Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
044385
Nº Convencional: JSTJ00020890
Relator: LOPES PINTO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
MATÉRIA DE DIREITO
RENOVAÇÃO DE PROVA
ADMISSIBILIDADE
NOVO JULGAMENTO
CASO JULGADO PENAL
ÂMBITO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
PROVA DOCUMENTAL
PROVA PLENA
FALSIDADE MATERIAL
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
REENVIO DO PROCESSO
Nº do Documento: SJ199504270443853
Data do Acordão: 04/27/1995
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJSTJ 1995 ANOIII TI PAG244
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP87 ARTIGO 4 ARTIGO 124 N1 ARTIGO 126 ARTIGO 127 ARTIGO 135 ARTIGO 169 ARTIGO 170 ARTIGO 340 N1 ARTIGO 355 N1 ARTIGO 410 N2 C N3 ARTIGO 433 ARTIGO 436.
DL 78/87 DE 1987/02/17 ARTIGO 2 N1.
CPP29 ARTIGO 148 ARTIGO 149 ARTIGO 150 ARTIGO 151 ARTIGO 154.
CPC67 ARTIGO 498 N2 ARTIGO 514 N2 ARTIGO 673.
CONST89 ARTIGO 32 N1 N2.
CCIV66 ARTIGO 371 N1 ARTIGO 372 N2.
DL 84/84 DE 1984/03/20 ARTIGO 81.
Referências Internacionais: DECUDH ART11 N1.
CEDH ART6 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RC DE 1993/06/09 IN RLJ N66 PAG135.
ACÓRDÃO STJ PROC46803 DE 1994/11/30.
ACÓRDÃO RE DE 1992/01/07 IN CJ ANOXVII T1 PAG228.
ACÓRDÃO STJ PROC40255 DE 1989/11/29.
Sumário : I - O Código de Processo Penal vigente, contrariamente ao Código de Processo Penal de 1929, não disciplina o caso julgado penal, salvo no seu reflexo no pedido cível.
II - Na lei de processo civil, para efeitos de caso julgado só há que atender à parte decisória da sentença.
III - Consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.
IV - A lei processual penal não permite o incidente da falsidade, valendo a decisão relativa à falsidade apenas para o próprio processo.
V - A aplicação do princípio da verdade material não é absoluto, confinando as fronteiras dos princípios da parificação do posicionamento jurídico dos sujeitos da relação de processo penal e da igualdade material de "armas" no processo.
VI - A lei não prevê que no Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de último recurso, seja, alguma vez consentida a renovação da prova; como tribunal de revista apenas conhece de direito.
VII - Porque de revista alargada e verificada a existência de algum dos vícios apontados no n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal, o S.T.J. ordena a renovação da prova em outro tribunal, procedendo ao reenvio, ou anulando, por proceder nulidade que não deva considerar sanada e ordena a remessa do processo ao tribunal recorrido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Na Comarca de Esposende, sob a acusação do Ministério Público e com dedução de pedido cível pelo assistente A, foi julgado o arguido B, com os sinais dos autos, como autor material de um crime de burla na forma tentada previsto e punido pelos artigos 313-1, 22, 23 e 74, de um crime de falso testemunho previsto e punido pelos artigos 402-1 e 407, e de um crime de denúncia caluniosa previsto e punido pelo artigo 408 n. 1, 2 e 3, todos do Código Penal.
Do acórdão do Tribunal Colectivo que absolveu o arguido da prática dos crimes por que vinha acusado e do pedido cível, interpuseram recurso o assistente e o Ministério Público.
Motivando, concluiu, em síntese e no essencial, aquele:
- na fundamentação da matéria de facto (provada e não provada), enunciou a decisão recorrida a sentença transitada de folhas 10-11 (processo comum 361/90, 1. secção, Tribunal Judicial de Esposende), documento autêntico cuja autenticidade e veracidade do seu conteúdo não foi posta em crise pelo que todos os factos materiais dela constantes se devem considerar provados neste processo onde se discutem os mesmos factos e situações, sob pena de existência de decisões contraditórias sobre a mesma questão;
- assim, para além dos factos dados como provados há ainda que considerar como provado que, quando o assistente procedeu ao pagamento dos cheques ao Doutor C, este não estava na sua posse mas, entregando o dinheiro ao arguido, logo o advertiu de que deveria proceder à devolução dos cheques, o que este não fez, resolvendo então preenchê-los com a data que deles consta e com o seu nome, apresentando-os depois a pagamento e, tendo-os, após a sua devolução, participado criminalmente;
- contêm os autos elementos de prova suficientes para julgar provada e procedente a acusação pelos crimes que ao arguido são imputados - a prática do crime de falsas declarações e de denúncia caluniosa resulta dos documentos de folhas 7 a 11, sendo que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido formulado de apensação a estes autos daquele processo 361/90, que com eles está inteira e decisivamente relacionado (as falsas declarações prestadas pelo arguido constam daquele e foi nele que o arguido praticou os factos que lhe são imputados e deram origem a estesautos);- o dever de sigilo profissional deve ceder perante o interesse público da administração da Justiça, pelo que o Tribunal a quo deveria ter diligenciado no sentido da obtenção do seu depoimento nomeadamente solicitando a dispensa da obrigação de sigilo;

- verifica-se erro notório na apreciação da prova e omissão de provas essenciais, pelo que deverá ser renovada a prova ou reenviado o processo para novo julgamento;
- provando-se a prática das condutas criminosas que ao arguido são imputadas, deve este indemnizar o assistente por todos os danos causados (danos morais sofridos com o processo - cujo demorou 15 meses - onde foi acusado, julgado e absolvido a compensar com a indemnização de 150000 escudos; despesa global de 101500 escudos já apurada; honorários do seu mandatário por via deste processo, ainda em montante não qualificável e a reclamar oportunamente em custas de parte ou a liquidar em execução de sentença);
- por errada interpretação e aplicação foram violados os artigos 124, 125, 169, 170 e 340 do Código de Processo Penal, artigos 313, 402-1, 407 alínea a) e 408 do Código Penal, e artigos 483, 484, 496, 562 e seguintes do Código Civil;
- para a hipótese de ser renovada a produção da prova, requer, nos termos do artigo 412-3 do Código de Processo Penal, a apensação do referido processo 361/90 (para prova dos factos dados não provados no presente processo), a audição do Senhor Doutor C (sobre essa mesma matéria), que previamente, se munirá de autorização da O.A. para dispensa da obrigação de sigilo profissional.
Motivando, concluiu o Ministério Público:
- da prova carreada para os autos, nomeadamente da sentença proferida naquele processo 361/90, constata-se que o tribunal recorrido não apreciou cabalmente a prova, existindo deste modo erro notório naquela apreciação o que fundamenta que o tribunal superior aprecie também a matéria de facto;
- os factos que constam como provados daquela decisão deviam tê-lo sido também nesta;
- esses factos são susceptíveis de comprovar a prática dos crimes imputados ao arguido, pelo que o acórdão recorrido deve ser substituído por outro que o condene pela prática de um crime de denúncia caluniosa e de falsas declarações.
Contramotivando, defende o arguido a confirmação do acórdão recorrido.


Colhidos os vistos.
Matéria de facto que o Colectivo deu como provada:
1) para garantia de dívida a Albino Boaventura Pires, pai do arguido, o assistente entregou àquele mesmo Albino os cheques n. 17578 sacado sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e 1664002126 sacado sobre a
Caixa Geral de Depósitos, constando dos mesmos apenas o montante de 200000 escudos (cada) e a assinatura do mesmo assistente;
2) em Maio de 1989, o Albino faleceu;
3) em Dezembro de 1989 e em Janeiro de 1990, o assistente fez chegar ao Doutor C - então encarregado pelos herdeiros do Albino de tratar dos assuntos relacionados com a herança deste - o montante de cheques;
4) em 16 de Fevereiro de 1990, o arguido acabou de preencher os cheques - apondo-lhe, nomeadamente, tal data de 16 de Fevereiro de 1990 - e em 22 seguinte apresentou-os a pagamento nas entidades sacadas;
5) devolvidos os mesmos por falta de provisão, o arguido fez a respectiva participação crime que seguiu a tramitação prevista na lei até julgamento, acto em que o ora assistente foi absolvido;
6) em virtude da pendência do processo e principalmente da submissão a julgamento, este sentiu um abalo psicológico algo intenso:


7) gastou, pelo menos, 5000 escudos em deslocações a tribunal e perdeu, pelo menos, 7500 escudos, de lucros que auferiria com o seu trabalho como agricultor durante o tempo que teve de vir a tribunal, tudo em virtude do referido processo;
8) pagou a um advogado para o defender em tal processo 54000 escudos e terá de lhe pagar os honorários relativamente a este processo hoje sob apreciação, em montante ainda não quantificável;
9) por causa deste mesmo processo gastou, pelo menos, 15000 escudos em deslocações;
10) pela constituição de assistente, pagou 20000 escudos;
11) o arguido é motorista profissional; de média condição social; nunca respondeu em juízo nem esteve preso.
Matéria de facto que o Colectivo deu como não-provada: a) que o Doutor Guerra tenha entregue o dinheiro que recebeu do assistente ao arguido; b) que este soubesse ou mesmo tenha admitido que os cheques já haviam sido pagos (nomeadamente que o Doutor C tal lhe tenha dito); c) que alguma vez ele tenha negado a entrega dos cheques ao assistente; d) que tenha pretendido receber algo para além das quantias referidas nos mesmos cheques; e) que o assistente tenha sofrido um abalo psicológico mais intenso que o referido (nomeadamente que tenha sofrido enorme vergonha, desespero ou depressão); f) que tenha visto o seu nome e crédito enxovalhados, tendo sido olhado como vigarista, aldrabão e caloteiro; g) que tenha passado a ter das referidas instituições bancárias desconfianças, desprestígio na obtenção de créditos ou ameaça de lhe vedarem o uso de cheques; h) que tenha passado várias refeições sem comer ou noites sem dormir; i) que o assunto tenha sido objecto de conhecimento público na freguesia dele, nomeadamente de conversas nos cafés e outros locais públicos; j) que o arguido seja sempre uma pessoa digna e honesta.
Fundamentação em que o Colectivo assentou a decisão sobre os factos provados e não-provados:
- "na versão apresentada pelo arguido;
- no depoimento do Doutor C - que se mostrou isento e totalmente digno de crédito - mas, por força do disposto no artigo 81 do Decreto-Lei n. 84/84, só reportado ao que mostrou conhecer sem ser em virtude da sua actividade profissional;


- nos documentos de folhas 7 a 11;
- no CRC de folha 49".
Identificação dos documentos de folhas 7 a 11:
- folha 7 - fotocópia da acusação do Ministério Público na Comarca de Esposende, contra o ora assistente pela prática de 2 crimes de emissão sem provisão previsto e punido pelo artigo 24-1 e 2 alínea c) do Decreto 13004, de 12 de Janeiro de 1927 (cheques por si assinados e entregues em 16 de Fevereiro de 1990, emitidos a favor do ora arguido, no valor de 200000 escudos, cada um, com os ns. 17578 e 1664002126 sobre a C.C.A.M. e C.G.D., que, apresentados a pagamento no dia 22 imediato, foram devolvidos por insuficiência de provisão);
- folha 8 - fotocópia do despacho de recebimento dessa acusação e de designação de dia para julgamento;
- folhas 9 a 11 - certidão (emanada do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, extraída do processo comum singular n. 361/90 - 1. Secção desse Tribunal) da sentença proferida nesse processo e seu trânsito em que o ora assistente foi submetido a julgamento sob a acusação do Ministério Público (a referida no documento de folha 7) tendo sido absolvido ("por não ter existido em qualquer momento o crime de emissão de cheque sem provisão, se julga a acusação totalmente improcedente e se absolve o arguido").
A este processo se referiu a acusação do Ministério Público neste processo e, de igual passo, a ele se quis referir o acórdão recorrido embora sem concretamente o identificar apenas a havendo por remissão para o documento, na forma antes referida.
Identificação do documento de folha 49 - certificado de registo criminal do arguido.
Decidindo:
1. O Código de Processo Penal de 1987, contrariamente ao C.P.P. de 1929, não disciplina o caso julgado penal salvo no seu reflexo no pedido cível. No que não for contrariado pelo processo penal ter-se-á de se procurar a sua regulamentação no processo civil (a terem-se como revogadas as disposições respectivas do C.P.P. de 1929 pela norma do artigo 2 1 do Decreto-Lei 78/87, de 17 de

Fevereiro, como pressupondo a revogação global desse C.P.P.; se, porém, se atentar no artigo 4 do C.P.P. de 1987, muito embora as normas se devam considerar revogadas, é legitimo fazê-las reviver não por si mas nos princípios que as informavam os quais mantêm uma plena actualidade).
Beleza dos Santos, anotando o acórdão da R.C. de 9 de Junho de 1933 (in R.L.J. 66/135 e seguintes), considerava como requisitos para que esta excepção se pudesse verificar simultaneamente a tripla identidade
(de objecto, de litigantes ainda que esta pudesse não ser perfeita e de fundamentos).
Esta excepção tem uma função negativa pois impede a renovação da apreciação judicial da mesma factualidade (Cavaleiro de Ferreira in Curso PP III/36 e seguintes e Eduardo Correia in Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, página 7).
Mas renovação em relação a quem? Tratando-se de caso julgado sobre questões prejudiciais, no seu reflexo no processo penal, ensinava Cavaleiro de Ferreira (op. cit. página 57) que não havia demarcação pelos limites subjectivos. Tratando-se de caso julgado penal, havia divergência em relação à comparticipação (C.P.P. de 1929 - 149 a 151) e daí a necessidade desses artigos 149 e 150 serem explícitos decidindo que se verificava a identidade, ainda que ao agente fosse atribuída comparticipação de diversa natureza, não sendo pois extensivo a terceiros (Cavaleiro Ferreira, op. cit. página 54). Tratando-se de sentença penal absolutória, além daquelas disposições, não se podia deixar de ter presente o artigo 154 (sobre este, além dos autores já citados, cfr. Figueiredo Dias in R.L.J. 107/123) pois que uma tal absolvição não podia resolver interesses diferentes.
Renovação da apreciação judicial da mesma factualidade (Cavaleiro de Ferreira e Eduardo Correia, embora tendo a identidade do facto como pressuposto do caso julgado material, concebiam-na diferentemente, aquele numa base naturalistica e este segundo um critério teleológico), ainda que o objecto do novo processo seja mais restrito do que o facto apreciado na anterior sentença transitada. Se absolutória por falta de tipicidade ou extinção da acção impede nova acção contra quem quer que fosse (in C.P.P. de 1929 - artigo 148).
Em processo civil (C.P.C. - 498, 2), a diversidade de posição processual não basta à identidade de sujeitos.
Em processo penal, é necessário atentar nela pois que se implicar o postergar o direito de defesa ou tão só a sua limitação, impede que se verifique este requisito do caso julgado.
Subjacente a toda esta problemática sempre o princípio que, de uma forma mais explícita se consagra no processo civil (C.P.C.- 673) - para efeitos de caso julgado só há que atender à parte decisória da sentença
(sobre a razão de ser do caso julgado, vd. por todos, Castro Mendes in Limites do Caso Julgado em Processo Civil e A. Varela in R.L.J 122/250).
Na medida em que estes limites do caso julgado se não verifiquem e em que faleça a correspondência com o seu conteúdo nada impede que em nova acção se discuta e dirima aquilo que na anterior não se definiu (vd.
Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, páginas 285-286).
2. Pretende-se que existe caso julgado e que, por força do mesmo, se tenham como provados factos daquele constantes e que no presente acórdão não foram tidos como tal.
Ali, o ora arguido Pires foi ouvido enquanto e como denunciante-ofendido, não o foi enquanto e como arguido. Nesta qualidade goza de um estatuto diferente onde lhe é reconhecido o direito de defesa na sua máxima latitude possível. Não se trata apenas de se dever assegurar o princípio do contraditório, mas de colocar na disponibilidade do arguido, em toda a extensão possível, o direito a organizar e assumir a defesa que melhor acautele os seus interesses (isto, sem prejuízo do interesse público que o Tribunal deve prosseguir em descobrir a verdade material).
Como contra ele não fora organizado o pertinente processo criminal o que não lhe permitia exercitar as garantias de defesa no meio processual e momento próprios (Const. - 32, 1; CEDH - 6, 1; DUDH - 11, 1) e na medida da presunção de inocência de que beneficia (Const. 32, 2) - e não estamos no domínio da prova vinculada que, pelas razões antes apontadas, se afiguraria ferido de inconstitucionalidade um preceito que aqui a estabelecesse -, vedado estava considerar, só com base naquela sentença transitada, a matéria de facto incriminatória do ora arguido. Fazê-lo ou tê-lo feito teria sido, de antemão, condenar uma pessoa não só cerceando-lhe o direito de defesa como fazer tábua raza do preceito que consagra a presunção de inocência até ao trânsito da sentença condenatória final.
Ainda um último aspecto em relação a este requisito de identidade - o ora arguido não poderia ser tomado, nem o foi, como participante; deve e tem que ser visto como terceiro e, porque tal, a eficácia do caso julgado penal absolutório apenas impõe que o ali arguido (hoje, assistente) não possa ser de novo perseguido criminalmente pelo mesmo facto.
Tão pouco se pode falar em identidade de facto quer numa base naturalistica quer num critério teleológico.
O ora assistente, ali arguido Neiva, foi então acusado e levado a julgamento pela prática de determinados factos traduzindo crimes de emissão de cheque sem provisão e o Tribunal concluiu que, na realidade, os não praticou, não teve dúvidas sobre isso e é nesta base de certeza de uma conclusão que o absolve. A identidade de factos seria de colocar em relação a um outro processo em que o mesmo arguido Neiva fosse denunciado ou mesmo acusado pela prática desses mesmos factos ainda que de uma forma mais restrita (identidade parcial).
Os factos que explicam e suportam essa conclusão, na medida em que não eram os imputados ao arguido (e aqui interessando a terceiro) não se pré-figuram em relação a estes últimos em relação de identidade.
Uma sentença que se lhes refira poderá servir de base a novo processo crime e/ou tão só como meio de prova. Não dispensa a instrução e será valorada nos termos do artigo 127 C.P.P..
Por fim, a parte decisória da sentença, coberta pela força do caso julgado (nem perante fundamentos lógico-jurídicos indispensáveis da parte decisória estamos e esses são abrangido também por aquela força e autoridade), teve um objecto diferente - apenas isso se deve ter como definitivamente assente e foi-o enunciado como provado (facto n. 5).
3. Um documento autêntico faz prova plena (CC - 371, 1) dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora. A sua força probatória só (C.C - 372, 1) pode ser ilidida com base na sua falsidade.
Consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa (C.P.P. - 169).
A lei processual penal não permite o incidente da falsidade (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 30 de Novembro de 1994, processo 46803) e contem uma disposição própria sobre a matéria (C.P.P. - 170), valendo a decisão relativa à falsidade apenas para o próprio processo (Maia Gonçalves in C.P.P. Anotado, 6. edição, página 301).
O documento onde se incorpora a aludida sentença penal
é autêntico mas daí não se pode retirar nem se retira maior força, relativamente ao conteúdo da própria sentença, do que esta mesma tem.
4. Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis (C.P.P. - 124, 1).
O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos - desde que legais (C.P.P. - 126) - os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (C.P.P. - 340, 1).
Como referiu este Supremo (acórdão in C.J. S.T.J. II/1/231), a aplicação do princípio da verdade material não é absoluta, confinando com as fronteiras dos princípios da parificação do posicionamento jurídico dos sujeitos da relação de processo penal e da igualdade material de "armas" no processo.
Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto consta do acórdão a versão apresentada pelo arguido, o depoimento do Doutor C, os documentos antes referidos e analisados e o seu certificado de registo criminal, apenas isso.
Bastou-se o Tribunal com as fotocópias (da acusação e despacho de recebimento) e a certidão de sentença.
Quanto ao depoimento do Doutor Guerra, aproveitou aquilo que considerou não abrangido pelo dever de sigilo profissional (artigo 81 da lei 84/84).
A fundamentação, no seu conjunto, pressuporia que o Tribunal tivesse adoptado um comportamento mais rigoroso em ordem à descoberta da verdade material, afinal esse o escopo que comanda e em torno do qual gira o desenvolvimento do processo penal.
Requisitar o processo 361/90, do mesmo Tribunal, não para o apensar (a questão não era essa mas a daquilo que vulgarmente se apelida de requisição para consulta ou ainda de apensação temporária) mas para, no respeito do disposto nos artigos 355-1 e 340-1 C.P.P., poder, se necessário, vir a dar cumprimento ao artigo 514-2 C.P.C..
O arguido, ao que se depreende do facto n. 3 conjugado com a relação familiar a que alude o facto n. 1, teve como seu mandatário a testemunha Senhor Doutor C no relativo às questões com a herança de seu pai. Se o Tribunal entendia que o seu depoimento poderia interferir com o dever de segredo profissional (o que aqui, aliás, é muito duvidoso nada mais se podendo adiantar pois que não foi observada a tramitação devida) ou que tal problema lhe era colocado e não tinha elementos para o resolver negativamente, e na medida em que se lhe sobrepõe um interesse público superior - o da descoberta da verdade material (acórdão

R.E. de 7 de Janeiro de 1992 in C.J. XVII/1/288) deveria (C.P.P. - 340, 1) ter procedido de acordo com o artigo 135 C.P.P..
5. Na medida em que havia um dever de ofício desinteressa saber se o arguido requereu atempadamente a requisição do processo e se reclamou da nulidade de abstenção de prolação de despacho.
Porque indicada apenas aquela fundamentação, afigura-se, segundo as regras da experiência comum, aos olhos do comum dos observadores haver contradição entre as duas decisões e incorrer a última em evidente erro na apreciação da prova (por outro, o próprio teor da fundamentação inculca que não foi só aquela a prova produzida em audiência; e, se devessemos conjugar-se esta ilação com o que consta da acta, concluir-se-ia que esta percepção se tornaria ainda bem mais evidente para um homem médio que tenha assistido à audiência pois das várias pessoas que foram ouvidas - assistente e outras indicadas na respectiva acta, o acórdão recorrido só refere duas - arguido e Doutor C e nem uma palavra profere a valorar ou desvalorar o depoimento das outras quando antes já era conhecido o teor e conteúdo de uma sentença que definitivamente absolvera aquele).
Este vicio incide sobre matéria relevante para a decisão, aliás no caso concreto, sobre matéria de facto que se apresenta nuclear.
Frise-se, retirando-se qualquer margem a equívocos, que esta questão de se julgar verificado, como resultante do texto do acórdão, o vício do erro notório na apreciação da prova (C.P.P. - 410, 2 alínea c)) nada tem que ver com a decisão do tribunal, a proferir, relativamente à matéria que deva ser dada como provada ou como não-provada (vd., acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 1989, processo 40255).
Uma decisão, seja ela em que sentido for, deve convencer da sua justeza não só os sujeitos processuais como a sociedade, além de que deve permitir àqueles e ao tribunal superior o seu reexame.
6. "O Código não prevê que, no Supremo Tribunal, como tribunal de último recurso, seja, alguma vez, consentida a renovação da prova" (Cunha Rodrigues in Jornadas D.P.P., página 394).
Como tribunal de revista apenas conhece de direito (C.P.P.- 433).
Porque de revista alargada, verificada a existência de algum dos vícios apontados no n. 2 do artigo 410 C.P.P., o Supremo ordena a renovação da prova em outro tribunal, procedendo ao reenvio (C.P.P. - 436) ou anulando, por proceder nulidade que não deva considerar sanada (C.P.P. 410, 3), ordena a remessa ao tribunal recorrido.
A consequência não é o Supremo Tribunal proceder à renovação da prova nem o considerar provados os factos, o que significa que as conclusões em contrário não podem proceder e que o conhecimento das restantes conclusões fica prejudicado.
Termos em que se acorda em ordenar o reenvio nos termos do artigo 436 C.P.P.
Sem tributação. Honorários ao defensor oficiosos mínimos.
Lisboa, 27 de Abril de 1995.
Lopes Pinto.
Costa pereira.
Sousa Gudes.
Sá Nogueira (com a declaração de que considero que a falta de indemnização do caso julgado penal no actual processo é resolvida unicamente pelo recurso dos princípios fundamentais que remontavam do Código de 1929, os quais, por isso, se continuarão a aplicar, com carácter exclusivo. No mais, votei o acórdão).
Decisão impugnada:
Acórdão de 12 de Novembro de 1992 da 1. Secção do Tribunal Judicial de Esposende.