Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3711/05.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
MULTA
PROVA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 512º, 512º-B
CÓDIGO DAS CUSTAS JUDICIAIS, ART0 26º
Sumário :
A demonstração do pagamento, quer da taxa de justiça, quer da multa, exigida pelo artigo 512º-B do Código de Processo Civil sob cominação da impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas ou a requerer, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA (entretanto falecido, sendo habilitados os herdeiros, BB, CC e DD) e mulher, BB, instauraram contra EE um acção na qual pediram que fosse declarada a “resolução do contrato-promessa celebrado em 25 de Maio de 2001, por incumprimento exclusivo da ré” e que esta fosse condenada a entregar o correspondente imóvel – o prédio rústico que identificam na petição inicial – “completamente devoluto de pessoas e bens” e a “reconhecer como pertença dos AA. e a fazer como suas todas as quantias entregues a título de sinal e seus reforços, nos termos do disposto no artigo 442º, nº 2, do Código Civil”.
A ré contestou, alegando tratar-se de um prédio misto, com casa de habitação; mas que a falta de licença de utilização correspondente a impedia de “prosseguir o pedido” de financiamento de que carecia “para completar o preço”, que os autores se recusam “a proceder à legalização do prédio urbano”, que a escritura de compra e venda se não realizou “por culpa do AA”, já que “para vender o prédio na sua totalidade necessitam da licença de utilização e participação da matriz”; que é aos autores que se deve a “impossibilidade legal de transmissão da parte urbana”, temporária, não tendo ela, ré, que responder “pela mora na sua obrigação de cumprimento da celebração do contrato prometido”
Em reconvenção, sustentaram que os autores têm o dever de “legalização do prédio urbano, transformando o prédio rústico num misto”, observaram que a falta de cumprimento respectiva implica “a sua condenação em incumprimento do negócio ajustado, impondo a restituição do sinal recebido e a indemnização de todos os danos resultantes para a R., em valor que nesta data não pode determinar e, por isso, deve ser relegado para a execução de sentença” e pediram a condenação dos autores a: “a) Diligenciar para a legalização do prédio urbano, transformando o prédio rústico num misto (…); b) Apresentar projecto da construção perante o Município de Loures (…), pagando as taxas e licenças devidas e requerendo a licença de utilização; c) A inobservância de tal conduta deve importar a sua condenação em incumprimento do negócio ajustado, impondo a restituição do sinal recebido em dobro e a indemnização de todos os danos resultantes para a R. (…). Deve ainda declarar-se que à R. assiste o direito de retenção sobre o imóvel em causa”.
Os autores replicaram.
No despacho saneador, a fls. 144, decidiu-se que a reconvenção era admissível, relegou-se para final o conhecimento da “excepção peremptória de impossibilidade/mora não imputável ao devedor” e elaborou-se a lista de factos assentes e a base instrutória.
Pelo despacho de fls. 180 foi marcado o dia 25 de Janeiro de 2007 “para a realização da audiência de discussão e julgamento”.
A 22 de Novembro de 2006, a fls. 208, a ré veio requerer a junção aos autos do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente, por ter sido notificada para o efeito, e “expor (...) que não conseguiu efectuar o pagamento da multa nos termos do disposto no artigo 512ºB, atentas as suas dificuldade económicas, razão pela qual requer a emissão de novas guias para o efeito”.
A 25 de Janeiro de 2007, a fls. 224, “aberta a audiência”, foi proferido despacho indeferindo o requerimento de “emissão de novas guias para pagamento da multa”, por não ter esta sido paga no prazo para tanto fixado, que terminara em 16 de Novembro de 2006 (tal como o prazo para pagamento da taxa de justiça, apenas feito em 20 de Novembro), não tendo sido, nem alegado, nem provado, justo impedimento.
Na mesma data foi decidido que “uma vez que não se encontra junto aos autos o documento comprovativo do pagamento da multa, determino a impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas pela Ré (artº 512º-B, nº 2, do C.P.C.”).
E foi decidido suspender a instância por seis meses, por ter sido transmitido ao tribunal, pelos mandatários das partes, “haver possibilidade de chegarem a acordo”.
A fls. 228, a ré recorreu do despacho de indeferimento e do despacho que determinou a impossibilidade de realização da prova por si requerida; o recurso foi recebido como agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo.
A fls. 239, em 10 de Setembro de 2007, a instância foi suspensa em virtude do falecimento do autor; a suspensão cessou em virtude do despacho de fls. 242, de 15 de Outubro seguinte.
A 18 de Abril de 2008 continuou a audiência de discussão e julgamento, iniciando-se a produção de prova (cfr. fls. 274).
A fls. 319 foi proferida sentença, julgando procedente a acção e improcedente a reconvenção, nestes termos:
“a) declaro resolvido o contrato-promessa de compra e venda, celebrado entre AA e BB, por um lado, e a R, EE, relativo ao prédio rústico e todas as benfeitorias nele existentes, denominado Correntes, inscrito na matriz sob o art° 40, secção X da freguesia de Loures, descrito na 1ª Conservatória sob o nº 000000 com a área de 0,6200 hectares;
b) declaro pertença dos AA.. as quantias entregues pela R, a título de sinal e reforço de sinal, no montante total de € 30.000,00 (trinta mil euros);
c) condeno a R, EE, a entregar aos M., livre e devoluto de pessoas e bens, o prédio referido em a);
c) absolvo os AA.. do pedido reconvencional contra si formulado pela R.”

2. Os despachos impugnados no agravo e a sentença foram confirmados pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls.451.
Em síntese, a Relação considerou, quanto ao agravo, que não tinha sido cumprido o prazo estabelecido “para efeitos de demonstração do pagamento da taxa de justiça e da multa”, sendo que tal pagamento “é condição essencial para a prática dos actos de produção de prova que aproveitam à parte”, e que “não existem motivos para assacar ao art. 512º-B do CPC qualquer inconstitucionalidade, designadamente por violação do princípio da proporcionalidade ou do acesso ao direito”.
Este entendimento foi desenvolvido no acórdão de fls.484, que indeferiu a arguição de nulidade do anterior acórdão.
Quanto à apelação, a Relação desatendeu a impugnação da decisão de facto e reiterou a procedência da acção, considerando que
«1.4.1. A matéria de facto apurada e, além disso, a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto deixam clara a improcedência da apelação.

Está provado que o objecto do contrato-promessa de compra e venda é integrado por um prédio rústico e respectivas benfeitorias que incluem uma moradia, sendo seguro que foi a R. quem incumpriu definitivamente tal contrato ao recusar-se a celebrar a escritura pública nos prazos que sucessivamente foram acordados entre as partes ou fixados pelos AA.

É verdade que a referida moradia não está legalizada, estando implantada em terreno de enchentes, na Reserva Agrícola Nacional, sem licenciamento. Mas tal não interfere na anterior conclusão, pois que a obrigação de vender que os AA. assumiram não se reportava a qualquer prédio urbano ou mesmo a um prédio misto, integrando uma moradia licenciada, mas a um prédio rústico cuja composição, aliás, a R. conhecia e em que as construções eram identificadas apenas por “benfeitorias”.

Deste modo, o facto de a referida moradia ser clandestina não interfere na validade do contrato-promessa de compra e venda, pois que os AA. não se comprometeram a vender um prédio urbano, antes uma propriedade rústica.

O facto de na matriz predial não se encontrar inscrita a referida construção não determina a nulidade do contrato, já que não existe dispositivo algum que comine com tal efeito a situação de desconformidade entre a realidade e a caderneta predial, o que apenas releva para efeitos fiscais.»


A fls. 466, a ré arguiu a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, o que foi indeferido a fls. 484, sendo confirmada a correcção da “decisão que indeferiu o requerimento de liquidação da multa e que, consequentemente, impediu a produção de prova na audiência de julgamento”, porque “nem em relação ao pagamento da taxa de justiça, nem em relação à multa foram cumpridos os prazos”.
A recorrente recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça, invocando “violação de lei substantiva” e apontado a oposição do decidido relativamente ao agravo com o que acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2008, que transcreveu parcialmente.

O recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi recebido como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. - O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, como determina o artigo 762º do Código Civil.
2. Com o pagamento de prestações pecuniárias o devedor exonera-se, mas não é lícito ao credor recusar o cumprimento, sob pena de se constituir em mora.
3. A emissão de guias para pagamento de qualquer multa, a todo o tempo, constitui um dever legal que não pode ser denegado.
4. - Requerida tal emissão por qualquer uma das partes, que assim demonstra que quer cumprir a obrigação, o que constitui um direito, não é lícito ao Tribunal indeferir o pedido.
5. - Requerida a emissão de guias para pagamento da multa a que se refere o nº 1 do artigo 512º-B do CPC, é nulo o despacho que indeferiu tal pedido, tanto mais que a parte contrária nem deduziu qualquer oposição.
6. - Assim, deve ordenar-se a substituição de tal despacho por outro que defira o requerido.
7. O prazo de dez dias a que se refere o nº 1 do artigo 512º-B do CPC não tem natureza peremptória, entendendo-se esta como a impossibilidade da prática do acto e a aplicação necessária da impossibilidade da parte que o omitiu de produzir prova.
8. A interpretação do n.º 2 do artigo 512º-B do CPC, deve fazer-se no sentido de que se pode, ainda, efectuar o pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa até ao dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória, e não somente durante os dez dias previstos no número um deste artigo.
9. O requerimento apresentado pela Recorrente a 22 de Novembro de 2006, no qual pediu a emissão de guias para pagar a multa devida nos termos do nº 1 do artigo 512-B do Código de Processo Civil, não podia ser indeferido, devendo ordenar-se a substituição do despacho respectivo por outro que defira tal pedido, anulando-­se todo o processado subsequente.
10. O princípio do acesso ao direito e aos tribunais consagrado no n.º1 do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa não permite restrições excessivas e desproporcionadas como é caso em análise.
11.Assim, o segmento do nº 2 do artigo 512º-B do Código de Processo Civil que prevê a impossibilidade de diligências de prova em julgamento, como sanção acessória para a parte que omitiu o cumprimento do dever de pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa respectiva, é inconstitucional, se a parte o pretendeu fazer e foi disso impedida pelo próprio Tribunal.
12.No que diz respeito à natureza do prédio objecto do contrato-promessa em questão, não estamos perante um prédio rústico, com benfeitorias, mas perante um verdadeiro prédio misto, face às edificações nele existentes, situação que se afere igualmente pelo convencionado entre as partes para a celebração do negócio e que foi condição essencial para a formação da vontade de contratar da Ré.
13.São benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, distinguindo-se entre as necessárias se têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor, e voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante."
14.Um edifício, composto por dois pisos, tendo uma garagem com 75m2 no rés-do­chão, e dois quartos, uma sala com cozinha, uma dispensa e uma casa de banho, no primeiro andar, tudo com a área de 150m2, construído e utilizado na década de 1980, não é uma benfeitoria, mas sim um prédio urbano.
15.A validade e perfeição negocial de um contrato de compra e venda de um bem imóvel (prédio urbano/prédio misto), depende da observância de pré-requisitos administrativos que são da responsabilidade dos AA.
16.A não observância desse requisitos não conduz a um objecto impossível, uma vez que ele existe e é disponível (não se trata, por exemplo, de um objecto como a Lua), mas sim apenas ilícito, porque não foram observadas formalidades essenciais à perfeição do negócio;
17.A declaração de venda de um prédio rústico, por parte dos AA., bem sabendo que o mesmo não reveste, na realidade, essa natureza, o negócio jurídico formalizado, quer pelo contrato promessa em questão, quer aquele que viesse a ser celebrado, através da escritura de compra e venda, seria nulo termos do artigo 280.° do Código Civil, porque contrário à lei e à ordem pública;
18.Para a formação da vontade de contratar da Ré foi essencial a convicção de que o negócio em causa incluía a parte rústica e a parte urbana, no seu todo, de tal forma que assim não fosse, a mesma não teria celebrado o contrato-promessa;
19.O obstáculo relativo à legalização da construção e regularização da situação predial, para que a escritura de compra e venda celebrada correspondesse à declaração de vontade dos promitentes, vinculados pela promessa da alienação e aquisição, apenas aos promitentes vendedores, os aqui Autores, caberia, nos termos legais;
20.Os AA., apenas recorreram ao instituto do incumprimento definitivo, por saberem que não poderiam executar especificamente o contrato promessa de compra a venda em questão, face à ilicitude do respectivo objecto, ilicitude essa que só aos proprietários ineptos pode ser imputável, pretendendo através do incumprimento definitivo, reaver a posse da prédio em questão e ainda fazer suas as quantias entregues pela Ré a título de sinal e reforço de sinal revelando má·fé nos termos dos artigos 227.° e do n.º 2 do artigo e 762.°, ambos do Código Civil;
21.O incumprimento é, única e exclusivamente, imputável aos AA, na qualidade de promitentes vendedores, não lhes assistindo aos mesmos qualquer direito à resolução da promessa;
22.O incumprimento a título definitivo deverá sempre ser imputável aos AA. por não terem cumpridos os requisitos administrativos necessários à produção de efeitos civis do contrato de compra e venda, não sendo imputável à R. nenhum tipo de incumprimento, uma vez que esta em face do comportamento dos M. viu-se impossibilitada de cumprir;
23.Em caso de impossibilidade de cumprimento dos requisitos administrativos por parte dos AA., assiste sempre à R. a faculdade de resolver o contrato-promessa por perda de interesse no negócio o que lhe o direito de reaver o sinal em dobro, nos termos do artigo 442.°, n.º 2 do Código Civil.
24.Mostram-se violados os artigos 20° da C.R.P., 216º, 227º, 280°, 442.oe 762º, todos do Código Civil, e 512º-B do C.P.C ..

Os autores contra-alegaram, sustentando a manutenção do decidido, concluindo esta forma:
1. «O Douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, é absolutamente irrepreensível, não merecendo provimento o recurso interposto pela R ..
2. Não se trata de saber se o prédio era ou não clandestino, mas antes saber se tal facto tinha sido levado ao conhecimento da R ..
3. Sobre a natureza do objecto da promessa de compra e venda este é para a apreciação do presente caso irrelevante, na medida em que ele foi desde sempre do conhecimento da R., e esta aceitou-o.
4. A R. não pode alegar desconhecer, e assim, não lhe ser lícito nem legítimo, partir deste pressuposto, que aliás bem conhecia, isto é, que a construção era clandestina, e que celebrou um contrato-promessa de compra e venda de um prédio rústico, para agora vir dizer que o contrato­-promessa que livre e conscientemente outorgou, não era válido em virtude desse facto.
5. A R. teve desde sempre conhecimento daquilo que estava a comprar (vide contrato-promessa de compra e venda);
6. A R. não logrou provar, não ter tido conhecimento de que as construções existentes no prédio eram clandestinas;
7. Nesta medida, não era exigível aos AA. procederem aos designados "requisitos legais", enumerados pela Recorrente.
8. Não colhe o argumento de que a R. não é licenciada em direito, como de forma pueril a Recorrente alega, para justificar não ter a obrigação de conhecer o conceito de benfeitorias.
9. A Ré esteve no local por mais do que uma vez, e viu o estado físico do bem que prometeu comprar.
10.A Ré não pode vir alegar no sentido do desconhecimento da Lei, e bem assim, da situação jurídica do bem.
I1.Nada no processo nos permite concluir, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, que a legalização das edificações se tratou de condição essencial para a formação da vontade de contratar por parte da R ..
12.Através da interpelação admonitória, os AA. interpelaram a R. para a marcação de escritura pública de compra e venda, concedendo-lhe um prazo de 45 dias para o efeito, esclarecendo que, caso tal não se verificasse, os AA. teriam as obrigações como definitivamente não cumpridas.
13.Sendo certo que o prazo dado foi mais do que razoável, pois tratava-se de um contrato-promessa celebrado em 25.05.2001, e através do qual ficou estipulado que competia à R. a marcação da escritura, a qual deveria realizar-se até 15.09.2001.
14.A R. esgotou o prazo limite absoluto sem proceder à marcação da escritura, inviabilizando a celebração definitiva do contrato prometido, incumprindo assim o contrato-promessa.
15.A interpretação do art.o 512°-B do CPC não deixa margem para dúvidas quanto ao estabelecimento de um prazo peremptório, ainda que suplementar, para efeitos da demonstração no processo, de que foi efectuado o pagamento da taxa de justiça e da multa.
16.Acresce que, foi a própria R. a vir alegar uma situação de justo impedimento, que afinal não concretizou, não logrando por isso demonstrar essa dificuldade económica.
1 7.Ainda que demonstrasse essa condição (dificuldades económicas), daria direito a eventual concessão do benefício de apoio judiciário, mas nunca lhe daria a possibilidade da prorrogação do prazo para a prática do acto processual.
18.Fica latente, nesta, como noutras questões suscitadas pela R. ao longo deste processo, que a sustentação de determinadas posições assumem um carácter manifestamente dilatório.
19.Caso fosse dada razão à R. sobre esta matéria, estaríamos isso sim, a colocar em causa o princípio da proporcionalidade ou do acesso ao direito em relação aos AA., considerando que estes agiram de acordo com o exigido por lei, pagando, atempadamente, a taxa de justiça devida nos autos, e usando como era seu direito da produção da prova que lhes aproveitou em sede de audiência e julgamento.”

3. A fls. 629, a recorrente foi convidada a “juntar certidão do referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com nota de trânsito em julgado”; a certidão veio a ser junta a fls. 646.
Do confronto entre a interpretação adoptada pelo acórdão recorrido para os nº1 e 2 do artigo 512º do Código de Processo Civil resulta efectivamente uma identidade fundamental de situações de facto e uma divergência de julgados quanto à interpretação do nº 2, evidenciada pela conclusão de que, a ter sido adoptada aquela que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto perfilhou, teria sido julgado diferentemente o agravo. Note-se que o requerimento para a passagem de guias para pagamento da multa foi apresentado em juízo antes de aberta a audiência. Escreveu-se neste último:
“Quer dizer, até este segundo momento, da abertura da audiência final, segundo a melhor interpretação a dar ao nº 2 do art. 512º-B do CPC, atendendo inclusive à terminologia usada de ‘sem prejuízo do prazo concedido …’, pensamos que poderá a parte pagar tanto a taxa de justiça subsequente como a multa pelo não pagamento atempado ou apenas esta, caso tenha efectuado antes o pagamento que deu origem à multa, juntando documento comprovativo para tal”.

4. Nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 26º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro (actualmente revogado), na redacção aplicável, e que é a que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, deve ser entregue ou remetido ao tribunal o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final.
O artigo 28º remete para as “cominações previstas na lei de processo” a determinação da consequência da falta de pagamento da taxa em causa.
Releva agora, como se viu, o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 512º-B do Código de Processo Civil, também na redacção decorrente do citado Decreto-Lei nº 324/2003:
– Não tendo sido junto o referido comprovativo no prazo indicado, “a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante (...)” (nº 1);
“Sem prejuízo do prazo concedido no número anterior, se, no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa (…), o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham, a ser requeridas pela parte em falta” (nº 2).
Trata-se de uma das medidas de reintrodução de “penalizações processuais efectivas pela falta de pagamento da taxa de justiça devida” destinadas a alcançar o objectivo de que, nas situações “em que se discutam interesses patrimoniais e de natureza económica, é lógica e socialmente aceite que uma parte dos custos da justiça deve ser suportada por quem a ela recorre e dela retira benefícios e não, tal como sucede actualmente, pela generalidade dos cidadãos” (preâmbulo do Decreto-Lei nº 324/2003)
No caso, a “penalização processual” traduz-se, como se viu, não no “desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito” (mesmo preâmbulo), como em regra sucede, mas na impossibilidade de produção da prova requerida (ou que venha a ser requerida) pela parte em falta.
Por essa razão se marca como momento último para a demonstração do pagamento (da taxa de justiça e da multa) aquele em que a prova vai ser produzida: sem aquela demonstração, não se realizam as diligências de prova. E, sendo certo que é na “audiência final” que a prova (constituenda, naturalmente) é produzida, a lei marca o correspondente dia como limite regra para o efeito.
É também esse o significado da expressão “sem prejuízo do prazo concedido no número anterior” com que começa o nº 2 do artigo 512º-B do Código de Processo Civil; significado esse que está de acordo com a gravidade da sanção cominada e que em nada prejudica o desenrolar do processo: a demonstração do pagamento, quer da taxa, quer da multa, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento.
Sendo este o sentido com que o preceito deve ser interpretado, torna-se desnecessário apreciar a questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente.
Deveria, portanto, ter sido deferido o requerimento para a passagem das guias correspondentes à multa, formulado em 22 de Novembro de 2006; e não podia ter sido determinada a “impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas pela Ré” por não ter sido “junto aos autos o documento comprovativo do pagamento da multa” (despacho de fls. 226), sem ter sido dada a oportunidade de pagamento.

5. Ao julgar o agravo, a Relação considerou como causa da impossibilidade de produção de prova a falta de pagamento, dentro do prazo de dez dias, fixado nos termos do nº 1 do artigo 512º-B, quer da taxa de justiça, quer da multa.
A primeira instância, referindo embora que o pagamento da taxa tinha ocorrido depois desse prazo, apenas apontou como fundamento dessa impossibilidade a falta de junção do documento de comprovação do pagamento da multa.
Seja como for, o que atrás se disse sobre a possibilidade demonstração do pagamento vale, pelas mesmas razões, para o pagamento em si.

6. Cabe portanto anular o que foi processado com pressuposto no indeferimento do requerimento de passagem de guias para o pagamento de multa, operado pelo despacho de fls. 224, de 25 de Janeiro de 2007.
No entanto, tendo em conta o princípio da economia processual, apenas é anulado o processado desde a continuação da audiência de discussão e julgamento, realizada a 18 de Abril de 2008, inclusive.
Não se conhece, portanto, de mais nenhuma das questões suscitadas na revista.

7. Nestes termos, decide-se revogar o acórdão recorrido, concedendo provimento ao agravo e determinando:
a) Que o processo seja remetido à primeira instância para que seja proferido despacho determinando a emissão de guias para pagamento da multa, requerida a fls. 208;
b) A anulação do processado desde a continuação da audiência de discussão e julgamento, realizada a 18 de Abril de 2008, inclusive.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 03 de Fevereiro de 2011

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Orlando Afonso