Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
048675
Nº Convencional: JSTJ00027956
Relator: LOPES ROCHA
Descritores: SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROCESSO PENAL
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ARGUIDO
AUSÊNCIA
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
RENOVAÇÃO DE PROVA
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ199602140486753
Data do Acordão: 02/14/1996
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N454 ANO1996 PAG507
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECL CONFERÊNCIA.
Decisão: DESATENDIDA A RECLAMAÇÃO.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CONST89 ARTIGO 32 N1.
CPP87 ARTIGO 421.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC48769 DE 1996/01/31.
Sumário : I - Não pode inferir-se do artigo 32, n. 1, da Constituição da República, que aí se consagre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, dado que do respectivo texto não se vislumbra qualquer referência expressa a tal respeito.
II - A ausência do arguido em audiência de julgamento no Supremo Tribunal de Justiça, onde não há lugar à renovação da prova e onde se discute apenas matéria de direito, mesmo quando se tratar, eventualmente, de apreciar vícios da sentença e ainda ou nulidades, não constitui violação do artigo 32, n. 1, da Constituição da República nem desconformidade com o artigo 6, parágrafo 1. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de
Justiça:
1 - A, arguido e recorrente nestes autos, em situação de prisão preventiva, requereu que fosse ordenada a sua requisição a fim de estar presente na próxima audiência de julgamento, cuja data ainda não foi designada (requisito de folha 5785).
Ouvido o Ministério Público, promoveu que não se tomasse conhecimento do requerido, por não ter qualquer apoio legal.
Foi proferido despacho a folha 5825, com data de 11 de
Dezembro de 1995, que indeferiu tal requerimento.
Notificado esse despacho veio o mesmo recorrente, a folha 5876, reclamar para a conferência ao abrigo do artigo 700 do Código de Processo Civil, a fim de ser proferido acórdão que, em consonância com o requerido e sustentando que a negação do direito a estar presente na audiência viola o estatuído no artigo 32, 1, da Constituição da República por inconstitucionalidade do artigo 421 do Código de Processo Penal que "nas pessoas a convocar entende como não-pessoa o recorrente", autoriza a sua presença na audiência de julgamento.
Invoca ainda a violação do artigo 6, 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Ouvido de novo o Ministério Público, veio a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta reiterar a sua opinião de que o requerimento não tem apoio legal, atento o disposto nos artigos 433, 410 e 421, todos do aludido Código e promovendo que os autos vão à conferência para se confirmar o indeferimento e condenar-se o requerente nas custas pelo incidente anómalo suscitado, além de sugerir se extraia certidão da decisão, do despacho reclamado e do requerimento de folhas 5785 e 5786, a enviar à Ordem dos Advogados para os efeitos convenientes.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2 - Como reconhece o reclamante, o artigo 421 do Código de Processo Penal prescreve que o presidente da Secção, ao designar dia para a audiência, determinará as pessoas a convocar (n. 1); mais dispondo que serão sempre convocadas para a audiência o Ministério
Público, o defensor, os representantes do assistente e das partes civis (n. 2).
Acontece que a disposição em causa faz parte do capítulo da tramitação unitária dos recursos, comum aos interpostos para a Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça. Ora, nos recursos da competência deste último, nunca há lugar à renovação da prova, razão pela qual só são convocadas para a audiência as pessoas referidas no n. 2. Assim sempre se tem entendido e não se vislumbram razões suplementares para se proceder de outra maneira (Conf., a propósito, Maia Gonçalves, no "Código de Processo Penal Anotado", 7. edição, 1996, página 613).
E não se diga que esta disposição viola o artigo 32, n. 1, da Constituição da República, por não abranger a convocação dos arguidos recorrentes, nos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça. O preceito constitucional assegura, em processo criminal, todas as garantias de defesa. Mas estas estão de facto garantidas, na justa medida em que os recorrentes participam na audiência através dos seus defensores constituídos ou oficiosos, sendo a estes garantido o direito de usarem da palavra em último lugar, verdadeira emanação do princípio do contraditório estabelecido naquele preceito constitucional (n. 5).
Aliás, o reclamante pretende apenas "assistir" à audiência de julgamento, para "ver olhos nos olhos como é a Justiça Portuguesa". Nenhuma outra explicação avança para reclamar aí a sua presença, e com razão, porquanto não havendo lugar à renovação da prova não pode intervir, como declarante ou testemunha, em debates sobre matéria de facto.
E quanto aos debates sobre questões de direito, é evidente que estão asseguradas as garantias de defesa, na medida em que está representado por mandatário forense, em que se presumem as qualidades técnico-profissionais necessárias para bom desempenho do mandato.
A não presença do arguido na audiência tem que ver com o regime dos recursos no processo penal.
O Código de Processo Penal vigente obedece, na matéria, a conhecidas razões de política legislativa.
Convém dar a palavra, a propósito, a Cunha Rodrigues:
"A regra é a de um único grau de recurso cuja tramitação contende com os próprios poderes de cognição do tribunal superior.
Uma das críticas que tenho visto fazer à nova regulamentação é a de que ela, obliquamente, esvazia a garantia do duplo grau de jurisdição. Para tornar mais claras as coisas e assumir o desafio da argumentação, recordo que do tribunal colectivo e do tribunal do júri se recorre directamente para o Supremo Tribunal de Justiça. A consagração deste recurso directo e as limitações do Supremo Tribunal de Justiça no conhecimento da matéria de facto significariam a eliminação da garantia de recurso relativamente à culpabilidade, ao arrepio do que hoje seriam aquisições comuns aos sistemas de processo penal e aos instrumentos internacionais sobre direitos e liberdades.
O argumento merece obviamente ser ponderado, ainda que pareça manifesto que repousa numa avaliação diferente das realidades.
São muitos os sistemas, mesmo na Europa a que pertencemos que, e o que é mais significativo na criminalidade mais grave, se satisfazem com uma única instância quanto ao apuramento dos factos. Citaria, entre outros, o caso da República Federal da Alemanha, em que o Tribunal Federal de Justiça e os Tribunais Regionais Superiores não conhecem de matéria de facto em recursos interpostos de tribunal colegial; o caso da Itália, em que se recorre directamente do tribunal colectivo para o Tribunal de Cassação; e o caso da Espanha em que é igualmente directo o recurso das Audiências Provinciais para o Tribunal de Cassação. Não obstante a evolução verificada nesses países, por via jurisprudencial, relativamente à autonomia das questões de facto e de direito, os Supremos Tribunais que acabamos de referir funcionam na base da ideia de cassação; isto é, se constatarem a existência de violação da lei, anulam o julgamento e reenviam o processo para outro tribunal. E nem vale ignorar, sob pena de fariseísmo, o que se passa hoje entre nós. Não só do decurso do tribunal de júri é interposto directamente para o Supremo Tribunal de Justiça como do tribunal colectivo não há, em rigor, recurso da matéria de facto. O que existe são dois recursos de revista, mais alargada, é certo, relativamente ao Tribunal da Relação.
Não desconheço também que as origens históricas do recurso directo do tribunal do júri e do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal de Justiça se encontram ligadas à ideia de soberania popular que esses tribunais representariam e que apenas os tornaria sindicáveis por violação da lei.
Mas as considerações que hoje pesam e são decisivas são bem outras. O que hoje se sabe é que a superior garantia que representam os tribunais colectivos resulta manifestamente da sua estrutura colegial e da imediação com os factos. E que há cada vez mais razões para olhar com cepticismo os segundos julgamentos, necessariamente montados sobre cenários já utilizados e com prévio ensaio geral.
É fundamental não esconder a validade das coisas. Não são considerações de dogmática ou um certo construtivísmo judiciário que abonam a vantagem ou a fatalidade do recurso directo interposto dos tribunais colegiais. As razões encontram-se noutro plano.
Assegurada a efectiva colegialidade do tribunal, garantido o contraditório e obtida uma tanto quanto possível imediação, o recurso do tribunal colectivo tem características particularmente nítidas de remédio jurídico. A previsão de um mecanismo de reapreciação dos factos não pode, nem deve, ser senão uma válvula de segurança.
Justifica-se, neste contexto, que se recusa directamente para o mais elevado órgão jurisdicional e que se confira a este órgão poderes que lhe permitam despistar situações indiciadoras de erro judiciário. É este o sentido da presente reforma. É esta a economia do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a que poderíamos chamar, com rigor, de revista alargada.
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito - como acontece com o Supremo Tribunal de Justiça - o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a)A insuficiência da matéria de facto provada, para a decisão; b) A contradição insanável da fundamentação; c) Erro notório na apreciação da prova. Ainda naqueles casos, o recurso pode sempre ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
Esta solução ganha redobrada coerência quando se recordar que as formas de processo estão organizadas segundo a natureza singular ou colegial do tribunal e que a própria definição da competência dos tribunais é, pela primeira vez, temperada com critérios que têm que ver com a maior ou menor vivacidade, rectius complexidade de captação e valoração da prova (artigo 18, n. 1, e alínea b)).
Não se pode, assim, dizer que o Código exclui o duplo grau de jurisdição relativamente à culpabilidade nos recursos do tribunal colectivo. Pode mesmo sustentar-se, fazendo uma prognose sobre o desempenho da jurisprudência, que estão abertos caminhos bem mais amplos do que os autorizados pelo actual artigo 712 do Código de Processo Civil.
O apelo que agora é feito às regras da experiência comum e à notoriedade do erro na apreciação da prova constituem, a nosso ver, uma adequada válvula de segurança para o sistema.
Uma das questões que maior resistência parece estar a provocar é a da renovação da prova. Esclarece-se, desde já que, contrariamente ao que se tem ouvido dizer, o Código não prevê que, no Supremo Tribunal, como tribunal de último recurso, seja, alguma vez, consentida renovação de prova.
A audiência tem uma organização diferenciada consoante se realiza na Relação ou no Suprem Tribunal de Justiça.
Na Relação comparecem as pessoas que o tribunal determinar, sendo, porém, obrigatória a presença do arguido sempre que haja renovação da prova. No Supremo apenas se exige a presença dos representantes da acusação e da defesa". (cfr., do autor, o estudo com o título "Recursos", na obra colectiva "Jornadas de Direito Processual Penal - O novo Código de Processo Penal" - Ed. do C.E.V., páginas 392 e seguintes).
Claro que o actual modelo de recursos que vem de ser comentado, tem sido criticado e objecto de acusações de inconstitucionalidade, deduzidas com frequência. Mas esta crítica e estas acusações têm sido sistematicamente rejeitadas tanto neste Supremo Tribunal como no Tribunal Constitucional.
Como se ponderou no recente acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 1969, Processo n. 48769, não pode inferir-se do artigo 32, n. 1, da Constituição da República que aí se consagre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, dado que do respectivo texto não se vislumbra qualquer referência expressa a tal princípio. A questão da inconstitucionalidade não é nova e tem tido resposta negativa: V. acórdãos de 9 de Maio de 1990, no B.M.J. 397/332; de 13 de Maio de 1992, no B.M.J. 417/308; de 9 de Julho de 1992, no B.M.J 397/332; de 13 de Maio de 1992, no B.M.J. 419/588; de 7 de Outubro de 1992 no B.M.J. 420/424; de 26 de Maio de 1994, na Col. Juris. II/2/233 deste Supremo Tribunal; acórdãos R. 234/93, de 17 de Março de 1993 no D. da R., 2. Série, de 2 de Junho de 1993; n. 322/93, de 5 de Maio de 1993 no D. da R. 2. Série de 19 de Outubro de
1993 e n. 141/94, de 26 de Janeiro de 1994, no D. da R., 2. série, de 7 de Janeiro de 1995, do Tribunal Constitucional.
E como se recordou no acórdão de 17 de Fevereiro de 1993, deste Supremo Tribunal, publicado no B.M.J. 424/511, a referida inconstitucionalidade não foi detectada pelo Tribunal Constitucional quando chamado a apreciar o Código de Processo Penal vigente no âmbito da fiscalização preventiva que lhe foi oportunamente requerida.
Ora, a norma do artigo 421 faz parte do regime da tramitação unitária dos recursos e dispõe para duas situações distintas - recursos para a Relação e para o Supremo: o n. 1 para a hipótese de renovação da prova, o n. 2 para a hipótese inversa.
E como o Supremo não julga matéria de facto, isto é, não reaprecia esta nem procede a uma eventual repetição do julgamento que sobre ela tenha sido feito, nenhuma razão legal impõe que convoque as pessoas diferentes das referidas naquele n. 2. Mesmo quando verificar a existência de erros de julgamento na decisão impugnada, apenas determina a repetição deste, por outro tribunal, perante o qual se fará de novo a correspondente produção da prova.
3 - Violará este sistema o artigo 6, 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem?
De modo nenhum. O tema já foi apreciado em decisões do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de cuja jurisprudência pode extrair-se a seguinte doutrina: os processos consagrados exclusivamente a questões de direito e não de facto preenchem as exigências daquele artigo ainda que o Tribunal de Cassação não autorize o recorrente a exprimir-se pessoalmente perante ele; a razão consiste em que não compete à jurisdição de recurso estabelecer os factos mas unicamente interpretar as normas jurídicas litigiosas. E tal jurisprudência vai mesmo mais longe do que o regime do
Código de Processo Penal português, ao considerar que, em casos como o apontado, a própria inexistência de audiência pública (ou de debates públicos) não viola o referido artigo 6, 1, da Convenção.
Ilustrativos desta jurisprudência são os casos EKBATANI
C. a Suécia, Ayen c. República Federal da Alemanha e
Sulter c. a Suiça.
Repiquemos algumas passagens das sentenças proferidas nestes casos, para melhor elucidação.
Assim, no primeiro, o Tribunal Europeu ponderou: "Como se sublinhou em diversas ocasiões, a ausência de debates públicos em segundo ou terceiro graus pode justificar-se pelas características do processo em causa, contanto que tenha havido audiência pública em primeira instância. Assim, os procedimentos de autorização de apelação ou consagrados exclusivamente a questões de direito (e não de facto) podem preencher as exigências do artigo 6, ainda que o tribunal de apelação ou de cassação não conceda ao recorrente a faculdade de se exprimir pessoalmente perante estes. A razão, no segundo caso, reside em que não incumbe à jurisdição de cassação estabelecer os factos mas unicamente interpretar as normas jurídicas litigiosas.
No caso Ekbatani, o Tribunal Europeu concluiu pela violação do artigo 6, parágrafo 1, da Convenção unicamente porque, considerado o processo no seu conjunto, concluiu que o tribunal sueco de apelação tinha de conhecer matéria de facto e de direito, competindo-lhe estudar a questão da culpabilidade do recorrente (ou a sua inocência); e por não existir qualquer particularidade capaz de justificar a recusa do requerente de uma audiência pública e do direito a ser ouvido em pessoa (cf. Série A: Sentenças e decisões, vol. 134, página 14).
O caso Ayen c. Alemanha comportava algumas diferenças.
Estava em causa uma queixa relativa ao facto de o
Tribunal Federal de Justiça ter rejeitado um recurso em cassação sem prévia audiência pública e de não ter pronunciado publicamente a sentença.
Ainda aqui, o Tribunal Europeu começou por ponderar que a publicidade do processo visada no artigo 6, parágrafo 1, protege os interessados contra uma justiça secreta que escapa ao controlo do público, constituindo também um dos meios de preservar a confiança nos tribunais.
Pela transparência que ela dá à administração da justiça, ajuda a realizar o objectivo daquele artigo: o processo equitativo, cuja garantia se insere entre os princípios de qualquer sociedade democrática no sentido da Convenção. Mas acrescentou: se os Estados Membros do Concelho da Europa reconhecem o princípio desta publicidade, os seus sistemas legislativos e as suas práticas judiciárias apresentam uma certa diversidade quanto à sua extensão e às suas condições, quer se trate da realização dos debates ou da pronúncia das sentenças. O aspecto formal da questão reveste, no entanto, uma importância secundária relativamente aos objectivos da publicidade estabelecidos no artigo 6, parágrafo 1. As modalidades de aplicação deste texto dependem das particularidades da instância de que se trata.
Relativamente ao Tribunal Federal, que conhecia unicamente de questões de direito, de falta de audiência pública não infringiu, no caso concreto, o citado artigo 6, parágrafo 1. E isto porque a sentença de rejeição de recurso em cassação, tornando definitiva a sentença do Tribunal de Apelação, proferida num processo cuja compatibilidade com as exigências daquele artigo em matéria de publicidade não fora contestada, mesmo na falta de audiência pública, não merecia censura à luz daquela disposição.
No que concerne à falta de pronúncia pública da sentença, também o Tribunal Europeu não a julgou procedente, atendendo às circunstâncias da causa, considerando, em particular, que o objectivo prosseguido na matéria pelo artigo 6, parágrafo 1 - assegurar o controlo do poder judiciário pelo público para salvaguarda do direito a um processo equitativo - fora atingido no decurso do processo considerado na totalidade (cf. Série A, cit., vol. 72, páginas 10 e seguintes).
Vejamos, finalmente, o caso Satter c. Suiça.
O requerente queixava-se do facto de o Tribunal Militar de Cassação ter rejeitado o seu recurso sem prévia audiência pública e também de não ter pronunciado publicamente a decisão.
Ainda aqui, retomando as considerações formuladas no aresto anterior quanto à publicidade do processo à luz do artigo 6, parágrafo 1, da Convenção, seus meios e seus objectivos (confiança do público e transparência da administração da justiça, etc.), e quanto à necessidade de ter em conta a totalidade do mesmo processo, o Tribunal Europeu ponderou que o Tribunal Militar de Cassação não havia estatuído sobre o fundo do litígio, quer sobre a questão da culpabilidade quer sobre a sanção infligida pelo tribunal inferior.
Limitou-se a negar razão ao recorrente através de uma decisão unicamente consagrada à interpretação de normas de direito em questão. Daí que nada levasse a crer que o recorrente não tivesse beneficiado de um processo equitativo, considerando que, nas circunstâncias do caso, ainda que os debates se tivessem descontrolado em público perante o Tribunal de Cassação, não assegurariam melhores garantias dos princípios fundamentais que são protegidos pelo dito artigo 6, parágrafo 1. E assim considerou que a ausência de debates públicos em cassação não infringia este artigo.
E raciocinou de igual modo quanto à falta de pronuncia pública da decisão daquele Tribunal (ct. Série A, cit., vol. 74, páginas 12 e seguintes).
Sobre esta jurisprudência do Tribunal Europeu, e para maior desenvolvimento, podem ver-se as seguintes obras:
"La Convention Européenne des Droits de l'Homme" - Commentaire article por article, seus la direction de Louis - Edmond Pettiti, Emmanuel Decaux e Pierre - Henri Imbert, Economica, página 264; "La convention Européenne des Droits de l'Homme", de Jacques Velue Rusen Ergec, Bruylart - Bruxells, 1990, página 422; e "La Convention Européennee des Droits de l'Homme", de Géneral Cohen - Jonathan, Economica - Presses Universitaires de Aix-Marseille, página 430.
Da segunda, e à guisa de resumo do que fica revelado, pode citar-se o seguinte trecho:
"A impossibilidade de comparecer pessoalmente em grau de apelação ou de cassação pode conciliar-se com o artigo 6 se o acusado estiver representado por um advogado ou se está em condições de apresentar utilmente os seus meios de defesa por escrito" (cf. página 422).
4 - Por tudo quanto fica exposto, conclui-se que a ausência do recorrente em audiência de julgamento no
Supremo Tribunal de Justiça, onde não há lugar à renovação da prova e onde se discute apenas matéria de direito, mesmo quando se trata, eventualmente, de apreciar vícios da sentença recorrida ou nulidades, não constitui violação do artigo 32, 1, da Constituição da
República sem desconformidade com o artigo 6, parágrafo
1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Termos em que , indeferindo a reclamação, confirmam o despacho reclamado.
Conquanto o requerimento que se indefere se apresente eivado de certa rivalidade e de alguma emotividade, entende-se que não ultrapassa os limites da correcção devida, assim não vêm razão para ordenar as certidões e sua remessa à Ordem dos Advogados, como vem preconizado no parecer do Ministério Público.
Pelo incidente suscitado, pagará o reclamante 3 UCs de taxa de justiça e as custas que couberem , fixando-se a procuradoria em 1/3.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 1996.
Lopes Rocha,
Costa Figuerinhas,
Castro Ribeiro.
2. Juízo de Loulé.