Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1766/03.1TBPNF-N.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: PROCESSO DE FALÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA
EMBARGOS
TRÂNSITO EM JULGADO
PRAZO PARA A RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 09/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS / PROCEDIMENTOS CAUTELARES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / DESPACHO SANEADOR / SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO FALIMENTAR - SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA E SUA IMPUGNAÇÃO - VERIFICAÇÃO DO PASSIVO.
Doutrina:
- Paula Costa e Silva, A Liquidação da Massa Insolvente (intervenção datada de Setembro de 2005, curso organizado, em Maio de 2005, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em colaboração com o Conselho Distrital de Lisboa, da Ordem dos Advogados, sobre o novo regime jurídico da insolvência), publicado no site da Ordem dos Advogados.
Legislação Nacional:
CIRE: - ARTIGOS 40.º, 42.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 253.º/255.º, 388.º, 510.º, N.º4, 669.º, N.º2, 677.º.
CPEREF: - ARTIGOS 20.º, N.º3, 128.º, 129.º, 188.º, N.º2, 205.º.
Sumário :
1. Não pode considerar-se transitada em julgado a sentença que decreta a falência quando ainda seja possível a dedução de oposição mediante embargos que, na fisionomia peculiar do CPEREF, constituem um meio impugnatório específico que abarca ou inclui totalmente os típicos fundamentos de um recurso ordinário, quer versando sobre matéria adjectiva, quer sobre o mérito da causa - permitindo uma amplíssima e irrestrita impugnação da sentença, exactamente idêntica à que se pode normalmente alcançar pela via dos recursos ordinários, afectando, por isso, de forma muito substancial e profunda, a tendencial imutabilidade da decisão impugnada.

2. Na verdade, impõe-se uma interpretação funcionalmente adequada do preceituado no art. 677º do CPC – que considera transitada em julgado a decisão que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos arts. 668º e 669º - não referenciando, para este efeito, o CPC eventuais meios atípicos de impugnação ordinária das decisões judiciais, previstos noutros diplomas legais e que se não reconduzem à via do recurso ordinário ou da reclamação ou arguição de nulidades.

3. Face à especificidade do procedimento de divulgação e publicitação da sentença que decreta a falência – que não é notificada por via postal à generalidade dos credores do falido – o prazo para estes exercerem os direitos de que são titulares, incluindo a reclamação tardia prevista no art. 205º do CPEREF, só pode iniciar-se a partir do momento em que se mostram concluídas as diligências de publicitação da sentença, culminando na sua publicação em DR.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

         1. Por apenso ao processo em que foi declarada a falência de AA, intentou BB, nos termos dos arts. 201° e 205° do C.P.E.R.E.F., acção contra o falido, massa falida e credores do falido, pedindo:

- a título principal, que seja reconhecido e verificado o seu direito real de hipoteca sobre imóvel que identifica e reconhecido e verificado o seu direito a obter a separação de tal imóvel da massa falida, a qual deve ser ordenada, bem como o cancelamento da apreensão do imóvel a favor da massa falida e respectivo registo;

-           a título subsidiário, que seja reconhecido e verificado o seu invocado crédito e graduado em primeiro lugar, a fim de ser pago nos termos previstos no art. 209° do C.P.E.R.E.F...

-           ainda a título subsidiário, que seja reconhecido e verificado o seu invocado crédito e graduado como comum a fim de ser pago como os demais da mesma natureza.

Alegou para tanto, em súmula:

-           por actos de partilha realizados pelo falido, seu cônjuge e filhos, foi adjudicado a

CC (um dos filhos do falido) o prédio urbano sito em, P... e que este fez registar tal aquisição a seu favor;

- posteriormente, o CC e a sua esposa, confessando-se devedores à autora da quantia de 175.000,00€ que dela receberam de empréstimo, constituíram a seu (autora) favor, e para garantia do integral cumprimento dessa obrigação, hipoteca voluntária sobre tal imóvel, registada na conservatória por apresentação de 24/03/2003;

-           vencida a obrigação, intentou a autora para cobrança do seu crédito execução para pagamento de quantia certa no âmbito da qual foi penhorado o referido imóvel, efectuando-se o pertinente registo;

-           a Caixa DD, no ano de 2003, intentara contra o falido e filhos acção de impugnação pauliana pela qual pretendia obter a declaração de ineficácia da partilha em vida, sendo que no julgamento, porque o Sr. Liquidatário Judicial declarou não pretendeu fazer-se representar por mandatário, a Caixa DD invocou a resolução do contrato impugnado efectuada pelo Liquidatário no processo de falência, requerendo a extinção da instância por inutilidade superveniente, o que sucedeu, tendo então a autora tomado conhecimento da referida resolução, vindo a apurar que a resolução do referido contrato fora decidida pelo Liquidatário nos termos do art. 156° do C.P.E.R.E.F. e que o imóvel fora apreendido para a massa (sendo efectuado o registo da preensão);

-           o seu direito mostra-se registado anteriormente ao registo de apreensão do imóvel para a massa, não lhe sendo oponível a resolução do contrato operada pelo liquidatário, facultando-lhe (a hipoteca) um poder directo sobre a coisa (o imóvel) e, por isso, um direito absoluto inerente ao mesmo, conferindo-lhe o direito a ser paga pelo valor do bem com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, direito que pode ser exercido contra qualquer pessoa que se encontre na titularidade do direito real de gozo sobre o bem e bem assim o direito de obter a separação do bem da massa falida, a fim de ver satisfeito o seu crédito.

    Contestou a ré Massa Falida, invocando a impossibilidade da autora lançar mão da presente acção, nos termos constantes do art. 201° n°l c) do CPEREF e bem assim a caducidade da acção, ao abrigo do preceituado no art. 205° do mesmo diploma legal.

   Por sua vez, a Caixa DD … e …, impugnando os factos alegados, deduziu pedido reconvencional (pretendendo a declaração de nulidade do contrato de confissão de dívida e consequente constituição de hipoteca invocados pela autora, por simulação), deduzindo a intervenção principal provocada do CC e mulher, EE.

  Contestou também o credor Banco FF, SA, impugnando a matéria alegada e pugnando pela improcedência da acção.

    Foi admitido o incidente de intervenção principal deduzido pela Caixa DD … e … e citados os intervenientes.

   A autora respondeu às excepções deduzidas pelos contestantes, concluindo como no inicial petitório

   Findos os articulados, foi proferido saneador sentença, julgando improcedente a acção, nos seguintes termos:

-           quanto ao pedido principal, que a pretensão da autora radica em direito real de garantia, não lhe assistindo por isso, nos termos do art. 201° do C.P.E.R.E.F., qualquer direito à separação da massa do bem sobre o qual incide tal invocado direito;

-           quanto aos pedidos subsidiários, ter caducado o direito que a autora pretendia fazer valer, nos termos do art. 205°, n° 2 do C.P.E.R.E.F..

2. Inconformada com a decisão, apelou a autora, pretendendo que se determinasse o prosseguimento dos normais termos do processo

   A Relação começou por fixar a matéria de facto relevante, nos seguintes termos:

1-         1- A sentença de declaração de falência de AA foi proferida em 2/02/2004, tendo sido afixados os editais referidos no art. 128°, n° 2 do C.P.E.R.E.F. no dia 3/02/2004, publicado em 12/02/2004 no jornal 'Comércio …' o anúncio referido no art. 128°, n° 2 do C.P.E.R.E.F. e publicado no dia 27/02/2004 no Diário da República o anúncio referido no art. 128°, n° 2 do C.P.E.R.E.F.. ( matéria alterada pela Relação nos termos do art. 712).

2-         Foi lavrado termo de protesto em 19/07/2005.

3-         A presente acção foi intentada e autuada em 25/02/2005.

4-         A autora formula os seguintes pedidos: a título de pedido principal, 'Deve ser reconhecido e verificado o direito real de hipoteca da autora sobre o prédio (...) e reconhecido e verificado o direito de a mesma obter a separação do prédio (...) da massa falida, a qual deve ser ordenada, bem como o cancelamento da apreensão do imóvel a favor da massa falida e respectivo registo; subsidiariamente. Deve ser

reconhecido e verificado o crédito invocado da autora e graduado em primeiro lugar a fim de ser pago nos termos do artigo 209º do CPEREF, e ainda subsidiariamente, 'Deve

ser reconhecido e verificado o crédito invocado da autora e graduado como crédito comum a fim de ser pago como os demais da mesma natureza'.

5-         Por escritura de 28/02/2003, no Quarto Cartório Notarial do Porto, o falido AA, GG, HH, CC, II, JJ, KK e EE declararam outorgar partilha em vida dos bens do falido.

6-         Pelo falido AA foi declarado, na referida partilha, que lhe pertenciam os seguintes bens '(...) Verba Quatro: Urbano, sito na Rua ..., n° … a …, composto por casa de três pavimentos, dependência e quintal, freguesia e concelho de P..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 72, (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de P... sob o número mil duzentos e cinquenta e dois/P..., inscrito a favor do doador pela inscrição G-um', acrescentando que '(...) fazia as seguintes doações: (...) Ao quarto outorgante, CC, seu filho, doa os imóveis indicados nas verbas dois e três, o prédio identificado na verba quatro (...)'.

7-         Da aludida partilha consta ainda que: 'Disseram os terceiro e quarto outorgantes que aceitam as presentes doações nos termos exarados'.

8-         Da aludida partilha resulta ainda o pagamento de tornas pelo CC aos seus progenitores e irmão II.

9-         A referida verba quatro encontra-se inscrita a favor de CC pela inscrição G-2, ap. 16/05032003.

10-       Por escritura de 21/03/2003 em que figura como 2a outorgante a autora e como l°s outorgantes CC e mulher EE, foi pelos primeiros outorgantes declarado que 'se confessam solidariamente devedores, à segunda, da importância de cento e setenta e cinco mil euros, que receberam de empréstimo, sem juros e pelo prazo de um  ano  (...) e que para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas neste contrato, o primeiro outorgante marido, constitui a favor da segunda outorgante, hipoteca voluntária sobre o prédio urbano sito na Rua ..., n° 141 a 153, composto por casa de três pavimentos, dependência e quintal, freguesia e concelho de P..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 72, descrito na Conservatória do Registo Predial de P... sob o número mil duzentos e cinquenta e dois/P..., inscrito em seu favor pela inscrição G-dois (...)'.

11-       O acordo efectuado com referência ao citado imóvel foi objecto de resolução pelo Sr. Liquidatário Judicial no âmbito dos presentes autos de falência, tendo sido efectuada a inscrição do imóvel em causa a favor da massa falida (inscrição F-3).

12-       Esse imóvel foi apreendido para a massa falida em 15/03/2004.

3.Passando a pronunciar-se sobre a solução jurídica do pleito, começou por considerar a Relação, no acórdão recorrido, que:

Não pode assim concluir-se, face ao alegado pela autora na sua petição, que a situação seja enquadrável na primeira parte da alínea c) do n° 1 do art. 201° do C.P.E.R.E.F. - ou seja, que da matéria alegada resulte que o imóvel apreendido lhe pertença exclusivamente (isto é, que o imóvel apreendido seja da propriedade da autora) ou sequer que dele seja contitular (isto é, que seja a autora comproprietária do imóvel apreendido).

Tanto basta para demonstrar a correcção e justeza da decisão recorrida, quanto ao pedido deduzido pela autora a título principal - a improcedência de tal pretensão é manifesta.

  De seguida, no que respeita à questão da caducidade do direito, objecto dos pedidos formulados a título subsidiário, decidiu-se no acórdão recorrido julgar procedente a apelação no que concerne aos pedidos deduzidos a título subsidiário e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere não estar caduco o invocado direito da autora, determinando-se o normal prosseguimento dos autos (realização de audiência preliminar, se for entendida necessária a sua realização, ou prolação de despacho que organize ou dispense a organização da base instrutória, seguindo-se depois os posteriores termos).

   Passando a apreciar a questão jurídica subjacente ao recurso – e traduzida em determinar o exacto momento em que se inicia o prazo para, em procedimento situado no âmbito do CPEREF, se proceder à verificação ulterior de créditos, nos termos previstos no art. 205º de tal Código ( condicionando a tempestividade da reclamação tardia, ali prevista,  à circunstância de ela ocorrer no prazo de 1 ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da falência), afirmou-se  no acórdão recorrido:

A questão - confrontando os argumentos expendidos na decisão recorrida com os aduzidos na apelação - concerne tão só à determinação do termo inicial do prazo de caducidade estabelecido no art. 205°, n° 2 do C.P.E.R.E.F., isto é, à determinação da data do trânsito em julgado da sentença declaratória da falência.

A decisão recorrida entendeu considerar como matéria de facto provada a data do trânsito em julgado da sentença de declaração de falência (16/02/2004), concluindo depois, atendendo a esta data como termo inicial do referido prazo e face à data da entrada da petição em juízo (25/02/2005), pela caducidade da acção; por sua vez, a apelante defende que à data da instauração da acção em juízo (25/02/2005) ainda não tinha decorrido um ano sobre o trânsito da sentença declaratória da falência, pois que este (o trânsito da sentença) ocorreu posteriormente a 27/02/2004, data em que aquela sentença foi publicada em Diário da República e a partir da qual corria o prazo para oposição por embargos (art. 129°, n° 2 do C.P.E.R.E.F.)

Importa considerar que o primeiro facto que a decisão recorrida considerou provado não traduz matéria de facto mas antes matéria de direito — um juízo formulado a partir da aplicação de regras normativas ao concreto processamento e actos praticados no processo.

Temos por pacífico que apurar da data do trânsito em julgado de determinada decisão implica a formulação de juízos jurídicos, constituindo por isso questão de direito, e não já mera questão de facto.

Deve, por isso, ter-se como não escrita a matéria vazada pela decisão recorrida no primeiro facto considerado provado, ficando por isso expurgada do elenco da matéria de facto a considerar (art. 646°, n° 4, Ia parte do C.P.O., aplicado analogicamente)'.

Em contraponto, e nos termos dos art. 713°, n° 2 e 659°, n° 3 do C.P.C. - e porque se tratam de actos processuais levados a cabo no presente processo -, importa considerar a seguinte matéria de facto relevante para apreciar a questão:

-              a sentença de declaração de falência de AA foi proferida em 2/02/2004;

-              no dia 3/02/2004 foram afixados os editais referidos no art. 128°, n° 2 do C.P.E.R.E.F.;

-              no dia 12/02/2004 foi publicado no jornal 'Comércio …' o anúncio referido no art. 128°, n° 2 do C.P.E.R.E.F.;

-              no dia 27/02/2004 foi publicado no Diário da República o anúncio referido no art. 128°, n° 2 do C.P.E.R.E.F..

Assim, nos termos do art. 712°, n° 1, alínea b) do C.P.C, altera-se, oficiosamente, a matéria de facto, passando o facto primeiro da matéria provada a ter a seguinte redacção:

1- A sentença de declaração de falência de AA foi proferida em 2/02/2004, tendo sido afixados os editais referidos no art. 128°, n° 2 do C.P.E.R.E.F. no dia 3/02/2004, publicado em 12/02/2004 no jornal 'Comércio …' o anúncio referido no art. 128°, n° 2 do C.P.E.R.E.F. e publicado no dia 27/02/2004 no Diário da República o anúncio referido no art. 128°, n° 2 do C.P.E.R.E.F..

Com base nesta matéria cumpre afrontar a questão suscitada, apurando do termo inicial do prazo de um ano estabelecido no n° 2 do art. 205° do C.P.E.R.E.F. para a propositura da acção destinada ao reconhecimento e verificação de novos créditos ('novos' por não terem sido reclamados no prazo para tal fixado na sentença declaratória da falência -arts. 128°, n° 1, e) e 188° do C.P.E.R.E.F.).

Nos termos do art. 677° do C.P.C., a decisão considera-se passada ou transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos arts. 668° e 669° do C.P.C..

Poderia considerar-se que não admitindo a sentença declaratória de falência recurso ordinário mas apenas impugnação por embargos (art. 129° do C.P.E.R.E.F.) — sendo da decisão que os julgue que cabe recurso (art. 228° n° do C.P.E.R.E.F.) -, o seu trânsito ocorreria a partir do momento em que a mesma fosse insusceptível de reclamação .

Não concordamos, salvo o devido respeito, com tal solução.

O 'caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão (despacho, sentença ou acórdão) decorrente do seu trânsito em julgado', traduzindo-se, pois, na 'inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário' .

Característica central deste instituto é a circunstância dele 'tornar indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão', sendo certo porém que só as 'decisões susceptíveis de trânsito em julgado podem adquirir o valor de caso julgado' - as restantes, intrinsecamente incapazes de admitir recurso, tornam-se irrevogáveis devido ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz (art. 666°, n° 1 e 3 do C.P.C.)9.

O caso julgado material garante 'não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica', obstando a que um órgão jurisdicional (o mesmo ou outro) 'seja colocado perante a situação de contradizer ou de repetir a decisão transitada', representado para o tribunal o comando imperativo de não proferir decisão idêntica ou diversa da decisão transitada .

No caso julgado a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objecto posterior11.

Isto demonstra, decisivamente, em nosso entender, a impossibilidade de se considerar que a decisão declaratória da falência transita em julgado logo que dela não seja possível reclamação mesmo que seja ainda passível de impugnação através de embargos (com posterior recurso da decisão nestes proferida).

Tal entendimento teria como consequência admitir que, apesar de transitada em julgado (e por isso com força e autoridade de caso julgado), a sentença declaratória da falência poderia vir a ser substituída ou modificada por outra decisão do mesmo tribunal (nos embargos) ou até do tribunal superior (recurso da decisão dos embargos) — o que contraria a noção central do instituto do caso julgado, e sendo certo que temos como indiscutível que nos embargos e/ou no recurso interposto da sentença neles proferida aquela decisão declaratória da falência pode ser mantida, substituída ou modificada.

Defender que o trânsito da decisão declaratória da falência ocorre antes de terminado o prazo para a sua impugnação por embargos (com a possibilidade de recurso da decisão nestes proferida) implicará admitir que uma decisão transitada em julgado (e por isso com força de caso julgado) pode ser modificada por outra decisão posterior sobre o mesmo objecto (seja pelo próprio tribunal que a proferiu, seja por tribunal superior) — e isto não poderá aceitar-se, atenta a possibilidade legalmente consagrada de impugnar a sentença declaratória da falência desse modo.

Caso a sentença declaratória da falência transitasse em julgado antes do decurso do prazo para a sua impugnação por embargos, então ela apresentar-se-ia, naqueles tempestivos embargos deduzidos em vista da sua substituição ou modificação por outra decisão, como decisão dotada da autoridade de caso julgado material — os embargos estariam, pois, votados, forçosamente, ao insucesso, pela procedência da excepção do caso julgado (se a sentença declaratória da falência tivesse transitado em julgado antes do decurso do prazo para a sua impugnação por embargos, os que tempestivamente lhe fossem deduzidos seriam impossibilitados pela excepção do caso julgado, de oficioso conhecimento - arts. 494°, n° 1, i) e 495° do C.P.C.).

Porque não pode aceitar-se que (i) a decisão a proferir nos embargos (ou no recurso da decisão nestes proferida) esteja condicionada pela autoridade de caso julgado da decisão declaratória da falência ou (ii) que a noção de caso julgado comporte excepção que permita, no caso considerando, que uma decisão posterior substitua ou modifique uma decisão transitada, tem de concluir-se que a decisão declaratória da falência não transita em julgado enquanto for susceptível de impugnação por embargos.

Concluímos, pois, que a decisão declaratória da falência não transita em julgado enquanto for susceptível de impugnação por embargos — e, porque os embargos devem ser deduzidos nos cinco dias subsequentes à publicação da sentença declaratória da falência no Diário da República (art. 129°, n° 2 do C.P.E.R.E.F.), o trânsito desta só ocorre, obviamente, após esta publicação.

No caso dos autos, porque a publicação da sentença declaratória da falência (proferida em 27/02/2004) no Diário da República ocorreu em 27/02/2004 (começando aí o prazo de cinco dias para a dedução de embargos), fácil é verificar que a propositura da presente acção (em 25/02/2004) ocorreu antes de completado o prazo de um ano (prazo de caducidade) previsto no art. 205°, n° 2 do C.P.E.R.E.F. (prazo contado sem qualquer suspensão, nos termos do art. 144°, n° 4 do C.P.C.).

         4. É desta decisão que vem interposta pela massa falida a presente revista – após prolação de acórdão em que se rejeitaram as invocadas nulidades e que, apesar de admitida a fls. 391, só agora subiu à apreciação deste Supremo, -  que a entidade recorrente encerra com as seguintes conclusões:

1-         A sentença declaratória da falência no âmbito do CPEREF não admite recurso ordinário mas apenas embargos.

2-         Tal sentença transita em julgado quando não for susceptível de reclamação nos termos dos artigos 6689 e 669^ do CPC. e não apenas com o decurso de prazo para opor embargos.

3 -  A alteração  em Acórdão da data de transito em julgado em Apenso de processo de falência, decretada em 2/02/2004, face ao transito em julgado de outros Apensos em cuja data de transito sempre foi unânime, configura a existência de duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, devendo cumprir-se a que transitou em primeiro lugar, ou seja, manter-se a data de trânsito como a que vigorou desde 2004 perante as instâncias competentes.

4 - A omissão de decisão ao abrigo do artigo 684 - A n,9 2 do CPC, implica "nom liquet" o que acarreta a necessidade de reforma nos termos com conjugados dos artigos 7169 n.l e 6669 a 670 do CPC.

TERMOS EM QUE,

Revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se Acórdão que julgue a acção totalmente improcedente,

SE FARÁ JUSTIÇA

    A recorrida, na contra alegação apresentada, pronuncia-se no sentido da manutenção do decidido no acórdão impugnado.

         5. A decisão da Relação, ora impugnada, pronunciou-se sobre a tempestividade da reclamação do crédito da A. , considerando tempestiva a reclamação tardia por ela deduzida – e entendendo, por isso, que não ocorria caducidade do direito que a A. pretendia fazer valer, através do pedido subsidiário deduzido: e daí que, revogando a decisão da 1ª instância, que decretara tal caducidade, determinasse o normal prosseguimento da

acção, na fase de saneamento e condensação, já que os elementos constantes dos autos não permitiam decisão imediata sobre o mérito da causa.

   Note-se que – como decidiu a Relação, ao apreciar a nulidade por omissão de pronúncia que a entidade recorrente invocara na sua alegação – não configura esta situação processual qualquer omissão de pronúncia sobre o mérito da causa; tal como, do mesmo modo, esta decisão, de conteúdo estritamente processual e adjectivo, enquanto se limitou a mandar prosseguir o processo por entender que não existem ainda os elementos indispensáveis a uma decisão imediata no saneador, não é sequer susceptível de recurso, por força do estatuído no nº4 do art. 510º do CPC.

    O objecto da presente revista circunscreve-se, deste modo, à questão da caducidade do direito efectivado em juízo, através da reclamação de crédito ulterior ou tardia da A., estando a tempestividade da petição dependente decisivamente do momento em que se estabelecer, para este efeito, o trânsito em julgado da sentença que decretou a falência, já que a presente acção tinha necessariamente de ser intentada no prazo de 1 ano, posterior ao momento em que consumou o trânsito em julgado da dita sentença.

   Para compreender e resolver adequadamente esta questão, importa ter em conta alguns traços peculiares do regime procedimental traçado pelo CPEREF – que podem suscitar dificuldades e dúvidas fundadas se se tentar proceder a uma mera transposição automática para esta sede de conceitos gerais há muito vigentes processo civil, nomeadamente a própria e essencial definição do momento do trânsito em julgado da sentença, tal como decorre da norma constante do art. 677º do CPC; assim:

- em primeiro lugar, a urgência característica dos processos de liquidação universal determina um regime particular para a prática dos actos tendentes a possibilitar a cognoscibilidade pelos interessados directos e a proceder à publicitação oficial da sentença que decrete a falência, já que todas as diligências destinadas à execução e publicidade da sentença devem ser realizadas no prazo de 5 dias ( nº3 do art. 128º do CPEREF) : e, por isso, prevê-se a notificação da sentença ao MºPº, seguida do respectivo registo oficioso e publicação por extracto no DR, bem como num jornal divulgado na comarca, e ainda por editais afixados nos locais previstos no nº2 do referido art. 128º; é esta forma peculiar de publicitação da sentença que

decreta a falência que permite compreender que, quer a impugnação desta, necessariamente efectivada através da dedução de embargos, no prazo de 5 dias, quer o exercício do direito de reclamação de créditos no prazo normal – ou seja, dentro dos 30 dias fixados na própria sentença – se conte, não da notificação pessoal do interessado, mas antes da data de publicação da sentença no DR ( arts. 129º, nº2, e 188º, nº2, do CPEREF);

- em segundo lugar, previa o CPEREF um regime absolutamente peculiar - e excepcional - para a impugnação da sentença de declaração da falência, a efectuar necessariamente e apenas através da oposição de embargos, em que o impugnante tinha o ónus de  alegar quaisquer razões de facto ou de direito que afectassem a regularidade da sentença ou a sua real fundamentação, nos termos estabelecidos no art. 129º do CPEREF; ou seja, no âmbito deste diploma, o legislador abandonou a típica distinção entre o campo de aplicação das figuras dos embargos ou da oposição subsequente ao decretamento de certa providência ( a deduzir quando o impugnante pretendesse fazer valer matéria nova, de facto ou probatória, não contemplada nem apreciada na decisão impugnada) e do recurso ( quando entendesse que a decisão padecia de ilegalidade, devendo ter um conteúdo diverso face aos elementos que o juiz podia e devia ter ponderado, por situados no âmbito dos seus poderes cognitivos) – cfr. o lugar paralelo, no campo das providências cautelares, consagrado no art. 388º do CPC, na redacção emergente da reforma de 1995/96, e a actual fisionomia, no CIRE, da oposição de embargos à insolvência e do recurso, tal como se mostram consagrada nos arts. 40º e 42º deste diploma legal).

   Ora, poderá considerar-se que transita em julgado a sentença que decreta a falência quando ainda seja possível a dedução de oposição mediante embargos que, na fisionomia peculiar do CPEREF, constitui um meio impugnatório específico que abarca ou inclui totalmente os típicos fundamentos de um recurso ordinário, quer versando sobre matéria adjectiva, quer sobre o mérito da causa?

   Se esta questão for perspectivada em função dos valores normalmente associados à figura do caso julgado – isto é, às notas essenciais de tendencial definitividade e imutabilidade da composição de interesses judicialmente determinada – a resposta não pode deixar de ser negativa: na verdade, não parece que se possa afirmar que uma decisão judicial passível de impugnação nos amplíssimos termos que decorrem da previsão normativa do art. 129º do CPEREF tem as notas de definitividade e tendencial imutabilidade que estão associadas – e constituem o núcleo essencial -  da figura do caso julgado.

   Não se ignora obviamente que o art. 677º do CPC considera transitada em julgado a decisão que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos arts. 668º e 669º, não referenciando, para este efeito, eventuais meios atípicos de impugnação ordinária das decisões judiciais, previstos nomeadamente noutros diplomas legais e que se não reconduzem à via do recurso ordinário ou da reclamação ou arguição de nulidades.   

   Afigura-se, porém, que – numa interpretação funcionalmente adequada desta norma, que naturalmente apenas contempla os típicos meios impugnatórios que estão previstos no próprio CPC – o regime restritivo nela prescrito não pode significar – em clara subversão às notas fundamentais do instituto do caso julgado e dos valores de segurança estabilidade e certeza do direito que lhe andam associados – que uma sentença passível de amplíssima impugnação através de meio procedimental diverso do recurso ou da reclamação deva – apesar da evidente precariedade da composição de interesses por ela decretada – ter-se como transitada em julgado.

   Ou seja: se determinado diploma, diverso do CPC, contemplar um meio impugnatório atípico da sentença proferida em certo tipo especial de processo – e se esse meio impugnatório dever ser qualificado, pela amplitude dos seus fundamentos possíveis, como ordinário – não pode razoavelmente considerar-se que a sentença, impugnável ou já impugnada por essa via procedimental específica, beneficia das características de estabilidade e definitividade, imanentes à figura do caso julgado.

   Terá, pois, de se valorar cuidadosamente a funcionalidade própria do meio atípico e especial de impugnação da sentença, de modo a aferir – em paralelo com a caracterização legal dos recursos - se ele deve perspectivar-se como ordinário ( por desempenhar neste caso função equiparável à típica função dos recursos ordinários) ou antes como extraordinário ( por assumir antes uma configuração análoga à dos recursos extraordinários, que, como é sabido,  possibilitam um juízo rescisório do caso julgado).

   Na verdade, a estabilidade e a certeza inerentes ao caso julgado não são absolutos, já que a lei prevê a existência de mecanismos impugnatórios que

podem conduzir a um verdadeiro juízo rescisório do caso julgado, de que são expressão mais óbvia os recursos extraordinários: no entanto, para que um mecanismo impugnatório da sentença possa qualificar-se como extraordinário é indispensável que o mesmo seja excepcional e de aplicação restrita a situações taxativamente enumeradas – não podendo seguramente deixar de se configurar como ordinário um mecanismo processual que, permitindo uma amplíssima e irrestrita impugnação da sentença, exactamente idêntica à que se pode normalmente alcançar pela via dos recursos ordinários, afecta de forma muito substancial e profunda a tendencial imutabilidade da decisão impugnada.

   Ora, no caso que nos ocupa, parece evidente que a amplitude do âmbito e dos fundamentos possíveis dos embargos à sentença que decrete a falência é inconciliável com a fisionomia dos meios impugnatórios extraordinários, já que estes implicam sempre um carácter excepcional e uma cuidada enumeração taxativa ou fechada dos fundamentos que podem estar na sua base ( vide os típicos fundamentos da apertada admissibilidade do recurso de revisão ou do actual recurso de uniformização de jurisprudência). Pelo contrário, uma impugnação que pode ter como base a invocação de quaisquer razões de facto ou e direito que afectem a regularidade da sentença ou a sua real fundamentação, perspectivando-se como destinada a obter um resultado final ao menos idêntico ao que seria normalmente alcançável através da interposição de uma apelação ou agravo, não pode deixar de se equiparar – na óptica da estabilidade dos efeitos da sentença – aos recursos ordinários, inviabilizando, consequentemente, a sua pendência o próprio trânsito em julgado da decisão impugnada.

   Como justificadamente refere Paula Costa e Silva (A LIQUIDAÇÃO DA MASSA INSOLVENTE, intervenção datada de Setembro de 2005 no curso organizado, em Maio de 2005, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em colaboração com o Conselho Distrital de Lisboa, da Ordem dos Advogados, sobre o novo regime jurídico da insolvência .publicada  no site da Ordem dos Advogados) acerca do momento em que deve considerar-se que ocorre O trânsito em julgado da decisão declaratória da insolvência:


O primeiro requisito de que a lei faz depender a licitude dos actos de venda praticados pelo administrador da insolvência é o de que tenha transitado em julgado a decisão declaratória da insolvência do devedor.

Pergunta-se: quando transita esta decisão em julgado?

A resposta pareceria simples: a sentença declaratória da insolvência transita em julgado logo que ela seja insusceptível de recurso ou de reclamação. Este o regime constante do art. 677 do CPC.

Porém, verifica-se que a sentença pode ser impugnada pela parte legitimada, não apenas por meio de recurso (cfr. art. 42 do CIRE), mas também através de oposição (cfr. art. 40 do CIRE).

Surge nova questão. A decisão pendente de oposição transitou em julgado?

Encontramos, desde logo, uma pista no sentido de a resposta a esta interrogação ser negativa no art. 40/3. Segundo esta disposição, a oposição de embargos à sentença, bem como o recurso da decisão que, proferida sobre os embargos, haja mantido a declaração de insolvência, têm efeito suspensivo da liquidação.

Quererá isto dizer que a decisão contra a qual a parte deduziu oposição não transitou em julgado? Como se articula uma resposta eventualmente negativa a esta questão com o regime do art. 677 do CPC que se limita a aferir o trânsito em julgado pela insusceptibilidade de recurso da decisão?

A primeira observação que deve ser feita respeita à atipicidade da oposição enquanto meio de impugnação de decisões judiciais. A oposição por embargos não está prevista no art. 677 do CPC pela simples razão de que as decisões judiciais se impugnam, regra geral, por meio de recurso. E é esta regra geral que encontramos vertida no art. 677 do CPC.

E, perguntar-se-á, porque se prevê apenas a impugnação das decisões por meio de recurso e não também por meio de oposição no art. 677 do CPC.

Se bem que a resposta a esta questão seja complexa por implicar a chamada à colação de múltiplos vectores do nosso sistema de recursos em articulação com os princípios que regem a conformação do objecto processual, diremos, num esforço de simplificação, que o art. 677 do CPC limita a impugnação das decisões ao recurso na medida em que, regra geral, a sentença, quando é proferida, admitiu já o exercício de contraditório do demandado. Tal implica que a decisão, quando foi proferida, tomou já em consideração os elementos trazidos ao processo por ambas as partes adjectivas. Como tal, o meio de impugnação adequado é o recurso, já que este se caracteriza, no nosso sistema, por desencadear uma apreciação da legalidade da decisão proferida. Este aspecto é da maior relevância no que tange, directamente, à determinação do objecto abstracto do recurso (a decisão recorrida) e, indirectamente, aos fundamentos admissíveis de impugnação (ilegalidade da decisão face aos elementos de que dispunha o tribunal a quo, com quase exclusão de consideração de novos fundamentos da acção ou de defesa).

Ora, a oposição é um meio típico de reacção que implica a dedução de elementos novos (quer se trate de nova matéria de facto, quer se trate de novos meios de prova). relativamente àqueles de que o tribunal dispunha quando proferiu a decisão. Porque assim é e porque, regra geral, estes elementos são trazidos ao processo antes do proferida a decisão, não prevê a lei, como meio geral de impugnação de decisões judiciais, impeditivo do respectivo trânsito em julgado, a oposição.

No entanto, um caso paralelo àquele que o art. 40 do CIRE descreve quanto ao momento de exercício do contraditório é constituído pelas providências cautelares. Sem nos determos agora na determinação dos tipos que admitem diferimento do contraditório do requerido (refira-se que se há providências em que o diferimento é admissível outras há em que esse diferimento não é estruturalmente possível, como sucede no caso de suspensão de deliberações sociais, na medida em que o efeito útil da providência depende da citação do requerido), certo é que quando o contraditório do requerido é posterior à decisão, este tem a possibilidade de se opor a este acto jurisdicional por meio de oposição (cfr. art. 388/1b) do CPC).

E aqui nos surge nova pista, esta substancial, quanto à articulação entre o conceito de trânsito em julgado e a dedução de oposição contra uma decisão. Se a oposição determina a dedução de elementos novos e se estes deverão ser apreciados pelo tribunal, não pode aceitar-se que haja transitado em julgado uma decisão contra a qual pende oposição. Isto porque o conceito de trânsito em julgado contém uma ideia de imutabilidade e de estabilidade da decisão judicial. Ora se a decisão proferida antes da dedução de oposição não pode considerar-se nem estável, nem imutável já que é susceptível de alteração em atenção aos novos elementos a ponderar pelo tribunal não pode dizer-se que tal decisão haja transitado em julgado

A esta razão de ordem substancial acresce uma outra, se bem que mais ténue, no sentido de se não poder considerar transitada em julgado uma decisão contra a qual a parte deduziu oposição. Na verdade, diz-nos o art. 40/3 do CIRE que a decisão proferida sobre a oposição, que mantenha a declaração de insolvência, é susceptível de recurso. Se assim é, não pode ter-se por transitada a decisão pretérita, já que, sendo ela mantida, ela é susceptível de recurso.

         5. De qualquer modo, no caso dos autos não é sequer necessário dirimir a questão que se traduz em saber se – facultando-se  a reclamação

tardia de créditos até ao trânsito da sentença que viesse a ser proferida no processo de embargos - deve ser tida como tempestiva a reclamação ulterior de créditos apresentada apenas na pendência dos embargos que hajam sido deduzidos e antes da decisão final neles proferida – de modo a ampliar muito substancialmente ( conforme a duração real que venha a ter esse procedimento) o momento até ao qual é possível a reclamação tardia, prevista no art. 205º do CPEREF, - por esta via possibilitada até um ano após ser proferida decisão final e definitiva no processo de embargos: é que, na concreta situação processual que ora nos ocupa, a questão da caducidade depende apenas do juízo que se fizer acerca da existência de um atraso de alguns dias na dedução da reclamação, já que – na óptica da tese sustentada pela entidade recorrente – tal reclamação só seria tempestiva se apresentada até 16/2/05 ( isto é, decorrido o prazo de 1 ano, fixado pelo nº2 do art. 205º do CPEREF, sobre o momento em que se considerou ter transitado em julgado a sentença que decretou a falência, proferida em 2/2/04).

   Parece-nos pertinente – para além do que atrás se referiu sobre a temática do trânsito em julgado da sentença que decreta a falência -  formular duas objecções adicionais ao entendimento propugnado pela entidade recorrente.

   Em primeiro lugar, e como é evidente e incontroverso, a formação de caso julgado, decorrente da exaustão dos normais meios impugnatórios ordinários, pressupõe que a notificação da sentença tenha sido feita regularmente à parte que, sendo vencida, podia lançar mão desses meios impugnatórios. Nos casos normais, essa notificação da parte seria feita nos termos dos arts. 253º/255º do CPC, implicando a utilização da via postal , sendo a carta que a consubstancia endereçada para o escritório do mandatário da parte. Ora, no caso dos autos, percorrendo a matéria de facto provada, não se vê minimamente que a sentença que decretou a falência haja sido comunicada ao credor/ reclamante por essa via procedimental – o que, aliás, se compagina perfeitamente com a fisionomia do processo de falência, o regime prescrito para as notificações da sentença no citado art. 128º e com o contraditório mitigado que aí ocorre relativamente à generalidade dos credores do falido ( cfr. art. 20º, nº3, do CPEREF); e daqui decorre que a notificação da sentença aos credores que não hajam sido pessoalmente notificados de tal decisão apenas se poderá ter por efectivada no momento em que esteja consumada a publicitação de todos os éditos e anúncios legalmente impostos e publicada a decisão, por

extracto, no DR ( só neste momento se podendo considerar minimamente garantida a divulgação e cognoscibilidade do conteúdo da sentença pela generalidade dos credores do falido) .

   Ora, nesta perspectiva, entendemos – face à matéria de facto fixada pelas instâncias – que carece de fundamento o estabelecimento, como data do trânsito, do dia 16/2/04( decorrente aparentemente de se ter aplicado o prazo de 10 dias para reclamar nulidades  ao 3º dia posterior à afixação dos editais referidos no nº2 do art. 128º do CPEREF ). Basta, na verdade, ponderar que, nessa data de 16/2, não havia sido ainda publicada no DR a sentença – não podendo, no entendimento que se tem por correcto, ter-se a mesma por devidamente publicitada e cognoscível pelos credores do falido em momento anterior a tal forma de divulgação ( importando realçar que é a partir desse momento que se contam os prazos para a reclamação normal dos créditos, bem como para a impugnação da sentença mediante embargos, não se vendo qualquer razão plausível para estabelecer termo inicial diverso no caso de reclamação tardia de créditos).

   Acresce ainda que, num entendimento funcionalmente adequado deste peculiar meio processual de impugnação ordinária da sentença de declaração de falência, não nos parece que seja admissível a reclamação de nulidades ou o pedido de  reforma substancial de erros notórios, prevista no art. 669º, nº2, do CPC, feitos antecipada e autonomamente da oposição por embargos  - cabendo ao interessado o ónus de cumulação da invocação de tais vícios ou irregularidades no âmbito dos próprios embargos e, portanto, no prazo destes. Na verdade, os embargos constituem o único meio específico de reagir à sentença que decretou a falência, servindo para o interessado alegar quaisquer razões ou fundamentos que afectam a sua regularidade, cabendo obviamente nesta cláusula geral os vícios e irregularidades ou deficiências da sentença que, em processo civil, costumam ser arguidas através da reclamação prevista nos arts. 668º e segs. do CPC.

   Por outro lado, a suscitação autónoma e antecipada, relativamente  ao momento da dedução dos embargos, revelar-se-ia incompatível com o respeito do prazo imposto pelo nº3 do art. 128º do CPEREF ( implicando obviamente a imediata e autónoma arguição de nulidades ou outras irregularidades da sentença, a dirimir necessariamente antes da sua publicitação no DR, a impossibilidade prática de cumprir o prazo de 5

dias, imperativamente estabelecido na referida norma, para consumação de todas as diligências destinadas à execução e publicidade da sentença.

6. Invoca ainda a entidade recorrente, como fundamento a impugnação que deduziu, a violação de caso julgado, decorrente de, eventualmente em outros apensos, as instâncias terem seguido diferente entendimento acerca do início do prazo para dedução de reclamações tardias de créditos – sem, todavia, especificar, de modo apreensível, que decisões foram essas e quem eram precisamente os sujeitos e objecto desses outros procedimentos situados no círculo da falência decretada: não se mostra, pois, minimamente caracterizada a pretensa violação de caso julgado, pelo que tem naturalmente de improceder o recurso, enquanto estribado nesse específico fundamento.

Por outro lado, sustenta-se a existência de omissão de pronúncia quanto ao mérito da causa: porém, como decidiu a Relação, no acórdão de fls. 441 e segs., tal vício não se verifica, já que, nesta fase do processo, não se mostravam processualmente adquiridos todos os elementos que permitissem a pretendida apreciação do mérito.

         7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se provimento à revista, considerando tempestiva a reclamação de créditos a que se reportam os presentes autos e confirmando, por isso, o decidido no acórdão recorrido.

Lisboa, 26 de Setembro de 2013

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor