta duração» e execução «de trabalhos de curta duração», pois que a primeira exige a prestação de serviços eventuais ou ocasionais a pessoas singulares em actividades que não têm por objecto exploração lucrativa, e a segunda pressupõe que a entidade a quem for prestado o serviço trabalhe habitualmente só ou com membros da sua família, chamando, para a auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores.
VI- Em conformidade com o descrito nas proposições anteriores, deverá efectuar-se nos termos previstos no art. 17.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97, o cálculo das prestações por incapacidade, decorrentes de um acidente de trabalho sofrido por um futebolista profissional, em 24 de Setembro de 2002, que lhe provocou lesões determinantes de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com incapacidade permanente parcial de 5% a partir de 30 de Junho de 2003.
Decisão Texto Integral:
I


1. No Tribunal do Trabalho de Cascais instaurou AA contra Futebol Clube Estrela da Amadora e Companhia de Seguros BB, S.A., processo especial emergente de acidente de trabalho solicitando a condenação da “” (sic) a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia que resultar da remuneração que auferia à data do acidente e da incapacidade que lhe vier a ser atribuída, calculada de harmonia com as disposições legais e contratuais aplicáveis”.

Aduziu, para tanto, que, tendo, em 1 de Julho de 2002, celebrado com a primeira ré – a qual tinha, mediante contrato de seguro, transferido para a segunda ré o pagamento das quantias que lhe fossem exigíveis, como entidade patronal, a título de responsabilidade por acidentes de trabalho – um contrato de trabalho desportivo por via do qual auferia € 5.000 mensais, em dez prestações, no montante global de € 50.000 (presume-se que quisesse referir «montante global anual»), em 24 de Setembro de 2002, no decurso de um treino, ao tentar interceptar uma bola com a mão, fez um movimento rápido de torção, do qual lhe proveio uma hérnia discal, tendo-lhe o perito médico do tribunal diagnosticado, por essa lesão, uma incapacidade permanente parcial de 7,5%.

Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 17 de Janeiro de 2007, a ser proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a ré seguradora a pagar ao autor a pensão anual de € 25.500,02, com início em 1 de Julho de 2003 e devida até este atingir os 35 anos de idade, além de € 4.176, a título de subsídio por elevada incapacidade.

De tal sentença solicitou o autor a respectiva rectificação, arguindo, do mesmo passo, a nulidade da mesma, interpondo recurso de apelação, caso não viesse a ser operada a peticionada rectificação.

Por despacho lavrado em 21 de Março de 2007 pelo Juiz do Tribunal do Trabalho de Cascais, foi a sentença rectificada no sentido de da mesma dever constar que a pensão em causa era uma pensão anual e vitalícia, eliminando-se a asserção segundo a qual a pensão era «devida até o sinistrado atingir os 35 anos de idade».

Deste despacho recorreu a seguradora para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando, em síntese, que não era possível aplicar aos casos de profissões de desgaste rápido as fórmulas de cálculo das pensões estabelecidas na Lei nº 100/97, de 13 de Setembro.

Tendo este Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 17 de Outubro de 2007, negado provimento à apelação da seguradora, pediu esta revista.


3. Rematou a seguradora a alegação adrede produzida com o seguinte quadro conclusivo: –

1) A indemnização atribuída por acidente de trabalho deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa e seja susceptível de garantir durante esta as prestações periódicas correspondentes à perda de ganho.
2) O sinistrado enquanto futebolista profissional não manterá a sua profissão para além dos 35 anos.
3) Não há ganho específico desta profissão de futebolista (a habitual) para além dos 35 anos, pelo que não há perda nem de vencimento nem da capacidade de ganho, razão pela qual não pode também haver direito a pensão por incapacidade para o trabalho habitual de futebolista quando a pensão é fixada após os 35 anos.
4) Assim, e a partir dos 35 anos o sinistrado só tem direito a uma pensão calculada com base em 5% de Incapacidade Parcial Permanente e não em 5% com Incapacidade para Trabalho Habitual.
5) O douto ac[ó]rdão violou o contrato de seguro e o protocolo estabelecido entre a Apelante e a Desporto Seguros – Mediadora dos Clubes Portugueses e seus Associados.
6) O douto ac[ó]rdão violou ainda o princípio geral que rege o nosso ordenamento jurídico de que ninguém pode obter benefício de um sinistro;
7) Caso assim não se entenda, a partir dos 35 anos o cálculo da retribuição máxima tem de ser feito nos termos do disposto no artº 2º nº 2 alínea b) das Condições Gerais da apólice isto é, (SMN X 8 X 14). O limite máximo da remuneração auferida pelo sinistrado deve ser fixado em € 38.977,12 euros (348,01 x 8 x 14);
8) Nos termos do artº 17º nº 1 b) para cálculo da IPTH a pensão anual após os 35 anos é de 50%, isto é 38.977,12 x 50% = 19.488,56 pensão anual após os 35 anos.
9) A douta sentença ao efectuar o cálculo do salário como fez violou o estabelecido no artº 2º nº 5 al b) ii) das C. Gerais da apólice.
10) Assim e sendo certo que a Lei nº 8/2003 não se aplica ao caso concreto, a limitação de responsabilidade resulta do contrato de seguro celebrado entre a Apelante e a entidade patronal do sinistrado. O contrato de seguro foi ainda celebrado no âmbito do protocolo celebrado entre a Desporto Seguro – Mediadora dos Clubes Portugueses e seus Associados e a seguradora ora Apelante.
11) Neste Protocolo encontra-se consignado em matérias dos acidentes de trabalho dos jogadores profissionais que ‘em caso de incapacidade permanente, e para efeitos do cálculo da pensão respectiva será considerada a grelha de comutação apensa ao protocolo e o limite máximo de 8 salários mínimos (após 35 anos). O Clube limitou-se a transferir para a Apelante seguradora a sua responsabilidade pelas indemnizações tendo como limite 14 vezes o montante correspondente a oito vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da alteração da pensão, após a data referida na alínea anterior.
12) Esta é uma situação em tudo idêntica ás frequentemente verificadas, em que as entidades patronais transferem para as seguradoras apenas parte do salário dos seus trabalhadores (vj. Art 37 da LAT). Neste artº 37 nº 3 prevê-se expressamente que quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição respondendo a empregadora pela diferença.
13) Assim, a seguradora cobra um prémio em função da responsabilidade transferida e estabelecida contratualmente. É certo que o trabalhador é terceiro mas não pode a Apelante ser condenada pelo pagamento de indemnizações sobre montantes de salário que não foram transferid[o]s para a sua esfera jurídica e pela qual não existiu qualquer contrapartida contratual – concretamente – o pagamento de prémio.
14) Assim, se eventualmente se viesse a entender [ ] serem devidas ao trabalhador sinistrado outras indemnizações que não as estabelecidas no contrato de seguro, estas deverão ser integralmente pagas pela entidade patronal que não transferiu para a Apelante essa responsabilidade.
15) O Acórdão recorrido violou o artº 405º do C. Civil.
16) O douto acórdão violou o artº 17º da Lei nº 100/9[7] que estabelece que ‘se do acidente resultar incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, o sinistrado tem direito a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.’
17) O douto acórdão violou o estabelecido no artº 37º nº 3 da Lei nº 100/97.

Respondeu o autor à alegação da ré seguradora propugnando pela improcedência do recurso.

A Ex.ma Representante do Ministério Público neste Supremo exarou douto «parecer» – que, notificado às partes, sobre ele não efectuaram qualquer pronúncia – no qual propugnou pela improcedência da revista.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

III


1. Sem impugnação, vem, pelas instâncias, dada por apurada a matéria de facto adiante enunciada, à qual este Supremo tem de se ater, por isso que se não lobriga a existência de situações inseríveis no nº 2 do artº 722º e nos números 2 e 3 do artº 729º, um e outro do Código de Processo Civil: –

– a) o autor, quando, em 24 de Setembro de 2002, trabalhando sob as ordens, direcção e fiscalização de Clube de Futebol Estrela da Amadora e exercendo as funções de futebolista, se encontrava a efectuar um treino no Estádio José Gomes, na Reboleira, Amadora, ao tentar interceptar a bola com a sua mão direita, fez um movimento rápido de torção para o seu lado esquerdo;
– b) o que lhe provocou lesões determinantes de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com incapacidade permanente parcial de 5% a partir de 30 de Junho de 2003;
– c) [o autor] auferia, na data referida em a), a retribuição anual de € 4.166,67 vezes 12 meses;
– d) o Clube de Futebol Estrela da Amadora celebrou com a ré seguradora um contrato de seguro de acidente de trabalho titulado pela apólice nº 20/5.332.879, conforme documentos de fls. 46 a 53 dos autos;
– e) para efeitos desse seguro, o Clube de Futebol Estrela da Amadora comunicou por escrito à ré seguradora que pagava ao autor a retribuição anual de € 50.000;
– f) na diligência tendente à conciliação [cujo auto consta de fls. 85 e 86 dos autos] a ré seguradora declarou que “aceita o acidente dos autos como de trabalho, bem como o nexo de causalidade entre este[ ] e as lesões, aceita o salário do sinistrado que se encontra transferido (…) no montante de Euros 4.167,67 x 12 meses e não concorda com o resultado do exame médico, uma vez que os seus respectivos serviços clínicos consideram o sinistrado como curado sem desvalorização”.


2. O acórdão impugnado, para alcançar o seu juízo de improvimento da apelação interposta para o Tribunal da Relação de Lisboa pela ré seguradora, carreou a seguinte fundamentação: –

“(…)
O direito:
Questionando o montante da pensão (€ 25.500,02) fixado pela sentença e resultante da aplicação do artº 17º, nº 1, al. b), de Lei nº 100/97, e 13/9 (LAT), a apelante vem aduzir dois tipos de argumentos:
– o primeiro de que não é possível aplicar as fórmulas de cálculo das pensões da LAT aos casos de profissões de desgaste rápido, como é a situação do sinistrado (futebolista), não havendo direito à pensão por incapacidade para o trabalho habitual para um futebolista após os 35 anos;
– mesmo que assim se não entenda, deverá aplicar-se a fórmula do artº 5º, al. b), ii) da apólice de seguro, devendo a pensão ser calculada de harmonia com a retribuição de 14 vezes o montante correspondente a 8 vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da fixação da pensão.
Parece-nos evidente a falta de razão da apelante.
Recorde-se que, na sentença, a Srª Juíza começou por atribuir ao sinistrado uma pensão anual de € 25.500,02, ‘devida até o sinistrado atingir os 35 anos de idade’.
Após a arguição de nulidade e interposição de recurso por parte do sinistrado, a Sr.ª Juíza veio a proferir o despacho de fls. 259, reformando a sentença no sentido da eliminação daquela expressão, e por considerar não aplicável ao acidente dos autos a Lei nº 8/2003, de 12/5.
O que motivou a apelação da seguradora, sendo esta a única objecto de apreciação no presente acórdão, já que esse despacho de reforma veio retirar qualquer conteúdo à apelação do sinistrado.
E no seu recurso, a seguradora não põe em questão a não aplicabilidade da citada Lei nº 8/2003.
Que efectivamente não logra aplicação ao acidente dos autos, que ocorreu em 24/9/2002.
Tal diploma veio estabelecer um ‘regime específico relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais’ – artº 1º.
Estipulando-se, no seu artº 2.º, nº 1, que:
1 - Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte morte ou incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, têm como limite global máximo o valor de 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da fixação da pensão.
2 - Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou uma incapacidade permanente parcial, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, obedecem aos seguintes limites máximos:
a) 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da fixação da pensão, até à data em que o praticante desportivo profissional complete 35 anos de idade;
b) 14 vezes o montante correspondente a oito vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da alteração da pensão, após a data referida na alínea anterior’.

Ou seja, estatuiu-se, em relação aos praticantes desportivos profissionais, uma lei especial, a qual, e em comparação com a lei geral de reparação dos acidentes de trabalho, contém diferentes formas de cálculo das pensões e, para os casos de incapacidade para o trabalho habitual ou incapacidade permanente parcial, um limite temporal para o recebimento dessas pensões, coincidente com a data em que o beneficiário atingir os 35 anos de idade. Limitação esta a que não foi alheia a consideração de que se tratam de profissões cuja vida activa é significativamente inferior à média.
Não se deixando, no seu artº 6º, de prever a aplicação subsidiária de Lei 100/97, ‘bem como toda a legislação regulamentar, em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente lei’.
Acontece, porém, que antes da entrada em vigor dessa Lei 8/2003 não existia qualquer legislação especial de conteúdo idêntico, que afastasse a aplicação da lei geral de reparação dos acidentes de trabalho, contida na LAT e respectivo regulamento (DL 143/99).
E embora ao legislador, quando estabeleceu as formas de cálculo do artº 17º bem como as tabelas legais, não tenha sido estranho o critério da consideração da vida activa expectável do trabalhador, e se reconheça razão à apelante quando invoca que a perda de capacidade de ganho/rendimento do futebolista se situa muito antes dos 65 anos, o que é certo é que não existia qualquer disposição legal que, anteriormente a essa lei 8/2003, afastasse, em relação aos praticantes desportivos profissionais, a aplicação da lei geral.
Sendo irrelevantes, para este efeito e em momento anterior à entrada em vigor dessa Lei 8/2003, o invocado, pela apelante, clausulado no CCCT entre a Liga Portuguesa de Futebol e o Sindicatos dos Jogadores Profissionais de Futebol e na apólice de seguro, dado o princípio da irrenunciabilidade e inalienabilidade das prestações estabelecidas pela LAT- artºs 34º e 35ª.
Sendo o artº 34º bem claro ao dispor que:
1. É nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidos nesta lei ou com eles incompatível.
2. São igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos nesta lei’.
Assim, importa concluir pelo direito do sinistrado à pensão que lhe foi fixada na primeira instância, sem qualquer limitação relacionada com a sua idade ou decorrente da consideração de uma menor retribuição.
Pensão da inteira responsabilidade da Ré /recorrente, já que a entidade patronal do sinistrado para ela havia transferido a sua responsabilidade por responsabilidade infortunística pela totalidade da retribuição (fls. 62), o que, aliás, por ela, seguradora, foi aceite na tentativa de conciliação (fls. 86), não mais podendo [ ] tal aspecto ser posto em causa (o que, aliás, a seguradora não fez nas conclusões da sua alegação de recurso).
(…)”


Na revista ora em apreço continua a impugnante a brandir com a argumentação que já aduzira aquando da apelação, no sentido de, devendo a indemnização por acidente de trabalho representar um capital que se extinga no fim de vida activa do sinistrado e susceptível de proporcionar a este prestações periódicas correspondentes à perda de ganho, tratando-se, no caso, de um futebolista cuja profissão se não manteria para além dos 35 anos de idade, a partir dessa idade não haveria perda de vencimento pelo exercício dessa profissão, razão pela qual a pensão, que até aí se fixou tendo em conta a incapacidade parcial absoluta para o trabalho habitual, deixaria de ser devida em função desta incapacidade, passando a ter por referência tão só a incapacidade parcial permanente de 5%.

Em segunda linha, na eventualidade de assim se não entender, colige a recorrente uma corte de razões de harmonia com as quais a sua responsabilidade, advinda do contrato de seguro outorgado entre ela e a entidade patronal do sinistrado – contrato esse celebrado no âmbito de um protocolo estabelecido entre a Desporto Seguro, mediadora dos clubes portugueses e seus associados e a mesma impugnante, protocolo em que se consignou que, em matéria de acidentes de trabalho dos jogadores profissionais, em caso de incapacidade permanente, para efeitos de cálculo de pensão, é considerada a grelha de comutação apensa a tal protocolo, tendo, como limite máximo, após os 35 anos do sinistrado, oito salários mínimos –, haveria de confinar-se ao quantitativo que a referida entidade patronal «transferiu» para a seguradora, ou seja, catorze vezes o montante correspondente a oito vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem; e isso porque, continua a recorrente, um tal circunstancialismo é em tudo idêntico ao que decorre das situações em que as entidades patronais «transferem» para as seguradoras apenas parte do salário dos seus trabalhadores.

