Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B432
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NASCIMENTO COSTA
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO
FACTOS SUPERVENIENTES
Nº do Documento: SJ200204040004327
Data do Acordão: 04/04/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 783/97
Data: 10/18/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Se uma das partes pratica, no decurso do processo, dentro ou fora dele, actos que justificam a dissolução do casamento por divórcio, nada impede que esses actos sejam tidos em consideração, desde que seja respeitado o art.º 663 do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA" intentou a presente acção de divórcio litigioso contra BB, pedindo que seja decretado o divórcio entre ambos, com a declaração de que o R. é o cônjuge culpado, com fundamento na prática reiterada, por este, de factos, que descreve, violadores dos deveres conjugais de respeito, cooperação e assistência, previstos nos art.s 1672º, 1675º, 1676º e 1779º do C.Civil.

Citado o R., e frustrada a tentativa de conciliação, foi ele notificado para contestar, o que fez, impugnando os factos violadores dos deveres conjugais de respeito, cooperação e assistência, concluindo por pedir a improcedência da acção e a condenação da A., como litigante de má-fé, em multa e indemnização em montante não inferior a 3.000.000$00 (fls. 30 a 131).

Replicou a A., que impugnou os factos alegados pelo R., e, considerando-os vexatórios da sua dignidade e supervenientes, requereu que fossem levados em consideração no questionário a formular.
Pediu a improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé e concluiu como na petição (fls. 1005 a 1100).
O R. treplicou e respondeu nos termos do art. 506º nº 3 do C.P.Civil, dizendo que a réplica foi apresentada fora de prazo, que é ilegal e extemporânea a alteração da causa de pedir e a alegada superveniência de factos e que a A. nem alegou nem fez prova daquela superveniência (fls. 1013 a 1021 e 1068 a 1074).
Termina pedindo o indeferimento do requerimento de articulado superveniente.
Pelo requerimento de fls. 1105, veio a A. dizer parecer-lhe não ser de admitir a tréplica.
A fls. 1265, o R. interpôs recurso do despacho de fls. 1261, que ordenou o arquivamento de numerosos documentos em anexo autónomo, de modo a facilitar o manuseamento do processo, o qual não foi admitido pelo despacho de fls. 1341, tendo, assim, aquele despacho transitado em julgado.

A fls. 1403, o R. deduz o incidente de falsidade de duas declarações médicas contra a A. e os dois médicos que subscreveram aquelas declarações.
A fls. 1424, o R. interpôs recurso do despacho de fls. 1423 que ordenou o arquivamento, em pasta própria, do outro grupo de documentos, também para facilitar o manuseamento do processo, o qual não foi admitido pelo despacho de fls. 1426, pelo que também aquele despacho transitou em julgado.
Pelo despacho de fls. 1425 e 1425v, foi indeferido o incidente de falsidade.
Por despacho de fls. 1426 foi decidido que o requerimento que a A. apresentou a fls. 1008, e a que chama "réplica", e que também faz efeitos de articulado superveniente, embora apenas contenha matéria de direito, não é extemporâneo.
Por despacho de fls. 1426 e 1426v. foi decidido que da contestação só será aproveitada a matéria relevante que tenha implicações em sede de ónus de prova, o mesmo se passando com a réplica e o requerimento do R. de fls. 1068, sendo este apenas considerado no que se refere à resposta ao articulado de fls. 1008.
Por despacho de fls. 1426v. e 1427 foi decidido que a "tréplica" de fls. 1013 a 1021 não tem cabimento, a qual não será desentranhada, apesar de ser inadmissível a sua dedução, mas que o seu conteúdo não pode ser considerado.
Por despacho de fls. 1427 foi decidido que sendo inadmissível a tréplica, também o articulado da A. de fls. 1105 e segs. só será considerado na parte em que impugna os documentos juntos pelo R.
Ainda a fls. 1427 foi declarado pelo M.mo Juiz "a quo" que "Todos os restantes requerimentos das partes (e são muitos), ou são destinados a juntar documentos ou a tomar posição sobre os mesmos -e por isso são admitidos, mas apenas nesse âmbito- ou são irrelevantes, e como tal não serão considerados.
Proferido Despacho Saneador e elaborados a Especificação e Questionário, de fls. 1427 v. a 1433, inclusive, foram apresentadas reclamações ao Questionário, pelo R., de fls. 1587 a 1595, e pela A., a fls. 1598 e 1599, tendo apenas sido atendida, parcialmente, a deduzida pelo R. (v. fls. 1638 e segs.).

O R. interpôs diversos recursos de agravo, oportunamente decididos.
Após as alegações de direito apresentadas pelo R., de fls. 2722 a 2740, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e decretou o divórcio entre A. e R. e declarou ambos os cônjuges culpados, na mesma proporção.
Inconformados com a sentença, recorreram o R. e, subsidiariamente, a A., respectivamente a fls. 2783 e 2790, os quais foram admitidos, como apelação, nos termos dos despachos de fls. 2787 e 2791.
Em novo acórdão (determinado por este Tribunal-acórdão de fls. 3170 e seg.), a Relação do Porto (fls. 3185 e seg). julgou improcedentes as apelações, confirmando a sentença.
Interpôs o R. recurso de revista, tendo concluído como segue a sua ALEGAÇÃO:

1. O Acórdão da Relação do Porto violou o disposto na 2ª parte do nº 2 do art. 722º do CPC e art. 344º, nº 2 do CC.
2. A autora, ao não sujeitar-se a exames psiquiátricos, ao não permitir que os médicos juntassem aos autos as suas fichas clínicas, fez inverter o ónus da prova, nos termos do art. 344º do CC.
3. Assim, devem ter resposta positiva os quesitos 55, 61, 66, 80, 91 a 96, 128, 129 e 131.
4. A autora não colaborou com o Tribunal, no sentido de autorizar que os bancos informassem o Tribunal das fichas bancárias, extractos, saldos e cheques passados pela autora sobre as suas contas pessoais.
5. Assim, tendo-se invertido o ónus da prova, nos termos do art. 344º do CC, devem ter resposta positiva os quesitos 52, 53, 62, 63, 65, 81 e 127. O quesito 39 deveria ter resposta negativa.
6. O Acórdão da Relação do Porto carece de fundamentação pelo que é nulo. Como não vem fundamentado, o Acórdão viola o disposto nos art.s 208º, nº 1 (actual 205º nº1), da CRP, 158º, 659º, nº 2, 666º, nº 3, 668º, nº 1, alínea b), do CPC, e aplicação que as instâncias deles fizeram, violam o art. 205º nº 1 da CRP.
7. As instâncias interpretaram-nos como se não fosse necessário dizer quais as premissas das conclusões, quando o contrário se impunha.
8. O Acórdão viola o disposto nos art.s 2º, 20º, nºs 1 e 4, 37º nºs 1, 2 e 3, 204º, 205º nº 1 (ex-208º, nº 1) e 208º da CRP.
9. São inconstitucionais os art.s 3º, 3º-A, 154º, nº 3, 158º, nº 1, 486º, nº 1, 653º, nº 2, e 668º, nº 1, alínea b), do CPC, na interpretação e aplicação que as instâncias, incluindo o Tribunal da Relação do Porto, deles fizeram, por violação das disposições constitucionais referidas na conclusão anterior, sendo certo que a apreciação da inconstitucionalidade é de conhecimento oficioso, nos termos do artº 204º da CRP.
10. O Acórdão consagra soluções diferentes de todas aquelas que até agora têm sido adoptadas pela doutrina e jurisprudência.
11. Assim, viola os princípios constitucionais da boa fé, da confiança legítima, da certeza e segurança jurídica, consagrados no art. 2º da CRP, que assim foi violado.

12. Verifica-se:
13. a) ser necessário ampliar a matéria de facto com a formulação de novos quesitos tendo em conta a matéria alegada pelo réu na sua Contestação. Assim, deve quesitar-se o que vem alegado pelo réu - nomeadamente, nos art.s 34º -A e ss.- 34º- 376º, 378º, 387º, 464º a 488º, 491º, 523º, 530º a 546º, 598º, 641º, 642º e 656º.
14. b) ser necessário levar ao Questionário toda a matéria do articulado no Processo de regulação do poder paternal que deu origem ao segundo articulado superveniente, e em consequência,
15. c) ser necessário anular o julgamento, para ser repetido para que se possa fazer prova do que foi alegado e consta das alíneas anteriores.
16. d) assim, deve decretar-se a nulidade do acórdão recorrido e ordenar-se a ampliação da matéria de facto nos termos atrás expostos.
17. Ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, pelo que o processo deve voltar ao Tribunal "a quo" para harmonização das respostas: A resposta aos quesitos 23, 26, 28, 30, 36 e 38 está em contradição com as respostas aos quesitos 7, 8, 14 e 15.
18. A autora não provou nem alegou que não pretendia mais manter a vida conjugal com o réu.
19. A autora não alegou nem provou que estivesse total e definitivamente comprometida qualquer possibilidade de a autora manter a vida conjugal com o réu.
19. A autora não alegou nem provou que estivesse total e definitivamente comprometida qualquer possibilidade de a autora manter a vida conjugal com o réu.
20. Os factos aí referidos não são graves, culposos, reiterados.
21. Os articulados supervenientes são inúteis.
22. A Autora não alegou nem provou que não pretendia mais manter a vida conjugal com o R. (fls. 1639 - VII Vol.).
23. Não alegou nem provou que a conduta do R. comprometesse a possibilidade de vida em comum.
24. Não alegou que as expressões fossem proferidas com a intenção de a ofender, ou que as expressões fossem graves, reiteradas e culposas.
25. A Autora nada alegou quanto à intensidade dos efeitos de tais peças.
26. A A. não ficou incomodada com as peças que deram origem aos dois articulados supervenientes. Caso contrário, não as teria enviado para a Universidade Portucalense e para os seus professores, por duas vezes, da segunda vez através de despacho do senhor juiz " a quo" que incidiu sobre requerimento da A.
27. O que o R. alegou fê-lo no exercício do direito de defesa e do princípio do contraditório, como resposta à P.I. da A. ou como defesa da filha e do R., contra os actos da A.
28. Como o alegou para pôr em causa a alegação da A. no que toca à sua educação, honestidade, moralidade, sensibilidade, dignidade, brio, profissionalismo, deontologia, etc.
29. O R. confiou nos despachos judiciais, nos documentos médicos, literatura médica e em que o Tribunal ordenasse e a A. se sujeitasse aos meios de prova requeridos pelo R. e previstos na lei.
30. No art. 486º da Contestação o R. até alegou que a A. e os sogros lhe levaram várias moedas de ouro.
31. A A. até foi acusada do crime de subtracção de documentos no escritório do R.
32. Os factos do segundo articulado superveniente são idênticos aos do primeiro.
33. Em ambos os casos, o R. alegou em dois articulados.
34. O senhor juiz "a quo" com os seus despachos ou com a sua omissão impediu o R. de fazer prova dos factos alegados.
35. A A., com a sua recusa em submeter-se a exame psiquiátrico, que lhe foi ordenado, impediu o R. de fazer prova dos factos alegados, pelo que se inverteu o ónus da prova.
36. O Tribunal "a quo" deveria ter desvalorizado a recusa da A. e não contra o R.
37. Na conjuntura em que são proferidas as afirmações em causa, está afastado o elemento subjectivo-a intenção de achincalhar, vexar, injuriar, difamar.
38. A matéria alegada nos articulados não pode constituir fundamento de divórcio por violação culposa do dever de respeito.
39. Quer num processo de divórcio quer num processo de regulação do poder paternal há sempre «dano à dignidade das pessoas».
40. Ninguém pode impedir o R. de alegar o que alegou, até face ao comportamento criminoso da A.
41. Que não o deixou ver a filha desde 1993 a 1996 e desde 30 de Julho de 1988 em diante.
42. Com conhecimento do respectivo Tribunal de 1ª Instância.
