Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99S067
Nº Convencional: JSTJ00036808
Relator: ALMEIDA DEVEZA
Descritores: SEGURO
ACIDENTE DE TRABALHO
FOLHA DE FÉRIAS
Nº do Documento: SJ199904140000674
Data do Acordão: 04/14/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 536/98
Data: 10/19/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - ACID TRAB.
Legislação Nacional: CCOM888 ARTIGO 429.
Sumário : I- Ao pretender efectuar um contrato de seguro, é o segurado quem, conhecedor do objecto do contrato que pretende, declara aquele objecto e os riscos que pretende cobrir com o seguro e as condições determinantes para a sua avaliação. E tais declarações do segurado, apesar de eventual inquérito feito pela seguradora, são primordiais, pelo que devem ser conscienciosas e sobretudo completas, de maneira a que o segurador cubra o risco com plena consciência de causa e proceda à selecção dos riscos.
II- É necessário que as inexactidões e reticências referidas no artigo 429 do
C.Comercial se verifiquem no momento da celebração do contrato de seguro.
III- As inexactidões e reticências a que se refere esse artigo 429 e, por arrastamento, a Cláusula 25. da Apólice Uniforme de Seguro de Acidentes de Trabalho, visam tão só as que existam na altura da formação do contrato de seguro e já não no seu desenvolvimento, pelo que a remessa de folhas de férias, na modalidade do seguro por prémio variável, se devem considerar não como um elemento da formação do contrato, mas como um acto do seu desenvolvimento, preenchendo a dimensão do contrato relativamente aos meses a que se referem.
IV- No contrato de seguro de prémio variável ou de folhas de férias, ao
celebrar o seguro, as partes acordam sobre o tipo de risco, a natureza do trabalho, as condições da sua prestação e outras circunstâncias que relevem para a avaliação do risco.
V- Mas já não definem o número de trabalhadores, ao contrário do que sucede com o seguro sem nomes, atentas as flutuações do pessoal ao serviço do segurado. Neste caso, são as folhas de férias que determinam, em cada mês, o âmbito pessoal da cobretura do seguro, não sendo, pois, necessário que o segurado indique qual será sempre o número de trabalhadores ao seu serviço porquanto a remessa das folhas de férias se apresenta como um acto de execução do contrato já celebrado, e posterior, como é evidente, à sua formação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
I- A, por si e em representação de seu filho menor B, ambos com os sinais dos autos, intentaram acção especial emergente de acidente de trabalho contra "C" e "D", ambas também com os sinais dos autos, pedindo que as RR sejam condenadas a pagar:
a) a pensão anual e vitalícia,com início em 21/9/996, no montante de 477312 escudos, a pagar em duodécimos mensais, a que acresce um duodécimo de igual valor ao que for pago no mês de Dezembro de cada ano à Autora A.
b) a pensão anual e temporária, com início em 21/9/996, no montante de 318808 escudos, a pagar em duodécimos mensais, a que acresce um duodécimo de igual montante ao que for pago no mês de Dezembro de cada ano;
c) a quantia de 152084 escudos de despesas de funeral, ao Autor B;
d) a quantia de 4500 escudos de despesas de transporte com deslocações a Tribunal;
e) a quantia de 19888 escudos de juros de mora sobre os duodécimos das pensões devidas e liquidados até 21/5/997;
f) juros de mora vincendos até integral pagamento, às taxas que forem sendo as legais.
Alegam, em resumo, que no dia 20/9/996, pelas 13,45 horas, E, marido da Autora A e pai do B, deslocava-se do seu local de trabalho para sua casa, conduzindo o seu motociclo: fazia essa deslocação por determinação de um responsável da "D" que lhe afirmara que devido à chuva não poderiam continuar a trabalhar; nesse trajecto foi embater num veículo pesado que se encontrava parado na via, ocupando-a na totalidade; o E trabalhava para a Ré "D" através de pertinente contrato de trabalho; na altura do referido embate chovia torrencialmente e o piso da estrada estava escorregadio, o que determinou que o E não conseguisse evitar o embate, do qual resultaram lesões que determinaram a sua morte; na altura do acidente auferia o salário de 5000 escudos diários; as despesas de funeral e de deslocações a Tribunal importaram nas quantias que a esse título pediu; a sua entidade patronal havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a Ré seguradora,tendo declarado que o E auferia um salário diário de 1800 escudos.
A Ré entidade patronal contestou, pedindo a sua absolvição, alegando, em resumo que o E tinha entrado para o seu serviço em 1/9/996 e só auferia aquela importância diária de 5000 escudos, nos dias em que efectivamente trabalhava; no dia do acidente deslocou-se ao seu local de trabalho, não para trabalhar, mas sim para visitar a obra e verificar se alguém lá se encontrava; a vítima encontrava-se em estado de embriaguez.
A seguradora contestou arguindo a nulidade do contrato de seguro, dado que muito embora o sinistrado trabalhasse para a segurada desde Agosto de 1996, esta nunca o incluiu nas folhas de férias -- modalidade do seguro -- a não ser no mês do sinistro; a folha correspondente a esse mês só foi recebida na seguradora em 31/12/996; na data do acidente trabalhavam, além do sinistrado, outras pessoas. Por impugnação alega que o percurso seguido pelo sinistrado não era mais perigoso para ele do que para a generalidade das pessoas; a sua responsabilidade estava limitada a 664300 escudos.
Após se ter elaborado o Saneador e se terem organizado a Especificação e o Questionário, procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença, nos termos seguintes:
1) considerou-se inexistir a apontada nulidade do contrato de seguro;
2) Condenou-se a Ré seguradora a pagar:
a) à Autora A a pensão anual e vitalícia de 198744 escudos, com início em 21/9/996, a que acresce em Dezembro de cada ano um duodécimo de igual montante da prestação a pagar nesse mês;
b) ao Autor B, com início em 21/9/996 a pensão anual e temporária de 132496 escudos, a que acresce, em Dezembro de cada ano, um duodécimo de igual montante ao pago nesse mês;
c) aos Autores a quantia de 55359 escudos, de despesas de funeral; e de 1638 escudos, de despesas de deslocação a Tribunal;
3) Condenou-se a Ré "D" a pagar:
a) à Autora A a pensão anual e vitalícia, com início em 21/9/996, de 278568 escudos, a que acresce, em Dezembro de cada ano, um duodécimo de igual montante ao recebido nesse mês;
b) ao Autor B, e com início em 21/9/996, a pensão anual e temporária de 185712 escudos, acrescida, em Dezembro da cada ano, de uma prestação de igual valor;
c) aos Autores a quantia de 96725 escudos, de despesas de funeral; e de 2862 escudos, de despesas de deslocação a Tribunal.
4) Mais foram as Rés condenadas a pagar juros de mora, às taxas legais, relativamente aos duodécimos das pensões devidas.
Não se conformando com esta decisão, na parte em que foi condenada, a Ré seguradora dela apelou para o tribunal da Relação do Porto que, em acórdão meramente confirmativo da sentença, julgou improcedente a apelação.
II- Da dita "decisão" da Relação recorreram para este Supremo -- recurso de Revista -- a seguradora e, subordinadamente, os Autores.
III-A- A Ré seguradora concluiu as suas alegações da forma seguinte:
1) Nos termos do contrato de seguro, estava a Ré "D" obrigada a mencionar na folha de férias os nomes e os salários pagos aos trabalhadores ao seu serviço, devendo remeter à recorrente as folhas de férias até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam;
2) O sinistrado já trabalhava para a "D" desde Setembro de 1996;
3) No dia e mês do acidente a "D" tinha ao seu serviço, além do sinistrado mais 4 trabalhadores -- F, G, e outros dois, um de nome Orlando e outro de nome José Manuel --;
4) Na folha de férias do mês do acidente, a "D" apenas fez constar o nome do sinistrado, omitindo o nome dos demais trabalhadores;
5) É por demais evidente que as declarações inexactas atrás referidas são de natureza fraudulenta;
6) Como evidente é que tal comportamento é por parte daquela "D" assumido com o intuito de não pagar à ora recorrente os prémios de seguro que lhe eram devidos;
7) E, sendo assim, é inquestionável que a actuação da Ré entidade patronal representa uma violação dolosa dos nºs.4 e 5 da Cláusula 5ª da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho, aprovada pela Norma Regulamentar nº 96/83, emitida pelo Instituto de Seguros de Portugal -- D.R. nº290, III Série, de 18/12/983 --, com manifesta repercussão e influência na apreciação do risco pela seguradora, traduzindo de forma inequívoca aquele tipo de actuação, grosseiramente fraudulenta, que o legislador não pode ter querido proteger e que aos Tribunais se impõe não dar cobertura, considerando nulo o respectivo contrato de seguro, de harmonia com o preceituado nos arts.762º, nº2 do C.Civil e 429º do C.Comercial;
8) A "sentença" e o acórdão que para ela remete violaram, entre outros, os arts.762º, nº 2 e 429º, acima referidos.
Termina, pedindo a concessão da Revista, com a sua absolvição dos pedidos.
Contra alegaram os AA concluindo:
1) À data do acidente de trabalho, vigorava entre a recorrente e a entidade patronal do sinistrado um contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável por folhas de férias;
2) Atenta a modalidade de contrato de seguro em causa, o facto de a entidade patronal do sinistrado ter omitido à seguradora que, no dia e mês do acidente, tinha ao seu serviço, para além do sinistrado, outros trabalhadores, nunca poderia determinar a nulidade do contrato de seguro, mas apenas a sua resolução;
3) Não tendo a recorrente resolvido o contrato de seguro nos termos do nº2 da Clª 26ª da Apólice Uniforme, o contrato é válido e a seguradora é responsável pela reparação dos danos do acidente de trabalho ocorrido na vigência do contrato;
4) Aliás, a seguradora aceitou a transferência da responsabilidade como válida, embora apenas pelo salário de 1820 escudosx313+52, na tentativa de conciliação que teve lugar em 8/4/997 e só anulou o contrato de seguro em 24/4/997, largos meses depois de ter tido conhecimento do acidente de trabalho em causa, o que prova que a recorrente ignorou a gravidade da omissão da entidade patronal do sinistrado, aceitando-a, pelo que a apontada omissão tem de se considerar sanada mediante a confirmação do contrato por parte da seguradora.
Termina pedindo que se negue a Revista da seguradora.
III-B- Na sua revista subordinada os AA formulam as seguintes conclusões:
1) O acidente em apreço tem de se considerar como de trabalho, como vem qualificado;
2) O sinistrado, à data do acidente trabalhava por conta da R "D", para quem exercia as funções de pedreiro, pelo menos desde 1/9/996, tendo os Autores direito à reparação dos danos emergentes do referido acidente;
3) De acordo com a Base XLIII da Lei 2127 as entidades patronais são obrigadas a transferir a sua responsabilidade pela reparação emergente de acidentes de trabalho para as entidades legalmente autorizadas a realizar o seguro do ramo de "Acidentes de Trabalho";
4) Contudo, se a transferência não ocorrer ou se o contrato de seguro se não mostrar validamente celebrado, a entidade patronal será a responsável por tal reparação;
5) Caso se entenda que não se mostra validamente transferida a responsabilidade por acidentes de trabalho para a co-Ré seguradora,deverá condenar-se a entidade patronal;
6) Caso contrário, o acórdão recorrido viola o disposto nas Bases XIV, XIX, als a) e c), XXI e L, todas da lei 2127, e nos arts.4º e 70º do Dec.360/71.
Termina pedindo que,se se julgar procedente o recurso da seguradora, deve julgar-se procedente o recurso subordinado das Autoras, revogando-se o dito "Acórdão" na parte em que condenou a co-Ré entidade patronal no pagamento de uma quota-parte da reparação peticionada, e condenando-se a entidade patronal no pagamento integral das pensões, despesas e juros peticionados.
Não houve contra alegações.
III-A- Subidos os autos a este Supremo foram corridos os vistos legais, cumprindo decidir.
Com trânsito em julgado foi considerado que o acidente dos autos é de caracterizar como acidente de trabalho.
Estando assim decidido, o objecto do recurso principal cinge-se à questão da responsabilidade da seguradora-recorrente.
Assim, só se referirão os factos dados como provados e relacionados com esta questão, e que são os seguintes:
1) Os Autores A e B são, respectivamente, mulher e filho de E, o qual, em 20/9/996, faleceu em consequência de um acidente;
2) O E trabalhava para a Ré "D";
3) À data do acidente aquele E auferia a retribuição anual de 1825000 escudos, auferindo 5000 escudos por cada dia de trabalho efectivo, pagos 5 vezes por semana;
4) À data do acidente estava em vigor um contrato de seguro titulado pela apólice nº 2742852, na modalidade de folha de férias, celebrado entre as Rés, tendo a entidade patronal, através desse contrato, transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores para a R seguradora;
5) O sinistrado trabalhava para a "D" pelo menos desde 1/9/996;
6) A "D" remeteu à Ré seguradora em Dezembro de 1996 a folha de férias relativa ao mês de Setembro desse ano, recebida pela seguradora em 31/12/996;
7) Na folha de férias de Setembro de 1996 apenas consta o nome do sinistrado;
8) No dia e mês do acidente a Ré "D" tinha ao seu serviço F e G e outros dois trabalhadores, um de nome Orlando e outro José Manuel;
9) Na folha de férias referida em 6) e 7) o sinistrado constava com um salário diário de 1820 escudos;
10) Por carta de 24/4/997, dirigida à "D" a seguradora anulou o contrato de seguro.
III-B- Como se referiu, a única questão agora em causa é a da responsabilidade da seguradora, pretendendo esta eximir-se a tal por considerar o contrato nulo.
Vejamos se assim é.
Alega a recorrente a nulidade do contrato de seguro, dado que a segurada produziu declarações inexactas, sendo essa inexactidão do seu conhecimento e influindo sobre as condições do contrato, já que nas folhas de férias enviadas, designadamente a relativa ao mês de Setembro, não se indicavam os nomes de todos os trabalhadores que a segurada tinha ao seu serviço.
A questão terá de ser resolvida face à Apólice de seguro e ao Código Comercial.
Dispõe a Cláusula 25ª da Apólice Uniforme que "À excepção dos casos referidos na Clª 7ª, as declarações inexactas ou reticentes tornam o contrato nulo, em conformidade com o disposto no artigo 429º do Código Comercial".
Este art.429º estatui que "Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou de circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo".
Por sua vez a Clª 7ª, referida naquela Clª25ª, determina que "No caso de o salário ou ordenado declarado ser inferior ao mínimo legal ou ao efectivamente pago, ou não havendo declarações de qualidade de menores de 18 anos ou de aprendiz ou de tirocinante, e respectivos salários de equiparação, o segurado responderá pela parte excedente das indemnizações e pensões e proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes, despesas judiciais e de funeral, e todas as despesas realizadas no interesse do sinistrado".

Como se vê, aquela Clª 25ª, ressalvando a referência à dita Clª 7ª, reproduz o que dispõe o art.429ª C.Com.
Por isso, teremos que ver o entendimento que deve ser dado àquele art.429º.
Ao pretender efectuar um contrato de seguro, é o segurado quem,conhecedor do objecto do contrato que pretende, quem declara aquele objecto e os riscos que pretende cobrir com o seguro e as condições determinantes para sua avaliação. E tais declarações do segurado, apesar de eventual inquérito feito pela seguradora,"são primordiais, pelo que devem ser conscienciosas e sobretudo completas de maneira a que o segurador cubra o risco com plena consciência de causa e proceda à selecção dos riscos" (dr.Pinheiro Torres, em "Ensaio Sobre o Contrato de Seguro", págs.102).
Ou, como referiu o Dr.Cunha Gonçalves (em Comentário ao Código Comercial, II v., págs.54), "o segurador ou o seu agente não pode, de cada vez que recebe uma proposta de seguros, transportar-se ao lugar onde estão as coisas seguradas, ou para lá enviar peritos, proceder a minuciosas indagações sobre a natureza e extensão do risco, etc., tem de confiar, por isso, na lealdade e probidade do segurado ou de quem fez o seguro, qualidades morais com que nem sempre se pode contar". Assim, o segurador terá de confiar fundamentalmente naquelas declarações, lealdade e probidade do segurado.
Assim, aquela declaração inexacta ou reticente a que se refere o art.429º dizem respeito a factos ou circunstâncias que, tal como refere aquele preceito, sejam conhecidas do segurado ou de quem fez o seguro e que, a terem sido conhecidas do segurador, o levariam a não contratar ou a contratar em condições diferentes. Para este efeito desinteressa conhecer da intenção do segurado, da sua actuação de boa ou má fé, pois o que se exige é que as suas declarações revistam aquelas inexactidão ou reticência que influam sobre a existência ou condições do contrato (cfr. Dr. P.Torres, ob.cit., págs.105; e Dr. C. Gonçalves, ob.cit., págs.541).
E, necessário se torna, pois, que as inexactidões e reticências referidas no artigo 429 se verifiquem no momento da celebração do contrato de seguro (cfr. Dr. C. Gonçalves, ob. Citada).
E, no contrato de seguro, haverá que distinguir a sua formação do seu natural desenvolvimento a ocorrer durante a sua vigência, designadamente quanto ao seu elemento do risco. E a inexactidão ou reticência só constituem elemento da formação e já não do referido desenvolvimento do contrato.
É óbvio que na modalidade de seguro em causa -- prémio variável ou de folhas de férias -- possam existir declarações inexactas ou reticentes na altura da formação do contrato, as quais podem ter importância para a sua validade.
Mas, haverá quer ter em conta que as inexactidões e reticências a que se refere o art.429º do CCOM e, por arrastamento, a Clª 25ª da Apólice Uniforme, visam tão só as que existam na altura da formação do contrato e já não no seu desenvolvimento, pelo que a remessa de folhas de férias, na modalidade do seguro por prémio variável, se devem considerar não como um elemento da formação do contrato, mas como um acto do seu desenvolvimento, preenchendo a dimensão do contrato relativamente aos meses a que se referem.
No caso presente estamos perante um seguro de prémio variável ou de folhas de férias.
No tipo de contrato de seguro de prémio variável, ou de folha de férias as partes, ao celebrarem o seguro, acordam sobre o tipo de risco, a natureza do trabalho, as condições da sua prestação e outras circunstância que relevem para a avaliação do risco.
Mas, já não definem o número de trabalhadores -- ao contrário do que sucede com o seguro sem nomes. E tal tem a sua razão de ser no facto das flutuações do pessoal ao serviço do segurado. Neste caso, as partes deixam para as folhas de férias a determinação daquele número de trabalhadores, sendo as folhas de férias que determinam, em cada mês, o âmbito pessoal da cobertura do seguro, não sendo, pois, necessário que o segurado indique qual será sempre o número de trabalhadores ao seu serviço, sendo certo, como se referiu, que a remessa dessas folhas apresenta-se como um acto de execução do contrato já celebrado, e posterior, como é evidente, à sua formação.
Assim, e face a este condicionalismo, não podem estar abrangidos pelo seguro os trabalhadores que dessas folhas não façam parte.
No caso dos autos não se verifica a hipótese de o sinistrado não estar incluído na folha de férias relativa ao mês do acidente. Na verdade, ele é até o único trabalhador que nela figura.
E da Apólice de seguro -- junta a fls.7 e 8 -- verifica-se que as partes acordaram num contrato de seguro de prémio variável, dela constando a actividade abrangida e o pessoal seguro, com indicação de uma só pessoa (que não é o sinistrado).
Assim, face ao que acima se referiu,temos que na altura da formação do contrato não teria havido declarações inexactas ou reticentes que (se houve, tal não foi alegado) como se referiu, pudessem levar às condições de anulação do contrato.
É certo que a seguradora alega (art.9º da Contestação) que não teria celebrado o contrato se soubesse que a segurada não iria mencionar, em cada mês, nas folhas de férias a totalidade dos trabalhadores ao seu serviço. No entanto, como atrás se viu, neste tipo de seguro as partes deixam para as folhas de férias a determinação do número de trabalhadores que no mês a que essas folhas se referem prestam a sua actividade ao segurado, não sendo necessário, e por vezes até nem é possível dada a flutuação do pessoal ao seu serviço,a indicação de qual é, sempre, o número de trabalhadores ao serviço do segurado.
E, como se referiu, a indicação do pessoal ao serviço em cada mês já não faz parte dos elementos da formação do contrato, mas sim da sua execução.
Assim, não é possível considerar como nulo o contrato de trabalho celebrado entre a recorrente e a sua segurada.
É certo que o nº4 da Clª 5ª da Apólice Uniforme impõe ao segurado a obrigação de, quando se tratar de seguro de prémio variável, enviar até ao dia 15 de cada mês, uma relação dos salários pagos no mês anterior a todo o seu pessoal, o que pressupõe, como é óbvio, a indicação de todos os trabalhadores. Mas, as "sanções" para a violação dessa obrigação estão, em relação ao contrato, estabelecidas na Clª 20ª e no nº2 da Clª 26ª: a seguradora pode cobrar um prémio agravado em 30% em relação ao último prémio emitido ou, não existindo este, ao prémio provisional; e pode, depois de ter conhecimento desse facto, revogar o seguro.
É certo que a seguradora resolveu o contrato, mas essa resolução, a qual ocorreu em momento muito posterior ao do acidente, não pode afectar os direitos adquiridos e peticionados pelos Autores (direitos esses já adquiridos nos termos do nº4 da Base XVI da Lei 2127), que em relação ao contrato de seguro são terceiros (nº1 do art.435º C.Civil).
Assim, e por esta forma, o contrato de seguro não está ferido de nulidade ou invalidade em relação ao sinistrado -- e aos Autores --, mostrando-se plenamente válido; e a posterior resolução do contrato não pode afectar os direitos dos Autores.
Aliás, essa resolução não se compatibiliza com a nulidade do contrato, pois não se pode resolver o que, sendo nulo, não existe.
Finalmente, haverá que ter em conta, no sentido da responsabilização da recorrente, o que consta do auto de conciliação de fls.38 e 39. Aí, a recorrente aceita a existência do contrato de seguro, e aceita a transferência da responsabilidade da entidade patronal pelo salário declarado na folha de férias. E, acrescente-se, só não se conciliou por entender que não se estava perante um acidente de trabalho.
Quer dizer, a recorrente aceita o seguro e a transferência da responsabilidade da segurada, até ao limite do salário declarado. Tal aceitação foi feita de forma inequívoca,equivalendo a uma verdadeira confissão judicial espontânea, e, portanto, se deve ter como definitivamente assente, pois não se alega qualquer erro pelo qual ela pudesse ser revogada.
Assim, improcedem as conclusões da Revista.
III-C- Tendo em conta a conclusão a que se chegou, não se conhece do recurso subordinado.
IV- Nos termos expostos, acorda-se em negar a Revista, e em não conhecer do recurso subordinado.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 14 de Abril de 1999.
Almeida Deveza,
Sousa Lamas,
Diniz Nunes.