Estas, pois, as questões que cumpre enfrentar.


3. Tendo o evento de que curam os autos ocorrido em 24 de Setembro de 2002, ao mesmo é aplicável o disposto na já citada Lei nº 100/97, sendo que, não obstante o autor, aquando daquela ocorrência, exercer, sob as ordens, direcção e fiscalização da primeira ré, as funções de futebolista, não são convocáveis, para a situação em espécie, as disposições insertas na Lei nº 8/2003, de 12 de Maio, cuja vigência se operou no sequente dia 13 e que só é aplicável aos acidentes surgidos após a sua entrada em vigor (cfr. artº 7º deste último corpo normativo).

Ora, no domínio daquela Lei nº 100/97 e do Decreto-Lei nº 143/99, que a primeira regulamentou, não se surpreendia qualquer disposição que, relativamente às incapacidades permanentes – sejam elas parciais ou absolutas (e estas, quer para o trabalho habitual, quer para todo e qualquer tipo de trabalho) –, impusesse qualquer ponderação quando em causa se postavam situações a que, comummente, se dá o epíteto de «profissões de desgaste rápido». Vale por dizer que, mesmo referentemente a tais situações, se aplicava o regime legal atinente às incapacidades permanentes de modo idêntico a quaisquer outros casos em que se verificasse um evento subsumível ao conceito de acidente de trabalho (definido no artº 6º da Lei nº 100/97 e no artº 6º do Decreto-Lei nº 143/99) e respectivas consequências, sendo de anotar que as exclusões constantes das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 8º da mencionada Lei (que, de todo o modo, funcionam para retirar do âmbito aplicativo do diploma as situações aí contempladas), ao nelas se fazer reporte a serviços «de curta duração» e execução «de trabalhos de curta duração», não podem inserir na respectiva previsão as indicadas situações, pois que a primeira exige a prestação de serviços eventuais ou ocasionais a pessoas singulares em actividades que não têm por objecto exploração lucrativa, e a segunda pressupõe que a entidade a quem for prestado o serviço trabalhe habitualmente só ou com membros da sua família, chamando, para a auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores.

Porventura por isso entendeu o legislador que, perante uma tal falta de previsão no ordenamento jurídico, se impunha adoptar as soluções normativas que vieram a ficar consagradas na Lei nº 8/2003 que, como se viu, não é aplicável ao caso em análise, como, aliás, reconhece a recorrente.

A mesma impugnante, porém, aduz, como se disse já, um argumento que consiste, essencialmente, na consideração de que não é possível sustentar-se a aplicação às situações das denominadas profissões de «desgaste rápido», como é o caso de um futebolista, as fórmulas previstas na Lei dos Acidentes de Trabalho; e isso porque, atenta as características inerentes a tais profissões e, designadamente, à profissão de futebolista, não se poderá falar numa incapacidade absoluta para o trabalho habitual para além dos 35 anos de idade do sinistrado, que é a idade que, uma vez atingida, vai, em regra, redundar numa impossibilidade para o respectivo exercício. Na continuação do raciocínio por si expendido, invoca a recorrente que, devendo representar a indemnização pelo acidente de trabalho um capital que se extinga ao fim da vida activa do acidentado e que é susceptível de garantir, durante esta, prestações periódicas correspondentes à perda da capacidade de ganho, não se poderia dizer que, após os 35 anos, haveria perda de capacidade de ganho do autor na qualidade de futebolista, motivo pelo qual a indemnização por essa perda só deveria computar-se até essa faixa etária, vindo o ressarcimento, a partir daí, a ter por referência, tão só, a incapacidade parcial permanente (a existir, como se depara óbvio).