43. As expressões proferidas não têm qualquer relevância do ponto de vista civil ou criminal.
44. Os processos de divórcio e de regulação do poder paternal são secretos.
45. Apesar disso, a A. deu-lhe publicidade, até solicitando certidões para enviar à Universidade Portucalense, que o senhor juiz " a quo" deferiu imediatamente.
46. O R. não tinha outra forma de alegar o que alegou.
47. Tendo-o feito em sua defesa e da sua filha.
48. A sentença e o Acórdão consagram uma interpretação insólita, imprevisível e até contraditória com despachos anteriores do mesmo juiz, afrontam a lei, a jurisprudência, o senso comum, com a qual, razoavelmente, não se podia contar.
49. Os articulados supervenientes têm de conter matéria de facto que conduza aos pressupostos do decretamento do divórcio, tal como uma qualquer petição inicial de divórcio, o que não sucede com nenhum dos articulados supervenientes.
50. A autora, com todo o seu comportamento, desde a separação de facto, ou seja desde 16/3/92, e com a sua P.I., instigou o réu a ter que defender-se da forma como se defendeu, tendo de alegar o que alegou na contestação e no articulado do réu que deu origem ao segundo articulado superveniente, tendo a autora, intencionalmente, criado condições propícias a tal facto.
51. Isso mesmo até decorre da sentença do Tribunal "a quo".
52. A alegação dos factos não constitui violação culposa do dever de respeito.
53. A violação tem de ser culposa, não basta a mera culpa ou simples negligência.
54. A lei, em matéria de divórcio, não se contenta com a culpa presumida.
55. A culpa tem de ser alegada e provada.
56. A A. deve ser condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização a pagar ao R. nunca inferior a 5.000 contos, por ter inventado, deturpado e negado factos pessoais.
57. A acção deve ser julgada improcedente por não provada, não se decretando o divórcio, sob pena de serem violados ainda os art.s 1779º, 1780º e 1786º do Código Civil.
58. Devendo o R. ser absolvido, em consequência da revogação ou anulação do acórdão.
59. A ampliação da matéria de facto e a anulação do julgamento só teriam interesse se se persistisse em decretar o divórcio com base em alegações proferidas pelo R., sem lhe dar a hipótese de as poder provar, e, se se considerasse que, em qualquer caso, seriam motivo de divórcio, o que nem por hipótese teórica se admite. Mesmo que o R. não provasse tais afirmações, elas não constituem motivo de divórcio.
Subsidiariamente, requer-se o que aqui consta.
60. O acórdão consagra uma interpretação insólita e imprevisível, ao arrepio da jurisprudência e do senso comum, com a qual razoavelmente se não podia contar.
61. Na hipótese meramente teórica de vir a ser decretado o divórcio, deveria declarar-se que a culpa foi predominantemente da autora, fixando-se o dia 16/3/92, como termo da coabitação entre cônjuges.
62. Disposições violadas:
63. Do Código de Processo Civil: art.s 3º, 3º-A, 154º, nº 3, 158º, nº 1, 486º, nº 1, 516º, 646º, nº 4, 653º, nº 2, 664º e 668º, nº 1, al. b).
64. Do Código Civil: art.s 342º nº1, 344º, 346º, 1779º, 1780º e 1786º.
65. Da Constituição da República Portuguesa: art.s 2º, 20º, nºs 1 e 4, 37º, nºs, 1, 2 e 3, 205º nº1 (ex-208º nº 1), 208º.
66. Foi ainda violado o art. 204º da CRP porque as instâncias aplicaram normas que infringem a Constituição ou os princípios nela consignados.
67. Da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei nº 65/78, de 13/10. art. 6º, nº 1 e art. 10º.
68. As instâncias interpretaram e aplicaram as ditas normas atrás referenciadas em todas estas conclusões, (que se consideram inconstitucionais na interpretação e aplicação que delas fizeram) no sentido de ser vedado ao recorrente ter feito as afirmações que fez e de entender que tais afirmações conduzem a que se decretasse o divórcio, quando deveriam tê-las interpretado no sentido de lhe ser permitido produzi-las sem quaisquer consequências.
69. As normas violadas que terão sido fundamento da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de dar como não provada nenhuma matéria alegada pela A. e dar-se como provada toda a matéria alegada pelo R., e concluindo-se, finalmente, pela absolvição do R., não se decretando o divórcio e condenando-se a A. como litigante de má-fé.

A A. não alegou.

II
MATÉRIA DE FACTO fixada no acórdão impugnado:

1- A e R. celebraram casamento católico, no dia 28 de Julho de 1984, segundo o regime de comunhão de adquiridos.
2- Desse casamento nasceu uma filha, CC, nascida a 17-12-1988.
3- O R. chamou várias vezes "sua estúpida"; "sua ignorante"; "sua burra" à A. (q. 1º), no final de 1991 e início de 199 (q. 2º).
4- No dia 23-12-1991, saiu de casa dos sogros, em Oliveira de Azeméis, quando lá se encontrava a A. e a filha (q. 4º e 5º).
5- O R. esteve, então, na sua aldeia de Vilarelho, Fafe, durante alguns dias (q. 13º).
6- A A. e a filha regressaram ao Porto após o Natal (q. 15º).
7- A A. sempre foi activa, trabalhadora e honesta (q. 16º).
8- Procurando no seu trabalho a sustentação do lar (q. 17º).
9- O R. deu várias bofetadas à A., na presença da filha (q. 21º).
10- Tendo-se esta agarrado à A. a chorar (q. 22º).
11- A hora indeterminada de 14-2-1992, o R. agrediu a A. (q. 25º).
12- Arrancando-lhe alguns cabelos do lado direito da cabeça (q. 26º).
13- A. e R. tinham contas bancárias próprias (q. 39º).
14- A A. sentiu-se profundamente ofendida na sua dignidade de mulher e mãe (ques. 45º).
15- A A. é pessoa de elevado grau de educação e sensibilidade moral (q. 46º).
16- O R. frequentou cursos ministrados pelo Padre Quevedo, jesuíta, sobre Parapsicologia e Religião (q. 49º).
17- A A. visitou um endocrinologista (q. 55º).
18- Tendo consultado recentemente um alergologista (q. 56º).
19- O R. pagou despesas da CC, mesmo depois da separação (q.57º).
20- Incluindo medicamentos e despesas médicas (q. 58º).
21- A. e filha beneficiam de consultas médicas gratuitas, aos fins de semana e feriados, e com descontos nos dias restantes (q.59º).
22- A A. tem "cartão VISA" (q. 63º).
23- A A. escreveu as cartas juntas a fls. 793 e 794 (q. 64º).
24- A. e R. passavam alguns fins de semana em casa dos pais dela, em Oliveira de Azeméis (q. 68º).
25- O R. deslocava-se, ainda, a Oliveira de Azeméis para rever os processos, articulados e requerimentos do sogro e da irmã da . (q. 70º), gratuitamente (q. 71º).
26- A A. dizia que o R. era "mau professor", mau advogado"; que "os alunos e os clientes não gostavam dele" (q. 77º).
27- A CC vinha para Oliveira de Azeméis à Quarta-Feira (q. 82º).
28- A A. chamou "burro, cabrão, filho da puta, vigarista e chulo" ao R., no fim de Maio de 1992 (q. 85º).
29- A A. disse para o R. "hei-de pôr-te na miséria, tens os dias contados" (q. 86º).
30- Em Junho de 1993, a A. disse ao R., no gabinete deste, "devias levar no focinho" (q. 90º).
31- O R. não reagiu às frases da A. (q. 98º).
32- O R. é calmo, educado, de elevada sensibilidade moral e ética, vindo de uma família muito religiosa e tem sólida formação religiosa (q. 99º).
33- A partir de 5 de Janeiro de 1992, A. e R. continuaram a comer à mesma mesa (q. 103º).
34- E a dormir na mesma cama no quarto do casal (q. 104º).
35- O que fizeram até ao dia 16 de Março de 1992 (q. 107º).
36- A A. retirou mobiliário diverso, objectos decorativos e roupa, da casa do casal, no Porto (q. 112º a 117º).
37- Até Julho de 1992, a A. deslocou-se algumas vezes ainda ao escritório de Matosinhos (q. 118º).
38- Em Setembro de 1992, a A. retirou mobiliário do escritório de Matosinhos (q. 123, 124º e 125º).
39- O R. é docente universitário (q. 133º).
40- Sendo Mestre em Ciências Jurídicas-Empresariais e em Direito Comunitário pela Faculdade de Direito de Coimbra (q. 134º).
41- O R. foi formador do Centro de Estágio da Ordem dos Advogados no Porto (q.135º).
42- Quando o R. casou, fê-lo na convicção de que só contraía casamento uma vez na vida com a A. (q. 136º).
43- A A. só teve conhecimento do requerimento de fls. 2299 a 2301, em 20 de Dezembro de 1995 (q. 139º).
III
CUMPRE DECIDIR
Para melhor compreensão deste volumoso e já encanecido processo, convirá lembrar alguns aspectos:
A acção entrou em 22-4-93.
A petição contém 47 artigos.
Invoca a A. violação dos deveres de respeito, cooperação e assistência - artº 1672º, 1675º, 1676º e 1779º do CC.

O R. contestou em 22-9-93 (fls 30 e seg.).
A contestação contém 691 artigos.
Juntou então documentos que encheram 5 volumes.
Limitou-se a pedir a improcedência da acção.
A fls. 1008 (6º vol.) a A. replicou (12 artigos).
Que impugnava os "4kg. de documentos juntos pelo R."
Que o R., advogando em causa própria, lhe dirigiu na contestação injúrias várias, pelo que devem ser reputadas factos supervenientes e como tal esta peça deve ter-se também como articulado superveniente, para que os factos indicados sejam levados à especificação-questionário.

Treplicou o R. a fls. 1013 (3-11-93).
O saneador foi elaborado a fls. 1425 e seg. (7º vol.) e tem a data de 6-10-94.
Após reclamações, foi proferido o despacho que delas conheceu - fls. 1638.
Ficou o questionário com 139 quesitos.
Não se referem muitos outros incidentes que entretanto ocorreram, normalmente suscitados pelo R.
As respostas aos quesitos estão a fls. 2708 (11º vol.) e a sentença a fls. 2767 (22-12-96).
O processo subiu depois à Relação e ao Supremo.
Neste Tribunal esteve a instância suspensa a pedido do R., que instaurara entretanto nos tribunais eclesiásticos acção de anulação do casamento.
Essa pretensão foi indeferida-acórdão de fls. 3111 e seg. do Tribunal Eclesiástico, e acórdão do Tribunal Metropolitano Bracarense (2ª instância) - fls. 3143 e seg. (9-2-2001).
Este Tribunal, por acórdão de fls. 3170 e seg., por razões que agora não importam, anulou o acórdão da Relação.
Esta lavrou de seguida novo acórdão, de que agora se conhece.
O recorrente acusa o acórdão recorrido de ter incorrido em nulidade, por deficiente fundamentação.
Não procede esta arguição.
O acórdão debruçou-se sobre as questões colocadas e decidiu-as, explicando a sua razão de ser.
Alega o recorrente que o acórdão se limita a formular conclusões, sem as premissas respectivas.
Exemplifica com afirmações no estilo "não há contradição entre o quesito x e o quesito y".
Que não se explica porque não há contradição.
Que as respostas aos quesitos não estão devidamente fundamentadas.
Novamente não se explica porquê.
Que não têm interesse determinadas conclusões da alegação do R.
Ainda aqui se não diz porquê.
"As demais questões prendem-se com o mérito...".
Volta a não se dizer porquê.
Sobre má fé, limita-se o acórdão a dizer que não há.

Certamente que as decisões judiciais devem ser fundamentadas.
Mas é impraticável uma fundamentação como a pretendida.
Os juízes não têm que decidir apenas um processo complexo como este, têm muitos outros.
Basta que as partes compreendam a "ratio" que esteve na base de uma decisão.
Se o recorrente afirma que há contradição entre as respostas ao quesito x e ao quesito y, e o juiz afirma o contrário, nunca o magistrado conseguiria convencer o recorrente do seu ponto de vista, por mais que se esforçasse.
Será que uma questão tão simples necessitará de grandes explicações?
O juiz só tem que decidir as questões colocadas e expor resumidamente a "ratio decidendi".
Mais não é exigível.

Ataca depois a prova produzida.
Alega que o comportamento da A., ao recusar submeter-se a exame às faculdades mentais e ao recusar facultar o acesso às suas contas bancárias, justifica inversão do ónus da prova - art. 344º -2 do CC.
Não tem razão.
Nos termos do art. 519º-3 do CPC, podia a A. recusar uma coisa e outra.
A sua atitude ficaria sujeita à livre apreciação do Tribunal (1).
Aliás, nem se vê que essas diligências tivessem tanto interesse para o pleito que se justificasse tal pressão sobre a A.
Não se descortinam as contradições apontadas às respostas aos quesitos.
O quesito 23º teve resposta de não provado (np).
Perguntava-se se o R. só deixou de agredir a A. por esta ter sido socorrida pela empregada.
Os quesitos 7, 8, 14 e 15 nada têm que ver com este tema.
A resposta aos quesitos 25 e 26 consta supra II- 11 e 12.
Também aqui não há relação com o teor dos quesitos 7, 8, 14 e 15.
O quesito 28º teve resposta de np.
É ainda o tema das agressões, de que não tratam os quesitos 7, 8, 14 e 15.
Os quesitos 30, 36 e 38 tiveram resposta de np.
Também estes nada têm a ver com os quesitos 7, 8, 14 e 15.
É evidente que não existe a contradição apontada.

Este Tribunal não pode imiscuir-se em sede de recolha e selecção da matéria de facto, salvo o disposto no art. 729º-3 do CPC.
Sucede que a matéria de facto apurada é suficiente para a decisão de direito, não havendo por isso lugar à aplicação daquele preceito.
Suscita o recorrente a questão do chamado articulado superveniente.
Que formalmente nem houve.
A A. limitou-se na réplica a chamar a atenção do Tribunal para afirmações constantes da contestação por ela reputadas gravemente injuriosas.
Pediu fossem elas levadas à especificação-questionário.
O R. veio ainda responder na tréplica.
Ora nada impedia que o Tribunal tivesse em consideração tais afirmações, nos termos pretendidos pela A.
O que importa é que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão -art. 663º-3 do CPC.
Se uma das partes pratica, no decurso do processo, dentro ou fora dele, actos que justificam a dissolução do casamento por divórcio, nada impede que esses actos sejam tidos em consideração, desde que respeitado o art. 663º citado.

Aliás, nem se vê que tenha sido fundamental para a recolha da prova a parte da contestação em causa.
Os factos provados (supra II) resultaram no essencial de respostas a quesitos elaborados com base nos artigos da petição inicial.
É evidente que a A. propôs a acção de divórcio porque pretendia e pretende pôr termo à convivência conjugal (que há muito não existe...).
Não se entende a observação de que ela "não alegou" tal.

A conclusão de que a rotura conjugal é irreversível compete ao Tribunal, não às partes.
A gravidade dos factos e situações é avaliada objectivamente pelo Tribunal.
A avaliação das parte é sempre subjectiva.
Acresce que o R., ao tentar a anulação do casamento, demonstrou que também ele não acredita na recuperação deste matrimónio.
Nem faz sentido neste caso exigir a averiguação da intenção de quem agride ou insulta.
As agressões não tiveram certamente intenção amorosa ou pedagógica.
Nunca têm.
Em casos raros, podem inserir-se em processo sado-masoquista.

Quanto às expressões insultuosas, elas são em princípio inaceitáveis em pessoas do nível intelectual e moral das partes.
Foi claramente violado por ambos o dever de respeito.
Face à prova produzida, a decisão das instâncias não merece censura.
E está dentro dos parâmetros habituais da jurisprudência portuguesa, não se compreendendo a surpresa que assaltou o R..
As normas aplicadas, tal como o foram, não ofendem os preceitos invocados da Constituição ou da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Temos mantido uma postura exigente em matéria de litigância de má fé.
As partes usam por vezes de calor porventura excessivo na defesa das suas posições.
Temos defendido no entanto que só se justifica condenação por litigância de má fé quando qualquer das partes mantém procedimento lesivo da boa imagem da justiça.
Não nos parece que se justifique neste processo condenar a A. por litigância de má fé.

Em face do exposto, nega-se a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 4 de Abril de 2002

Nascimento Costa (Relator)
Dionísio Correia
Quirino Soares
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(1) vidé neste sentido os acórdãos deste Tribunal de 4-10-94, rec. 85563, de 29-6-99, rec. 481/99 e de 12-5-92, rec. 81625.