Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98S367
Nº Convencional: JSTJ00037223
Relator: ALMEIDA DEVEZA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
AVISO PRÉVIO
INDEMNIZAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: SJ199904260003674
Data do Acordão: 04/26/1999
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N486 ANO1999 PAG221
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 367/98
Data: 05/25/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: L 17/86 DE 1986/06/14 ARTIGO 3 N1 N2.
LCCT89 ARTIGO 39.
CCIV66 ARTIGO 334.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC365/98 DE 1999/03/03.
Sumário : I - A declaração da entidade empregadora a um trabalhador ao seu serviço de que "há previsão de salários em atraso" na empresa, pelo que ele ficaria, a partir do dia 1 do mês seguinte (Março) a tal comunicação (feita em Fevereiro) na situação de não receber salário por um período previsível de seis meses, período este em que o seu contrato de trabalho seria suspenso, tendo a entidade empregadora pago na ocasião 50% do salário do mês em que foi feita a declaração, tal declaração da entidade empregadora não é fundamento válido para que o trabalhador rescinda o contrato de trabalho.
II - Se, nas ditas condições, o trabalhador rescindir o contrato de trabalho, a entidade empregadora não fica com o direito a ser indemnizada pela não observância por parte do trabalhador do prazo legalmente previsto para o aviso prévio da rescisão contratual se ela pretendia a suspensão do contrato de trabalho invocando carência de encomendas para dar trabalho a todos os trabalhadores ao seu serviço, daí que a entidade empregadora não necessitasse de substituir o trabalhador.
III - De contrário configurava-se o abuso de direito na exigência pela entidade empregadora da observância, pelo trabalhador, do prazo para o aviso prévio.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
I - A , com os sinais dos autos, intentou acção com processo ordinário emergente de contrato de trabalho contra B, também com os sinais dos autos, pedindo que a R seja condenada a pagar-lhe a quantia de 2931505 escudos em que computa o valor da indemnização pela rescisão do contrato de trabalho nos termos da Lei nº17/86, de 14/6, bem como as prestações/remunerações em dívida, férias e subsídios vencidos, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.
Alegou, para tanto, a matéria de facto atinente à procedência do seu pedido, nomeadamente a rescisão do contrato de trabalho com justa causa por falta de pagamento do salário ( 50%) por parte de R., do mês de Fevereiro de 1997.
A R regularmente citada, deduziu oposição, alegando não se verificar uma situação de salários em atraso e, por conseguinte, inexistir justa causa para a rescisão. Pediu a compensação nos créditos invocados pelo A da quantia de 286000 escudos referente a indemnização por rescisão sem aviso prévio.
Na resposta a A. manteve o alegado no articulado inicial.
Elaborou-se o despacho saneador e seleccionou-se a matéria de facto.
Após julgamento da matéria de facto proferiu-se sentença a condenar a R a pagar ao A a quantia de 2931505 escudos sendo 2574000 escudos de indemnização de antiguidade, não operando, pois, a pedida compensação.
Não se conformando com o decidido a R apelou para o Tribunal da Relação do Porto que revogou parcialmente a sentença, decidindo não existir justa causa para rescisão do contrato e absolvendo a R em relação ao pagamento da quantia de 2574000 escudos a quantia de 2574000 escudos.
II-A - Não se conformando com o decidido, o A recorreu de Revista para este Supremo, tendo concluído as suas alegações da forma seguinte:
1) As comunicações feitas pela recorrida ao recorrente em 27 e 28/2/997 satisfazem o condicionalismo referido no nº2 do art.3º da Lei 17/86, de 14/6;
2) Tais comunicações, designadamente a da impossibilidade da satisfação da retribuição mensal e por período previsível de 6 meses, configuram uma situação de salários em atraso, pelo que o recorrente, ao socorrer-se delas para se auto-despedir, o fez com justa causa, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2 do art.3º, com as consequências previstas no art.6º, ambos da Lei 17/86;
3) O acórdão recorrido violou o correcto entendimento dos citados preceitos.
Termina, pedindo que seja concedida a Revista e revogado o acórdão recorrido na parte em que absolveu a R do pagamento da indemnização de antiguidade.