Relativamente ao primeiro passo daquele raciocínio, vimos já que se não encontra, no quadro normativo vigente aplicável à situação em apreciação, qualquer suporte permissor do afastamento das regras reguladoras do direito à reparação quando se colocasse em causa as denominadas profissões de «desgaste rápido».

É certo que o artº 10º da Lei nº 100/97, ao enumerar taxativamente o que deve ser compreendido no direito à reparação pelos acidentes de trabalho, alude, na alínea b) do seu artº 10º, a uma forma de reparação que consiste, justamente, na indemnização em capital «correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente». Fá-lo, todavia, remetendo para os termos que vierem a ser regulamentados.

De outro lado, na alínea b) do nº 1 do artº 17º da mesma Lei comanda-se que se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado, este terá direito, na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível … .

Como doutrina Carlos Alegre (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, 76), as “prestações em dinheiro podem assumir a forma de pensões, indemnizações, subsídios ou pagamentos de despesas”, contando-se, de entre elas, “a indemnização em capital, a que a lei, impropriamente, noutras normas, continua a chamar de remissão obrigatória de pensão” e “a pensão vitalícia à vítima, que pode ser – por incapacidade permanente absoluta – por incapacidade permanente parcial”, advertindo – após considerar que o princípio que enforma a razão das prestações pecuniárias é, a par daquele segundo o qual a vítima de um acidente de trabalho não deve despender o que quer que seja com as despesas do seu tratamento e recuperação para a vida activa, igualmente o de indemnizá-la em função do seu nível salarial, de forma a que, economicamente, não saia prejudicado por causa do acidente – que as “prestações em dinheiro, porém, quer assumam a forma de indemnização ou a de pensão, não reparam integralmente o prejuízo sofrido pelo sinistrado, tendo, tão somente, um carácter compensatório, como se analisa o efectivo cálculo das prestações”.

E, ao comentar o já indicado artº 17º da Lei nº 100/97, refere, em dados passos: –

“(…)
Ou dito de outra forma: enquanto a regulamentação das prestações em espécie tem como fim primordial o restabelecimento do estado de saúde e a consequente reposição da capacidade de trabalho ou ganho da vítima, a regulação das prestações em dinheiro, partindo do pressuposto de que nem sempre o restabelecimento do estado de saúde é completo, de forma a assegurar uma completa reposição da capacidade de trabalho ou de ganho, prevê a atribuição de prestações pecuniárias adequadas a atingir este último desiderato. Isto só acontece, portanto, enquanto ou sempre que não existe uma completa cura clínica e se cria uma situação de incapacidade para o sinistrado.
(…)
O artigo 17.º prevê, agora, seis tipos de situações de incapacidade, numa gradação que vai desde a situação mais grave de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, até à incapacidade temporária parcial, sendo que as duas primeiras correspondem a uma incapacidade de trabalho e as quatro restantes a uma incapacidade de ganho normal.
O artigo fornece os parâmetros gerais a que deve obedecer o cálculo das pensões e indemnizações, nas várias situações, remetendo para normas regulamentares em alguns casos.
Deve dizer-se, antes do mais, que o legislador, seguindo a tradição do anterior, reservou a designação indemnização para as prestações destinadas à reparação das incapacidades temporárias absolutas ou parciais e as designações pensão vitalícia para os três tipos de incapacidade permanente, pensão aos familiares, para os casos de morte e indemnização em capital, para as impropriamente chamadas remições obrigatórias de pensões e acrescentou um novo subsídio de carácter permanente, que se soma a algumas pensões, para situações de elevada incapacidade.
(…)
4 – O regime legal das pensões – No sentido que aqui interessa, a pensão é uma renda anual, paga vitaliciamente, periodicamente, em regimes de duodécimos. A lei dos acidentes de trabalho distingue as pensões das indemnizações, exactamente porque estas últimas não têm carácter vitalício, pagas unitariamente, embora, em muitos casos, possam ser pagas periodicamente. Ambas têm em vista satisfazer os prejuízos resultantes de um dano físico, mas as pensões de forma vitalícia ou permanente e as indemnizações de forma pontual.
(…)”


Ao se pesquisarem os termos que vierem a ser regulamentados a que alude o artº 10º da Lei nº 100/97, ter-se-á de ponderar no respectivo diploma regulamentador que, como já se referiu, é o Decreto-Lei nº 143/99.

Na Secção II do seu Capítulo II, este corpo de normas regulamentares, ao curar das Prestações em dinheiro, veio a dispor unicamente no artº 43º que as «pensões respeitantes a incapacidades permanentes são fixadas em montante anual» (nº 1) e que as «indemnizações por incapacidades temporárias são pagas em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados».

Estamos, assim, de acordo com o autor que acima se citou, quando o mesmo ensina que o legislador do regime jurídico de acidentes de trabalho aplicável ao caso em análise, distinguiu, nas prestações em dinheiro, as situações em que a reparação deve operar pela via da conferência de uma pensão vitalícia – situações de incapacidade permanente, seja absoluta para qualquer tipo de trabalho, seja absoluta para o trabalho habitual, seja, por fim, parcial, igual ou superior a 30% – ou de um capital indemnizatório – para as outras situações de incapacidade parcial permanente inferior a 30%, incapacidade temporária absoluta e incapacidade temporária parcial (não relevam, aqui, os casos a que se reporta o artº 20º da Lei nº 100/97).

Neste contexto, não é possível afirmar, com a segurança com que o faz a impugnante, que, em qualquer caso em que sejam devidas pensões vitalícias, estas devem corresponder a um capital cujo rendimento assegure a perda da capacidade de ganho do sinistrado.

Aliás, um tal posicionamento olvida até a característica da perduração vitalícia que é apanágio das pensões em causa.

Efectivamente, a defender-se o ponto de vista da recorrente, em situações «comuns» (no sentido de nestas se não comportarem as profissões de «desgaste rápido») de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho e incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, seria incongruente que o legislador comandasse a perpetuidade das pensões para além da vida útil de trabalho dos sinistrados (a menos que, convimos, com isso desejasse «compensar» os réditos provenientes de uma situação de «reforma» que não foi possível serem alcançados dada a incapacidade sofrida).

Não se põe em causa que, tratando-se de profissões de «desgaste rápido», em que o respectivo desempenho inculca limites etários porventura em alguns casos muito inferiores ao surpreendido nas outras profissões, a incapacidade permanente absoluta para o seu exercício vai projectar-se num quantitativo prestacional que perdurará para além daqueles limites.

Simplesmente, essa é uma realidade que o legislador não contemplou até Maio de 2003 (e, após esse marco temporal, só veio contemplá-la relativamente aos praticantes desportivos profissionais – que, em tese, não serão os únicos a exercer uma profissão de «desgaste rápido»), não dispondo os órgãos aplicadores do direito de comandos legais que possam fundar uma, à primeira vista, disparidade de situações.

E referimos uma aparente disparidade de situações, pois que se entende que esse não contemplar, só por si, não significa ou redunda numa «injustiça» ou numa discriminação positiva dos sinistrados em tais situações.

O escopo da previsão das pensões nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer tipo de trabalho ou para o trabalho habitual, já o referimos, não se confina unicamente a «compensar» a concreta perda da incapacidade de ganho advinda do sinistro, mas sim da incapacidade de trabalho, que, naturalmente, vem causar outra sorte de danos que não só necessariamente decorrentes dessa incapacidade.

Acresce a tudo isto que não houve, no caso ora em apreciação, qualquer «reclassificação» do autor ou, sequer, foram alegados ou provados elementos de onde se extraia que, não obstante a sua incapacidade absoluta para o exercício da profissão de futebolista, o mesmo veio a desempenhar qualquer outra função da qual desfrutasse réditos que, ao menos em abstracto, «minimizassem» ou, de algum modo, «compensassem» a perda da capacidade de ganho advinda daquela incapacidade.

