Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
Descritores: | MEDIDA DA PENA PENA SUSPENSA FINS DA PENA | ||
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Nº do Documento: | SJ200401150043305 | ||
Data do Acordão: | 01/15/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1258/03 | ||
Data: | 11/11/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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Sumário : | I - A imposição da pena de substituição «pena suspensa», obedecerá no seu an e no seu quantum apenas ao objectivo de «prevenir a reincidência». II - Se a aplicação e, até, o cumprimento anterior por ambos os arguidos de pesadas penas de prisão efectivas, em ambos os casos de recente termo de expiação, não bastaram para atingir aquele objectivo de prevenção, não seria de esperar, agora, que uma simples pena suspensa fosse bastante para o conseguir. III - Mesmo que assim não fosse, isto é, mesmo que o juízo prognóstico se mostrasse favorável aos arguidos, importa ter na devida conta que a suspensão da execução da prisão não deveria ser decretada por a ela se oporem no caso as necessidades de reprovação e prevenção do crime como exigência mínima e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Com benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido, recorrem ao Supremo Tribunal os arguidos PMSC e NMGP, condenados em 1.ª instância por prática de crime de roubo p e p no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, concluindo em suma: a) O artigo 71°. do Código Penal, visa isso mesmo: impondo ao tribunal "a quo" que dê preferência fundamentada à pena não privativa da liberdade "sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social e do delinquente e satisfaça as exigências de reprovação e prevenção do crime". Isto é, aceita-se a existência de pena de prisão como pena principal para casos mais graves, mas o diploma afirma claramente que o recurso às penas privativas da liberdade, só será legitimo quando, face às circunstâncias do caso, se não mostrem adequadas às reacções penais não detentivas - cfr. Ac. Tribunal da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 1995, P 9440899; b) No caso em apreço, apesar da situação pessoal, social e económica dos recorrentes, circunstâncias já referidas do douto acórdão, não se revela justa e adequada a pena aplicada, visto que priva a liberdade dos recorrentes, interrompe por completo as suas relações sociais e familiares, prejudica futuras possibilidades de emprego que surjam, impossibilita melhorar a sua vida, e é precisamente o maior bem jurídico a proteger - a liberdade - que lhes é coarctada; c) Pelo que se insiste na necessidade de se substituir a pena de prisão aplicada, a saber dois anos e seis meses, por outra medida penal, que garantindo a reprovação dos agentes e a prevenção de novos crimes, não importem a sua privação da liberdade! - cfr. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Julho de 1990 e Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 09 de Fevereiro de 1993; d) É de relevar, que desde a prática dos factos ocorridos, nunca mais os recorrentes se envolveram em prática de outros ilícitos criminais, mantendo uma conduta, a que tudo alude, estar livre do mundo da criminalidade, não sendo a libertação incompatível com a defesa da ordem e paz social; e) É, porém, evidente, que para tomar realizável tal pretensão, é necessário que o tribunal observe o critério e relação da proporcionalidade, previsto no n.º 2 do artigo 71.°, do Código Penal, afigura-se-nos, pois, adequada, por esta infracção criminal, uma pena inferior a dois anos e seis meses (ou seja correspondente a 1/4 limite máximo da referida moldura penal abstracta); f) Com efeito, o Código Penal nos seus artigos 50°. e seguintes, prevê o instituto da suspensão da execução da pena de prisão, o qual, como se retira do respectivo preâmbulo, constitui medida não detentiva, substitutivo particularmente adequado da pena privativa da liberdade; g) Pela co-autoria de um crime de roubo, punível com pena de prisão de um a oito anos, haveria que aplicar-se aos arguidos, ora recorrentes, em harmonia com o critério orientador definido no artigo 71.º do Código Penal, a pena inferior a dois anos e seis meses; h) Justificar-se-á, com o devido respeito, mais adequada a pena de dois anos, que deverá sempre ser suspensa na sua execução; i) O douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 50°.,70°.,71°.,77°. todos do Código Penal. Nestes termos e nos mais de direito, se requer seja concedido provimento ao presente recurso, alterando-se, na parte por este afectada, o douto acórdão recorrido, determinando-se a alteração da moldura penal aplicada aos arguidos, conforme aqui pugnado, assim se fazendo Justiça! Respondeu o MP junto do tribunal recorrido em defesa do julgado. Subidos os autos, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta nada requereu. No despacho preliminar foi entendido que o recurso é de rejeitar por manifesta improcedência. Daí que os autos tenham vindo à conferência. 2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Vejamos os factos provados. Da acusação do M.P: Na madrugada de 19-8-2001 estava VC a dormir num banco de jardim sito na Avenida da Ribeira das Naus, em Lisboa, quando foi subitamente acordado pelos três arguidos, [os recorrentes e CAGP, não recorrente] que de imediato lhe pediram o dinheiro e outros bens que trouxesse consigo, advertindo-o de que se não lhos desse o agrediriam. Assustado, o ofendido levantou-se, altura em que o arguido N lhe tirou o chapéu, com o valor jurado de 4.000$00 (quatro mil escudos), que o ofendido tinha consigo. Depois disto, o ofendido desatou a fugir, tendo sido perseguido pelos arguidos, que acabaram por o agarrar. Quando o alcançaram, o arguido P deu-lhe um soco na face, após o que os três arguidos o atiraram ao chão, aonde o mantiveram enquanto o arguido P lhe tirou dos bolsos a importância de 185$00 (cento e oitenta e cinco escudos) em moeda portuguesa, única importância monetária que o ofendido tinha. Em simultâneo, o arguido N descalçou-lhe as botas em couro, que tinham o valor jurado de 30.000$00 (trinta mil escudos), e o arguido C tirou-lhe do pulso um relógio da marca "Cásio", com o valor jurado de 5.000$00 (cinco mil escudos). Na posse de todos estes objectos, os arguidos abandonaram o ofendido, levando-os consigo e deles se apoderando, cientes de que contrariavam a vontade e lesavam o dono dos mesmos. Porém, ainda na madrugada em que os factos ocorreram, os arguidos vieram a ser detidos tendo em seu poder os objectos do ofendido, que foram apreendidos. Os arguidos agiram previamente acordados e em comunhão de esforços, deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei. Mais se provou o seguinte, da discussão da causa: O arguido P já respondeu e foi condenado, por decisões transitadas em julgado: - No processo 10/97, da 3.ª secção da 9.ª Vara Criminal de Lisboa, por um roubo cometido em 8-2-96 e acórdão de 11-4-97: 3 anos e 6 meses de prisão. - No processo 986/95, da 3.ª secção da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, por um roubo cometido em 15-5-95 e acórdão de 11-4-97: 7 meses de prisão, de execução suspensa por 2 anos. Posteriormente, foi neste mesmo processo efectuado cúmulo jurídico entre as mencionadas duas penas e o arguido condenado na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão. - No processo 99/97, da 2.a secção da 1.ª Vara Criminal de Lisboa, por um roubo cometido em 14-1-97 e acórdão de 12-3-99: 2 anos e 6 meses de prisão. Posteriormente, foi neste mesmo processo efectuado cúmulo jurídico entre as penas atrás mencionadas e o arguido condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão. O arguido P é desempregado e vive com uma tia. O arguido N já respondeu e foi condenado, por decisões transitadas em julgado: - No já acima referido processo 10/97, da 3.ª secção da 9.ª Vara Criminal de Lisboa, por um roubo cometido em 8-2-96 e acórdão de 11-4- 97: 3 anos e 4 meses de prisão. - No processo 15/98, da 2.a secção da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, por um roubo cometido em data que agora não foi possível precisar e acórdão de 11-4-97: 3 anos e 4 meses de prisão. - No processo 18/98, da 1.a secção da então 10.ª Vara Criminal de Lisboa, por um roubo qualificado cometido em 12-12-95 e acórdão de 25- 6-98: em cúmulo jurídico com as penas anteriormente referidas, 5 anos e 6 meses de prisão. - No processo 434/97, da 1.ª secção da 4.a Vara Criminal de Lisboa, por um roubo cometido em 4-12-95 e acórdão de 30-10-98: em cúmulo jurídico com as penas anteriormente referidas, 8 anos de prisão. Saiu em liberdade condicional em 11-7-2001. Desempregado, vive este arguido com sua mãe e um irmão. O arguido C é delinquente primário. Tinha vinte anos de idade aquando do cometimento dos factos pelos quais agora responde. Trabalha esporadicamente nas cargas e descargas e vive com um irmão e uma irmã. Todos os arguidos confessaram em julgamento a prática dos factos pelos quais agora respondem. Todos os bens e objectos subtraídos pelos arguidos ao ofendido e que acima se descriminaram foram por este recuperados. Factos não provados: Nenhuns. Nesta matéria de facto não se vislumbram nem lhe são assacados vícios que a infirmem, mormente os referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, motivo por que se tem por definitivamente adquirida. Não vem posta em crise a qualificação jurídica dos factos, que, de resto, também não merece censura do Supremo Tribunal de Justiça. Apenas a espécie e medida das penas que os recorrentes querem ver reduzida a dois anos de prisão, ainda assim substituída por pena suspensa. Manifestamente, não têm razão. Não a têm quanto à medida concreta aplicada, já que, tratando-se de delinquentes sucessivos, mostraram não assimilar devidamente os valores tutelados pela da ordem jurídica, a qual continuaram afoitamente a afrontar, não obstante as diversas condenações anteriores sofridas por cada um deles. E como os recursos não são meios de refinamento das decisões dos tribunais, antes, remédio para situações de ilegalidade, só seria de esperar a intervenção correctiva do Supremo Tribunal nesse ponto, acaso o tribunal recorrido tivesse incorrido em ilegalidade na tarefa de fixação concreta operada, o que não é o caso, não se mostrando as penas desproporcionadas às circunstâncias de facto apuradas, mormente o grau da ilicitude e da culpa, e as demais circunstâncias do caso, mormente a conduta anterior aos factos. Por outro lado, é de afastar resolutamente a aplicação ao caso de pena suspensa. Ensina o Professor Figueiredo Dias (1), que a finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção de reincidência». Se assim é, isto é, se a pena suspensa, apenas obedecerá no seu an e no seu quantum ao objectivo de «prevenir a reincidência», o que, naturalmente inserido no complexo juízo prognóstico quanto ao futuro comportamento do arguido - juízo aquele que sempre preside à aplicação da pena de substituição - um caso como o dos autos, embora não fosse descabido precisar melhor os motivos da opção pela pena de prisão efectiva, exclui a priori não apenas qualquer veleidade de prognose favorável com ainda a reclamada eficácia preventiva da pena suspensa. Na verdade se a aplicação e, até, o cumprimento anterior por ambos os arguidos de pesadas penas de prisão efectivas, em ambos os casos de recente termo de expiação, não bastaram para «prevenção da reincidência», não seria de esperar, agora, que uma simples pena suspensa fosse bastante para conseguir esse verdadeiro milagre. Para além de que, convém ter na devida conta, que "apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável, que no caso está de todo afastado - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime», pois, "estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor as socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise" (2). Defesa do ordenamento jurídico que, nas circunstâncias do caso descritas, reclamam o cumprimento das penas efectivas aplicadas aos recorrentes. Não se mostram, assim, violados, os artigos 50.°, 70.°, 71.° e 77° do Código Penal. Improcedem assim, manifestamente, todas as conclusões da motivação. 3. Termos em que, negando provimento aos recursos, confirmam a decisão recorrida. Os recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que gozam, vão condenados, individualmente, pelo decaimento, em taxa de justiça que se fixa em 5 unidades de conta e ainda na sanção processual - art.º 420.º, n.º 4, do Código de Processo Penal - de 4 unidades de conta cada. Lisboa,15 de Janeiro de 2004 Pereira Madeira (relator) Costa Mortágua Rodrigues da Costa _______________ (1) Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 519 (2) Ob. cit. págs. 344. |