Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00031400 | ||
Relator: | MARTINS DA COSTA | ||
Descritores: | SERVIDÃO DE GÁS REGIME APLICÁVEL SERVIDÃO ADMINISTRATIVA POSSE ADMINISTRATIVA | ||
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Nº do Documento: | SJ199701280004211 | ||
Data do Acordão: | 01/28/1997 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N463 ANO1997 PAG592 | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1136/95 | ||
Data: | 01/18/1996 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV - PROCED CAUT. | ||
Legislação Nacional: | DL 374/89 DE 1989/10/25 ARTIGO 13 N3 ARTIGO 15 B. DL 11/94 DE 1994/01/13 ARTIGO 3 N1 ARTIGO 15 N1 ARTIGO 25. | ||
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Sumário : | I - A constituição das "servidões de gás", como servidões administrativas, está sujeita ao regime jurídico previsto pelo DL 11/94, de 13 de Janeiro, e não ao regime geral do Código de Expropriações. II - O exercício dos poderes inerentes a essas servidões apenas depende do cumprimento de determinadas formalidades exigidas pelo citado Decreto-Lei, não dependendo da "posse administrativa" prevista nos artigos 17 e seguintes do citado Código. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: I - A deduziu o procedimento cautelar de embargo de obra nova contra "Transgás - Sociedade Portuguesa de Gás Natural, S.A.", pedindo "a suspensão imediata dos trabalhos levados a cabo pela requerida sobre o prédio do requerente", ou seja, um prédio rústico constituído por campo lavradio, sito no lugar de Ferral, freguesia de Souto, conselho de Santa Maria da Feira, inscrito na matriz rústica sob o artigo 1809. A requerida foi citada e deduziu oposição. Procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas e, pelo despacho de folhas 137 e seguintes, indeferiu-se a providência. Em recurso de agravo interposto pelo requerente, essa decisão veio a ser mantida pelo acórdão de folhas 183 e seguintes. Neste novo recurso de agravo, formulam-se, em resumo, as seguintes conclusões: - na tramitação da constituição de servidão de gás têm de se observar as disposições substantivas do Código Exp. (artigo 13 alínea a) do Decreto-Lei 374/89, de 25 de Outubro), porque o Decreto-Lei 11/94, de 13 de Janeiro, apenas define o regime dessas servidões, em regulamentação daquele diploma; - a recorrida não comprovou ter praticado o acto de constituição da servidão, o qual tem de revestir forma escrita (artigo 122 do Código de Proc. Adm.); - a entender-se que as servidões decorrem da lei e podem ser exercidas uma vez cumpridas as formalidades legais impostas, não existe prova documental nem alegação de que os editais e as publicações referidas no cit. artigo 13 tenham sido efectuadas; - teria ainda de haver uma acto prévio a declarar a servidão de utilidade pública e urgente, o que a recorrida não demonstrou ter feito; - para poder exercer os poderes relativos à servidão, em momento anterior à formalização da sua constituição, a recorrida teria de possuir título de posse administrativa, o que se não verifica, por não ter sido declarada a urgência dos trabalhos (cit. artigo 13 alínea a) e artigo 17 n. 2 do Código Exp.); - mesmo na hipótese de existência dessa declaração, a autorização de posse administrativa teria caducado por terem decorrido mais de 90 dias desde a data da publicação do Decreto-Lei 11/94 e a da publicação do traçado no D.R. (28 de Abril de 1995); - o despacho que aprovou o traçado do gasoduto, com violação do PDM de Santa Maria da Feira, é nulo, por contrariar o disposto nos artigos 4 do Decreto-Lei 69/90, de 2 de Março, e 52 n. 1 alínea b) do Decreto- -Lei 445/91, de 25 de Outubro, e inconstitucional, por ofender o princípio da tutela da confiança legítima de que o gasoduto não atravessaria o prédio do recorrente (artigo 2 da Const.). A recorrida, por sua vez, sustenta ser de negar provimento ao recurso. II - Factos dados como provados: O requerente é dono e legitimo possuidor do prédio rústico já identificado. A requerida é a empresa concessionária do transporte e distribuição do gás natural, encontrando-se a fazer a implantação da conduta do gasoduto que atravessa, de norte a sul, o território nacional. Em 30 de Junho de 1995, pelas 12 horas, contra a vontade do requerente, a requerida invadiu aquele prédio, aí colocando máquinas e movimentando terras, abrindo posteriormente um canal com a profundidade de vários metros e a quase todo o comprimento do prédio. O requerente é casado com B, tendo o terreno serviente sido adquirido por sucessão de que ela foi beneficiária. A afectação do terreno à passagem do gasoduto consta das plantas e a B vem referida na relação de proprietários publicada por aviso da Direcção-Geral de Energia no DR, II Série, n. 99, de 28 de Abril de 1995. E decorre da aprovação do traçado do mesmo gasoduto pelo despacho n. 113/93, de 15 de Setembro, do MIE, publicado por aviso daquela Direcção-Geral no D.R., II Série, n. 64, de 17 de Março de 1994, e da aprovação do projecto - base pelo despacho do mesmo Ministro n. 66/94, de 16 de Junho, publicado no D.R, II. Série, n. 152, de 4 de Julho de 1994. A mulher do requerente foi notificada, nos termos a para os efeitos do n. 1 do artigo 12 do Decreto-Lei 11/94, por carta registada com AR, em 18 de Maio de 1995, tendo recusado recebê-la, e assistiu à vistoria "ad perpetuam rei memoriam" constante de folhas 72 e 73, feita às 15h40 de 16 de Junho de 1995, onde se descreve o prédio. A Transgás ofereceu uma indemnização de 3780000 escudos pelo prejuízo decorrente da servidão, que abrange a área de 287 m2 e que o casal recusou. Daquela carta, junta a folhas 69 e seguintes, consta a descrição da parcela e ainda, no essencial, que: ela vai ser atravessada pela conduta de gás, tal como prevê o projecto de traçado aprovado...; a implantação da conduta não exige a aquisição ou expropriação do terreno mas tão só a servidão de gás...; a servidão incide sobre... e compreende...; V. assumirá ainda as obrigações específicas previstas no artigo 8 do Decreto- -Lei 11/94...; o início do exercício dos poderes será determinado pela data de começo dos trabalhos de construção, os quais se deverão iniciar a partir de Junho de 1995...; pela constituição da servidão e pelos prejuízos causados tem direito ao pagamento de uma indemnização...; para concretização da constituição da servidão solicitamos a colaboração no sentido de estar presente no acto de celebração do acordo...; assiste-lhe o direito de requerer uma vistoria...; dentro de poucos dias será contactada... para esclarecimento de qualquer dúvida... bem como para lhe propôr a celebração do contrato-promessa de constituição da servidão... . III - Quanto ao mérito do recurso: 1. - Objecto do recurso: O presente processo é um procedimento cautelar de embargo de obra nova, que tem como um dos seus requisitos essenciais a ofensa do direito de propriedade do embargante, em consequência dessa obra (artigo 412 n. 1 do Código P. Civil), e para haver tal ofensa é indispensável a ilicitude da obra realizada pelo embargado. No requerimento inicial do embargo, o embargante baseou aquela ilicitude em dois fundamentos: não estar a embargada "munida do título de posse administrativa" para ocupação do prédio com a implantação do gasoduto, o que implicaria a prévia constituição da servidão, nos termos previstos no Cód. Exp.; e a inconstitucionalidade do Decreto-Lei 11/94, de 13 de Janeiro, por não estar ainda "determinada, nem sequer a título provisório, a justa indemnização". Foram essas as questões apreciadas nas decisões das instâncias e por elas está delimitado o objecto do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 676 n. 1 do cit. Código P. Civil. Assim, não se tem como pertinente a alegação de que a implantação do gasoduto sobre o prédio do requerente violou o PDM de Santa Maria da Feira (questão suscitada no recurso para a Relação mas aí não apreciada). Por outro lado, este tribunal apenas se deve pronunciar, em princípio, sobe a matéria de direito (artigo 722 n. 2 e 729 do Cit. Código), pelo que se não tem como oportuna a alegação de não haverem sido afixados os editais e publicados os anúncios previstos no artigo 13 n. 1 do Decreto-Lei 11/94, o que se reconduz a simples matéria de facto. 2. - Constituição da servidão: Como concessionária da exploração dos serviços de transporte e distribuição de gás, a requerida ficou investida no direito de "constituir servidões e expropriar, por utilidade pública e urgente, nos termos do Código Exp., bens imóveis ou direitos a eles relativos..." (artigo 13 n. 3 e 15 alínea b) do cit. Decreto-Lei 374/89), e a ela "compete... optar... pelo recurso ao regime de servidões previsto no presente diploma ou ao das expropriações por causa de utilidade pública nos termos do Código Exp." (artigo 3 n. 1 do Decreto-Lei 11/94). A constituição dessas servidões, designadas por "servidões de gás", não ficou submetida, como pretende o recorrente, ao regime geral das expropriações por utilidade pública, estabelecido no Código Exp.: trata-se de servidão administrativa e as servidões desta natureza, que são sempre impostas por lei, podem resultar directa e imediatamente da lei ou exigir ainda a prática de um acto administrativo; o facto de se falar em "servidões constituídas por acto administrativo", como no artigo 8 n. 3 do citado Código, não significa que esse acto seja a causa ou a fonte da servidão mas apenas uma condição da sua constituição, sempre relacionada com a lei (cfr. Decreto-Lei 181/70, de 28 de Abril, e Marcelo Caetano, no Manual Dir. Adm., II, pág. 1053); os actos administrativos aqui exigidos são a aprovação ministerial do projecto de traçado do gasoduto, a sua publicação no D.R., a comunicação de diversos elementos aos proprietários dos prédios por ele abrangidos mediante carta registada com A.R. e a publicitação de alguns desses elementos, pela DGE, através de editais e anúncios (artigo 12 e seguintes do cit. Decreto-Lei 11/94); decorridos os prazos aí previstos, a concessionária "poderá dar início ao exercício efectivo dos poderes englobados nas servidões" (artigo 15 n. 1 do mesmo Decreto-Lei), o que tem o sentido de a servidão se considerar constituída, ao menos provisoriamente, por não depender esse exercício "de determinação, cálculo e pagamento das correspondentes indemnizações..." (artigo 10 n. 1 do cit. Decreto-Lei); este regime específico da constituição das servidões exclui a aplicação do Cod. Exp., como aliás resulta do confronto entre os citados artigos 13 e 15 do Decreto-Lei 374/89 e 3. n. 1 do Decreto-Lei 11/94, e a aplicação subsidiária desse Código, prevista no artigo 25 do segundo desses diplomas, apenas se justificará aqui, no essencial, quanto à determinação da indemnização. Não havia assim lugar à diligência da "posse administrativa", prevista nos artigos 17 e seguintes do Cód. Exp., em cuja falta o embargante baseou, no requerimento inicial do embargo, a ilicitude da actividade exercida pela embargada. Por outro lado, não procede a argumentação de o cit. Decreto-Lei 11/94 ter simples função regulamentadora do Decreto-Lei 374/89, pois esses diplomas gozam do mesmo valor legislativo (artigo 115 n. 2 da Const.) e, como se salienta no preâmbulo do primeiro, no outro "apenas foram estabelecidas as regras gerais...", pelo que "torna-se agora necessário proceder não só ao seu desenvolvimento como também à definição de múltiplos aspectos de natureza processual e procedimental adequados à sua concretização e exercício...", e que se incluiu a definição do "regime jurídico da constituição de servidões...", prevista no artigo 18 alínea d) do Decreto-Lei 274-A/93, de 4 de Agosto. No caso presente, a embargada optou pela constituição de simples servidão, como consta da carta de 18 de Maio de 1995, e a actividade por ela exercida sobre o prédio do embargante apenas se poderia considerar ilícita na hipótese de não ter sido precedida do cumprimento das formalidades administrativas exigidas para a constituição daquela servidão. Segundo o requerimento inicial, a formalidade omitida teria sido a da posse administrativa, por dever a constituição daquela servidão obedecer ao disposto no Cód. Exp. mas, como já se concluiu, esse diploma não é aqui aplicável, estando essa constituição submetida antes ao regime específico do cit. Decreto-Lei 11/94. As demais questões suscitadas quanto à constituição da servidão, ou são questões novas (por não terem sido incluídas naquele requerimento nem apreciadas nas decisões das instâncias) ou reconduzem-se a simples matéria de facto, pelo que se devem ter como excluídas do objecto do presente recurso. 3.- Nulidade e inconstitucionalidade: No requerimento inicial do embargo, invocou-se a inconstitucionalidade do Decreto-Lei 11/94, por permitir o exercício da servidão de gás sem prévia determinação, nem sequer a titulo provisório, da justa indemnização, o que foi julgado improcedente nas decisões das instâncias. Sustenta agora o recorrente que o despacho que aprovou o traçado do gasoduto, com violação do PDM de Santa Maria da Feira, é nulo, por contrariar o diposto nos artigos 4 do Decreto-Lei 69/90, de 2 de Março, e 52 n. 1 alínea b) do Decreto-Lei 445/91, de 25 de Outubro, e inconstitucional, por ofender o princípio da tutela da confiança legitima de que o mesmo gasoduto não atravessaria o seu prédio. Desde logo, aquela violação do PDM pelo traçado do gasoduto é também uma questão nova, nos termos acima apontados, pelo que não tem de ser aqui apreciada. Acresce que tal violação, a ter existido, apenas poderia fundamentar participação para efeito de interposição de recurso contencioso, no tribunal administrativo (artigo 23 e 53 dos citados Decretos- Lei ns. 69/90 e 445/91, respectivamente), o que exclui a competência deste tribunal para se pronunciar sobre a alegada nulidade, e, por outro lado, não põe em causa qualquer princípio constitucional, até porque os PDMs podem ser objecto de revisão, alteração e suspensão (artigos 19 e seguintes do cit. Decreto-Lei 69/90). Em conclusão: A constituição das "servidões de gás", como servidões administrativas, está sujeita ao regime jurídico previsto pelo Decreto-Lei 11/94, de 13 de Janeiro, e não ao regime geral do Cód. Exp. O exercício dos poderes inerentes a essas servidões apenas depende do cumprimento de determinadas formalidades exigidas pelo cit. Decreto-Lei, não dependendo da "posse administrativa" prevista nos artigos 17 e seguintes do cit. Código. Pelo exposto: Nega-se provimento ao recurso. Custas pelo recorrente. Lisboa, 28 Janeiro de 1997. Martins da Costa, Pais de Sousa, Machado Soares. |