Não procede, desta arte, o fundamento utilizado pela recorrente e que foi objecto de tratamento neste ponto.


4. Como se disse acima, a impugnante vem ainda a fundamentar a sua pretensão recursiva utilizando um raciocínio segundo o qual, tendo em atenção o contrato de seguro celebrado entre ela e a entidade patronal do autor, no cálculo da retribuição máxima que deveria ser conferido a este, após os seus 35 anos de idade, seria de atender ao que se estipulou na alínea b) do º 2 do artº 2º das Condições Gerais da apólice de seguro, ou seja, oito vezes o salário mínimo nacional vezes catorze meses (o que redunda num valor de € 38.977,12), pelo que, atenta a percentagem de 50% aludida na alínea b) do nº 1 do artº 17º da Lei nº 100/97, a pensão anual em causa deveria ser fixada em € 19.488,56.

Resulta da matéria de facto assente que entre o Futebol Clube Estrela da Amadora e a impugnante foi celebrado um contrato de seguro, titulado pela apólice nº 20/5.332.879, contrato esse segundo o qual foi «transferida» para a segunda a responsabilidade pelo pagamento dos quantitativos devidos por acidentes de trabalho sofridos por jogadores de futebol profissional pertencentes àquele Clube, tendo este comunicado por escrito à seguradora que pagava ao autor a retribuição anual de € 50.000 (cfr. fls. 47 a 54 e 58 a 63).

Ora, dessa matéria e dos documentos juntos aos autos não se extrai que no contrato de seguro em causa tivessem sido observados os termos do invocado Protocolo que teria sido celebrado entre a Desporto Seguro – Mediadora dos Clubes Portugueses e seus Associados, e a recorrente.

Mas, como assinala o acórdão recorrido, ainda que isso tivesse ocorrido, em face do comando ínsito no artº 34º da Lei nº 100/97, as eventuais cláusulas que porventura limitassem os direitos ou garantias estabelecidos por aquele diploma haveriam que ser consideradas nulas, sendo certo que, ao tempo da ocorrência do evento, como acima se viu, os direitos (mínimos) que ao autor eram garantidos eram aqueles que se surpreendem na alínea b) do nº 1 do seu artº 17º e no nº 1 do artº 43º do Decreto-lei nº 143/99.

Improcede, por isso, também neste ponto, o recurso.


5. Por fim, socorre-se a impugnante de uma razão que, em sua óptica, haveria de conduzir à prolação de decisão diversa da tomada no acórdão em sindicância e que consiste em, tendo o concreto contrato de seguro obedecido aos termos do aludido «Protocolo», isso significaria que o Clube empregador se teria limitado a «transferir» para a seguradora a responsabilidade pelo pagamento de indemnizações que tinham como limite “14 vezes o montante correspondente a oito vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da alteração da pensão”, pelo que isso configurava uma situação em tudo idêntica àquelas em que as entidades empregadoras apenas «transferem» para as seguradoras parte do salário dos seus trabalhadores, motivo pelo qual haveria que ser lançada mão do prescrito no nº 3 do artº 37º da Lei nº 100/97.

No que concerne a esta adução, e sem prejuízo do que se deixou consignado no anterior ponto, tendo em linha de conta a factualidade provada, acompanhar-se-ão as judiciosas considerações formuladas pela Ex.ma Magistrada do Ministério Público quando refere que, tendo a entidade empregadora do autor «transferido» para a recorrente a sua responsabilidade infortunística pela totalidade da retribuição auferida pelo sinistrado, não tem qualquer fundamento a argumentação agora expendida.

Assim é, na verdade, já que, como se alcança de fls. 62 [e, bem assim, da matéria de facto acima enunciada em III 1. e)], não nos dão os autos qualquer notícia de que houvera, de banda do Futebol Clube Estrela da Amadora, uma actuação de onde decorra que a retribuição declarada do autor, para efeitos de prémio do seguro, foi inferior à real.

IV


Em face do que se deixa exposto, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de Abril de 2008

Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto