Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S2320
Nº Convencional: JSTJ000002030
Relator: MÁRIO TORRES
Descritores: REINTEGRAÇÃO DE TRABALHADOR
DEVERES DA ENTIDADE PATRONAL
ABANDONO DE TRABALHO
Nº do Documento: SJ200210240023204
Apenso: 1
Data do Acordão: 10/24/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 8125/01
Data: 02/06/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: LCCT89 ARTIGO 40.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1997/02/26 IN CJSTJ ANOV TI PAG282 IN BMJ N464 PAG315.
ACÓRDÃO STJ PROC4244 DE 1996/05/15 IN AD ANOXXXV N417/418 PAG1199 IN CJSTJ 1999 ANOIV TII PAG255.
Sumário : I - Transitada em julgado a decisão judicial que, na sequência de declaração da ilicitude do despedimento do autor, condenou a ré, entidade patronal, na sua reintegração, é à ré, a quem a condenação foi dirigida, que compete tomar a iniciativa de proceder à reintegração, comunicando ao autor o local e a data em que este deve apresentar-se ao serviço.
II - Apurado que a ré, notificada da aludida decisão judicial, se remeteu ao silêncio e que foi mesmo o autor que tomou a iniciativa de se dirigir ao seu antigo local de trabalho, constatando que a ré já aí não detinha instalações, não se pode dar por verificada uma situação de abandono do trabalho imputável ao trabalhador, cuja conduta, para além de não integrar uma situação de ausência ilícita, não evidencia a intenção de não retomar o trabalho.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

A, "A" deduziu, em 3 de Novembro de 2000, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, oposição à execução para prestação de facto contra ela movida, em 4 de Julho de 2000, por B visando o pagamento, pela executada, das retribuições e demais quantias devidas desde a data da sentença, de 17 de Dezembro de 1998, que a condenou a reintegrar o exequente ao seu serviço até à data da efectiva reintegração, que ainda não se verificara [no novo requerimento de execução, apresentado, a convite do Tribunal, em 27 de Setembro de 2000 (cfr. fls. 10 a 14 do respectivo processo), o exequente peticionou apenas as "retribuições não auferidas desde 17 de Dezembro de 1998 até à data de hoje"], a título de indemnização prevista no artigo 933.º do Código de Processo Civil, liquidando em 5003210$00 o devido à data da execução (incluindo 369210$00 de juros de mora), aduzindo que, após o trânsito em julgado do acórdão da Relação de Lisboa que confirmou a sentença, ocorrido em 30 de Abril de 2000, se apresentou ao serviço, nas instalações da Escola de Condução Especial Atlântida, sita na Avenida Cidade de Londres, ........, na Quinta da Fidalga, em Agualva, Cacém, onde prestava trabalho, e constatou que nas referidas instalações estava a funcionar um talho, não lhe tendo a executada comunicado outro local onde este devesse prestar as suas funções.

A executada, na oposição deduzida, alegou que não deve ao exequente a quantia peticionada, pois os efeitos da sentença foram suspensos por força do recurso, com prestação de caução, que dela interpôs, e, por outro lado, o contrato de trabalho extinguiu-se por abandono do exequente, conforme carta que a executada lhe enviou em Setembro de 2000, em virtude de até então não ter tido notícia dele.

Em resposta à oposição (fls. 11 e 12), o exequente, entendendo que, não tendo a executada caucionado o valor da execução e fundando-se esta em sentença, era aplicável o processo sumário, cabendo-lhe nomear bens à penhora, procedeu a esta nomeação, indicando o estabelecimento comercial onde a executada exerce a sua actividade e sete veículos automóveis de sua propriedade.

