Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S2836
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES CADILHA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
PRINCÍPIO DA LIBERDADE CONTRATUAL
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: SJ200701100028364
Data do Acordão: 01/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - Não se verifica a transmissão da posição contratual do trabalhador, em caso de transmissão de estabelecimento, se o trabalhador, ainda na vigência da relação laboral que mantinha com o transmitente, acordou em fazer cessar o vínculo contratual e passou a prestar serviço ao adquirente por efeito de um novo contrato, que o trabalhador livremente aceitou como contrato de trabalho a termo certo;

II - Num contrato de trabalho a termo certo, nada impede que as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, consignado no artigo 405º do Código Civil, estipulem uma antiguidade superior à efectivamente existente, designadamente para efeitos de conferir ao trabalhador um estatuto profissional ou remuneratório mais favorável, e que significa apenas que, enquanto perdura o contrato, o trabalhador beneficia das vantagens estatutárias que o tempo de serviço na empresa, tal como foi acordado, lhe confere.

III - A renovação de um contrato de trabalho a termo certo num momento em que já não subsistiam as circunstâncias de facto concretas que tinham justificado essa contratação determina a nulidade do termo, segundo o disposto no artigo 41º, n.º 2, da LCCT. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório


"AA", identificado nos autos, intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, com sede em Vila Nova de Gaia, pedindo que se considere sem termo o contrato a termo certo celebrado entre as partes, e, por isso, se declare ilícito o seu despedimento e a ré seja condenada, além do mais, a reintegrar o autor no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe a indemnização por antiguidade.

Alegou, para tanto, que a contratação pela ré corresponde a uma cessão da posição contratual que detinha relativamente à sua antiga entidade patronal, que não poderia, por isso, encontrar-se sujeita a termo, e que, além disso, a estipulação do termo era nula, porquanto no contrato de trabalho foi aposta uma cláusula que faz remontar a antiguidade do autor na empresa a 1966, o que pressupõe a existência de um contrato por tempo indeterminado.

O tribunal de primeira instância considerou que não se verificava a pretendida cessão da posição contratual, mas declarou a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho por entender que ele é incompatível com a antiguidade na empresa que foi reconhecida ao autor, nos termos da clausula 7ª do contrato, e também por considerar que o motivo determinante da celebração do contrato, que teve início em 30 de Junho de 1998 e foi renovado em 30 de Junho de 1999 e 30 de Junho de 2000, já não se verificava, face à matéria provada, à data desta segunda renovação. E, nestes termos, a acção foi julgada parcialmente procedente, declarando-se a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho firmado entre partes em 30 de Junho de 1998, e a ilicitude do despedimento, e condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 50.801,06 a título de indemnização de antiguidade, bem como a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença correspondente a todas as retribuições respeitantes ao período decorrido entre 19 de Maio de 2002 e a data da sentença, acrescida de juros moratórios.

Em apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que a transmissão para a ré do estabelecimento pertencente à antiga entidade patronal do autor consubstancia uma efectiva transmissão do contrato de trabalho, com todas as consequências, incluindo a manutenção da antiguidade por referência ao tempo de serviço prestado na empresa transmitente, e que o reconhecimento dessa antiguidade no contrato a termo celebrado entre as partes é incompatível com um vínculo de natureza precária, pelo que seria nula a estipulação, no contrato, do termo certo. Neste sentido, confirmou o julgado em primeira instância.

É contra esta decisão que se insurge agora a ré, através de recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

A) De 7 de Outubro de 1966 a 31 de Março de 1998, o Autor trabalhou para a Empresa-B, de forma contínua e ininterrupta;
B) Em finais de 1997, princípios de 1998, a Empresa-B encerrou em Lisboa a sua actividade de comercialização de veículos automóveis, reduzindo a sua actividade à venda de peças e assistência pós venda;
C) Por força da situação antes referida, a Ré e o Autor celebraram entre si um acordo de cessação do contrato de trabalho, pelo que este contrato cessou nos termos do disposto nos artigos 7° e 8° do DL nº 64-A/89, pelo que o Tribunal da Relação de Lisboa errou na determinação e aplicação da norma aplicável ao considerar que a situação configura uma transmissão do contrato de trabalho da Empresa-B para a Ré;
D) Um contrato de trabalho que cessou segundo o disposto nos artigos 7° e 8° antes referidos não se transmite nos termos do artigo 37° da LCT, como erradamente considerou o Tribunal da Relação;
E) A Ré e o Autor celebraram um contrato de trabalho a termo certo datado de 30 de Junho de 1998;
F) Este contrato, como se encontra reconhecido pelas instâncias cumpriu todos os requisitos de forma e de substância, designadamente quanto ao motivo da sua celebração a termo;
G) O contrato cumpriu os requisitos dos artigos 41º e 42º da LCCT;
H) O prazo de duração do contrato antes referido não ultrapassou o limite imposto pelo nº 2 do artigo 44° da LCCT contrariamente ao sustentado pelo Tribunal da Relação;
I) Um contrato de trabalho a termo que obedeceu aos requisitos e limites antes referidos, não se converte em contrato sem termo por aplicação do disposto no artigo 47° como foi decidido pelo Tribunal da Relação;
J) A antiguidade aposta no contrato resultou de um pedido do Autor para poder ficar abrangido pelo Fundo de Pensões vigente na Ré;
K) Uma cláusula de antiguidade que é um ficção, como foi designada pelo tribunal a quo é nula e de nenhum efeito e não tem a faculdade de alterar, ficcionadamente, a realidade fazendo de conta que o contrato teve uma duração que não teve;
L) Atenta contra os bons costumes e a boa fé contratual o comportamento do Autor recorrido que, induzindo a Ré a apor no contrato uma antiguidade diferente da real, vem, três anos depois tentar obter benefícios indevidos a partir da situação por ele criada, violando, dessa forma, o disposto nos artigos 762º e 234° do CC;
M) Ao declarar-se nulo o termo aposto no contrato foi violado o disposto no artigo 334º do CC por permitir ao Autor obter uma vantagem que ele próprio criou através de um artifício;
N) Ao declarar-se nulo o termo aposto no contrato, foi violado o artigo 405º do CC., que permite às partes fixar livremente o conteúdo dos contratos;
O) A Ré ao enviar a carta em 8 de Junho de 2001 comunicando ao Autor a "intenção de não proceder à renovação do contrato de trabalho a termo certo cumpriu o disposto no nº 1 do artigo 46° do regime jurídico aprovado pelo DL nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, pelo que o contrato do Autor recorrido cessou.

O autor, ora recorrido, contra-alegou defendendo a manutenção do julgado, mas acrescentando que, ainda que se viesse a considerar que a aposição da cláusula de antiguidade não é impeditiva da celebração de um contrato a termo, deveria declarar-se a nulidade do termo, visto que, à data da segunda renovação do contrato, já não se verificava o condicionalismo que serviu de fundamento à outorga do contrato.

O Exmo Magistrado do Ministério Público pronunciou-se igualmente no sentido do improvimento do recurso.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto.

1- A ré - Empresa-A, dedica-se à importação e exportação e distribuição de veículos automóveis e peças e à importação, comercialização, e assistência de veículos ligeiros e peças.
2- Em 7 de Outubro de 1966, o autor foi admitido ao serviço da sociedade Empresa-B para, sob as suas ordens, fiscalização e disciplina mediante remuneração.
3- Tendo-lhe sido inicialmente atribuídas as funções de "escriturário".
4- Posteriormente, o autor passou a desempenhar as funções de "Chefe de Secção" e, em Janeiro de 1992 foi "promovido" a "Chefe de Serviços de Pessoal".
5- Em 31 de Março de 1998, a remuneração mensal mencionada em 2 era de Esc. 302.000$00.
6- Enquanto "Chefe de Serviços de Pessoal" da Empresa-B, competia ao autor coordenar todo o trabalho administrativo da área de recursos humanos, nomeadamente o processamento de vencimentos, organização dos planos de férias do pessoal, prestar assistência aos juristas da sociedade, e representar esta última em Tribunal.
7- A Empresa-B, era "concessionária" dos veículos da marca Toyota, importados pela ré .
8- A ré era accionista da Empresa-B, e esta posteriormente, em Dezembro de 2001, veio a ser incorporada na sociedade Empresa-A.
9- A ré e a Empresa-B, pertenciam a um grupo de empresas com relações societárias, e pelo menos algumas estratégias comerciais e políticas de gestão comuns, conhecido pela designação de "Grupo Empresa-A".
10- O registo comercial da Empresa-B, ostenta as inscrições documentadas na certidão de fls. 150 a 161.
11- 0 registo comercial da ré ostenta as inscrições documentadas na certidão de fls. 162 a 179.
12- De 7 de Outubro de 1966 a 31 de Março de 1998, o autor trabalhou para a Empresa-B, S.A., nos termos descritos em 1 a 5, de forma contínua e ininterrupta, nas instalações da mesma sitas na Av. Fontes Pereira de Melo, n°...andar, em Lisboa.
13- Em finais de 1997 e inícios de 1998, a Empresa-B, encerrou em Lisboa a sua actividade de comercialização de veículos automóveis; e daí em diante, até final do ano de 1998 reduziu a sua actividade em Lisboa à venda de peças e assistência pós venda.
14- Em 31 de Março de 1998, o autor e a ré celebraram entre si o acordo escrito intitulado "acordo de cessação do contrato de trabalho" que se acha a fls. 31.
15- Em 1 de Abril de 1998 o autor, a Empresa-B, e a ré celebraram entre si o acordo escrito intitulado "acordo tripartido", que se acha a fls. 29 e 30, e na sequência do mesmo, o autor começou a trabalhar na Secção de Pessoal da ré , com a categoria de "Chefe de Secção".
16- Quando celebrou os acordos mencionados em 14 e 15, o autor tinha conhecimento da situação descrita em 13.
17- Em data não concretamente apurada autor e ré celebraram o acordo escrito intitulado "contrato de trabalho a termo certo", datado de 30 de Junho de 1998, que se acha a fls. 32 a 34.
18- Os acordos escritos mencionados em 14, 15 e 17 foram negociados nas mesmas ocasiões, e em conjunto.
19- No decurso das negociações que precederam a celebração dos acordos descrito em 14, 15 e 17, o autor comunicou à ré e à Empresa-B, S.A. que considerava importante que o acordo descrito em 17 contivesse uma cláusula no qual a ré reconhecesse a "antiguidade" referente ao tempo em que trabalhou para a Empresa-B.
20- A celebração dos acordos descritos em 14, 15 e 17 decorreu de iniciativas da Empresa-B, e do R. e do interesse que as mesmas tinham no cessação da actividade da primeira em Lisboa e da passagem para a segunda de instalações, clientela, e parte dos trabalhadores que a primeira tinha nesta cidade.
21- A ré aceitou a proposta mencionada em 19 pelo que, no acordo referido em 17 veio a ser incluída a sua cláusula 7ª.
22- A ré tinha e tem como procedimento habitual admitir todos os seus trabalhadores através de "contrato de trabalho a termo certo" e, só no termo da sua vigência, quando entende que tal se justifica, os integra em definitivo nos seus quadros, através de "contrato de trabalho sem termo".
23- Na "ficha de colaborador" referente ao autor, documento que utiliza para gestão dos seus recursos humanos, a ré fez constar, como data da "admissão" do autor a de 7 de Outubro de 1966.
24- Em 8 de Junho de 2001, a ré enviou ao autor a carta que se acha a fls. 47, na qual, nomeadamente lhe comunica "a intenção desta Empresa de não proceder à renovação do Contrato de Trabalho a Termo Certo que connosco celebrou em 30 de Junho de 1998, pelo que nos termos do n° 1 do art. 46° do regime jurídico aprovado pelo D.L. n° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o referido contrato caducará no respectivo termo, ou seja, em 29 de Junho de 2001".
25- O autor recebeu a carta mencionada em 23 e 24.
26-De 1 de Janeiro de 1999 até 31 de Dezembro de 1999, o autor auferiu mensalmente, a título de "salário" a quantia de Esc. 255.000$00;
27- De 1 de Janeiro de 2000 até 31 de Dezembro de 2000, o autor auferiu mensalmente, a título de "salário" a quantia de Esc. 260.000$00;
28- De 1 de Janeiro de 2001 até Junho de 2001, o autor auferiu mensalmente, a título de salário, a quantia de Esc. 268.018$00;
29- O autor entrou de baixa por doença no dia 21/06/2001, mantendo-se ainda nessa situação.
30-Entre 21 de Junho de 2001 e 7 de Março de 2004, o autor auferiu, a título de subsídio de doença, a quantia global de 29.262,44 euros.
31- A Empresa-B, veio a cessar totalmente a sua actividade em Lisboa pelo menos no final do ano de 1998.
32- A clientela da Empresa-B, em Lisboa e pelo menos parte das instalações que esta ocupava na mesma cidade passaram para a ré.
33- Entre meados e o final de Dezembro de 1998, parte dos trabalhadores da Empresa-B, nomeadamente funcionários a administrativos e vendedores de automóveis, firmou com esta acordos de "cessação de contrato de trabalho", recebendo uma contrapartida em dinheiro;
34-No âmbito referido em 33 foram celebrados, entre outros, os acordos cujas cópias se acham a fls. 135, 136 e 184.
35- Houve também outros trabalhadores da Empresa-B, (sobretudo os que exerciam função ao nível do pós-venda, nomeadamente os das oficinas), em número não inferior a 60, que passaram a prestar trabalho directamente à ré, sem a celebração de qualquer acordo escrito.
36- A situação de "desemprego" resultante da decisão a que se reporta a carta descrita em 24, causaram e causam ainda ao autor desgosto, abatimento, e síndrome distímico, com perturbação do humor, caracterizada por um quadro ansioso-depressivo, fadiga fácil e insónia.
37- O autor nasceu em 25 de Junho de 1946.
38-Os factos descritos em 13, e 31 a 35 provocaram um significativo aumento do volume de serviço do departamento de recursos humanos da ré, que perdurou até no final do ano de 1999.
39-No início do ano de 2000 já não se verificava, no departamento de recursos humanos da ré qualquer resquício do aumento do volume de serviço referido em 38.
40- As empresas do "Grupo Salvador Caetano", nomeadamente a Empresa-B, (actualmente incorporada na Empresa-A) e a ré são associadas de um fundo de pensões, denominado "Fundo de Pensões Empresa-A", instituído em 29 de Dezembro de 1988 e posteriormente alterado, com, publicação na 3ª Série do Diário da República, 3ª Série, n°s 27 de 02/01/1994, 101 de 30/04/1996, 184, de 09/08/1996, e 152, de 04/07/2003.

3. Fundamentação de direito

A questão a dirimir é a de saber se poderá considerar-se como nula a estipulação do termo no contrato celebrado entre as partes em 30 de Junho de 1998, mormente por se não verificarem os requisitos da admissibilidade do contrato a termo a que se refere o artigo 41º, n.º 1, da LCCT.

Como resulta da matéria de facto dada como assente, na parte que mais interessa considerar, o autor trabalhou para a Empresa-B, de forma contínua e ininterrupta, desde 7 de Outubro de 1966 até 31 de Março de 1998 (n.º 12). Aquela entidade, em fins de 1997 e princípios de 1998, cessou a sua actividade de comercialização de veículos automóveis, em Lisboa, mantendo até final desse ano de 1998 apenas a actividade de venda de peças e assistência pós venda (n.º 13).

Em 31 de Março de 1998, o autor e a Empresa-B, celebraram entre si um acordo de cessação do contrato de trabalho, pelo qual se considerava revogada relação laboral com efeitos a partir de 30 de Junho de 1998 (n.º 14). No dia imediato, autor, a Empresa-B, e a ré celebraram um acordo, designado como "acordo tripartido", pelo qual se efectuava a cedência do autor à ré, desde essa data até 30 de Junho de 1998, para o exercício de funções correspondentes a Chefe de Secção (n.º 15)".

Em 30 de Junho de 1998, o autor e a ré celebraram um contrato de trabalho a termo certo, destinado a vigorar pelo prazo de 12 meses, renovável por iguais períodos, e que tinha como fundamento o acréscimo temporário e excepcional da actividade da empresa, traduzido no determinante e significativo aumento da actividade nos serviços de pessoal, resultante da assunção por parte da ré da exploração de novos estabelecimentos comerciais provindos da Empresa-B, (n.º 17). No referido contrato inclui-se ainda uma cláusula em que se reconhecia que o autor mantinha a antiguidade nos serviços da ré reportada a 7 de Outubro de 1966, data do início da relação laboral com Empresa-B, (n.º 21).

A referida cláusula foi inserida no contrato por interesse manifestado pelo autor e foi aceite por ambas as partes (n.ºs 19 e 21).

Entretanto, a ré fez cessar o contrato a termo por carta enviada ao autor em 8 de Junho de 2001, em que lhe comunica a intenção de não renovar o contrato (n.º 24).

Importa ainda ter presente que a consta dos n.ºs 31, 32, 35, 38 e 39 da matéria de facto, de onde resulta o seguinte:

- a Empresa-B, veio a cessar totalmente a sua actividade em Lisboa pelo menos no final do ano de 1998 (n.º 31);
- a clientela da Empresa-B, em Lisboa e pelo menos parte das instalações que esta ocupava na mesma cidade passaram para a ré (n.º 32);
- houve trabalhadores da Empresa-B, (sobretudo os que exerciam função ao nível do pós-venda, nomeadamente os das oficinas), em número não inferior a 60, que passaram a prestar trabalho directamente à ré, sem a celebração de qualquer acordo escrito (n.º 35);
- a cessação da actividade da Empresa-B. E a transferência da sua clientela e de parte das suas instalações, bem como de parte do seu pessoal, para a ré provocaram um significativo aumento do volume de serviço do departamento de recursos humanos da ré, que perdurou até no final do ano de 1999 (n.º 38);
- no início do ano de 2000 já não se verificava, no departamento de recursos humanos da ré qualquer resquício do aumento do volume de serviço (n.º 39).

À luz da aludida factualidade, a Relação entendeu que se operou uma verdadeira transmissão, ainda que parcial, de estabelecimento da Empresa-B, para a ré, com a transferência da posição contratual do autor, o que terá justificado o reconhecimento da respectiva antiguidade no novo posto de trabalho. Nesses termos, o acórdão recorrido veio a concluir que o vínculo contratual se reporta à data de 7 de Outubro de 1966, com a consequência de ser nula a estipulação do termo no contrato a termo certo celebrado entre as partes, por se encontrar fora de qualquer das situações enunciadas no artigo 41º, n.º 1, da LCCT, e por se ter também excedido o limite temporal de três anos para os contratos a termo, o que também implica a conversão em contrato sem termo, por aplicação do disposto nos artigos 44º, n.º 2, e 47º da mesma Lei .

A ré insurge-se contra este entendimento com base essencialmente em três ordens de considerações: a contratação a termo certo na sequência da cessação do contrato de trabalho existente entre o autor e a Empresa-B, não corresponde a uma transmissão da posição contratual que o autor possuía em relação àquela outra empresa; o reconhecimento da antiguidade nos serviços por referência ao anterior posto de trabalho foi feito a pedido do autor e constitui uma ficção; o comportamento do autor atenta contra os bons costumes e a boa fé contratual já que se aproveita de uma situação por ele próprio criada.

Deve reconhecer-se, numa primeira análise, que as circunstâncias do caso não preenchem com suficiente nitidez os requisitos de uma transmissão de estabelecimento, tal como se encontra configurada no artigo 37º da LCT, e que, segundo o entendimento jurisprudencial corrente, pressupõe a conservação da identidade económica do estabelecimento e a prossecução da sua actividade por um terceiro adquirente.

É verdade, tal como realça o acórdão recorrido, que a empresa a cujos quadros pertencia o autor veio a cessar totalmente a sua actividade e a sua clientela, bem como, pelo menos, parte das instalações passaram para a ré. Também sucedeu que muitos trabalhadores daquela empresa passaram a prestar serviço a favor da ré. E, do mesmo modo, o próprio contrato de trabalho a termo certo celebrado entre o autor e a ré, aqui em causa, ao descrever o motivo justificativo da estipulação do termo, alude a um acréscimo temporário excepcional da actividade da empresa em resultado da assunção, pela ré, da exploração de novos estabelecimentos provindos da Empresa-B.

Em todo o caso, não está suficientemente concretizado nos autos o modo e os termos em que se processou a aludida transferência, pelo que não se pode afirmar com rigor que houve uma transmissão da titularidade do estabelecimento ou de uma parte dele ou sequer uma cessão da sua exploração.

Seja como for, ainda que tenha havido uma transmissão de estabelecimento, como preconiza a Relação, ela só implica a transmissão da posição contratual dos trabalhadores para o novo adquirente se as partes não tiverem acordado em sentido diverso. O n.º 1 do artigo 37º da LCT, admitindo que os contratos de trabalho subsistem e os trabalhadores continuam afectos ao adquirente ou cessionário da exploração, salvaguarda, no entanto, diversas situações, e, desde logo, a possibilidade de o contrato de trabalho ter deixado de vigorar nos termos legais ou ter havido acordo entre o transmitente e o adquirente no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço do antigo titular do estabelecimento. Neste contexto, não está igualmente excluído que as partes tenham acordado a manutenção de um vínculo laboral mas em termos diversos daquele que vigorava em relação à anterior entidade empregadora.

E parece ter sido esta última hipótese que ocorreu no caso dos autos.

Com efeito, o autor e a sua primitiva entidade patronal celebraram, em 31 de Março de 1998, um acordo de cessação do contrato de trabalho, pelo qual, de resto, o autor recebeu uma compensação no montante de 2.500.000$00 (cláusula 3ª do documento contratual a que se refere o n.º 14 da matéria de facto). E se é certo que o autor passou a prestar serviço a favor da ré, a partir dessa data, isso sucedeu ao abrigo de novos contratos em que a ré já interveio como outorgante e que, por sua vez, fixaram um regime jurídico diverso daquele que vigorava entre o autor e a Empresa-B.

A cessação do contrato de trabalho existente entre o autor e a Empresa-B, nos sobreditos termos, torna inviável que a posição contratual do autor se tenha transmitido à ré, no pressuposto de que ocorreu entretanto uma transmissão de estabelecimento, pela linear razão de que essa posição contratual se tinha justamente extinguido ainda num momento em que o trabalhador estava vinculado à sua antiga entidade patronal. Por outro lado, o autor passou a prestar trabalho à ré, não por efeito de uma eventual da transmissão de estabelecimento, mas isso sim em consequência quer do designado contrato tripartido, pelo qual a Empresa-B, efectuou a cedência do trabalhador à ré, pelo período de 1 de Abril a 30 de Junho de 1998, quer em resultado do contrato de trabalho celebrado, nesta última data, entre o autor e a ré, pelo qual aquele passava a prestar a sua actividade laboral à ré em regime de contrato de trabalho a termo certo.

Ora, este contrato a termo certo obedece estritamente ao condicionalismo a que se refere o artigo 41º, n.º 1, alínea b), da LCCT, que permite a contratação a termo, entre outros caso, quando se verifique um acréscimo temporário e excepcional da actividade da empresa.

Na verdade, como ressalta do n.º 17 da matéria de facto, em 30 de Junho de 1998, o autor e a ré celebraram um contrato de trabalho a termo certo, destinado a vigorar pelo prazo de 12 meses, renovável por iguais períodos, e que tinha como fundamento o acréscimo temporário e excepcional da actividade da empresa, traduzido no determinante e significativo aumento da actividade nos serviços de pessoal, resultante da assunção por parte da ré da exploração de novos estabelecimentos comerciais provindos da Empresa-B.

No documento contratual, a ré, não só indicou a disposição legal ao abrigo da qual efectuava a contratação, como também explicitou o motivo concreto que justificava o recurso ao trabalho precário, cumprindo na íntegra a exigência constante do artigo 42º, n.º 1, alínea e), da LCCT, bem como do artigo 3º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto.

E nem sequer se pode alegar a inveracidade do motivo invocado, porquanto também ficou provado que ocorreu, de facto, um aumento significativo do volume de serviço do departamento de recursos humanos da ré (onde o autor passou a prestar serviço), que perdurou até no final do ano de 1999 (n.ºs 38 e 39).

É certo que no referido contrato também se incluía uma cláusula em que se reconhecia que o autor mantinha a antiguidade nos serviços da ré reportada a 7 de Outubro de 1966, data do início da relação laboral com Empresa-B, (n.º 21). Mas esta cláusula, cuja origem muito se tem discutido no processo, não tem o efeito jurídico que o acórdão da Relação lhe atribui. Nada impede que, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, consignado no artigo 405º do Código Civil, as partes estipulem uma antiguidade superior à efectivamente existente, designadamente para efeitos de conferir ao trabalhador um estatuto remuneratório mais favorável. O reconhecimento dessa antiguidade não é, de nenhum modo, incompatível com a celebração de um contrato a termo certo, quando este contrato é realizado dentro dos limites legalmente definidos, e apenas significa que, enquanto perdura o contrato, o trabalhador beneficia das vantagens profissionais ou estatutárias que o tempo de serviço na empresa lhe confere.

De tudo se conclui que a ré não estava impedida de denunciar o contrato de trabalho para o termo de uma das suas renovações.

Aqui entronca, por sua vez, a alegação subsidiária do autor, que deve entender-se como uma ampliação do âmbito do recurso a requerimento o recorrido, conforme prevê o artigo 684º-A do Código de Processo Civil.

Na verdade, para além da questão atinente à cessão da posição contratual, o autor havia invocado, na acção, nulidade da estipulação do termo, tendo em conta a sua antiguidade na empresa, e o tribunal de primeira instância, tomando por base os factos apurados em julgamento, julgou procedente essa arguição, mas entendeu ainda que a nulidade da aposição do termo também se verificava pelo facto de, à data da segunda renovação do contrato, já não existirem as circunstâncias concretas que justificaram a contratação a termo.

A Relação abandonou este fundamento de procedência da acção, mantendo a sentença apenas na parte dispositiva referente à nulidade do termo por incompatibilidade entre a duração da relação laboral, resultante da sobredita cláusula contratual, e o regime jurídico do contrato de trabalho a termo.

Visto que a Relação não confirmou o julgado quanto àquele segundo fundamento, o autor, prevenindo a hipótese de procedência do recurso quanto à única questão que vinha suscitada, poderia usar o mecanismo do artigo 684º-A do Código de Processo Civil, alegando, a título subsidiário, a existência de um outro motivo para julgar procedente a acção.

E o Supremo, no uso dos seus poderes de controlo da aplicação da lei aos factos apurados pelas instâncias, também poderá oficiosamente confirmar o decidido pela Relação com base em fundamento diverso, desde que compatível com os factos materiais da causa (Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lisboa, 1997, págs. 425 e 431).

Ora, no caso vertente, constata-se que o contrato de trabalho a termo certo, celebrado em 30 de Junho de 1998, teve como fundamento o acréscimo temporário e excepcional da actividade da empresa, traduzido no determinante e significativo aumento da actividade nos serviços de pessoal, resultante da assunção por parte da ré da exploração de novos estabelecimentos comerciais provindos da Empresa-B, (n.º 17 da matéria de facto). Invocação que tinha plena correspondência com a realidade, já que se provou que os factos relacionados com a cessação da actividade da Empresa-B, e a transferência de clientela e instalações para a ré, bem como de muitos dos antigos colaboradores daquela empresa, provocaram um significativo aumento do volume de serviço do departamento de recursos humanos da ré, que perdurou até no final do ano de 1999 (n.º 38).

No entanto, como também se demonstra, no início do ano de 2000 já não se verificava, no departamento de recursos humanos da ré, qualquer indício do aumento do volume de serviço que resultara daquele circunstancialismo (n.º 39).

O que significa que, tendo sido o contrato de trabalho a termo certo celebrado pelo prazo de um ano renovável por idênticos períodos, a renovação operada em 30 de Junho de 2000 ocorreu quando já não subsistiam as circunstâncias de facto concretas que tinham justificado essa contratação. O que leva a concluir que esta renovação ocorreu em violação do disposto no artigo 41º, n.º1, da LCCT, e, portanto, fora dos casos em que é admissível esse tipo de contratação, com a consequência, que decorre do artigo 41º, n.º 2, da mesma Lei, de se ter como nula a estipulação do termo.

Resta referir que o assim decidido deixa prejudicada a apreciação do abuso de direito, que constituía também fundamento do recurso da ré.

A alegação da recorrente, nessa parte, assenta na ideia de que a inclusão da cláusula de antiguidade no contrato a termo certo resultou de um comportamento ilegítimo do autor, que visou obter por essa via, indevidamente, a perduração do contrato do trabalho.

Mas já vimos que a cláusula, tendo sido aceite por ambas as partes, concretiza um princípio da liberdade contratual, nada impedindo que possa ser aplicada no âmbito de um contrato de trabalho a termo certo, ainda que com efeitos circunscritos a aspectos estatutários ou remuneratórios que possam decorrer do regime que tenha sido definido pela empresa, para os seus trabalhadores, em função da antiguidade. Não podendo imputar-se ao trabalhador um abuso de direito, quando este pretende obter, por via da acção, um efeito jurídico que possa derivar das estipulações contratuais livremente consignadas pelas partes.

Não é, por outro lado, com base nessa cláusula que é concedida procedência à acção, visto que a ela se não atribuiu qualquer relevo para efeitos de qualificação do contrato ou de declaração da sua inadmissibilidade, sendo que a nulidade da estipulação do termo vem a ser reconhecida por virtude de um facto que é exclusivamente imputável à própria ré, que é o de ter renovado o contrato a termo fora das condições em que poderia ter feito.

4. Decisão

Termos em que acordam em negar a revista, e confirmar a decisão recorrida, ainda que com diferente fundamento.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2007

Fernandes Cadilha - relator
Mário Pereira
Maria Laura Leonardo.