A R contra alegou, concluindo:
1) A Lei 17/86 pressupõe que haja uma retribuição em falta na altura da invocação de justa causa, vencida há mais de 30 dias ou que seja previsível o seu não pagamento dentro dos 30 dias após o seu vencimento;
2) No caso, como a recorrente reconhece, não havia salários em atraso, pelo que foi mal invocado o direito à rescisão com base na falada Lei 17/86, sendo tal rescisão ilícita;
3) Destinando-se a carta da R, de 27/2/997 a uma escolha a operar pelos trabalhadores a persistência nesta posição, configura uma litigância de má fé, nos termos dos arts.456º e 457º do C.P.Civil.
Termina defendendo que seja negada a Revista e que o A seja condenado como litigante de má fé em multa e indemnização à recorrida.
II-B - Também a R recorreu, subordinadamente, da decisão que absolveu o A do pedido de indemnização por falta de aviso prévio, concluindo:
1) O A rescindiu o contrato sem justa causa e sem aviso prévio, tendo-se despedido de imediato, sem fundamento, violando o dever de conceder o aviso prévio com 2 meses de antecedência, pelo que incorreu na obrigação de indemnizar a recorrente;
2) Esse dever de indemnizar resulta da mera falta de concessão do aviso prévio, pois que os danos resultantes daquela falta de aviso prévio são indemnizáveis nos termos gerais de direito;
3) A indemnização por tal violação será de 286000, pelo que, fazendo-se a compensação com a quantia que a R tem de pagar ao A, tem esta a haver dele a quantia de 71505;
4) O acórdão recorrido violou a 1ª parte do art.39º da LCCT.
Termina pedindo que se conceda a Revista, condenando-se o recorrido a pagar à recorrente a quantia referente à falta de aviso prévio.
Não houve contra alegações.
III-A - Neste Supremo a Exmª Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que se devem negar as Revistas.
Esse parecer foi notificado às partes, tendo respondido a R, defendendo a sem razão daquele parecer, no que diz respeito ao seu recurso.
Corridos os vistos legais,cumpre decidir.
III-B - A matéria de facto que vem dada como provada é a seguinte:
a) - A ré é uma empresa que se dedica, com fins lucrativos, à indústria de fiação de algodão e mistos;
b) - No exercício desta sua actividade industrial, admitiu o autor ao seu serviço, em 8 de Outubro de 1979, com a categoria profissional de oficial de electricista e mediante a última retribuição mensal ilíquida de 143000 escudos;
c) - No exercício da sua actividade profissional, sempre foi o autor um trabalhador assíduo, zeloso e competente, sucedendo que, no dia 27 de Fevereiro de 1997, a ré enviou ao autor - como, aliás, a mais 50 colegas seus de trabalho - uma carta, onde lhe comunicava que ele, autor, era um dos trabalhadores abrangidos pela situação de não receber salários;
d) - Pelo que ficava dispensado da prestação do trabalho a partir de 1 de Março de 1997 - doc. de fls.7 a 9, aqui se dá por integralmente reproduzido e, juntamente com esta carta, enviou a ré ao autor uma " declaração ", por si subscrita, na qual declara que este se encontra no regime de salários em atraso, a partir de 1 de Março de 1997, por impossibilidade da satisfação da sua retribuição mensal e por período previsível de 6 meses - doc. de fls.10 que se dá por integralmente reproduzido;
e) - O autor, invocando o disposto no nº1, do art. 3º da Lei 17/86, de 14 de Junho, e em cumprimento do igualmente aí estatuído, comunicou por cartas registadas com aviso de recepção, quer à ré, quer à Inspecção Geral do Trabalho, e em 5 de Março seguinte, a sua decisão de rescindir unilateralmente e com invocação de justa causa o contrato de trabalho que o vinculava à ré desde 8 de Outubro de 1979;
f) - Deve a R. ao autor as retribuições de trinta dias de férias e trinta dias de subsídio de férias, respeitantes ao ano de 1996 e vencidas em 1 de Janeiro de 1997;
g) - São igualmente devidas ao autor as retribuições de férias, subsídios de férias e Natal, de montante proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de 1997;
h) - A ré enviou na mesma data, 27.02.97, carta idêntica à junta pelo autor a cinquenta e um trabalhadores;
i) - Com essa carta visava a escolha pelos trabalhadores da suspensão da prestação de trabalho por um de dois processos:
Ou de salários em atraso, com base na Lei 17/86, de 14 de Junho;
Ou de lay-off ( DL 398/83, de 2 de Novembro );
j) - Os trabalhadores, com excepção do A. e outros dois, entenderam que não havia motivo para a suspensão por salários em atraso e não quiseram proporcionar essa situação;
l)- A R. comunicou ao A., por carta de 12/3/97, que este, desde 7/3/97, tinha à sua disponibilidade a quantia de 51433 escudos relativa aos 50% do salário do mês de Fevereiro de 1997 doc. de fls.28;
m)- Em 5/3/97, a R. ainda não tinha pago ao A. 50% do salário deste relativo ao mês de Fevereiro de 1997, por dificuldades financeiras daquela entidade patronal.
III-C-1-O A rescindiu o contrato de trabalho com a R com o fundamento na Lei dos Salários em Atraso (Lei 17/86),e mais concretamente no nº2 do art.3º
Nos termos do nº1 daquele art. 3º o trabalhador pode rescindir o seu contrato com justa causa desde que, observados os requisitos formais ali referidos, a falta de pagamento da retribuição se prolongue por mais de 30 dias sobre a data do vencimento da primeira retribuição não paga. E o nº2 do mesmo dispositivo prescreve que o trabalhador pode também rescindir o contrato com justa causa antes de esgotado aquele prazo de 30 dias, se a entidade patronal declarar por escrito a previsão do não pagamento, dentro daquele prazo, do montante da retribuição em falta.
Ao rescindir o contrato não indicou qual ou quais as retribuições em atraso estando, no entanto, provado que em 5/3/97 - data em que o A rescindiu o contrato - a R ainda não tinha pago ao A 50% da retribuição relativa ao mês de Fevereiro.
Ora, haverá que Ter em conta, quanto ao prazo do pagamento da retribuição mensal o que dispõe o IRC aplicável publicado no BTE 37/81, com Portaria de Extensão. E, segundo esse IRC, o pagamento da retribuição podia ser efectuado até ao dia 5 de Março. Assim sendo vencendo-se essa retribuição em 5 de Março só a partir do dia seguinte se poderia falar em falta de pagamento, em salário em atraso.
Perante estes elementos, vejamos se se verificam os requisitos para a rescisão com justa causa e com o fundamento invocado.
Não podia o A beneficiar do disposto no n. 1 do art. 3º, dado que se não verificava o atraso de um mês. E, quanto ao n. 2 haverá o mesmo que se conjugar com o n. 1. É que aquele n. 2, embora dispense o atraso de 30 dias, já não prescinde não dispensa a falta de pagamento, o seu "atraso", o qual constitui o requisito essencial para o direito de rescindir o contrato. E tal falta só pode ocorrer após a data do vencimento da retribuição, isto é, e no caso dos autos, após o dia 6 de Março.
E , tendo o A rescindido o contrato com data de 5/3/97, claramente que o fez antes da data do vencimento da retribuição, em altura em que esta ainda podia ser paga, pelo que se não verifica aquela falta.
Não havia, assim, razão para a rescisão com justa causa.
Pretende o A que as comunicações que a R lhe fez em 27/2/997 completam as condições estabelecidas no nº2 do referido art.3º.
Refere-se na comunicação junta a fls. 7 a 9 "sendo irreversível uma entrada no regime de salários em atraso..." "...Assim, há 51 trabalhadores que se vêem, a partir de Março de 1997, na situação de não receber salários", "Como tal, nos termos do nº2 do art.3º da Lei 17/86, de 14 de Junho,.... havendo, como há, a previsão de salários em atraso, assiste aos trabalhadores o direito de requerer a suspensão do contrato de trabalho...". E no documento n. 3, junto a fls. 10, refere a R "...declara ....que o A se encontra no regime de salários em atraso, nos termos do n. 2 do art.3º da Lei 17/86....a partir de Março de 1997".
Pretende-se que com estas declarações estão preenchidos os requisitos da rescisão do contrato com fundamento em salários em atraso.
No entanto, tal não conduz à verificação dos requisitos para a pretendida rescisão, como se assinala no Acórdão deste Supremo, de 3/3/999, na Revista 365/98.
É que tais declarações não satisfazem nem dispensam o requisito da existência de salários em atraso que está pressuposto na 1ª parte do mesmo n. 2, por remissão para o n. 1. E, se bem se reparar no contexto desses documentos logo se verifica que será intenção de efectuar o pagamento da retribuição do mês de Fevereiro, já que aí se refere em salários em atraso a partir de 1 de Março.
Mas, o que interessa é que em 5/3/997, ainda não havia salários em atraso e, como tal, nessa data, ainda não podia ser exercido o direito à rescisão concedido pelo art.3º da citada Lei 17/86.
Improcede, assim, o recurso do Autor.
III-C-2-Quanto ao recurso subordinado da Ré.
Pretende a R que o A, por não ter justa causa para a rescisão do contrato e não ter usado do aviso prévio, seja condenado a pagar-lhe a indemnização prevista no art.39º da LCCT.
A necessidade do aviso prévio na rescisão do contrato tem a sua razão de ser no facto de ela permitir ao empregador a substituição do trabalhador "protegendo-se assim a organização económico-privada da empresa, a qual poderia ficar prejudicada com a saída extemporânea e imediata do trabalhador" (cfr M. Antunes e R. Guerra, em Despedimentos", 1984, pág.231), ou, até, a dispensa das funções pelo trabalhador desempenhadas (cfr. M. Fernandes, Direito do Trabalho, 10ª ed., pág.539).
Ora, sendo esta a razão de ser do aviso prévio, resta saber se no caso concreto ela se verifica.
Ora, o que a R pretendia com a sua comunicação acima referida era a suspensão dos contratos de trabalho por através da aplicação da Lei 17/86 ou pelo Dec.-Lei 398/83, de 2/11. E explicitava essa sua pretensão no facto de as encomendas que tinha na altura não consentirem o total aproveitamento da mão de obra de que dispunha. Essa suspensão era, previsivelmente, por 6 meses - cfr documento de fls.7 a 9.
Assim, na altura em que o A rescindiu o seu contrato não existia para a R o mínimo interesse na concessão do aviso prévio. E até, a R beneficiava com essa rescisão, pois evitaria, como no caso da suspensão do contrato, em readmitir o A findo o prazo da suspensão.
Quer dizer que, no caso concreto, a R não necessitava do aviso prévio do A para o substituir, e até se libertou da possibilidade de ter de reembolsar o Fundo de Desemprego, nos termos do art. 9º da Lei 17/86,da importância paga por aquele Fundo ao A, no período da suspensão.
Assim, e por falta do interesse que constitui a razão de ser do aviso prévio, este não tinha razão de ser, pelo que a R não tem fundamento para a indemnização a que ele se refere.
Mas mesmo que se considerasse que, independentemente daquele interesse, a R tinha direito àquela indemnização, esse seu direito naufragaria através da figura do abuso de direito.
Segundo o art. 334º do C.Civil o abuso de direito verifica-se quando o seu titular o exerça excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Ora, mesmo entendendo-se que o A teria de rescindir o contrato com aviso prévio e, não o fazendo constituia-se na obrigação de indemnizar a R, a verdade é que nas condições concretas, esta, ao pedir a condenação do A naquela indemnização, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé e, em especial, pelos fins económicos e sociais do direito exercido, por pretender a tutela de um interesse que, efectiva e objectivamente não foi lesado.
Assim se conclui pela existência do abuso de direito por parte da R, pressupondo que este direito lhe cabia.
Tem, pois, de improceder o recurso da R.
III-C-3 - Quanto à má fé.
Actua de má fé, nos termos do n. 2 do art. 456º do C.P.Civil, a parte que, com dolo ou negligência grave, deduzir pretensão cuja falta de fundamento não deveria ignorar; alterar a verdade dos factos; omitir gravemente o dever de cooperação; tiver usado o processo para conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Pretende a R que sendo a rescisão ilícita constitui também um artifício fraudulento, que mantido, constitui má fé.
Ora, a questão posta consistia precisamente em saber se a rescisão era ou não lícita.
Assim, a má fé, a existir, enquadra-se naquele primeiro caso: dedução de pretensão por parte do A, que este não deveria ignorar.
Mas, o que sucede no caso dos autos é a determinação da aplicação de uma regra de direito, mais precisamente a do n. 2 do art. 3º da Lei 17/86. Ora, se está em causa tão só a interpretação e aplicação daquela regra de direito, que até teve decisões contraditórias nas Instâncias, o que leva a concluir que a hipótese não era tão linear e líquida como a R pretende, não pode verificar-se a má fé do A ou considerar-se que ele agiu de má fé.
Improcede, pois, esta pretensão da Ré.
IV - Tendo em conta todo o referido acorda-se em negar as Revistas, confirmando o acórdão recorrido, e em não considerar a existência de má fé por parte do A.
Custas por A e R na proporção do seu decaimento.
Lisboa, 26 de Abril de 1999.
Almeida Deveza,
Sousa Lamas (votei a decisão),
Diniz Nunes.