Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S2885
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
FALTAS INJUSTIFICADAS
FALTAS POR CASAMENTO
DEVER DE ASSIDUIDADE
Nº do Documento: SJ20071031028854
Data do Acordão: 10/31/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. Atendendo a que o comportamento do trabalhador, aferido em função das circunstâncias concretas em que ocorreu (faltas injustificadas após a celebração de casamento no decurso do período de férias e subsequentes faltas por casamento, tendo a empregadora determinado que o autor gozaria, primeiro, a totalidade das férias durante o período de encerramento do estabelecimento e, só a partir dessa data, é que iniciaria as faltas por casamento, limitando o exercício desse direito a período seguido inferior ao legal) assume nítido carácter episódico e resultou de entendimento divergente das normas jurídicas aplicáveis, não se justifica a aplicação da mais gravosa das sanções disciplinares.
2. No caso concreto, para sancionar as faltas injustificadas dadas, seria suficiente a aplicação de uma medida disciplinar de índole conservatória, possibilitando a permanência da relação laboral, não se configurando um comportamento integrador de justa causa de despedimento, o que determina a ilicitude do mesmo, com as consequências previstas no artigo 13.º da LCCT.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 6 de Dezembro de 2004, no Tribunal do Trabalho de Guimarães, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB & COMPANHIA, L.da, pedindo que fosse declarado ilícito o respectivo despedimento e se condenasse a ré a: (i) reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; (ii) pagar-lhe todas as prestações pecuniárias que este deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até à data da sentença final que vier a ser proferida; (iii) pagar-lhe uma indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes da ilicitude do despedimento, em montante não inferior a € 10.000,00; (iv) pagar-lhe, bem como ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe fossem impostas pela sentença, a partir da data em que a mesma pudesse ser executada.

Alegou, para tanto e em síntese, que, em 11 de Dezembro de 2003, a ré o despediu ilicitamente, porque sem justa causa, para além de que a sanção sempre seria desadequada e abusiva, e que tal despedimento lhe provocou danos de natureza não patrimonial, que especifica.

A ré contestou, alegando que o autor foi despedido com justa causa em consequência das faltas injustificadas ao trabalho dadas nos dias 9, 10, 11, 12, 15, 16 e 17 de Setembro de 2003, tendo concluído pela total improcedência da acção.

Realizado julgamento, exarou-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) declarou a ilicitude do despedimento do autor; b) condenou a ré a (i) reintegrar o autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, (ii) pagar ao autor a quantia total de € 10.304,75, acrescida do valor das retribuições vincendas após esta data e até o trânsito em julgado da decisão, (iii) pagar ao autor e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 40,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração, a partir da data em que a sentença puder ser executada; e c) absolveu a ré do demais peticionado pelo autor.

2. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, «ainda que parcialmente com fundamentação diversa», sendo contra o acórdão proferido pela Relação que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das seguintes conclusões:

«1. É aplicável ao caso sub judice o regime estabelecido no DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro por força do disposto nos arts. 3.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, in fine, e 9.º, alínea c), da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho [;]
2. Tendo a Recorrente informado, expressamente, o Recorrido de que deveria comparecer ao trabalho no dia 09 de Setembro de 2003, este, por sua livre e espontânea iniciativa, bem sabendo que contrariava o que então tinha sido, legalmente, estipulado, apenas compareceu ao serviço no dia 18 de Setembro de 2003, cumprindo o que “ameaçara” fazer e faltando injustificadamente, ao trabalho, desde o dia 9 de Setembro de 2003 até ao dia 17 de Setembro, inclusive, o que consubstancia 7 faltas injustificadas [;]
3. Ao desobedecer às ordens que, legitimamente, lhe haviam sido dadas, o Recorrido violou não só o dever de obedecer à sua entidade patronal, como violou o dever de assiduidade e de realização zelosa e diligente das tarefas que lhe haviam sido confiadas (cfr. art. 20.º, n.º 1, alíneas b), c), f) e g), do DL 49 408, de 24 de Novembro de 1969) [;]
4. De facto, a atitude do Recorrido apenas pode classificar-se, para utilizar as palavras de Quintela Proença, de “indisciplina despoticamente assumida” (sublinhado nosso) (cfr. voto de vencido ao Ac. da Rel. de Coimbra, de 10/04/1997, publicado na Col. Jur., XXII, 11, 67) [;]
5. No plano jurídico-laboral, uma situação decorrente de faltas injustificadas ao trabalho traduz o incumprimento de uma obrigação contratual, donde resulta a presunção de culpa do trabalhador, atento o disposto no art. 799.º, n.º 1, do Código Civil ([v]ejam-se, neste sentido, os Acs. da Rel. do Porto de 29/01/1988, publicado na Col. Jur., 1988, I, 247, e de 10/10/1988, publicado na Col. Jur., 1988, IV, 237) [;]
6. Por se tratar de um trabalhador que era dirigente sindical, impendia sobre o Recorrido um dever acrescido de respeito e obediência à sua entidade patronal, derivado do facto de ser visto pelos demais trabalhadores da empresa como o exemplo máximo a seguir, ou seja, o facto de o trabalhador em causa ser dirigente sindical apenas fez elevar o seu grau de culpa (elevadíssimo, uma vez que tinha conhecimento da ilicitude da sua conduta), fazendo aumentar, igualmente, as necessidades de prevenção geral [;]
7. As ausências do Recorrido do seu local de trabalho, durante sete dias seguidos, não foram previamente autorizadas — muito pelo contrário, foram proibidas, pela entidade patronal — nem foram posteriormente “relevadas ou autorizadas”, como resulta do facto de elas serem uma das bases do processo disciplinar [;]
8. O Recorrido nem sequer procurou averiguar, junto da Recorrente, findo o período de férias, se havia ocorrido uma qualquer mudança de posição relativamente ao retomar da sua actividade na empresa — mudança essa que, efectivamente, não ocorreu, mostrando assim, o Recorrido, um desinteresse total por tal autorização, pois continuou a gozar as férias sem se preocupar com o facto destas lhe terem sido negadas, e sem se preocupar, ao menos, em saber se elas tinham sido posteriormente autorizadas, até porque a esposa do Recorrido compareceu ao trabalho no dia que lhe havia sido indicado [;]
9. Como ensina Menezes Cordeiro, “a falta injustificada faz esboroar a confiança merecida pelo trabalhador. Provadas as faltas injustificadas — logo ilícitas e culposas — no máximo legal, está praticamente preenchido o tipo de justa causa. Os seus reflexos na relação de trabalho advêm agora de juízos de experiência e de razoabilidade. Admite-se que, por essa via, se salve o contrato do trabalhador que não logrou justificar a falta em tempo útil, por mera falha documental, mas que, objectivamente, possa convencer que isso nunca mais se repetirá. Mas não parece adequado, por essa via, deixa [sic] penetrar um tipo de benevolência que a lei expressamente vedou e que tem imensas custas para o País”[;]
10. Um número de sete faltas injustificadas, dadas por um trabalhador dirigente sindical e com cerca de 18 anos de serviço (e, nessa medida, com deveres acrescidos perante a entidade patronal), após férias, contra as determinações da entidade patronal, consubstancia, nas mencionadas circunstâncias, a justa causa a que se reportam os n.os 1 e 2, al. g), da LCCT, o que equivale a dizer que o despedimento se mostra lícito [;]
11. Com a sua atitude extremada de desrespeito, desobediência e falta de assiduidade pré--determinada e arrogante, o Recorrido destruiu as condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, a qual implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos, tanto mais que o Recorrido era dirigente sindical e dispunha de um estatuto que lhe permitia um fácil acesso à entidade patronal [;]
12. No caso em apreço, verifica-se impossibilidade da manutenção da relação de trabalho, pois tal manutenção, face ao comportamento do trabalhador e as circunstâncias concretas do caso, fere de modo desmesurado e violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado. Esta impossibilidade de subsistência do vínculo laboral foi imediata e foi uma consequência directa e igualmente imediata do comportamento ilícito e culposo do trabalhador [;]
13. Assim, e tendo em conta todos estes elementos, temos de concluir que o comportamento do Recorrido tem a virtualidade suficiente para destruir ou abalar a confiança da Recorrente e de criar no seu espírito a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador, o que fundamenta a justa causa do despedimento do Recorrido [;]
14. Deixou de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, tendo havido uma absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, não sendo de descurar que se trata de um contrato de cariz duradouro e pessoal no que tange às relações dele emergentes (cfr. art. 762.º do Código Civil) [;]
15. No presente caso a ruptura da relação laboral tomou-se irremediável na medida em que nenhuma outra sanção era susceptível de sanar a crise contratual aberta com aquele comportamento culposo do Recorrido [;]
16. Concluindo, tendo o Recorrido faltado injustificadamente sete dias úteis seguidos, foi despedido com justa causa por se ter tornado prática e imediatamente impossível a manutenção do seu contrato de trabalho.»

Em contra-alegações, o recorrido veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista deve ser negada, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. A única questão suscitada no recurso cinge-se a saber se os factos pelos quais o autor foi despedido integram o conceito de justa causa de despedimento.

Considerando que os factos imputados ao autor e o início do procedimento disciplinar ocorreram em data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e atento o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, e 9.º, alínea c), da Lei n.º 99/2003, aplica-se, no caso, o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, doravante LCT, bem como o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, doravante LCCT.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

1) A ré dedica-se à indústria de fiação de algodão;
2) O autor é associado do Sindicato do Minho e Trás-os-Montes, tendo sido dirigente sindical desde 13 de Abril de 2002 até 2 de Abril de 2005;
3) Em 26/3/1985, no exercício da sua actividade industrial, a ré admitiu o autor ao seu serviço para este exercer, como exerceu, sob a autoridade, direcção e fiscalização daquela, as funções de contínuo;
4) Ultimamente, a ré pagava ao autor, como contrapartida pelo trabalho prestado, a remuneração base mensal de € 522,20, acrescida de € 2,24 diários a título de subsídio de alimentação;
5) O horário de trabalho do autor era o correspondente ao 3.º turno, de 2.ª a 6.ª feira;
6) O autor manteve-se, ininterruptamente, ao serviço da ré desde a data da sua admissão até 11/12/2003;
7) Em dia não concretamente apurado do início do mês de Agosto de 2003, o autor e a colega de trabalho CC comunicaram, verbalmente, à ré que iriam casar-se no dia 23 desse mês e ano;
8) Nessa mesma ocasião, o autor e a sua noiva questionaram a ré sobre até quando poderiam gozar os dias de descanso a que teriam direito a esse título, uma vez que, na data do casamento, a ré estava encerrada para férias;
9) Tendo a ré dito que iria averiguar a questão da cumulação, ou não, desses dois períodos e pediu-lhes que voltassem dali a dois dias;
10) Decorridos cerca de dois dias, a ré disse-lhes que iriam gozar férias e licença de casamento até ao dia 8 de Setembro inclusive, que teriam de comparecer ao serviço no dia 9 desse mês e que, então, veriam a questão dos restantes dias;
11) Tendo o autor respondido, de imediato, que tinha direito a gozar férias e licença de casamento até ao dia 17 de Setembro de 2003, ou seja, que as faltas dadas pelo casamento seriam gozadas imediatamente a seguir ao dia da reabertura da empresa, a 3 de Setembro;
12) Então, a ré reafirmou-lhes aquilo que havia dito sob o item 10);
13) No dia 9 de Setembro de 2003, a trabalhadora CC compareceu ao trabalho na ré;
14) O autor não compareceu ao trabalho na ré nos dias 9 a 12 e 15 a 17 de Setembro de 2003;
15) O autor faltou ao trabalho, nesses dias, sem a autorização da ré e sabendo da ordem dada pela mesma sob o item 10);
16) No dia 18 de Setembro de 2003, o autor compareceu ao trabalho na ré.
17) No dia 11/12/2003, o autor foi despedido pela ré na sequência de um processo disciplinar com os termos e os fundamentos constante de fls. 47 a 85 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
18) O autor contraiu casamento com CC no dia 23 de Agosto de 2003;
19) O Plano de Férias da ré para o ano de 2003, datado de 31/3/2003 e afixado na empresa, era o constante de fls. 138 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
20) A ré encerrou para férias desde o dia 18 de Agosto até ao dia 2 de Setembro de 2003 inclusive;
21) O autor não tinha qualquer inscrição no registo disciplinar da ré;
22) Do plano de férias referido no n.º 19 dos factos provados, constava o seguinte [matéria de facto aditada pela Relação]:
«PONTES – 2 DIAS ÚTEIS
Dia 03 Março (Segunda-feira)
Dia 09 Junho (Segunda-feira)
1.º PERÍODO – 12 DIAS ÚTEIS
INÍCIO …………………… 18 AGOSTO
FIM …………………..…… 02 SETEMBRO
2.º PERÍODO – 08 DIAS ÚTEIS
INÍCIO ……………….. 22 DEZEMBRO
FIM …………………… 02 JANEIRO/2004»;
23) Nos termos da nota de culpa que consta do documento que constitui fls. 56 a 59 dos autos, de 07.10.2003, a Ré imputou ao A., em síntese, a prática de 7 faltas injustificadas dadas no período compreendido entre 09.09.03 a 17.09.03 e, por consequência, a violação dos deveres consagrados no art. 20.º, n.º 1, als. b), c), f) e g) do DL 49.708, de 24.11.69 [matéria de facto aditada pela Relação];
24) E em cujos n.os 6, 7 e 8 refere [matéria de facto aditada pela Relação]:
«6. Ao arguido e à trabalhadora CC foi-lhes dito nessa ocasião pela entidade patronal, de que iriam gozar férias até ao dia 3 de Setembro, a partir desse dia até 8 de Setembro, inclusive, faltariam justificadamente correspondente [sic] ao descanso por ocasião do casamento, e de que, portanto, teriam de comparecer ao serviço a partir do dia 9 do mesmo mês e ano [;]
7. O arguido disse, nesse momento que, uma vez que era delegado sindical, tinha direito a “gozar férias” até ao dia 17 de Setembro de 2003, ou seja, que as faltas pelo casamento, ocorrido a 23 de Agosto, seriam gozadas imediatamente a seguir ao dia de reabertura da empresa a 3 de Setembro [;]
8. Nessa altura foi expressa e claramente explicado e referido ao arguido o entendimento e posição da entidade patronal, e que esta mantinha, isto é, de que [o] arguido gozaria férias e faltaria justificadamente até ao dia 8 de Setembro de 2003»;
25) Na decisão de despedimento que consta do documento que constitui fls. 74 a 78 dos autos e para além do mais que dela consta, [a] Ré refere ter decidido aplicar ao A. a sanção do despedimento pelos factos constantes da nota de culpa, que os considera «inteiramente provados», nela referindo também o que se deixou transcrito no n.º 24 [matéria de facto aditada pela Relação].

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no presente recurso.

2. Importa, então, ajuizar se a conduta imputada ao autor, de acordo com a matéria de facto dada como provada, integra ou não justa causa de despedimento.

2.1. A este propósito, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

«[…] O A. veio a ser despedido por, conforme lhe foi imputado, haver dado 7 faltas injustificadas nos dias 9 a 12 e 15 a 17 de Setembro de 2003.
De acordo com o mapa de férias elaborado aos 31.03.2003, o A. gozaria as suas férias anuais em três períodos: 2 dias úteis de férias, um em Março, outro em Junho; 12 dias úteis entre 18 de Agosto e 02 de Setembro e 8 dias úteis entre 22 de Dezembro e 02 Janeiro de 2004; a Ré encerrava para férias no período de 18 de Agosto a 02 de Setembro; no início de Agosto de 2003, o A. e a sua noiva (sua colega de trabalho) comunicaram à Ré que iriam casar-se a 23 desse mês e, face ao encerramento desta para férias, questionando-a sobre quando poderiam gozar os “dias de descanso” consequentes ao casamento, ao que esta respondeu que se iria informar da acumulação, ou não, desses dois períodos; passados dois dias, a Ré informou que aqueles iriam gozar férias e licença de casamento até ao dia 08 de Setembro, inclusive, após o que, no dia 9/09, teriam de comparecer, altura em que, então, veriam a questão dos restantes dias. O A. respondeu que tinha direito a gozar as férias e licença de casamento até ao dia 17.09.2003, pois que as faltas dadas pelo casamento seriam gozadas imediatamente a seguir ao dia da reabertura da empresa, a 3 de Setembro, ao que a Ré lhe reafirmou o que lhe havia dito. O A. não compareceu ao trabalho nos dias 9 a 12 e 15 a 17 de Setembro, apenas o havendo feito aos 18 desse mês. O A. casou aos 23.08.2003.
Importa, pois, apurar se as ausências do A. no período em questão são, ou não, justificadas. E, para tanto, haverá que apreciar as seguintes questões:
a) Saber se o casamento (e o consequente período de faltas justificadas legalmente previsto) contraído no decurso do período de férias, suspende, ou não, o direito ao gozo de tais férias e, a este propósito, apreciar da nulidade, invocada pela Recorrente, da clª 48.ª, n.º 2, do CCT aplicável à relação jurídico-laboral entre as partes;
b) Em caso de respostas, respectivamente, afirmativa e negativa às questões acima referidas, saber quando devem ser gozadas as restantes férias, designadamente se imediatamente após o termo da período previsto para as faltas por casamento (que, por comodidade, designaremos de licença de casamento) ou em período a determinar por acordo entre o trabalhador e o empregador ou apenas pelo empregador e, a este propósito, apreciar da interpretação, defendida pela recorrente, da mencionada clª.
c) Se existe justa causa para o despedimento do Recorrido.
3. Começaremos pela questão mencionada em a) — Saber se as faltas justificadas por virtude de casamento contraído em período de férias suspende[m], ou não, o direito ao gozo das férias:
O regime das férias, feriados e faltas consta do DL 874/76, de 28.12 [de ora em diante, as normas legais citadas sem indicação do respectivo diploma reportam-se a este diploma], o aplicável atenta a data da prática dos factos.
O direito a férias tem consagração constitucional (cfr. artº 59.º, n.º 1, al. d), da CRP), bem como no mencionado DL, visando a recuperação física e psíquica do trabalhador, assegurar-lhe condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural, sendo irrenunciável (cfr. artº 2.º).
Por sua vez, dispõe o artº 22.º, n.º 1, que “falta é a ausência do trabalhador durante o período normal de trabalho a que está obrigado” e o artº 23.º, que as faltas podem ser justificadas ou injustificadas (n.º 1), elencando-se no n.º 2 as situações de faltas justificadas entre as quais avulta, no que ora importa, a sua al. a), nos termos da qual o serão “as dadas por altura do casamento, até onze dias seguidos, excluindo os dias de descanso intercorrentes” e determinando o n.º 3 que são consideradas injustificadas todas as faltas não previstas no número anterior.
Ao contrário do que sucede a propósito do efeito de doença no período de férias — em que o artº 12.º, n.º 1, determina que a mesma suspende o período de férias [e, de forma idêntica, o artº 219.º do Código do Trabalho] — nada se refere quanto à suspensão do período de férias em caso de casamento contraído no decurso das mesmas [tal como aliás o CT — cfr. artºs 224.º e segs].
Considerando, por um lado, tal omissão e, por outro, que o conceito de falta pressupõe que a não comparência ocorra em altura em que deveria ser prestado trabalho e que, não existindo, em férias, tal dever de prestação, nem, consequentemente, falta ao trabalho, poder-se-ia concluir que, face pelo menos à letra da lei, o casamento no decurso de férias será inócuo no que se reporta a qualquer efeito sobre o direito às férias que se encontrem em curso aquando do casamento. Ou seja, da lei não resultaria a obrigatoriedade da suspensão do direito a férias.
Atendendo, no entanto, à diferente natureza e função social que cada um dos direitos — ao gozo de férias e à mencionada ausência por casamento — desempenha, bem como à importância e fundamental relevância que cada um deles representa na vida pessoal do trabalhador, bem como ao desigual e injustificado tratamento relativamente aos trabalhadores que contraíssem casamento dentro ou fora do período de férias, muitas têm sido as convenções colectivas de trabalho a consagrar que a ausência por casamento, quando este ocorrer durante as férias, não prejudica o gozo integral das férias.
Ora, é esta a situação dos autos.
Com efeito, o A. alicerça o direito ao gozo da licença de casamento e ao período integral das férias no disposto no artº 48.º, n.º 2, al. b), da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a Associação Nacional das Industrias Têxteis, Algodoeiras e Fibras e outras e o Sindetex – Sindicato Democrático dos Têxteis e outros, publicada no BTE n.º 37, de 08.10.81, com a redacção introduzida pela alteração publicada no BTE, 1.ª série, n.º 37, de 08/10/1983 (ambas com Portaria de Extensão publicadas nos BTE, n.º 43, de 22.11.81, e n.º 39, de 22/10/1983, respectivamente), cláusula essa na qual se dispõe que “O período de ausência por casamento, não prejudicará o gozo integral das férias, quando ocorrer durante estas” e que, assim, dá resposta à questão da suspensão das férias em caso de coincidência temporal entre estas e o casamento.
Tal instrumento é aplicável às partes, por via das mencionadas Portarias de Extensão, como aliás a Ré aceita.
Por outro lado, à relação jurídico laboral em apreço nos autos, é aplicável a citada clª, porém com a redacção transcrita, e não já com a sua nova versão, que a eliminou, constante da alteração publicada no BTE n.º 7, de 22.02.2003.
Com efeito, e como a própria Ré o refere e aceita, a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal (na qual o Sindicato do A. é filiado) deduziu oposição a essa alteração, recusando a aplicação aos trabalhadores por si representados do regime de faltas nela previstos; e, na sequência da oposição a essa alteração, que foi acolhida, a Portaria de Extensão, publicada no BTE n.º 21, de 08.06.2003, veio determinar, no seu artº 1.º, al. c), que ela (portaria de extensão) não é aplicável às relações de trabalho tituladas por trabalhadores filiados em sindicatos inscritos na FETESE.
3.1. Defende, no entanto, a Ré que tal clª contraria o carácter imperativo absoluto do DL 874/76, indo para além do regime estabelecido no art. 23.º, n.º 1, alínea a) do DL 874/76, pelo que seria nula, questão esta que, assim, importa apreciar.
O então artº 69.º da LCT, antecessor do regime constante do DL 874/76 e por este revogado, elencava de forma exemplificativa as faltas, após o qual veio a ser publicado este diploma visando o propósito de “estímulo à produção e combate ao absentismo” [cfr. seu preâmbulo] e no âmbito do qual se veio afirmando a natureza imperativa absoluta de algumas das suas normas, designadamente do seu artº 23.º, n.º 2, relativo à tipologia das faltas justificadas.
Discutiu-se então sobre a natureza taxativa ou exemplificativa do elenco constante do artº 23.º, argumentando-se, em apoio daquela, com o propósito acima mencionado e com a interpretação, a contrario sensu, do seu n.º 3, na medida em que se todas as faltas não previstas no seu n.º 2 se deveriam considerar como injustificadas, então a enumeração das justificadas devia ser considerada como taxativa [no sentido da natureza taxativa, veja-se Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Almedina, 6.ª edição, I Volume, p. 294, e 13.ª edição, p. 386; em sentido contrário, Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, p. 512, e Despacho do Ministro do Trabalho, de 03.04.78, in BTE, 1.ª Série, n.º 15, de 22.04.78, de cujos pontos 1, transcrito no douto Parecer do Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, consta que: “1 – Salvo menção expressa em contrário, as normas contidas no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, possuem a natureza e obedecem aos princípios próprios das normas de direito do trabalho. Vale quanto a elas plenamente o disposto no artigo 13.º do regime jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, pelo que apenas são insusceptíveis de preterição por normas que estabeleçam tratamento mais favorável para o trabalhador os preceitos contidos no n.º 1 do artigo 4.º, nos artigos 18.º a 20.º e no artigo 24.º» e «9 – Art. 23.º – Nomeadamente quanto a este artigo, vale o entendimento enunciado no ponto 1 do presente despacho. O teor do preceito explica-se em termos de definição de regime mínimo legal, nada obstando à livre estipulação pelas partes de tipos diferentes de faltas justificadas”].
Refira-se que o CT veio aderir à tese da imperatividade absoluta relativamente aos tipos de faltas e à sua duração, porém apenas quanto aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e não já quanto ao contrato de trabalho, relativamente ao qual valerá a natureza da imperatividade mínima das normas (cfr. artº 226.º).
Ora, é no sentido da imperatividade absoluta do artº 23.º, n.º 2, que aponta a tese da Recorrente, de acordo com a qual a cumulação das férias e do direito a faltar justificadamente quando o casamento seja contraído no decurso daquelas iria para além do que era previsto e permitido no artº 23.º, n.º 2, al. a).
O certo é, no entanto, que se nos afigura que a previsão da clª 48.º, n.º 2, do CCT não colidiria com a natureza imperativa absoluta seja do artº 23.º, seja de qualquer outra norma do referido DL 874/76 ainda que, porventura a este entendimento se aderisse.
Na verdade, a clª não cria ou dispõe sobre qualquer novo tipo de faltas, nem sobre a sua duração ou qualquer outro aspecto relevante que estivesse subjacente à ratio dessa imperatividade. Com efeito, ela apenas dispõe que o casamento em período de gozo de férias não prejudica o direito ao gozo total dos dias de férias a que o trabalhador tenha direito, disposição esta que não tem outra consequência que não a mesma, e legalmente prevista, que resultaria do casamento fora do período de férias e o que aliás, é justificado, como acima se disse, perante quer a desigualdade decorrente de entendimento contrário, quer a relevância pessoal e social do direito a férias e à ausência por motivo de casamento, ambos com funções e prosseguindo interesses diferentes e não coincidentes.
Acresce que se o DL 874/76 não prevê expressamente a possibilidade dessa cumulação, também a não proíbe.
Concluímos, pois, que o n.º 2 da clª 48.º do CCT não viola o DL 874/76, mormente o seu artº 23.º, n.º 2. Assim, no caso, o período de ausência por casamento a que o A. tem direito por via do seu casamento coincidente com as férias, não deverá prejudicar o gozo integral das férias a que tenha direito, assim improcedendo a pretendida inaplicabilidade da citada cláusula.
4. Importa, pois, apreciar [a] segunda questão — a de saber quando devem ser gozadas as restantes férias, designadamente se imediatamente após o termo da licença de casamento ou em período a determinar por acordo entre o trabalhador e o empregador ou apenas pelo empregador e, a este propósito, apreciar da interpretação da mencionada clª 48.º, n.º 2.
Entende a Recorrente que tal clª sempre teria que ser interpretada unicamente no sentido de não se contar como período de férias, o gozo efectivo das faltas pelo casamento, quando estas ocorram durante o período agendado pela empresa para férias dos seus trabalhadores (estando a empresa encerrada ou não), entendimento este que sufragamos e a cuja fundamentação, porque com ela se está de acordo, nos limitamos a transcrever: “O que aquele normativo visou garantir e, sobretudo esclarecer, é que o gozo de férias e as faltas pelo casamento não se consomem uma à outra, antes se cumulam, havendo apenas que determinar o momento do gozo das férias sobrantes, quando parte do período globalmente destinado para esse efeito é ‘gasto’ por força de faltas por casamento. O período de ausência pelo casamento e o período de férias não se consomem, antes se cumulam, mas isto não significa que se cumulem de imediato, significa apenas que se mantém o direito ao gozo integral das férias (em regra 22 dias úteis), (…)”.
Ou seja, a clª não dispõe sobre o momento em que deverão ser gozados os restantes dias de férias que, por via da suspensão do período de férias, ficaram por gozar, questão esta cuja solução há-de ser encontrada no âmbito do regime legal do DL 874/76.
E, neste aspecto, desde já se dirá que também se concorda com o entendimento da Recorrente.
Vejamos.
4.1. O período anual de férias é de 22 dias úteis (artº 4.º, n.º 1).
Em caso de encerramento da empresa ou estabelecimento (que pode ocorrer durante, pelo menos, 15 dias no período de 1 de Maio a 31 de Outubro ou por período superior a 15 dias), as férias serão gozadas em tal período, o qual não prejudica o gozo efectivo do período de férias a que o trabalhador tenha direito (artº 4.º, n.º 3).
Relativamente ao período de férias que exceda o do encerramento, o trabalhador poderá optar por receber a retribuição e subsídio de férias correspondente (sem prejuízo, sempre, do gozo efectivo de 15 úteis de férias) ou por gozar, no todo ou em parte, o período excedente de férias prévia ou posteriormente ao encerramento (artº 4.º, n.º 4).
A marcação das férias deve ser feita por mútuo acordo entre as partes em qualquer período do ano civil (artº 8.º, n.º 1); porém, na falta de acordo, caberá à entidade empregadora [mas, neste caso, ouvindo a comissão de trabalhadores ou a comissão sindical ou intersindical ou os delegados sindicais] marcar as férias, mas, neste caso, apenas entre 1 de Maio e 31 de Outubro (artº 8.º, n.os 2 e 3), salvo parecer favorável das entidades referidas no n.º 2 e o disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
As férias podem ser gozadas interpoladamente, desde que por acordo entre o trabalhador e o empregador e desde que salvaguardado um período de 10 dias consecutivos (artº 8.º, n.º 6).
O mapa de férias, com indicação do início e termo das mesmas, deve ser elaborado até 15 de Abril e afixado nos locais de trabalho entre esta data e 31 de Outubro (artº 8.º, n.º 4).
Após a marcação do período de férias, haverá alteração do mesmo sempre que o trabalhador na data prevista para o seu início esteja temporariamente impedido por facto que não lhe seja imputável, cabendo ao empregador, na falta de acordo, a nova marcação do período de férias, sem sujeição ao período de Maio a Outubro (artº 9.º, n.º 3) [O adiamento ou interrupção das férias por determinação do empregador está regulada nos n.os 1 e 2 do art. 9.º].
E se o impedimento terminar antes de decorrido o período anteriormente marcado, o trabalhador deverá gozar os dias de férias ainda compreendidos nesse período, aplicando--se à marcação das restantes o disposto no n.º 3 do artº 9.º (artº 9.º, n.º 4).
Importa ainda referir que, nos termos do artº 12.º, n.º 1, no caso de doença durante o período de férias, estas são suspensas (desde que o empregador seja desse facto informado), prosseguindo, logo após a alta, o gozo dos dias de férias ainda compreendidos naquele período e cabendo ao empregador, na falta de acordo, a marcação dos dias de férias não gozados sem sujeição ao período de Maio a Outubro.
Ou seja, se o impedimento do trabalhador decorrer de facto que não lhe seja imputável, o mesmo determinará o adiamento ou suspensão das férias, caso em que os restantes dias (cujo gozo não haja sido possível dentro do período previamente marcado) serão gozados em período a acordar entre as partes ou, na falta deste, por determinação do empregador (tal como na marcação inicial, mas sem a sujeição à limitação do período de Maio a Outubro). E ao caso do impedimento do trabalhador por facto que não lhe seja imputável o legislador, desde logo, equiparou, no artº 12.º, a situação de doença no período das férias, aplicando-lhe regime idêntico.
Importa também referir que do regime acima transcrito resulta, salvo melhor opinião, que, em caso de férias interpoladas (referentes ao período mínimo de 10 dias consecutivos) suspensas por impedimento do trabalhador, os dias de férias sobrantes (cujo gozo não seja possível dentro do período previamente marcado) deverá, em consequência da alteração assim provocada, ser novamente marcado por acordo das partes ou, na falta deste, por determinação do empregador. Porém, nessa marcação, e se ainda sobrarem 10 dias deverão os mesmos ser marcados por forma a que o trabalhador, em conformidade com o n.º 6 do artº 8.º, possa ainda gozar “(…), no mínimo, um período de 10 dias úteis consecutivos”. No entanto, se os dias de férias sobrantes for inferior a esse mínimo legal de 10 dias, nem se vê como possa ser dado cumprimento a tal obrigação, nem do regime legal resulta que o respectivo gozo deva ser, imediatamente, adicionado aos dias de férias gozados antes do impedimento do trabalhador com fundamento no citado n.º 6 do artº 8.º. É que, neste caso, o impedimento obstou a essa continuidade e o que resulta do regime legal é que é o empregador, na falta de acordo, a marcá-los.
Acrescente-se que não vemos razão para não aplicar este regime de alteração do período de férias às situações em que, sendo as férias gozadas no período do encerramento do estabelecimento, tal gozo (total ou parcialmente) não se mostre possível por impedimento do trabalhador. Assim, em tal caso, afigura-se-nos que o gozo dos restantes dias de férias (que não seja possível no período previamente previsto) deverá ser marcado por acordo das partes ou, na falta deste, pelo empregador, não tendo, necessariamente, que ser gozado imediatamente após a reabertura do estabelecimento.
4.2. O artº 23.º, n.º 2, do mencionado DL 874/76, dispõe que se consideram justificadas as faltas dadas por altura do casamento, até 11 dias seguidos, excluindo os dias de descanso intercorrentes, resultando da mencionada clª 48.ª, n.º 2, do CCT, que a ausência por casamento, quando este ocorrer durante as férias, não prejudica o gozo integral das férias.
Tais faltas, atenta a sua evidente razão de ser, deverão ser dadas de forma seguida ao casamento e não após o gozo das férias que estivessem marcadas para o período imediatamente subsequente ao dia do casamento. Aliás, isso mesmo se retira da letra da lei.
Afigura-se-nos, pois, que a situação do casamento no decurso das férias, estivessem estas marcadas para serem gozadas de forma seguida ou interpolada e havendo, ou não, encerramento do estabelecimento, deverá ser equiparada à da alteração das férias por impedimento do trabalhador ou à da doença no período de férias (que é idêntico). E daí que, ocorrendo o casamento no período das férias, devam estas ser suspensas durante o período legalmente previsto como de faltas por casamento, prosseguindo, logo que findo este período, o gozo dos dias de férias ainda compreendidos no respectivo período de férias previamente marcado e cabendo ao empregador, na falta de acordo, a marcação dos restantes dias de férias não gozados por virtude dessa acumulação.
A sentença recorrida, no caso concreto, assim não entendeu por, basicamente, ter considerado que, em caso de encerramento do estabelecimento, o artº 4.º, n.º 4, consagraria o direito ao gozo do período excedente de férias imediatamente após a reabertura do estabelecimento e, bem assim, perante o direito, em caso de férias intercaladas, ao gozo consecutivo de 10 dias. E, daí, que haja concluído que o A., no caso, teria direito a, finda a licença de casamento, gozar imediatamente os restantes dias de férias, tendo, em consequência, considerado justificada a sua ausência no período de 09/09 a 17/09.
Como decorre do que já acima dissemos, discorda-se, salvo melhor opinião, da referida conclusão. É que tal argumentação não tem em consideração que, no caso, se trata de uma alteração do período de férias em consequência de impedimento do trabalhador, em que a marcação dos restantes dias de férias (que excedam os compreendidos no período já inicialmente marcado) é, novamente, feita por acordo ou, na falta deste, por determinação do empregador.
Por outro lado, se o impedimento do trabalhador determinar, como pode determinar e determina no caso em apreço, a impossibilidade do gozo consecutivo do mínimo de 10 dias a que, em caso de férias interpolados, teria direito, não há que fazer apelo a tal regra. O impedimento do trabalhador impediu e quebrou essa continuidade. O que se poderia dizer é que, se lhe sobrassem 10 ou mais dias de férias, a nova marcação (a efectuar por acordo ou, na falta deste, pelo empregador) teria que observar um novo período mínimo de 10 dias úteis seguidos; não se poderá contudo e no que ao caso concreto se refere, adicionar, com fundamento nessa continuidade, os 7 dias sobrantes aos 5 dias inicialmente gozados até à interrupção determinada pelo casamento, tal como o considerou a sentença recorrida.
Uma vez que, no caso e para o período em questão — de 18/08 a 02/09 —, o A. tinha direito a gozar 12 dias úteis de férias, dos quais gozou 5 antes do casamento e após este, os consecutivos 11 dias úteis de licença de casamento, os quais terminavam a 08/09, os sobrantes 7 dias úteis deveriam ser gozados por acordo das partes ou, na falta deste, por determinação da Ré. Assim, e como esta não deu o seu acordo, nem, muito menos, determinou o gozo de tais dias no período em que o A., unilateralmente, considerou fazê--lo (de 09/09 a 17/09), há que concluir que deu 7 faltas injustificadas.
Acrescente-se que a tal não obsta o facto de o A. ter, previamente, comunicado à Ré que iria casar no dia 23/08 e que por essa razão (em cumulação com as férias) iria estar ausente até ao dia 17/09.
É que, como decorre do exposto, a justificação para a ausência não tinha fundamento legal. E, por outro lado, importa reafirmar que não são as férias que suspendem o período da ausência por casamento, mas sim este que suspende aquelas (razão pela qual a imputação da ausência no período de 09.09. a 17.09 a faltas por casamento carece de fundamento).
5. Da 3.ª questão
Resolvidas tais questões, importa apreciar se o comportamento do A. constitui, ou não, justa causa para o seu despedimento.
De harmonia com o artº 9.º, n.º 1, do DL 64-A/89 (o aplicável atendendo a que os factos imputados ao A., bem como o início do procedimento disciplinar, ocorreram em data anterior à da entrada em vigor do Cód. Trabalho — o regime constante do CT e do DL 64-A/89, de 27.02, não apresentam, contudo, divergências significativas) constitui justa causa do despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, exemplificando-se, no n.º 2 do mesmo, comportamentos susceptíveis de a integrarem, entre os quais se destaca, no que ao caso releva, as “[f]altas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano, cinco seguidas ou dez interpoladas” [cfr. al. g)].
Como tem sido entendimento do STJ — cfr. Ac. de 15.02.2006, in www.dgsi.pt (P05S2844) —, bem como desta Relação — cfr. Ac. de 18.09.06, in CJ, Tomo IV, p. 216 a 219 — a mera verificação objectiva do número de faltas injustificadas previstas na citada disposição não basta para justificar o despedimento, sendo igualmente necessário que o comportamento, reconduzindo-se ao conceito definido no n.º 1, determine a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral.
É certo que verificado que seja o número de faltas injustificadas previsto na referida disposição, esta prescinde da efectiva verificação de prejuízo ou risco. A este propósito refere-se no Acórdão desta Relação acima citado que “(…) a intensidade do recurso ao conceito geral de justa causa pode variar consoante o tipo de comportamento em análise e consoante a consistência do fundamento invocado [remetendo-se, na nota 7, para Menezes Cordeiro, “Manual de Direito do Trabalho”, 1991, pág. 824»]. Logo, se para certos comportamentos, o recurso ao conceito geral será absolutamente necessário (…); noutros — caso das faltas — o preenchimento da cláusula geral parece estar assegurado à partida e o recurso à mesma mostra-se necessário para demonstrar o afastamento da justa causa.”
Conforme jurisprudência unânime (cfr., por todos, os Ac. STJ, de 25.9.96, in CJ STJ, 1996, T 3.º, p. 228 e Ac. RC de 21.01.97, CJ 1997, T 1.º, p. 30) e entendimento generalizado da doutrina, a existência de justa causa do despedimento depende, para além da gravidade das consequências danosas do comportamento, da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
– Um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador;
– E, outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, ou seja, existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Quanto ao primeiro dos requisitos — comportamento culposo do trabalhador — o mesmo pressupõe um comportamento (por acção ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral.
O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa (Abílio Neto, in Despedimentos e contratação a termo, 1989, pág. 45).
Mas não basta tal comportamento.
Com efeito, necessário é também que a conduta seja de tal modo grave que, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, não seja possível a subsistência do vínculo laboral.
A gravidade do comportamento culposo do trabalhador deve ser aferida com base em critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal.
O art. 12.º, n.º 5, do DL citado impõe que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego, não sendo no caso concreto objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
Diz Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 8.ª Ed., Vol. I, p. 461, que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho, “sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador”.
Conforme jurisprudência do STJ (de entre outra, a acima citada), tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa fé na execução dos contratos (artº 762.º do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais. Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja susceptível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento.
Por fim, o nexo de causalidade apontado exige que a impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador.
5.1. No caso concreto, o A. deu 7 faltas injustificadas seguidas (de 09/09 a 17/07), o que, na verdade, ultrapassa o limite mínimo (de 5 faltas seguidas) previsto na al. g) do n.º 2 do artº 9.º. É certo, também, que tendo a questão da ausência referente a essas faltas sido previamente abordada entre as partes, a Ré logo disse ao A. que este gozaria as férias e os dias pelo casamento até 08/09, após o que deveria comparecer ao trabalho, altura em que “logo se veria”.
O A. violou, pois, o seu dever de assiduidade, ao qual estava obrigado por via da celebração do contrato de trabalho e do disposto no artº 20.º, n.º 1, al. b), da LCT, e fê-lo com consciência de que a Ré não autorizava essa ausência e, por consequência, esse comportamento.
Refira-se que, para além da violação do mencionado dever, a Ré imputa-lhe ainda, pelos mesmos factos, a violação dos deveres consagrados nas als. c) [dever de obediência], f) [promoção de actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa] e g) [cumprimento de todas as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho ou das normas que o regem] do citado artº 20.º, n.º 1.
A questão fundamental prende-se, no entanto, com a violação do dever de assiduidade, sendo que os demais são meras consequências inerentes à violação daquele. Aliás, no que se reporta à al. g), esta mais não consagra do que uma norma genérica, referente a outros (que não os expressamente previstos nas alíneas precedentes) eventuais deveres decorrentes do contrato de trabalho, que a Ré nem tão pouco concretiza com qualquer outra factualidade que não a das faltas injustificadas que determinaram o despedimento.
Importa, pois, apurar se, no caso, as referidas faltas justificam o despedimento.
E, perante o concreto circunstancialismo do caso, desde já se dirá que se nos afigura que não.
A solução legal da questão relativa ao momento em que os dias de férias sobrantes deveriam ser gozados, tanto mais tendo em conta que a empresa, em parte do período a que se reportava a ausência por casamento, se encontrava encerrada para férias, não resultava de forma evidente, manifesta ou inequívoca do texto legal, sendo aliás passível de entendimento divergente do por nós sufragado, como é aliás disso exemplo a adoptada na decisão recorrida (de acordo com a qual, porque a empresa se encontrava encerrada para férias e porque o trabalhador, com férias interpoladas, deveria gozar um mínimo de 10 dias consecutivos, os dias sobrantes de férias do A. deveriam ser gozados entre 09/09 e 17/09).
Aliás, também a própria Recorrente, em sede de procedimento disciplinar, refere no ponto 6) da nota de culpa e, depois, na decisão de despedimento, que “ao arguido e à trabalhadora foi-lhes dito nessa ocasião pela entidade patronal, de que iriam gozar férias até ao dia 3 de Setembro, a partir desse dia até 8 de Setembro inclusive, faltariam justificadamente correspondente ao descanso por ocasião do casamento, e de que, portanto, teriam de comparecer ao serviço a partir do dia 9 do mesmo mês e ano” (o sublinhado é nosso).
E, segundo a própria versão da Ré constante de tais peças, o A., em resposta ao acima referido, teria respondido “nesse mesmo momento que, uma vez que era delegado sindical, tinha direito a ‘gozar férias’ até ao dia 17 de Setembro de 2003, ou seja, que as faltas dadas pelo casamento, ocorrido a 23 de Agosto, seriam gozadas imediatamente a seguir ao dia de reabertura da empresa a 3 de Setembro” (cfr. n.º 7 a nota de culpa e artº 10.º da contestação).
Ou seja, as partes, mormente a própria Ré, segundo a versão dos factos que ela própria imputou ao A. na nota de culpa e decisão de despedimento, referiram e consideraram que o A., primeiro, gozaria, a totalidade das férias durante o período total do encerramento do estabelecimento (até 02/09) e, só a partir desta data (03/09), é que gozaria a licença de casamento até 08/09.
Ora, a ser assim, não assistiria à Ré justa causa para o despedimento, sendo a ausência no período de 09/09 a 17/09, porque imputada a faltas por casamento, justificada. É que, no caso de faltas justificadas por casamento, não tem o empregador (no caso, a Ré) o direito ou prerrogativa de determinar ao trabalhador (no caso, o A.) o período em que elas deverão ser dadas ou de lhe limitar o exercício desse direito a período seguido inferior ao legalmente devido, pois que, nos termos legais e como já o dissemos, o trabalhador, por motivo de casamento, tem direito a faltar durante 11 dias seguidos (e não interpolados), excluindo os dias de descanso intercorrentes.
Assim, e pese embora entendamos que o que foi gozado, ou que deveria ter sido gozado, no período de 23/08 a 08/09 foram as faltas por casamento e não as férias, a verdade é que, perante todo o referido circunstancialismo se nos afigura que tanto a gravidade da infracção, como a culpabilidade do A., ainda que fosse ele, como era, dirigente sindical, se encontram fortemente mitigadas.
Por outro lado, o A. havia sido admitido ao serviço da Ré em Março de 1985, tendo, por consequência, à data do despedimento, 18 anos de antiguidade sem qualquer passado disciplinar.
A sanção disciplinar do despedimento, determinando a ruptura do vínculo laboral, constitui a mais gravosa das sanções admissíveis, havendo que, na sua aplicabilidade, concluir-se pela sua adequabilidade e proporcionalidade à gravidade da infracção e à culpabilidade do agente no confronto com todas as demais circunstâncias relevantes. No caso, e perante todo o referido circunstancialismo, afigura-se-nos que tal juízo de adequabilidade e proporcionalidade não se verifica.
Assim, e em conclusão, afigura-se-nos que o comportamento do A., pesadas todas as referidas circunstâncias, não assume gravidade tal que nos permitia concluir pela impossibilidade imediata da subsistência da relação laboral, bem como pela adequação da mais gravosa das sanções disciplinares existentes e não já por qualquer outra sanção que, não determinando a ruptura desse vínculo, fosse de menor gravidade.
Resta acrescentar que, ainda que, porventura, se considerasse, por mera hipótese de raciocínio, que a clª 48º, nº 2, do CCT, seria, tal como pretendido pela Recorrente, nula, a verdade é que nunca a aferição da justa causa poderia ser feita em função dessa nulidade, a qual, à data dos factos, nem havia sido declarada, nem considerada pelas partes, mormente pelo A. que, razoavelmente, com ela não poderia ou deveria contar.
Não ocorrendo, em consequência, justa causa para o despedimento do A., deverá ser confirmado o juízo de ilicitude desse despedimento e julgado improcedente o recurso.»

2.2. A recorrente propugna, no entanto, que as referidas sete faltas seguidas e injustificadas, dadas por um trabalhador dirigente sindical, com cerca de 18 anos de serviço, e, nessa medida, com deveres acrescidos perante a entidade patronal, após férias, contra as determinações da entidade patronal, impossibilitam completamente a manutenção da relação laboral, por se ter quebrado por completo o essencialíssimo vínculo da boa fé e da confiança, configurando, nas mencionadas circunstâncias, a justa causa a que se reporta o artigo 9.º, n.os 1 e 2, alínea g), da LCCT, o que significa que o despedimento se mostra lícito.

Assim, a discordância da recorrente «prende-se única e simplesmente com o entendimento [do Tribunal da Relação] de que as sete faltas injustificadas dadas pelo recorrido não consubstanciam justa causa de despedimento, por considerar que tais faltas não tornaram prática e imediatamente impossível a manutenção da relação laboral (trata-se da 3.ª questão que foi colocada nas alegações de apelação da Recorrente e que foi a única que lhe foi indeferida)».

2.3. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).

Por seu turno, a disciplina legal do despedimento promovido pela entidade empregadora está contida nos artigos 9.º a 15.º da LCCT, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem.

De harmonia com o preceituado no artigo 9.º, constitui justa causa de despedimento «[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» (n.º 1).

O conceito de justa causa formulado neste normativo compreende, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.

Os comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento acham-se enumerados, nas alíneas do n.º 2 do artigo 9.º, relevando para o caso em apreço, a verificação de «[f]altas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano, cinco seguidas ou dez interpoladas» [alínea g)].
Para apreciação da justa causa, deve atender-se, conforme estabelece o n.º 5 do artigo 12.º, no quadro da gestão da empresa, «ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».

Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação.

Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível.

Cabe ainda salientar que, na acção de impugnação de despedimento, o ónus probatório incumbe ao trabalhador, quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre a entidade patronal, nos termos do n.º 4 do artigo 12.º, quanto à verificação da justa causa de despedimento.

Face ao descrito acervo factual, deve concluir-se que o autor violou culposamente o dever de assiduidade previsto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), da LCT.

Todavia, a valoração do conjunto da matéria de facto apurada permite concluir que a conduta do autor, aferida em função das circunstâncias concretas em que ocorreu — celebração de casamento no decurso do período de férias e subsequentes faltas por casamento, tendo a empregadora determinado que o autor gozaria, primeiro, a totalidade das férias durante o período de encerramento do estabelecimento e, só a partir dessa data, é que iniciaria as faltas por casamento, limitando o exercício desse direito a período seguido inferior ao legalmente previsto — assume nítido carácter episódico e resulta de entendimento divergente das normas jurídicas aplicáveis, não sendo de molde a quebrar irremediavelmente a relação de confiança que a natureza da relação de trabalho pressupõe, nem é susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, pelo que não se justifica a aplicação da mais gravosa das sanções disciplinares.

Tudo para concluir que, no caso em apreço, seria suficiente a aplicação de uma medida disciplinar de índole conservatória, possibilitando a permanência da relação laboral, não se configurando um comportamento integrador de justa causa de despedimento, o que determina a ilicitude do mesmo, com as consequências previstas no artigo 13.º da LCCT.

Não há, pois, motivo para alterar o julgado.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Outubro de 2007

Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra