Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO ARRENDAMENTO RURAL BENFEITORIAS NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO | ||
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Data do Acordão: | 02/08/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
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Sumário : |
1) Na acção de reivindicação o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade só pode ser constituído pela alegação de uma das formas originárias de adquirir, salvo se, por invocada a presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, ficar dispensado da alegação de factos conducentes ao domínio, “ex vi” do disposto no artigo 350.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil. 2) Demonstrada a propriedade – cujo pedido de reconhecimento pode ser implícito – a entrega/restituição surge como consequência, por o direito de reivindicar ser uma manifestação da sequela. 3) A invocação do arrendamento para paralisar o efeito do n.º 2 do artigo 1311.º do Código Civil tem a natureza de excepção peremptória. 4) O arrendatário rural não pode transmitir, ou por qualquer forma ceder, ou mesmo comodatar total ou parcialmente, o prédio arrendado, sendo que, na vigência da Lei n.º 76/77 de 29 de Setembro (alterada pela Lei n.º 76/79, de 3 de Dezembro) a regra era excepcionada se o Estado ou uma autarquia fossem arrendatários ou a cedência fosse a favor do Estado ou da cooperativa agrícola (artigo 36.º). O regime do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro (artigo 13.º, n.º 1) manteve a proibição, salvo se o senhorio desse acordo escrito (ou acordo expresso, no Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro). 5) A violação da proibição gera a nulidade da transmissão (artigo 294.º do Código Civil), que opera “ipso jure”, é cognoscível “ex officio” não sendo sanável nem por confirmação nem pelo decurso do tempo. 6) O negócio jurídico nulo não é um “numelle” não existente sendo apenas um acto ao qual são recusados os efeitos jurídicos a que se destina. 7) Pode ter efeitos jurídicos diferentes dos usados pelas partes com o negócio, resultantes de diversa qualificação ao abrigo do artigo 664.º CPC desde que não seja alterada a causa de pedir não se afastando, assim, o princípio da substanciação oposto ao da individualização. 8) Se o detentor do imóvel pagou o preço da compra de um prédio implantado por outrem nesse terreno e não formalizou o contrato, a nulidade teria como consequência obter a restituição do que pagou. Mas não sendo tal possível por o vendedor não estar na lide, deverá a construção ficar sujeita ao regime das benfeitorias aquando a restituição do terreno ao dono. 9) O regime de caducidade do arrendamento é o vigente à data do facto que o determinou. 10) O direito de remição do contrato de arrendamento não é conferido ao cessionário, com transmissão logrado ao arrepio do artigo 36.º, n.º 1 da Lei n.º 76/77. 11) A benfeitoria útil consiste num melhoramento ou aperfeiçoamento feito por quem tem um vínculo à coisa (relação de facto ou de direito), na perspectiva de lograr uma sua mais utilidade ou melhoria. 12) O n.º 1 “in fine” do artigo 1273.º do Código Civil não se reporta ao detrimento das benfeitorias mas à perda ou danificação significativa da coisa onde foram implantadas. 13) Se forem realizadas por um terceiro, que não por quem tenha um poder de facto sobre a coisa, não pode, este, em princípio, ser indemnizado ao abrigo do artigo 1273.º. 14) O n.º 1 do artigo 36.º da Lei n.º 76/77 não viola o disposto nos artigos 62.º e 13.º da Constituição da República. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou acção, com processo ordinário, contra BB, mulher CC e DD. Pediu se declarasse o seu domínio e a condenação dos Réus a reconhecerem-no dono do prédio rústico denominado “D...”, situado na freguesia e município de Santiago do Cacém, restituindo-lho livre de pessoas e bens e, apenas os primeiros Réus, a demolirem todas as construções aí implantadas com excepção de um prédio destinado a habitação “actualmente averbado em nome do 1.º Réu cujo valor, desde já, o Autor se propõe pagar aos 1.ºs Réus.” Contestaram os demandados deduzindo pedidos reconvencionais de remição do arrendamento rural, mediante o pagamento ao demandante do valor do terreno ou, se tal não procedesse, a sua condenação a pagar-lhes as benfeitorias no valor de 154.000,00 euros. Na Comarca do Alentejo Litoral (Santiago do Cacém) foi proferida sentença a declarar o Autor dono do referido prédio, a condenar os 1.ºs Réus a reconhecerem tal direito e a restituírem o imóvel livre de pessoas e bens. O 2.º Réu foi absolvido do pedido. A reconvenção foi julgada procedente parcialmente e o Autor condenado a pagar aos 1.ºs Réus a quantia de 50.500,00 euros pela benfeitoria (casa de habitação) ordenando-se o cancelamento de inscrições prediais. O Autor e os Réus BB e CC apelaram para a Relação de Évora. Nessa instância foi julgado procedente o recurso do Autor, que foi absolvido do pedido reconvencional, e improcedente a apelação dos Réus. Vêm agora os Réus pedir revista. E assim concluíram a sua alegação: Contra alegou o recorrido em defesa do julgado. As instâncias deram por definitivamente assente a seguinte matéria de facto: Foram colhidos os vistos. Conhecendo,
Da etiologia deste tipo de lide resulta que partindo daquela primeira alegação, resulta que a causa de pedir terá de ser fundada na propriedade. Neste tipo de acção, o facto jurídico de que deriva o direito só pode ser constituído pela alegação de uma das formas originárias de adquirir. Daí que o demandante não deva limitar-se a alegar o seu domínio tendo de articular factos que o permitam induzir caracterizados pelo facto jurídico que deu origem ao direito de propriedade cujo reconhecimento pede. Mas beneficiando da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, e não sendo esta ilidida, fica dispensada da alegação dos factos conducentes ao domínio, por força do disposto nos artigo 350.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil. Presunção legal que só podia ser afastada pela demonstração de uma posse mais antiga. Formulou depois o pedido de reconhecimento da propriedade, o que era essencial, embora tal articulação possa ser implícita. A demonstração da propriedade, conduz à entrega/restituição da coisa, regra do n.º 2 do artigo 1311.º do Código Civil, salvo se houver previsão legal que a paralize, o que é consequencia de o direito de reivindicar, se reconhecida a propriedade, ser uma manifestação da sequela. Daí que para se oporem à entrega, os recorrentes tivessem invocado o arrendamento, que assume a natureza de excepção peremptória inominada, com os efeitos do n.º 3 do artigo 493.º do Código de Processo Civil. Se o contrato fosse válido e subsistente o Autor teria, como contrapartida da renda, de assegurar aos Réus o gozo do imóvel para o respectivo fim contratual, nos termos do artigo 1031.º, b) do Código Civil. Porém, em 23 de Agosto de 1993 o UU faleceu no estado de divorciado mas, antes – por escrito de 19 de Maio de 1987 – aquele e sua, então mulher cederam o direito ao arrendamento do prédio e venderam o imóvel nele implantado ao recorrente. Aquando da celebração deste contrato, vigorava o regime de Arrendamento Rural, aprovado pela Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, com as alterações da Lei n.º 76/79, de 3 de Dezembro. Dispunha o seu n.º 1 do artigo 36.º a proibição do arrendatário “subarrendar, emprestar ou ceder por comodato, total ou parcialmente, os prédios arrendados ou ceder a terceiros a sua posição contratual, salvo se o arrendatário for o Estado ou uma autarquia local” ou (n.ºs 2 e 3) a cedência ou subarrendamento forem feitos a uma sociedade cooperativa agrícola ou ao Estado. Note-se que o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 201/75, de 15 de Abril, já proibia o subarrendamento total ou parcial, excepto se o rendeiro fosse o Instituto de Reorganização Agrária. Posteriormente, o n.º 1 do artigo 13.º do regime que se sucedeu – Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, com as alterações do Decreto-Lei n.º 524/99, de 10 Dezembro) manteve tal proibição (“… subarrendar ou ceder por comodato, total ou parcialmente (…) ou ainda ceder a terceiros a sua posição contratual.”, excepto com “acordo escrito do senhorio” (actualmente o Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro mantém a regra no artigo 10.º mas bastando-se com “ acordo expresso com o senhorio para o efeito.”). Da proibição legal e do disposto no artigo 294.º do Código Civil pode concluir-se pela nulidade da transmissão do arrendamento feita pelo UU. E, como, ensinava o Prof. Manuel de Andrade – “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 333-334 – “não é indispensável ser a lei explicita no sentido de prescrever a nulidade. Basta que dos respectivos termos ou de quaisquer outros factores atendíveis na sua interpretação se possa concluir com suficiente probabilidade ter sido esse o intuito da lei. Nesta ordem de ideias, é claro que reveste de particular importância a consideração dos interesses em presença e do escopo presumivelmente visado pelo legislador…” (cfr. ainda o Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 6.ª ed., 740 e ss.) Certo que, o arrendamento rural está delineado no sentido de lograr um regime de protecção ao rendeiro, por economicamente dependente da exploração da terra, e não para lhe permitir negociar a sua favorável posição contratual e dela obter proventos em desfavor do senhorio. Há, assim, um interesse público no impedimento à transmissão que justifica a invalidade maior. A nulidade opera “ipso jure”, sendo, por isso, de conhecimento oficioso, não obstante ser invocável por qualquer interessado. Outrossim, e em princípio, não é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por confirmação (artigos 286.º e 288.º - “a contrario” do Código Civil) com a excepção dos artigos 895.º e 968.º e 2309.º estas últimas “confirmações impróprias”. (cfr. o Prof. Rui de Alarcão in “A confirmação dos negócios anuláveis”, 128 e Prof. Mota Pinto com os Profs. Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto apud “Teoria Geral do Direito Civil”, 4.ª ed., 620). Desde já se adianta, porém, que o negócio jurídico nulo não é um “numulle” não existente (cfr., a propósito, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Outubro de 2003 – P.º 2671/03 – 1 de 29 de Abril de 2008 – P.º 733/08 – 1, relatados pelo, ora, 2.º Adjunto). É um acto realizado a que são recusados os efeitos jurídico a que se destina. Mas vejamos, Daí que o arrendamento tenha caducado com a morte do UU que manteve a qualidade de rendeiro até essa data. Isto porque o regime de caducidade do arrendamento é o vigente à data do facto que o determinou, “ex vi” do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1975 – BMJ 248-431). Ora,como se disse, o arrendatário faleceu em 24 de Agosto de 1993, vigorando, então, o acima citado Decreto-Lei n.º 385/88, com as alterações do Decreto-Lei n.º 524/99, cujo artigo 23.º dispõe expressamente a não caducidade por morte do arrendatário se verificada uma situação de transmissão “mortis causa”. Acontece, porém, que, como vimos invalidamente, o arrendatário transmitiu a sua posição contratual, “desinteressando-se” do arrendamento e não resultando que, aquando do decesso, tivesse cônjuge sobrevivo, nas condições do n.º 1 do mesmo artigo 23.º nem existindo nos autos elementos que demonstrem a existência de outros sucessores a apresentarem-se tempestivamente nos termos e para os efeitos do artigo 24.º do mesmo diploma. Não existindo arrendatário, e não o sendo os recorrentes pelos motivos explanados, não têm o direito de remir um contrato em que não são partes. E nem sequer vale o argumento levado ao acervo conclusivo que “a cessão da posição contratual” a seu favor foi “aceite e reconhecida pelos então proprietários do prédio” porque antes de o venderem ao Autor “deram aos Réus o direito de preferência” de acordo com o documento junto com a contestação. É que, por um lado, esse documento não foi nessa parte acolhido pelas instâncias em sede de demonstração fáctica; de outra banda, os recorrentes não pediram, em tempo e pela forma adequada, a alteração da matéria de facto; finalmente não alegaram essa matéria na contestação – onde deviam aduzir toda a sua defesa – limitando-se (cfr. o artigo 19.º do seu articulado) a referirem a afirmação de um terceiro. Aliás, não invocaram tal facto perante a Relação que, por isso, não o abordou e surge agora como questão nova. De todo o modo, esse “reconhecimento” a ter existido não integraria uma autorização de transmissão do arrendamento que, como se disse, a lei exige como condição de validade. 2- Benfeitorias 2.1. Assente que os recorrentes não tinham a qualidade de arrendatários não será de aplicar o regime das benfeitorias do arrendamento rural, mas sim o regime geral das realizadas pelo possuidor. A definição legal de benfeitorias consta do artigo 216.º do Código Civil, onde é feito o “distinguo” entre as três espécies – tipo (n.º 2). Iremos abordar apenas as úteis, ou seja as que não sendo indispensáveis para a conservação da coisa (ou seja, para evitar a perda, destruição ou deterioração) lhe aumentam o valor e não têm apenas como escopo o “recreio do benfeitorizante”. O legislador fez inserir o conceito na parte geral do Código Civil e não em sede de regulamentação dos direitos reais, já que existem outros institutos, para além da posse (v.g. o usufruto e o regime de bens do casamento) onde releva. Certo, desde logo, que a benfeitoria consiste num melhoramento, ou aperfeiçoamento, feito por quem tem um vinculo à coisa (relação de facto ou de direito), sendo, mais frequentemente, o caso do locatário, do comodatário, do usufrutuário ou, até, do mero detentor ou do possuidor de má fé – cfr. a propósito, o Prof. Vaz Serra, RLJ 106.º-109.º Pretende-se proteger mesmo o possuidor de má fé, contra um locupletamento injusto do que investiu para suportar o custo das benfeitorias úteis, autorizando-o a proceder ao seu levantamento desde que tal possa ser feito sem prejudicar a coisa onde foram implantadas. Isto é, o n.º 1, “in fine” do artigo 1273.º do Código Civil reporta-se não ao detrimento da benfeitoria (cujo levantamento implica, em regra, senão a sua destruição mas, pelo menos, o serem-lhe causados danos) mas à danificação significativa da coisa onde as mesmas foram implantadas– cfr o Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1964, I, 274 - e porque assim é, é que o artigo 1273.º do Código Civil utiliza as expressões “(…) levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa (…)” [n.º 1] ou “(…) para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias (…)” [n.º 2]). Isto porque as benfeitorias úteis implicaram despesas que não sendo importantes para evitar o prejuízo da coisa “têm por resultado o aumento do seu valor objectivo”. Mais que o fim conseguido importa agora o resultado – Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., 236 – a concluir que se delas não resultar uma valorização efectiva da coisa, as despesas não poderão ser tidos como benfeitorias úteis.” As benfeitorias estão, enfim, ligadas ao poder jurídico de transformação que está ínsito no direito de gozar a coisa beneficiando-a para melhor a fruir. (cfr. o Prof. Oliveira Ascensão, apud “Direito Civil – Reais”, 5.ª ed., 109). Mas são sempre realizadas pelo fruidor (possuidor ou detentor) da coisa, não tendo essa natureza os melhoramentos feitos pelo proprietário. Se forem realizadas por um terceiro sem qualquer relação com a coisa não terá este o direito a ser indemnizado ao abrigo do disposto no artigo 1273.º do Código Civil mas, eventual e tão-somente, pelo enriquecimento sem causa, se perfilados os respectivos pressupostos. 2.2. “In casu”, as benfeitorias são de qualificar como úteis. Atendendo ao que resulta da matéria de facto todas elas são deste tipo (instalação para gado bovino, várias árvores, um palheiro, uma arrecadação, uma casa de forno, um armazém agrícola, um pombal, coelheiros, tanque, poço, arrecadação, logradouro, eira e fossas sépticas) podem ser levantadas ou eliminadas sem detrimento do imóvel onde foram implantadas. Daí que os recorrentes não tenham de ser indemnizados do seu custo. A única questão que se levanta reporta-se à casa de habitação construída no prédio. Como referem Pires de Lima e A. Varela (in “Código Civil Anotado”, III, 2.ª ed., 43) o direito do possuidor à indemnização pelas benfeitorias “só pode ser exercido quando o proprietário reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contra direito relativamente à pretensão reivindicatória”. E assim aconteceu, já que o pedido de reconhecimento do domínio do prédio e a condenação à sua entrega procederam. Só que os recorrentes não implantaram a construção no prédio, tendo a mesma sido erigida pelo arrendatário rural (cujo arrendamento caducou por sua morte) e que transferiu o arrendamento para os Réus, mas cuja transferência é, como se viu, nula, pelo que a benfeitoria (cujo pagamento é um direito de crédito) não se transferiu validamente. Certo, outrossim, que os Réus acordaram com os anteriores arrendatários a compra do prédio (“benfeitoria”),acordo que verteram em documento particular. Venda que é nula por falta de forma, não podendo a referida transmissão ser considerada como tal. Assim,e numa primeira abordagem, os recorrentes não teriam direito a indemnização pela benfeitoria, não só por não serem titulares do direito de crédito, já que não foram os implantantes, mas também por ser inválida a transmissão do arrendamento. Quanto à compra e venda intitulada a sua nulidade teria apenas os efeitos do artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, ficando os Réus obrigados a restituírem aos alienantes o preço que pagaram. Levanta-se, porém, uma questão. O Autor refere na petição inicial que o Réu marido foi notificado pela Câmara Municipal de Santiago do Cacém para proceder à demolição de tudo o que erigiu no prédio, com excepção da benfeitoria edificada em 1937 pelos anteriores arrendatários “e inscrita na matriz (…)” (artigo 16.º) e que “desde já declara que está disposto a pagar aos 1.ºs RR o seu valor (artigo 17.º). E concluiu formulando os aludidos pedidos típicos da lide reivindicatória para culminar que os Réus devem ser condenados a tudo demolirem, “com excepção da benfeitoria constituída por um prédio destinado a habitação com duas divisões e 40 m2 de superfície coberta, inscrito na matriz sob o artigo 686.º da freguesia de Santiago do Cacém em 1937 e actualmente averbado em nome do 1.º R, cujo valor, desde já, o A. se propõe a pagar aos 1.ºs RR.” Mas vendo-se condenado pela 1.ª Instância a pagar aos Réus o valor daquela construção, recorreu para a Relação alegando não ser benfeitoria indemnizável não só por não ter sido implantada pelos Réus como pela sua venda ter sido nula. E, com estes e outros fundamentos, obteve ganho na apelação. O certo é que, depois de ter oferecido e pedido o seu pagamento, e reconhecido a natureza de benfeitoria, o Autor vem invocar o contrário. E tal significa uma alteração do pedido fora do condicionalismo dos artigos 272.º e 273.º do Código de Processo Civil, além de traduzir um comportamento eticamente censurável, por exceder os limites impostos pela boa fé e integrar abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”. (artigo 334.º do Código Civil). Acentue-se, porém, que o abuso não consiste, nem podia consistir na invocação da nulidade decorrente da falta da forma legalmente prescrita, já que as regras que a impedem são de interesse e ordem pública cuja imperatividade as partes não podem afastar, mas sim no uso do direito numa direcção ilegítima por contrariar o antes reiteradamente afirmado e pedido. E nem se alegue que a nulidade da venda nunca poderia ter outros efeitos para além da restituição do prestado. Como acima se acenou o acto apesar de nulo não inexiste na realidade social. Por isso (e voltando a recordar o Prof. Vaz Serra, RLJ, 109-314, agora citando Larenz) “pode a sua realização ter efeitos jurídicos diversos dos visados pelas partes com ele, por exemplo um dever de indemnização (…) uma pena (…) antes de tudo, porém, fundar uma relação de liquidação.” Indo por aí, e embora tal não tivesse sido pedido expressamente, teria de proceder-se a uma diversa qualificação jurídica nos termos do artigo 664.º do Código de Processo Civil, já que esta é livre desde que não altere a causa de pedir (cfr. Prof. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, V, 93). Construção não afasta o principio da substanciação – oposto ao da individualização – já que é necessária a indicação especificada do facto constitutivo do direito, não bastando a indicação genérica do direito que pretende fazer valer (cfr., Profs. Alberto dos Reis, ob. cit., 11, 356; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 297; Castro Mendes, “Manual de Processo Civil”, 229). Aqui chegados, verifica-se que, mau grado a nulidade da compra e venda da construção, o certo é que os Réus pagaram o respectivo preço ao vendedor, este faleceu entretanto, e o imóvel está implantado no prédio do Autor que aqueles terão de restituir nos termos decididos. Ora, fazer funcionar simplesmente o principio do n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil – regra a conjugar com a doutrina do Assento (hoje com valor de Acórdão Uniformizador) de 28 de Março de 1995 – BMJ 445-67 – criaria a situação de o Réu apenas poder tentar obter a restituição do que pagou junto dos sucessores do vendedor (que não estão na lide)também não podendo ser ressarcido pelo Autor por não se tratar de benfeitoria por si implantada. Resultaria no enriquecimento do Autor que ficaria, desde logo, a beneficiar de um melhoramento do seu prédio e de um empobrecimento dos Réus que, embora tendo pago a construção teriam de proceder à sua entrega sem obterem de imediato a devolução do prestado, embora o Autor se tivesse proposto pagar-lhe o valor do imóvel. Daí que, e pelas razões explanadas quanto às consequências da nulidade no seu cotejo com as consequências que o acto nulo gerou, e sem que se repristinem os efeitos jurídicos pretendidos, se considere que ao receber o imóvel o Autor deve (como aliás, repete-se, aceitou “ab initio”) pagar aos Réus, o valor da construção, aquando da propositura da acção, pois foi então que o Autor se propôs proceder a esse pagamento , cujo montante será liquidado em fase ulterior e que não poderá ser inferior ao valor que pagou ao arrendatário nem superior ao que consta da resposta ao artigo 6.º da base instrutória. 3 – Constitucionalidade Finalmente, os recorrentes suscitam a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 36.º da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, já que ao proibir a cessão da posição contratual a terceiros, permitindo-o às cooperativas agrícolas, viola o disposto nos artigos 62.º e 13.º da Constituição da República. Sem razão, porém. O artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa (Direito de propriedade privada) não é, de modo algum, tocado pelo preceito cuja constitucionalidade é posta em crise. O substituir um arrendatário por outro não tem a ver com o direito a deter propriedade, designadamente o “fruendi, utenti ac abutendi” inerentes ao gozo daquele. Nada impõe, em sede de lei fundamental, que um terceiro, não proprietário, mas apenas locatário de um imóvel, possa sempre, e sem condições, ceder (ou de outra forma transferir) a sua posição contratual. O princípio consagrado no artigo 36.º n.º 1 da Lei do Arrendamento Rural de 1977 mais não é do que o homólogo do artigo 424.º do Código Civil que limita a cessão da posição contratual. Não há, em consequência, o cercear do poder do proprietário esse sim, a existir, limitativo do núcleo essencial do direito à propriedade privada consagrado no artigo 62.º do diploma fundamental. Outrossim, não se mostra violado o artigo 13.º da Constituição da República por no aresto em crise não ter sido posto em causa o princípio da igualdade e a aplicação da norma questionada, seu segmento ou interpretação, terem conferido privilégios, benefícios a alguém no cortejo com outro, em razão de qualquer dos factores ali elencados. 4 – Conclusões Pode concluir-se que: a) Na acção de reivindicação o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade só pode ser constituído pela alegação de uma das formas originárias de adquirir, salvo se, por invocada a presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, ficar dispensado da alegação de factos conducentes ao domínio, “ex vi” do disposto no artigo 350.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil. b) Demonstrada a propriedade – cujo pedido de reconhecimento pode ser implícito – a entrega/restituição surge como consequência, por o direito de reivindicar ser uma manifestação da sequela. c) A invocação do arrendamento para paralisar o efeito do n.º 2 do artigo 1311.º do Código Civil tem a natureza de excepção peremptória. d) O arrendatário rural não pode transmitir, ou por qualquer forma ceder ou mesmo comodatar total ou parcialmente, o prédio arrendado, sendo que, na vigência da Lei n.º 76/77 de 29 de Setembro (alterada pela Lei n.º 76/79, de 3 de Dezembro) a regra era excepcionada se o Estado ou uma autarquia fossem arrendatários ou a cedência fosse a favor do Estado ou da cooperativa agrícola (artigo 36.º). O regime do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro (artigo 13.º, n.º 1) manteve a proibição, salvo se o senhorio desse acordo escrito (ou acordo expresso, no Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro). e) A violação da proibição gera a nulidade da transmissão (artigo 294.º do Código Civil), que opera “ipso jure”, é cognoscível “ex officio” não sendo sanável nem por confirmação nem pelo decurso do tempo. f) O negócio jurídico nulo não é um “numelle” não existente sendo apenas um acto ao qual são recusados os efeitos jurídicos a que se destina. g) Pode ter efeitos jurídicos diferentes dos usados pelas partes com o negócio, resultantes de diversa qualificação ao abrigo do artigo 664.º CPC desde que não seja alterada a causa de pedir não se afastando, assim, o princípio da substanciação oposto ao da individualização. h) Se o detentor do imóvel pagou o preço da compra de um prédio implantado por outrem nesse terreno e não formalizou o contrato, a nulidade teria como consequência obter a restituição do que pagou. Mas não sendo tal possível por o vendedor não estar na lide, deverá a construção ficar sujeita ao regime das benfeitorias aquando a restituição do terreno ao dono. i) O regime de caducidade do arrendamento é o vigente à data do facto que o determinou. j) O direito de remição do contrato de arrendamento não é conferido ao cessionário, com transmissão logrado ao arrepio do artigo 36.º, n.º 1 da Lei n.º 76/77. k) A benfeitoria útil consiste num melhoramento ou aperfeiçoamento feito por quem tem um vínculo à coisa (relação de facto ou de direito), na perspectiva de lograr uma sua mais utilidade ou melhoria. l) O n.º 1 “in fine” do artigo 1273.º do Código Civil não se reporta ao detrimento das benfeitorias em si mas à perda ou danificação significativa da coisa onde foram implantadas. m) Se forem realizadas por um terceiro que não por quem tenha um poder de facto sobre a coisa não pode, este, em princípio, ser indemnizado ao abrigo do artigo 1273.º. n) O n.º 1 do artigo 36.º da Lei n.º 76/77 não viola o disposto nos artigos 62.º e 13.º da Constituição da República. Nos termos expostos, acordam conceder parcialmente a revista e condenar o Autor a pagar aos Réus o valor que a construção a que se refere a alínea e) dos factos assentes tinha aquando da propositura da acção e cujo montante será liquidado em fase ulterior nos termos acima decididos. Custas por Autor e Réus, na proporção do vencido. |