Frustrada tentativa de conciliação, foi de imediato ouvido o exequente em declarações (fls. 20 e 21), e, após produção de prova documental (junção da carta pela qual a executada comunicava ao exequente que considerava o contrato de trabalho cessado por abandono de lugar), foi, em 8 de Fevereiro de 2001, proferida a sentença de fls. 32 a 37, que julgou a oposição parcialmente procedente, fixando em 3024726$00 a quantia devida pela executada ao exequente, a título de indemnização pela sua não reintegração no período entre 17 de Dezembro de 1998 (data da sentença da acção declarativa) e 4 de Maio de 2000 (data do trânsito em julgado do acórdão da Relação, de 12 de Abril de 2000, que confirmou essa sentença - o exequente, no requerimento da execução indicara erradamente a data de 30 de Abril de 2000 como a do trânsito desse acórdão). Nessa sentença entendeu-se, em suma, que o exequente não ilidira a presunção de abandono do trabalho, estabelecida pelo artigo 40, n. 2, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT), quando a ausência do trabalhador ao serviço se prolongue, pelo menos, por quinze dias úteis seguidos, sem que a entidade empregadora tenha recebido comunicação do motivo da ausência, e, assim, a comunicação enviada pela executada, em 7 de Setembro de 2000, operou, nos termos do artigo 40, n. 5, da LCCT, a cessação do contrato do trabalho por abandono do exequente. Por isso, o exequente apenas teria direito, por força da sentença que condenou a executada à sua reintegração, às prestações pecuniárias correspondentes ao período posterior à sentença até à data do trânsito em julgado do acórdão da Relação de Lisboa, uma vez que, no que respeita ao período posterior a este trânsito, tendo o exequente abandonado o serviço, não tem direito às retribuições reclamadas.

Contra esta sentença apelaram quer a requerente da oposição à execução (fls. 40 a 44) quer o requerido (fls. 49 a 61): aquela sustentou que a obrigação de reintegração apenas surgiu após o trânsito em julgado do acórdão da Relação e dependia de solicitação do trabalhador, condição que não se verificou, pelo que, não existindo aquela obrigação, também não cabe indemnização pela não realização dessa prestação, nos termos do artigo 933 do Código de Processo Civil; este, para além de arguir nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à peticionada inclusão das diuturnidades no montante da retribuição, sustentou a falta do elemento subjectivo do abandono do trabalho e aduziu que a sentença exequenda também havia condenado em juros de mora.

Por acórdão de 6 de Fevereiro de 2002 (fls. 122 a 126) - entretanto publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXVII, 2002, tomo I, pág. 160 -, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso da requerente da oposição à execução e parcialmente procedente o recurso do requerido, fixando em 779660$00 a quantia devida pela executada ao exequente, a título de indemnização pela não reintegração deste no período de 5 de Maio de 2000 a 31 de Agosto de 2000. Relativamente ao recurso da requerente da oposição, nesse acórdão entendeu-se - por razões que serão reproduzidas mais adiante (infra, n. 3) - não se ter verificado abandono do trabalho por parte do requerido e, por outro lado, que "o facto de o recurso, na acção declarativa, ter subido à Relação com efeito suspensivo, não pode, após o trânsito em julgado do acórdão que confirmou a sentença da 1.ª instância, retirar força executiva imediata a esta mesma sentença, sendo certo que o trânsito em julgado deste acórdão ocorreu em 4 de Maio de 2000 e a acção executiva para prestação de facto (antes de ser ordenada a correcção do requerimento inicial pelo M.mo Juiz do tribunal recorrido) deu entrada em juízo em 4 de Julho de 2000 (...) e, portanto, já muito após o trânsito daquele acórdão". Relativamente ao recurso do requerido, o acórdão entendeu que: (i) a sentença apelada não padecia de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que na retribuição mensal de 150000$00, levada em conta no cálculo da indemnização, já estavam incluídas 3 diuturnidades no valor de 3150$00 cada; (ii) não procedia a questão suscitada relativamente aos juros de mora, porquanto "a sentença da acção declarativa só condena a executada em juros respeitantes às retribuições vencidas até à data da sentença, não constituindo título executivo em relação a quaisquer juros pelas retribuições vencidas após a sentença e até à reintegração", e, "não havendo condenação em juros em relação às retribuições vencidas após a sentença (ainda que à face da lei substantiva possa ter direito a eles), o exequente não pode exigi-los na correspondente execução de sentença, por força do disposto no artigo 45, n. 1, do Código de Processo Civil", não colhendo "o argumento de que a executada sempre estaria obrigada a pagar aqueles juros de mora à luz do disposto no artigo 933 do Código de Processo Civil (...) precisamente por ir contra o determinado no citado artigo 45, n. 1, do Código de Processo Civil: toda a execução tem de ter por base um título"; mas (iii) procedia a questão relativa à inexistência de abandono do trabalho pelas razões já expendidas a propósito do recurso da requerente da oposição.

Contra este acórdão interpôs a requerente da oposição, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de revista, terminando a respectiva alegação (fls. 155 a 161) com a formulação das seguintes conclusões:

"1. O disposto no artigo 40 do Decreto-Lei n. 64-A/89 extingue a relação laboral existente entre entidade patronal e trabalhador.

2. Tal apenas não acontecerá se o trabalhador ilidir a presunção, conforme o estabelecido no n. 3 daquele normativo.

3. In casu, o recorrido não ilidiu a presunção, nada tendo aliás dito à entidade patronal, o que apenas fez em juízo.

4. Ao não considerar a cessação da relação laboral por não ter sido ilidida a presunção estabelecida a favor da entidade patronal foi violado o disposto naquele normativo.

5. É ao trabalhador que cabe a apresentação à entidade patronal para prestar serviço, uma vez que é aquele que pretende trabalhar.

6. Tendo o recorrido perfeito conhecimento - e tendo contribuído para tal - de que o estabelecimento se encontrava encerrado, deveria ter contactado a entidade patronal no sentido de reiniciar o seu trabalho e consequentemente daí aferir da recusa ou não da entidade patronal em receber a prestação de trabalho, o que não fez.

7. Não existiu recusa da entidade patronal em receber a prestação de trabalho, nem tal recusa ficou demonstrada nos autos.

8. A cessação de contrato de trabalho efectuada apenas seria ilegítima se o recorrido tivesse agido de acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 40.° do supra citado normativo.

9. O acórdão recorrido violou assim o disposto no artigo 40.° do Decreto-Lei n.º 64-A/89 e o artigo 933.° do Código de Processo Civil, por não ter existido recusa da entidade patronal em reintegrar o trabalhador."

O ora recorrido não apresentou contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a representante do Ministério Público emitiu o parecer de fls. 168 a 173, no sentido da negação da revista, que, notificado às partes, suscitou a resposta do recorrido de fls. 178 a 180, na qual manifesta a sua concordância com o aludido parecer.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto

As instâncias deram como apurada a seguinte matéria de facto, com interesse para a decisão da causa:

1) Por sentença proferida na acção declarativa a que se reportam estes autos a ora executada foi condenada, em 17 de Dezembro de 1998, a reintegrar o ora exequente ao seu serviço, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria, e ainda a pagar ao exequente as retribuições vencidas até à data da sentença, acrescidas de juros de mora;

2) À data do despedimento (ocorrido em 20 de Maio de 1996), o exequente auferia a retribuição de 150000$00 (incluindo 3 diuturnidades, no valor de 3150$00 cada) e 700$00 de subsídio diário de refeição;

3) O exequente desempenhava as suas funções num estabelecimento designado Escola de Condução Especial Atlântida, sito na Av. Cidade de Londres, ....., na Quinta da Fidalga, em Agualva, Cacém;

4) Pelo menos à data da sentença o referido estabelecimento era propriedade da executada;

5) O exequente é sócio de uma sociedade designada Escola de Condução Especial Atlântida, a qual pelo menos à data da sentença tinha a sua sede no local referido em 3;

6) Desde data anterior a 31 de Maio de 1988, a executada confiava os sectores administrativos e burocráticos complementares ao ensino da condução, no estabelecimento referido em 3), à sociedade referida em 5);

7) A sentença referida em 1) foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 12 de Abril de 2000, notificado às partes em 17 de Abril de 2000 e transitado em julgado em 4 de Maio de 2000;

8) Desde, pelo menos, Maio de 2000, inclusive, as instalações referidas em 3) estão ocupadas por um talho;

9) Em princípios de Maio de 2000 o exequente deslocou-se ao local referido em 3);

10) A executada tem a sua sede na Av. Almirante Reis, n.º ....., Lisboa;

11) Para além do referido em 9), o exequente não contactou a executada, tendo em vista voltar ao seu serviço, não tendo, nomeadamente, comparecido na sua sede;

12) Em 7 de Setembro de 2000, a executada enviou ao exequente uma carta registada com aviso de recepção, datada de 4 de Setembro de 2000, por este recebida em 12 de Setembro de 2000, na qual a executada comunica considerar que, em virtude de o ora exequente desde Maio [de 2000] até essa data não ter comparecido ao serviço e não ter justificado por qualquer forma a sua ausência, após ter sido proferido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença do Tribunal de Trabalho de Lisboa, pela qual foi reintegrado na empresa, o exequente rescindiu o contrato de trabalho que com ela tinha, por abandono do trabalho, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 (cfr. documento junto a fls. 26 desta oposição);

13) A executada não enviou ao exequente qualquer outra comunicação antes da referida em 12).

3. Fundamentação

Como resulta do precedente relatório, o objecto do presente recurso cinge-se à questão de saber se, no caso concreto, se mostram preenchidos os requisitos do abandono de trabalho previstos no artigo 40 da LCCT.

O acórdão recorrido respondeu negativamente a esta questão, com base na seguinte fundamentação:

"(...) a questão fundamental que temos de decidir, não só no recurso interposto pela executada, mas também no recurso interposto pelo exequente, como veremos à frente, é saber se, face à factualidade que vem dada como provada, houve ou não abandono de lugar, por parte do exequente, tendo em atenção o disposto no artigo 40 da LCCT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o que constitui facto extintivo (ou pelo menos modificativo) da obrigação de reintegração, posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que, in casu, admite qualquer meio de prova (cfr. alínea g) do artigo 813 e parte final do n.° 2 do artigo 933, ambos do Código de Processo Civil).

Resolvida esta questão, temos encontrada, no essencial, a solução para ambos os recursos, partindo do pressuposto que no processo executivo vinha pedida a indemnização por danos causados com a não reintegração do exequente no período compreendido entre a data da sentença da 1.ª instância e 30 de Agosto de 2000, conforme resulta do requerimento executivo (corrigido) - cfr. fls. 10 a 14 do processo apenso.

Na sentença recorrida foi julgada parcialmente procedente a oposição à execução, sendo fixada em 3024726$00 a quantia devida pela executada, a título de indemnização pela sua não reintegração no período entre 17 de Dezembro de 1998 (data em que foi proferida a sentença na 1.ª instância - cfr. n.º 1 da matéria de facto assente) e 4 de Maio de 2000 (data do trânsito em julgado do acórdão deste Tribunal da Relação que confirmou a sentença da 1.ª instância proferida no processo declarativo - cfr. n.° 7 da matéria de facto assente).

Pergunta-se, agora: será que, face à factualidade que vem dada como provada, a situação dos autos configura um caso de abandono de lugar, por parte do exequente, atento o disposto no artigo 40 da LCCT?

Determina tal disposição legal, na parte que ora nos interessa, o seguinte:

Artigo 40 (Abandono do trabalho)

1. Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelem a intenção de o não retomar.

2. Presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, quinze dias úteis seguidos, sem que a entidade empregadora tenha recebido comunicação do motivo da ausência.

3. A presunção estabelecida no número anterior pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.

Mas será que, face ao circunstancialismo que vem dado como provado, se poderá concluir que estamos perante um caso de abandono de trabalho tal como vem definido no transcrito n. 1 do artigo 40 da LCCT?

A nossa resposta só pode ser negativa.

Em caso algo semelhante ao dos autos (igualmente em autos de oposição por embargos à execução para prestação de facto - reintegração em consequência do trânsito em julgado de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça), em que uma dependência da entidade patronal, em Coimbra (local de trabalho em que o embargado recebia ordens, pelo correio, da sua chefia directa sediada em Matosinhos), encerrou e em que a embargante invocou, também, além do mais, o «abandono do trabalho» em relação ao embargado trabalhador, escreveu-se no douto acórdão da Relação de Coimbra, de 29 de Fevereiro de 1996 (inédito), em recurso interposto de sentença proferida então pelo Relator deste processo, a seguinte passagem:

«A embargante é que ficou obrigada a cumprir o julgado. A ela cabia tomar as providências necessárias à efectivação da reintegração que lhe foi imposta, designadamente dando ao embargado as ordens e orientações de serviço pertinentes.

Quem foi condenado a proceder à reintegração do autor foi a ré. Ao autor foi apenas conferido o direito correspondente à obrigação sentenciada. O autor ficou credor. A ré é que ficou devendo.»

Este acórdão da Relação de Coimbra (que tinha confirmado a sentença da 1.ª instância, embora por razões diferentes) veio a ser confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Fevereiro de 1997, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, 1997, tomo I, págs. 282 a 286, em que da mesma forma se salientou:

«E competia à ré, que a isso fora condenada, dar o primeiro passo para o efeito. Ela é que ficou obrigada a cumprir o julgado - como bem se diz no acórdão recorrido. A verdade é que a ré, ora embargante, nada faz para observar o decidido no acórdão da Relação. Nem deu instruções directamente ao autor nem sequer para os seus serviços em Coimbra. (....)

Foi mesmo o autor que se apresentou em Coimbra, no seu antigo local de trabalho - mas debalde.

A ré ora embargante não podia invocar o abandono dum trabalho que não fora restabelecido.»

Tais princípios têm aplicação directa ao caso sub judice.

Da matéria de facto que vem dada como provada resulta o seguinte:

- O exequente desempenhava as suas funções num estabelecimento designado Escola de Condução Especial Atlântida, sito na Av. Cidade de Londres, lote ......, na Quinta da Fidalga, em Agualva, Cacém, propriedade da executada, quando foi despedido em 20 de Maio de 1996.

- A sentença de 17 de Dezembro de 1998, que considerou o despedimento do exequente ilícito e que ordenou a sua reintegração na ré, foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 12 de Abril de 2000, notificado às partes em 17 de Abril de 2000 e transitado em julgado em 4 de Maio de 2000.

- Em princípios de Maio de 2000 o exequente deslocou-se às instalações onde prestava serviço, à data do seu despedimento, as quais estavam ocupadas por um talho.

Daqui se pode concluir que o exequente, logo que teve conhecimento do trânsito em julgado do acórdão da Relação que confirmou a sentença da 1.ª instância que tinha ordenado a sua reintegração na empresa, se dirigiu, de imediato, ao seu antigo local de trabalho, o qual estava ocupado por um talho, nada mais lhe podendo ser exigido. A partir do momento que teve conhecimento que as instalações que eram consideradas o seu local de trabalho estavam ocupadas por um talho (ou mesmo que tal facto já fosse do seu conhecimento, antes do trânsito em julgado do acórdão desta Relação) só lhe restava esperar por ordens da executada a quem efectivamente incumbia a obrigação de lhe comunicar qual o novo local onde se devia apresentar para o exercício das suas funções, no seguimento da orientação seguida quer pelo Tribunal da Relação de Coimbra, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos que atrás citámos.

Não era ao exequente que competia solicitar a sua reintegração na empresa, mas sim à executada que lhe competia comunicar o novo local de trabalho, atendendo ao facto de que a executada não podia desconhecer que no primitivo local estava a funcionar um talho, sendo certo que a mesma nada fez para cumprir o sentenciado.

O comportamento do autor com a sua deslocação ao local de trabalho, após conhecer do trânsito em julgado do acórdão desta Relação denota, por si só, que o mesmo pretendia ser reintegrado, não estando preenchido o condicionalismo exigido pelo n. 1 do artigo 40 da LCCT da figura do «abandono do trabalho», na medida em que não estamos perante um ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelem a intenção de o não retomar.

Escreveu-se, e bem, na sentença recorrida:

«A declaração de ilicitude do despedimento tem como consequência que o contrato de trabalho subsiste na plenitude dos seus efeitos, como se não tivesse existido o despedimento, tendo o trabalhador direito às retribuições correspondentes ao período anterior à sentença e ainda, caso não opte pela indemnização, a ser reintegrado, com o inerente pagamento das retribuições devidas até à reintegração. O direito ao pagamento das retribuições existe independentemente de a sentença em causa ter sido alvo de recurso com efeito suspensivo, desde que tal sentença seja confirmada pelo tribunal ad quem.

Aliás, a sentença constitui título executivo não só para obter o pagamento das retribuições anteriores à mesma, como também para obter o pagamento das vencidas posteriormente, até à reintegração (neste sentido, cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Janeiro de 1998, Boletim do Ministério da Justiça, n. 473, pág. 270, e de 27 de Outubro de 1999, Boletim do Ministério da Justiça, n. 490, pág. 163).»

Ora, foram precisamente estas últimas que foram pedidas pelo exequente no processo executivo, a título de indemnização pelo dano sofrido com a não realização da reintegração por parte da executada, com fundamento no disposto no n. 1 do artigo 933 do Código de Processo Civil.

E como aquele acórdão da Relação de Lisboa, transitado em julgado, confirmou a sentença da 1.ª instância que condenou a entidade patronal na reintegração do trabalhador e não tendo havido lugar a abandono do trabalho por parte do exequente, como se deixou demonstrado, passou aquela sentença a constituir título executivo suficiente, na medida em que tem implícita a condenação do empregador no pagamento das prestações que se vão vencendo após a declaração de invalidade do despedimento, com a prolação da sentença, até à reintegração, não podendo sofrer contestação que a executada deve ao exequente (para além do mais, como veremos ao conhecer do recurso interposto pelo exequente) a quantia de 3024726$00, correspondente à indemnização pela sua não reintegração, no período compreendido entre a data da sentença proferida na 1.ª instância em 17 de Dezembro de 1998 e 4 de Maio de 2000 (data do trânsito em julgado do acórdão desta Relação que confirmou aquela).

E mesmo que se considerasse ter existido abandono do trabalho por parte do exequente, como se considerou na sentença recorrida, sempre esta quantia seria devida ao exequente, pois o facto extintivo do abandono do trabalho, posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração (considerado provado, quanto a nós erradamente na sentença recorrida), não podia actuar como tal, antes do trânsito em julgado do acórdão da Relação de Lisboa, pois, até aí, o exequente não tinha qualquer obrigação de se apresentar ao trabalho, tendo sempre de aguardar pelo trânsito em julgado deste acórdão, como aliás esperou, sendo certo que tal sentença constitui título executivo não só para obter o pagamento das retribuições anteriores à mesma, como também para obter o pagamento das vencidas posteriormente, até à reintegração.

Improcedem, pois, todas as conclusões do recurso de apelação interposto pela executada."

E mais adiante, ao apreciar o recurso do exequente, o acórdão recorrido retomou a mesma questão, produzindo as seguintes considerações complementares:

"(...) no que respeita à questão do abandono do trabalho, assiste inteira razão ao recorrente.

Não vamos aqui repetir as razões de facto e de direito que nos levaram a concluir não estar in casu preenchido o condicionalismo exigido por lei no que respeita à figura do «abandono do trabalho», e que damos aqui por inteiramente reproduzidas.

E, não tendo havido «abandono do trabalho» por parte do exequente, a executada deve ainda ao exequente, a título de indemnização, pela sua não reintegração, no período que decorreu entre 4 de Maio de 2000 e 31 de Agosto de 2000 (data que delimita o pedido no requerimento executivo, mas sem prejuízo de poder ser intentada nova acção executiva enquanto o exequente não for reintegrado), as seguintes quantias que se passam a discriminar, como se tivesse sido efectivamente reintegrado no seu posto de trabalho, neste período, por virtude de a sentença, como já no primeiro recurso deixámos fundamentado, constituir título executivo não só para obter o pagamento das retribuições anteriores à mesma, como para obter o pagamento das vencidas posteriormente até à reintegração:

Mês de Maio de 2000 = 165400$00 : 30 x 27 = 148860$00;

Meses de Junho e Julho de 2000 = 165400$00 x 2 = 330800$00;

Agosto de 2000 (férias vencidas em 1 de Janeiro de 2000 e respectivo subsídio de férias) = 150000$00 x 2 = 300000$00.

Na importância de 165400$00 mensais, já estão incluídas as três diuturnidades, como vem provado, bem como o subsídio de alimentação.

No valor das férias e do subsídio de férias (150000$00 cada), só não está incluído o subsídio de refeição, por não ser devido.

Soma tudo a importância de 779660$00 = (148860$00 + 330000$00 + 300000$00).

Deve, pois, a executada ao exequente ainda esta importância de 779660$00, a título de indemnização pela não reintegração deste, no período de 5 de Maio de 2000 a 31 de Agosto de 2000, tendo, consequentemente, este recurso de ser julgado parcialmente procedente."

O expendido no acórdão recorrido, nas passagens transcritas, sobre a não verificação dos requisitos do abandono do trabalho por parte do exequente não foram abaladas pelas alegações da recorrente, que se limita praticamente a insistir na tese de que o recorrido não ilidiu uma presunção que, no caso, não se constituíra.

Em reforço da tese seguida pelo acórdão recorrido, pondera-se ainda no parecer do Ministério Público:

"De acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, a existência de abandono do trabalho supõe a verificação cumulativa de dois requisitos: a) a ausência ao serviço do trabalhador; b) um comportamento do trabalhador que leve a inferir com segurança a sua vontade de abandonar o trabalho.

Constituindo o abandono uma causa de rescisão do contrato de trabalho considerada, pela lei, imputável ao trabalhador, devem os factos reveladores daquela ausência serem inequívocos no sentido de demonstrarem que o trabalhador quer pôr termo ao contrato de trabalho.

Por outro lado, no que respeita às regras da repartição do ónus da prova, cabe à entidade patronal o ónus de alegar e provar os factos reveladores do abandono por os mesmos serem constitutivos do seu direito de invocar a cessação do contrato de trabalho com fundamento nesse abandono (artigo 342, n. 1, do Código Civil).

Todavia, a lei estabelece a favor da entidade patronal uma presunção juris tantum de abandono do lugar, traduzida numa ausência do trabalhador ao serviço por quinze ou mais dias úteis consecutivos, sem comunicação do motivo da ausência, podendo essa presunção ser afastada pelo trabalhador mediante prova de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência (n.s 2 e 3 do artigo 40.°).

Verificado o abandono, a lei faz-lhe corresponder um efeito equivalente ao da rescisão, sem aviso prévio, do contrato pelo trabalhador (n.° 4 do artigo 40.°). Mas para que possa considerar-se rescindido o contrato por abandono do trabalho, deve a entidade patronal fazer a respectiva comunicação para a última morada do trabalhador (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Setembro de 1995, 13 de Dezembro de 1995, 22 de Outubro de 1996 e 16 de Maio de 2000, Acórdãos Doutrinais, n.° 409, pág. 127, e n.° 410, pág. 249, e processos n.°s 93/96 e 46/2000, da 4.ª Secção).

É, pois, à luz deste regime que há que apreciar se, no caso concreto, se verifica ou não o abandono do trabalho por parte do exequente.

Na decisão proferida sobre a matéria de facto, ficaram assentes os seguintes factos [omite-se a respectiva transcrição].

Perante esta factualidade, (...) consideramos que, tal como se decidiu no douto acórdão recorrido, não se verificam os requisitos do abandono de trabalho previstos na lei.

Mesmo que se considerasse que era sobre o exequente que impendia a obrigação de se apresentar no seu local de trabalho para aí ser reintegrado no seu posto de trabalho na sequência do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação que confirmou a sentença da 1.ª instância que julgou ilícito o despedimento e ordenou a sua reintegração na empresa da executada, a verdade é que o exequente cumpriu essa obrigação.

Com efeito, após o trânsito em julgado daquele acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o exequente compareceu naquele que era o seu local de trabalho à data em que foi despedido ilicitamente pela executada, não podendo, porém, reiniciar o exercício das suas funções porque nas instalações onde se situava o seu antigo local de trabalho estava a funcionar um talho.

Ora, como se refere no douto acórdão recorrido, a partir do momento em que o exequente se apresentou ao serviço nas instalações onde se situava o seu antigo local de trabalho e aí constatou que as mesmas estavam ocupadas por um talho, só lhe restava aguardar que a executada lhe comunicasse qual o novo local de trabalho onde se devia apresentar para o desempenho da sua actividade.

Sucede, porém, que a executada, apesar de saber que tinha de transferir o exequente para um novo local de trabalho, optou por remeter-se ao silêncio, em vez de comunicar ao exequente, como lhe competia, o novo local de trabalho onde aquele devia apresentar-se para reiniciar o exercício das suas funções.

Perante este circunstancialismo, não se pode concluir que a falta de comparência do exequente ao serviço se mostra acompanhada de factos que revelam a sua intenção de não o retomar.

É que o facto de o exequente se ter apresentado no seu antigo local de trabalho, após o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação que confirmou a sentença da 1.ª instância que ordenou a sua reintegração na ré, revela que o exequente pretendia retomar o exercício das suas funções, o que só não foi possível por as instalações da executada, onde se situava o local de trabalho do exequente, já não pertencerem àquela.

Daqui resulta o que motivou a ausência do exequente ao serviço foi o facto de o seu antigo local de trabalho, onde se apresentou para retomar o exercício das suas funções, já não existir, situação que, a nosso ver, é insusceptível de integrar o conceito de abandono do trabalho, pois este pressupõe o incumprimento voluntário do contrato de trabalho por parte do trabalhador com intenção da sua ruptura tácita, o que, no caso concreto, não se verifica.

Assim, consideramos que, no caso concreto, não se verificam os requisitos exigidos pela lei para a existência de abandono do trabalho invocado pela ré e, consequentemente, o douto acórdão recorrido não violou o artigo 40.° do RJCCT."

Apenas se acrescentará a estas considerações que, por um lado, quando o artigo 40 da LCCT89 fala em "ausência" que se prolonga por, pelo menos, quinze dias úteis seguidos, pressupõe, em regra, uma situação normal de comparência ao trabalho, interrompida em determinado dia por falta ao trabalho, falta que se prolonga pelo mencionado período, enquanto, no presente caso, a situação preexistente era de não prestação de trabalho determinada por despedimento (ilícito) decretado pela entidade patronal. Por outro lado, como repetidamente se salientou, não há, no comportamento do exequente, nada que indicie a intenção de não retomar o trabalho, antes pelo contrário, como o demonstra a sua ida espontânea ao seu antigo local de trabalho.

Depois, constitui entendimento jurisprudencial corrente o de que a ordem de reintegração, na sequência de reconhecimento judicial da ilicitude do despedimento, é dirigida à entidade patronal, a quem cabe tomar a iniciativa de lhe dar cumprimento, convocando o trabalhador: cfr., para além do já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Fevereiro de 1997, processo n.º 146/96, que recaiu sobre situação idêntica à presente (publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, 1997, tomo I, pág. 282, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 464, pág. 315), o acórdão de 15 de Maio de 1996, processo n.º 4244 (publicado em Acórdãos Doutrinais, ano XXXV, n.º 417-418, Outubro de 1996, pág. 1199, e na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, 1999, tomo II, pág. 255).

E se, no presente caso, se poderia entender que, embora juridicamente a isso não estivesse estritamente vinculado, o exequente poderia, dentro de um espírito de cooperação, ter-se dirigido à sede da executada, não menos certo é que, mesmo nesse plano ético, também o comportamento da executada não é isento de censura, pois, notificada da decisão da Relação, remeteu-se ao silêncio e só contactou o exequente, cuja morada assim demonstrou não desconhecer, para lhe comunicar que considerava cessada a relação laboral por pretenso abandono do trabalho.

Improcedem, assim, na totalidade, as alegações da recorrente.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Outubro de 2002.

Mário José de Araújo Torres,

Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita,

Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares.