Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDES DO VALE | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRESSUPOSTOS MODALIDADES CAUSA JUSTIFICATIVA | ||
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Data do Acordão: | 09/27/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., págs. 470 e segs.. - L. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 6ª Ed., págs. 407 e segs.. - I. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 3ª Ed., págs. 124 e segs., 132. - Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., págs. 454 e segs.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 473.º, N.º2, 474.º,489.º, 664.º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2, 661.º, 672.º, 684.º, N.º3, 690.º, N.º1, 713.º, N.º5, 726.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA -DE 14.01.72, BOL. 213º/214. | ||
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Sumário : | I - Constituem pressupostos do enriquecimento sem causa a existência de um enriquecimento obtido à custa do empobrecido e sem qualquer causa justificativa, tendo o mesmo carácter subsidiário como fonte de obrigação. II - O enriquecimento sem causa pode configurar-se como enriquecimento por prestação, por intervenção, por despesas realizadas em benefício doutrem e por desconsideração de um património intermédio. III - O enriquecimento tem ou não causa justificativa consoante, segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele, cumprindo ver, em cada hipótese e no âmbito do instituto jurídico aplicável, se o enriquecimento corresponde à vontade profunda da lei. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça
1 – AA instaurou, em 24.03.06, na comarca de Cascais, acção ordinária contra BB, pedindo a condenação desta a restituir-lhe, com base em enriquecimento sem causa, a quantia de € 160 000,00, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, em resumo e essência: / --- O A. viveu com a R. em comunhão de cama, mesa e habitação, desde 1985 até ao início de 2005; --- Nesse contexto, o A. tomou a decisão de comprar uma fracção autónoma, designada pela letra “F”, tendo, então, acordado com a R. que a compra seria feita em nome dela pelo facto de aquele se manter casado e de ter filhos menores, propondo-se fazer a transferência da propriedade para o nome destes, quando atingissem a maioridade; --- Todas as negociações com vista à aquisição da referida casa e à obtenção de empréstimo bancário, bem como o seu pagamento e restantes despesas com escrituras e registos, estiveram a cargo do A.; --- No decurso da vivência em comum, o A. veio a vender essa casa para aquisição de uma outra fracção autónoma, designada pela letra “H”, onde passaram a morar, em relação à qual foi o mesmo A. quem suportou a aquisição, despendendo o total de Esc. 28 970 975$69, equivalente a € 144 506,61; --- Em finais de 2004, a R. alterou o seu comportamento para com o A. e, em Fevereiro de 2005, demonstrou querer que este saísse de casa, o que o A. veio a fazer, levando consigo apenas alguns bens pessoais e deixando outros bens, que a R. se recusa a devolver; --- Entretanto, a R. entregou ao A. um cheque no montante de € 65 000,00, que seria correspondente ao acerto de contas entre ambos, com o que o A. não concorda, por considerar que a R. se enriqueceu à sua custa pelo valor do imóvel, ascendente a € 225 000,00, atenta a data em que cessou a vida em comum. Na contestação, a R. alegou, também em resumo e essência: / --- Não foi apenas o A. quem suportou as despesas com a aquisição das fracções autónomas indicadas na p. i., aquisição esta que também foi decidida em comum, tendo a R. participado nas respectivas negociações; --- Os pagamentos que o A. suportou foram motivados pela comparticipação nas despesas com a vida em comum, por ser a R. quem suportava integralmente as despesas inerentes à manutenção da casa e economia doméstica, com alimentação, água, gás, condomínio e outras, além de mobílias, electrodomésticos e obras; --- O A. adquiriu um imóvel, no Algarve, em nome de uma sociedade de que é administrador e, se a sua intenção fosse aquela que alega, poderia ter feito o mesmo com as casas dos autos; --- Foi devido aos comportamentos do A. que a vida em comum se tornou impossível, o que o levou a sair da casa; --- Nessa data, o A. exigiu que a R. lhe entregasse metade do preço de compra da casa onde moravam, equivalente a € 73 500,00, ao que a R. acedeu para ultrapassar as discussões, tendo descontado parte de uma dívida daquele; --- O A. concordou com o valor entregue, pelo que agora litiga de má fé; --- Em relação a alguns dos bens pessoais do A., que não são todos os alegados, a R. está disponível para fazer a sua entrega; --- E, deixando invocadas as excepções de prescrição e de abuso de direito, a título subsidiário, para a hipótese de procedência da acção, a R. deduziu reconvenção em que pede a condenação do A.-reconvinte no pagamento de metade do valor das despesas com a vida em comum, que totalizam € 160 795,50, das quais tem a receber o valor de € 80 397,75, bem como de € 8 750,00, ainda em dívida de um empréstimo feito ao A. Na réplica, pugnou o A. pela improcedência das sobreditas excepções e, quanto à pretensão reconvencional, sustentou que as despesas da vida em comum sempre foram suportadas por ambos e que o alegado empréstimo nunca existiu. Subsidiariamente, defendeu que os créditos invocados pela R. estariam, parcialmente, prescritos e que o alegado empréstimo será nulo por falta de forma. A R. apresentou, ainda, tréplica, respondendo às excepções deduzidas pelo A., no sentido da sua improcedência. Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (b. i.). A final, foi proferida sentença (fls. 1886 a 1903), a julgar: / a) – A acção, parcialmente, procedente, condenando-se a R. a pagar ao A. o montante a liquidar ulteriormente, na parte que exceder a quantia de € 65 000,00, referente à importância de € 144 131,61, depois de deduzido o valor das despesas suportadas pela R. como compensação dos gastos do A. com a aquisição dos imóveis, quantia a actualizar segundo os índices oficiais da inflação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação; b) – A reconvenção prejudicada na parte referente aos gastos da R. e improcedente na parte restante. A Relação de Lisboa, por acórdão de 18.01.11, julgou totalmente improcedente a apelação da R. e, parcialmente, procedente a apelação do A., alterando, em consequência, a sentença recorrida, nos seguintes termos: / a) – Condenando a R. a pagar ao A., a título de enriquecimento sem causa, dentro dos limites do pedido, a quantia equivalente a € 144 131,61, actualizada, segundo os índices oficiais da inflação (preços ao consumidor), desde 23.04.03 a 26.02.05, respectivamente, de 3,70% (em 2003), 3,30% (em 2004) e 2,10% (em 2005), deduzida, depois, a importância de € 65 000,00 já paga pela R., e, ainda, os juros de mora, à taxa de 4%, vencidos a partir da data da citação e até real embolso, absolvendo-se a R. do mais peticionado pelo A.; e b) – Absolvendo-se o A.-reconvindo do pedido reconvencional deduzido pela R., na parte impugnada. Daí a presente revista trazida pela R., visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões: / a) - A causa de pedir que serve de fundamento à presente acção não é adequada ao pedido de enriquecimento sem causa, uma vez que, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, aquela consiste no alegado acordo celebrado entre o recorrido e a recorrente, em cumprimento do qual, e na versão daquele, a fracção dos autos se destinaria a ingressar, primeiro, no seu património exclusivo e, em seguida, no dos seus filhos, logo que estes atingissem a maioridade, conforme resulta dos factos alegados pelo recorrido nos artigos 4.2, 12.2, 13.9, 14.9, 55.5 e 57 da p. i. e 25.2 e 26.9 da réplica; b) – O A. funda o direito à restituição do valor do imóvel dos autos num alegado negócio que diz ter celebrado com a R. e no respectivo incumprimento do mesmo por parte desta e/ou na sua nulidade - verdadeira causa de pedir da acção -, lançando mão, erradamente, da figura do enriquecimento sem causa;
c) – Não colhe, assim, o argumento da Relação de que a fracção em causa «ingressou directamente no património da R. sem apoio em qualquer negócio jurídico celebrado entre ambos»; d) – Não pode haver lugar à restituição por enriquecimento quando a lei faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, constituindo a pretensão de obter a restituição com base no enriquecimento sem causa uma acção subsidiária da qual só é legítimo lançar mão quando o titular do respectivo direito não dispõe de uma acção alternativa; e) – Estando a recorrente, na tese do recorrido, obrigada à restituição ao património do recorrido do imóvel dos autos por força daquele acordo ou da nulidade do mesmo por falta de forma, o recorrido poderia e deveria ter feito valer este seu alegado direito, quer por via do incumprimento contratual, quer através da nulidade ou anulação do negócio; f) – Alegando o recorrido que o pretenso acordo celebrado com a recorrente é nulo por eventual inobservância de forma, aquele teria ao seu alcance um mecanismo legal específico ao qual podia recorrer para ser indemnizado ou restituído, já que, nos termos do disposto no artigo 289º do CC, a nulidade ou anulação de um negócio jurídico é fonte da obrigação de restituir o que em execução dele tiver sido prestado, pelo que, tendo a alegada deslocação patrimonial por base um negócio jurídico nulo ou anulável é a própria declaração de nulidade ou anulação do negócio que opera a restituição ao património de cada uma das partes dos bens com que a outra se poderia enriquecer à sua custa; g) – Não poderá, assim, a restituição em causa nos presentes autos reger-se pelas normas do enriquecimento sem causa, nem o recorrido se podia ter socorrido deste instituto, uma vez que a causa de pedir que serve de fundamento à acção não é adequada ao respectivo pedido; h) – Ao entender de forma diferente, o acórdão recorrido violou os artigos 474.º e 289.º do CC; i) – Para que se verifique enriquecimento sem causa não basta que alguém tenha obtido vantagem económica à custa de outrem, sendo ainda necessária a ausência de causa jurídica justificativa da deslocação patrimonial, constituindo tal requisito um facto constitutivo do direito de quem requer a restituição; j) – Caberia ao recorrido, que pede a restituição com base no enriquecimento da recorrente à sua custa sem causa justificativa, o ónus da alegação e prova dos referidos pressupostos, nos termos do disposto no artigo 342º do CC, não bastando para esse efeito que não se prove a existência de uma causa de atribuição, sendo, ao contrário, necessário convencer o tribunal da falta de causa; K.O requisito da ausência de causa justificativa não pode julgar-se preenchido apenas com os factos considerados no acórdão recorrido - que a fracção imobiliária designada pela letra "H" pertencente à R., com o valor de € 225.000,00, à data da cessação da união de facto, foi adquirida à custa exclusiva do património do A. e que o A. despendeu, para tal efeito, uma quantia total de € 144.131,61"; l) – A conclusão vertida no acórdão recorrido segundo a qual dos factos provados nada de útil se extrai no sentido de que o A. pretendesse, por esse meio, beneficiar a R. com uma tal liberalidade (é), para além de ilegítima, não pode servir para sustentar a verificação do requisito da ausência da causa justificativa; m) – Cabia ao A. provar que não pretendeu efectuar uma liberalidade à R. e que o imóvel se destinava a integrar o seu património exclusivo ou o dos seus filhos, pois só assim ficaria demonstrada a ausência de causa justificativa para a deslocação patrimonial; n) – Não tendo o A. logrado efectuar tal prova, o acórdão recorrido não poderia ter considerado verificados os pressupostos fácticos do enriquecimento sem causa; o) – De igual modo, do alegado objectivo da compra - a vida em comum - não se pode extrair, de forma categórica e absoluta, a conclusão de que, finda essa vivência, o imóvel em questão se destinava a integrar o património exclusivo do A.; p) – Tanto assim é que o próprio A. teve necessidade de completar aquele facto - que, em virtude do objectivo de viver conjuntamente com a R., tomou a decisão de adquirir uma casa - com a alegação de que «(...) a casa se destinasse a integrar de facto no património exclusivo dele (Autor) para, assim que seus filhos atingissem a maioridade, ser transferida para a titularidade destes" (arts. 14º e 15º da p. i., levados à b. i. sob o artigo 3º); q) – É no facto referido na conclusão anterior que reside verdadeiramente o cerne da ausência da causa justificativa, justamente levado à base instrutória, e que não veio a resultar provado, razão pela qual não pode considerar-se preenchido o requisito da falta de causa justificativa e, consequentemente, condenar-se à restituição com fundamento no enriquecimento sem causa; r) – Ainda que a falta de causa derivasse da cessação da vida em comum, para que a acção procedesse no sentido da restituição total ao recorrido das quantias por este pagas a título de preço do imóvel, sempre teria de se provar que a intenção deste era, uma vez finda tal união, integrar o imóvel no seu património; s) – Não estando tal facto provado, como, aliás, se constata da própria terminologia usada no douto acórdão {"daí pode concluir-se que o recorrido não pretendera integrar o valor desse custo no património da recorrente" e "dos factos provados nada de útil se extrai no sentido que o recorrido pretendesse beneficiar a recorrente"), é impossível determinar se o recorrido quis destinar o imóvel ao seu património exclusivo ou, pelo contrário, efectuar uma liberalidade a favor da recorrente; t) – Não resultando provado o pretenso acordo celebrado entre recorrente e recorrido quanto ao destino da fracção, é impossível determinar a quem deverá pertencer o imóvel e em que proporção já que é precisamente esse acordo o único factor que, na própria tese do recorrido, permite determinar a titularidade da casa (integração exclusiva no seu património ou dos seus filhos) e, consequentemente, o credor da restituição das quantias despendidas com a respectiva aquisição; u) – Ao considerar verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa e determinar a restituição por parte da recorrente da totalidade das quantias pagas pelo recorrido, o douto acórdão violou os artigos 473º, nº/s 1 e 2 e 479º do CC; v) – No caso “sub judice”, o eventual direito à restituição não se conta a partir da data da cessação da união de facto, porquanto o A. não funda o pedido de restituição na cessação da vida em comum com a R., mas sim no acordo que alegadamente com esta celebrou de que o imóvel se destinava a integrar, num primeiro momento, o seu património, e, em seguida, o património dos filhos logo que estes atingissem a maioridade; w) – Alegando o recorrido que o imóvel dos autos se destinava a ingressar no seu património para, logo que os seus filhos atingissem a maioridade, ser transferido para a titularidade destes, o prazo para o exercício do seu alegado direito à restituição com fundamento no enriquecimento sem causa da recorrente começou a correr, no dia 9 de Maio de 1996, data em que o filho mais novo do recorrido atingiu a maioridade; x) – Não tendo o recorrido exercido o seu alegado direito nos três anos posteriores à maioridade dos seus filhos, podendo tê-lo feito, e decorridos mais de três anos desde aquelas datas aquando da instauração da presente acção, é manifesto que o direito que o recorrido pretende fazer valer prescreveu, face à negligência deste em exercitar tal direito o que o coloca na posição de não merecer a tutela do Direito, devendo, por esse motivo, ser julgada procedente a correspondente excepção; y) – Ao contrário do alegado no douto acórdão recorrido, encontram-se verificados os pressupostos do abuso de direito, uma vez que, não tendo o recorrido, ao longo dos vinte anos que viveu com a recorrente, exigido a esta qualquer contribuição monetária para o pagamento do imóvel, sabendo e aceitando que a recorrente suportasse na íntegra todas as outras despesas inerentes à vida em comum sem também exigir qualquer contribuição da sua parte, criou nesta a convicção de que nada era devido a título de restituição mútua das quantias que ambos suportavam; z) – Criou-se, assim, uma situação de confiança na recorrente, que, perdurando por um significativo lapso temporal, seria agora injustamente frustrada, com graves danos para esta, pelo serôdio exercício do direito do recorrido; aa) – O recorrido pretende, assim, obter o reconhecimento de um direito que está em manifesta oposição com aquilo que foi o seu comportamento ao longo de vinte anos e no qual a R., fundada e legitimamente, confiou. O que, de facto, configura abuso de direito na vertente de “venire contra factum proprium”; bb) – Consequentemente, o reconhecimento do direito do recorrido conduz a um claro e manifesto abuso, não permitido pelo artigo 334º do CC, sendo imperioso concluir pela ilegitimidade do exercício de tal direito; cc. Ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão violou o disposto nos artigos 334º e 335º do CC; dd) – Caso se venha a entender que o recorrido tem direito à restituição ao abrigo do enriquecimento sem causa, não é curial nem sustentável que se decida, como no acórdão recorrido, que, embora tenha ficado provado que tenha sido a recorrente a suportar em exclusivo as despesas com electricidade, água, gás, telefone, TV cabo, a grande maioria das despesas de alimentação, além de despesas de seguros das fracções e outras referentes à vida comum, estas despesas não se traduzam num enriquecimento do património do recorrido; ee) – Bem andou a douta sentença do Tribunal de 1ª instância quando decidiu que “no caso dos autos, deparamo-nos com uma situação em que o autor é advogado e despendeu as quantias necessárias para a aquisição de imóveis tendo em vista a vida em comum com a Ré; logo em princípio é uma pessoa que dispõe de uma situação económica desafogada. Assim sendo, cabe perguntar qual a razão que levou a Ré a suportar em exclusivo as despesas com electricidade, água, gás, telefone, TV Cabo, a grande maioria das despesas de alimentação, além de despesas de seguros das fracções e outras referentes à vida comum. Atendendo ao conjunto dos factos dados como provados, nada indica que existiu da parte da Ré a intenção de beneficiar o Autor com essas quantias, algo que, de resto, nem o próprio Autor alega. Por isso a apreciação do conjunto dos factos á luz das regras de experiência comum, leva a concluir que muitas das despesas com a vida em comum, nomeadamente aquelas que a Ré suportou em exclusivo ou na sua "grande maioria", o foram como compensação para o facto de o autor suportar as despesas com a compra dos imóveis para a habitação de ambos em união de facto” ; ff) – Ao contrário do decidido no acórdão recorrido, recorrido e recorrente efectuaram, em conjunto, contribuições para um património que se deverá qualificar como comum em virtude da decisão que tomaram de viver em comunhão de cama, mesa e habitação; gg) – Cessando a vida em comum, deverá admitir-se, quando muito e em caso de improcedência das conclusões anteriores, que recorrido e recorrente sejam restituídos reciprocamente de metade dos valores com que cada um deles contribuiu para a vida em comum - pois é esse o verdadeiro sentido da comunhão; hh) – Neste sentido, ao recorrido seria restituído o valor de metade das contribuições monetárias efectuadas para a compra do imóvel, nos termos que resultam da resposta ao artigo 13.2 da BI e respectivos documentos, isto é, no montante de € 72.065,80 (metade da soma resultante do facto provado sob o artigo 14º, no montante de € 144.131,61), deduzido do valor que já recebeu da recorrente, no montante de € 65.000 (sessenta mil euros), por força do facto provado constante da Alínea M) dos Factos Assentes e a recorrente seria reembolsada de metade do valor que despendeu com obras, electricidade, água, gás, telefone, TV Cabo, despesas de alimentação e seguros das fracções e outras referentes à vida comum, nos termos que resultam do facto assente na alínea O) e das respostas positivas aos artigos 22º, 23º e 34º da BI, donde, para já, se apuram contribuições monetárias no montante total de (€ 1.750 + € 42.486,37) € 44.236,37 (quarenta e quatro mil duzentos e trinta e seis euros e trinta e sete cêntimos), conforme documentos números 1 a 628 juntos com o requerimento de 27 de Junho de 2008 completado pelo documento número 1 junto com as alegações de direito, julgando-se, assim, procedente a reconvenção e operando-se a devida compensação entre os créditos e débitos de cada um; ii) – É gravemente atentatório da mais elementar justiça material considerar, como o faz o acórdão recorrido, que da cessação da vida em comum apenas resultam direitos para o A., provadas que estão as significativas contribuições da R. para essa vivência que permitiram ao A. pagar exclusivamente o preço do imóvel, tal como, aliás, se reconheceu na decisão de 1ª instância; jj) – Caso, como resulta do acórdão recorrido, entendamos que as significativas despesas suportadas pela R. foram efectuadas em função do projecto de vida em comum, então, do mesmo modo, tal como se entendeu nessa decisão, cessando essa vida em comum, deixa de existir causa justificativa para aquela deslocação patrimonial, devendo ser restituído o que foi prestado; kk) – Assim, no caso de procedência do pedido de restituição efectuado pelo recorrido com fundamento no enriquecimento sem causa, deverá julgar-se igualmente procedente a reconvenção e, a final, concluir-se que o recorrido tem um crédito sobre a recorrente no montante de (€ 72.065,80 - € 65.000) € 7.065,80 e esta tem um crédito sobre o A. no montante de (€ 44.236,37*2) € 22.118,19, operando-se a respectiva compensação, deverá o recorrido ser condenado a pagar à recorrente a quantia de € 15.052,39 (quinze mil e cinquenta e dois euros e trinta e nove cêntimos); ll) – O acórdão recorrido violou, respectivamente, o disposto nos artigos 474º, 289º, 342º, 473º, 479º, 482º e 334º e 335º, todos do CC, devendo ser revogado e, em seu lugar, proferida decisão que absolva a recorrente do pedido ou, caso assim não se entenda, que, julgando a acção parcialmente provada, julgue igualmente procedente a reconvenção, condenando recorrente e recorrido a restituírem mutuamente as quantias com que contribuíram para a vida em comum, deduzindo-se a quantia já paga pela recorrente, operando-se, a final, a respectiva compensação, pois assim se fará JUSTIÇA. Contra-alegando, defende o recorrido a manutenção do julgado. Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir. * 2 – A Relação teve por provados os seguintes factos: / 1 – O A. e CC contraíram matrimónio um com o outro, no dia 16 de Agosto de 1972, sem convenção antenupcial, casamento não dissolvido (A); 2 - Desse matrimónio nasceram os filhos seguintes: DD, nascida a 25.10.73; EE, nascido a 25.07.75, e FF, nascido a 09.05.78, falecido a 13.05.01 (B); 3 – A R. tem um filho,GG, nascido a 28.02.81, que lhe foi confiado no âmbito da regulação do exercício do poder paternal (C); 4 – No decurso do mês de Agosto de 1984, o A. e a R. estabeleceram entre si uma relação de namoro, tendo, cerca de um ano depois, decidido viver juntos, em comunhão de cama, mesa e habitação (D); 5 – Em Novembro de 1986, o A. e a R. iniciaram a vivência em comum, na fracção autónoma designada pela letra "F", do prédio sito na Rua..., em S. Pedro do Estoril, adquirido através de escritura celebrada, no dia 26.03.86, em nome da R., tendo sido contraído empréstimo bancário, em nome da mesma (E); 6 – Em virtude do objectivo de viver juntamente com a R., o A. tomou a decisão de adquirir uma casa por compra (1º); 7 – O A. e a R. acordaram que a compra seria efectuada exclusivamente em nome dela (2º); 8 – Esse acordo visou obstar a que CC pudesse reclamar direitos sobre a dita casa, com base no regime de bens do casamento (3º); 9 – Foi neste contexto que o A. negociou a compra da fracção autónoma referida em 5 (alínea E) e a contratação, para efeito da compra, de um empréstimo junto da Caixa Económica Comercial e Industrial, anexa ao Montepio Comercial e Industrial (Associação de Socorros Mútuos) – (4º); 10 - O imóvel foi comprado por 7.200.000$00 e foi contraído empréstimo de 3.000.000$00, nas condições constantes da respectiva escritura, a fls. 44 e segs. dos autos (7º); 11 – Todas as negociações com vista a essa aquisição e à contratação do empréstimo foram conduzidas e travadas directa e exclusivamente pelo A. com o vendedor e com a instituição de crédito (5º); 12 – O A. suportou, à sua exclusiva custa, o preço total da dita compra e venda e todas as despesas com a escritura, registos e empréstimos referentes à mesma compra (6º); 13 – No ano de 1992, o A. decidiu comprar a fracção mencionada na alínea H), correspondente ao ponto 17 e ao ponto subsequente (8º); 14 – Por escritura de 23.04.93, a R. adquiriu a fracção autónoma designada pela letra "H" do prédio sito na Rua..., em S. Pedro do Estoril, tendo contraído empréstimo hipotecário (F); 15 – Por escritura do dia 30.04.93, a R. vendeu a fracção autónoma designada pela letra "F" (G); 16 – A fracção “F” foi vendida por 20.000.000$00 (13º); 17 – O produto da venda foi afecto à compra da fracção designada pela letra "H" (H); 18 – A fracção “H” foi adquirida por 29.500.000$00, e foi contraído empréstimo de 10.300.000$00, nas condições constantes da escritura de fls. 83 e segs. (12º); 19 – Todas as negociações com vista à aquisição dessa fracção “H”, venda da fracção “F” e contratação de novo empréstimo junto da instituição que concedera o anterior foram conduzidas e travadas directa e exclusivamente pelo A. com o vendedor e com essa instituição (10º); 20 – O A. suportou, à sua exclusiva custa, o preço da compra da fracção “H” e todas as despesas com a escritura, registos e dois empréstimos referentes à mesma compra (11º); 21 – O A. passou, depois, a residir na fracção “H”, identificada na alínea F) constante do ponto 14, juntamente com a R. e o filho desta - que viveu sempre com eles, desde a data referida no ponto 15 (alínea G) -, mantendo-se a motivação e as demais circunstâncias dadas como provadas, constantes dos pontos 6 e 7, correspondentes às respostas aos art. 1º e 2º da b.i. (9º); 22 – O A. saiu da fracção autónoma “H”, no dia 26.02.05, levando consigo bens estritamente pessoais, tendo deixado na fracção os seguintes objectos, que lhe pertenciam: um relógio em ouro, marca Pequinet, no valor de € 1.500,00; o livro "Estoril - Uma Força Indomável", com dedicatória de Lazlo Hubay, no valor de € 30,00; dois volumes do livro de Michel Costa, com dedicatória, e título "A Cozinha em Família" (I); 23 – O A. saiu da casa, conforme referido no ponto precedente (I), na sequência de desentendimentos surgidos, sobretudo nos últimos meses do ano anterior (17º); 24 – A R. suportou obras de remodelação do sótão da fracção "H", no montante de € 1 750,00 (K); 25 – Os valores indicados no doc. nº12 da p. i., de Esc. 5 030$00, bem como nos docs. juntos com o requerimento de prova do A. sob os nºs 59 a 83, 86 a 191, 193, 194, 196, 197 e 200 a 204, são referentes a pagamentos feitos pelo A. neste âmbito, deles resultando que o A. despendeu quantia não inferior a € 144 131,61 (13º e 14º); 26 – A R. jamais contribuiu para as despesas com a compra das casas, escrituras, registos, e com a amortização dos empréstimos contraídos (15º); 27 – A última amortização do terceiro empréstimo foi paga pelo A., no dia 23 de Abril de 2003, tendo-lhe sido entregue o documento de distrate (16º); 28 – Em Fevereiro/Março de 2005, o valor da fracção “H” era, no mínimo, de € 225 000,00 (18º); 29 – Durante o tempo em que viveram juntos, a R. suportou em exclusivo as despesas com electricidade, gás, água, telefone e TV Cabo, bem como a grande maioria das despesas de alimentação, além de despesas de seguros das fracções e outras referentes à vida comum (19º); 30 – O que já acontecia quando a R. vivia na fracção "F" com o seu filho (20º); 31 – A R. também suportou despesas com a aquisição de electrodomésticos e outros objectos do lar (21º); 32 – O A. tinha boas relações junto do Banco onde foram contraídos os empréstimos (22º); 33 – A compra das fracções teve o acordo da R., que chegou a acompanhar o A. nas negociações, além de ter participado nas diligências para a venda da fracção "F", mostrando o imóvel e recebendo o cheque do sinal (23º); 34 – Durante a vivência em comum, a R. pagou quantias cujo montante global não foi apurado, tais como: de alimentação aquelas a que se referem os docs. juntos no seu requerimento de 27.06.08, sob os nºs 1 a 74, no total de € 16 303,83; muitas daquelas que, nos extractos bancários juntos como documentos nºs 494 e segs., se referem a minipreço, talho, Jumbo, Carrefour, mercearia, continente, pizzeria, charcutaria, celeiro, Pingo Doce, entre outras; de água, aquelas a que se referem os docs. nº/s 75 a 80, 83 a 174, no total de € 2 896,06; de electricidade, aquelas a que se referem os docs. nº/s 82, 175 a 259, no total de € 5 787,98; de telefone, aquelas a que se referem os docs. nº/s 260 a 424, no total de € 4 798,47; de gás e de TV Cabo, aquelas a que se referem os docs. nºs 81 e 425 a 93, no total de € 3 539,00; pagamentos feitos pela R., neste âmbito, todos aqueles que, nos referidos extractos bancários, são assinalados como referentes a electricidade, TV Cabo, telefone, telecomunicações e água (25º); 35 – Pagou despesas de seguro da fracção “H”, tais como aquelas que constam do doc. nº 624, no montante de € 8,20 (26º); 36 – E pagou Esc. 200 000$00 a que se refere o cheque de fls. 605/6, de obras de alteração de loiças na fracção “H” (27º); 37 – O A. também contribuiu algumas vezes para as despesas com alimentação, incluindo em restaurantes, reparações e outras inerentes à vida em comum (28º); 38 – Em 27.02.05, a R. entregou ao A., que o aceitou, um cheque, no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, no valor de € 65 000,00 e data de 02.03.05 (J); 39 – O A. remeteu, depois, à R., que as recebeu, as cartas juntas com a p. i. sob os nºs 30 a 32, a discordar do valor entregue pela R. (24º). De notar que, no âmbito da matéria constante do ponto 25, correspondente às respostas aos artigos 13º e 14º da base instrutória, vem consignado por aditamento ao enunciado daquele ponto de facto a seguinte consideração: … sendo que o montante total aqui indicado é o alegado pelo A., descontada a quantia de € 375,00, de uma reparação, montante que o A. sempre referiu na correspondência com a R; a soma dos montantes de todos os documentos referidos na resposta ao quesito seria algo superior, da ordem dos € 154.337,86, o que se explicará porque foram juntos documentos de pagamento, como o pagamento de 4.000.000$00 de reforço de sinal da aquisição do segundo imóvel, que não foram despendidos directamente pelo A., uma vez que resultaram de mais-valia da venda do primeiro imóvel. * 3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 660, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 690º, nº1 e 726º todos do CPC na pregressa e, aqui, aplicável redacção[1]) –, constata-se que as questões por si suscitadas e que, no âmbito da revista, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso podem, na correcta síntese operada pelo recorrido, assim enunciar-se: / I – Falta de verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa; II – Prescrição da obrigação de restituir (“rectius”, do direito a esta contraposto); III – Abuso de direito por parte do A.-recorrido; e IV – Compensabilidade do débito da R.-recorrente com as despesas que suportou, ocasionadas pela vida em comum com o recorrido. Apreciemos, então, com a liminar advertência de que o excelente e exaustivo acórdão recorrido nos merece integral e incondicional adesão, quer no seu segmento propriamente decisório, quer nos respectivos fundamentos, para um e outros, desde já e com a devida vénia, remetendo, nos aplicáveis termos do disposto no art. 713º, nº5, “ex vi” do preceituado no art. 726º. Apenas, e com natureza meramente complementar, aditaremos as seguintes considerações quanto às questões enunciadas em I e III antecedentes: / --- A) – Quanto à questão constante de I supra: / I – Conforme dispõe o art. 473º do CC: “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou (1)” E “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (2)”. Em consonância, são, uniformemente[2], alinhavados os seguintes pressupostos constitutivos do enriquecimento sem causa: ----- a) – Existência de um enriquecimento; ----- b) – Obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; e ----- c) – Ausência de causa justificativa para o enriquecimento. Sendo, ainda, de salientar que o enriquecimento sem causa como fonte de obrigação tem carácter subsidiário (art. 474º). Ou seja, se alguém obtém um enriquecimento à custa doutrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer. Na lição do Prof. I. Galvão Telles (“Ob. citada”, pags. 132), “a noção do enriquecimento é muito controvertida e difícil de definir”. Continuando, com a sua admirável riqueza de expressão: “Parece que tudo se reconduz à interpretação da lei, à determinação da vontade legislativa, isto é, saber se a ordem jurídica considera ou não justificado o enriquecimento e se portanto acha ou não legítimo que o beneficiado o conserve. O enriquecimento tem ou não causa justificativa consoante, segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele. Cumpre ver em cada hipótese, no âmbito do instituto jurídico aplicável, se o enriquecimento corresponde à vontade profunda da lei.” Para os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (“Ob. citada”, pags. 456), a falta de causa justificativa traduz-se na “inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento”, remetendo-se, a propósito, para o Ac. deste Supremo, de 14.01.72 (BOL. 213º/214). Ainda para este último e insigne Mestre (“Ob. citada”, pags. 487), “O enriquecimento é injusto porque, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outro.” Assim, continua, “Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”. Finalmente, para o Prof. Menezes Leitão (que sobre o tema fez incidir a respectiva dissertação de doutoramento), no enriquecimento por prestação (ao lado do qual existem o enriquecimento por intervenção, o enriquecimento por despesas realizadas em benefício doutrem e o enriquecimento por desconsideração de um património intermédio), “a ausência de causa jurídica deve ser definida em sentido subjectivo, como a não obtenção do fim visado com a prestação”, havendo, assim, lugar à restituição da prestação sempre que esta é realizada com vista à obtenção de determinado fim e esse fim não vem a ser obtido (“condictio ob rem”), ou, aditaremos nós, com directa aplicação ao caso vertido nos autos, quando a causa jurídica – no sentido que ficou evidenciado – da prestação realizada desaparece posteriormente à sua realização (“condictio ob causam finitam). Como poderá, igualmente, ocorrer, segundo aquele insigne Mestre, “no caso de extinção do casamento, quando um dos cônjuges realizou ao outro atribuições patrimoniais que excedam o cumprimento dos seus deveres conjugais e não revistam a natureza de uma doação” (“Ob. citada”, pags. 425). E, após advertir que o conceito de ausência de causa justificativa não pode ser entendido de forma idêntica no âmbito do enriquecimento por prestação e nas outras categorias de enriquecimento sem causa, sustenta que, “no âmbito do enriquecimento por prestação está em causa um incremento consciente e finalisticamente orientado do património alheio, sendo a não realização do fim visado com esse incremento que determina a restituição”. Aditando que “A não realização desse fim é tipificada no art. 473º, nº2, por referência a uma relação obrigacional, cuja execução se visou, mas que por qualquer razão não existe subjacente a essa prestação, podendo essa inexistência respeitar ao próprio momento da realização da prestação («condictio indebiti»), ou vir a obrigação a desaparecer posteriormente («condictio ob causam finitam») ou não se verificar futuramente («condictio ob rem»)”. / II – Transpondo e aplicando os transcritos ensinamentos ao caso dos autos, cristalina se nos apresenta a conclusão de que o provado enriquecimento da R.-recorrida não tem causa justificativa, porquanto a correspondente deslocação patrimonial da esfera jurídico-patrimonial do A. para idêntica esfera da R. não está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema (Direito), o qual impõe que, desaparecida a causa de tal deslocação – no caso dos autos, a cessação da vivência, em união de facto, entre o A. e a R. –, passe a impender sobre esta última, ao abrigo do disposto no art. 473º, nº2 do CC, a obrigação de restituir ao património do A. quanto deste tinha recebido – o montante por este desembolsado para pagamento das fracções destinadas a habitação do casal, pressuposta a subsistência da respectiva vivência em união de facto –, na decorrência de causa, entretanto, desaparecida. O que, diga-se – muito embora a este Tribunal esteja vedado o recurso a presunções judiciais para fixação de factos –, se ajusta, na perfeição, ao que a realidade oblíqua dos casais constituídos regularmente, no dia a dia, nos ensina… E, no caso, não dispunha o A. de qualquer outro meio específico e previsto na lei para obter a visada restituição, sendo, pois, legítimo e atendível o seu subsidiário recurso ao instituto do enriquecimento sem causa para ser, correspondentemente, reintegrado na sua esfera jurídico-patrimonial, como consentido, “a contrario”, pelo art. 474º do CC. Na realidade, só subvertendo a factualidade provada e prestidigitando a alegação constante da contestação se poderá ensaiar a tese de que entre o A. e a R. foram celebrados negócios jurídicos cujo incumprimento habilitaria o A. a, prioritariamente, dever lançar mão da acção de cumprimento ou, mesmo de anulação, com vista à obtenção da sobredita reintegração patrimonial: tal não se mostra, de modo algum, acolhido na factualidade provada – única que, “hic et nunc”, pode e deve ser considerada –, trai o alegado pela R. na respectiva contestação (Cfr. art. 489º) e não corresponderia, sequer e certamente, à melhor defesa dos interesses daquela relacionados com a salvaguarda e conservação da respectiva habitação e do filho. Improcedendo, pois, “ex abundanti” e pelas expostas razões, as correspondentes conclusões formuladas pela recorrente. / B) – Quanto à questão constante de III supra: / Como decorre do exposto, no douto acórdão recorrido rejeitou-se a imputação, por parte da R., de abuso do respectivo direito à conduta processual do A. O que foi feito com erudição e convincente fundamentação, sendo para nós apodíctico que tal abuso jamais poderia ter ocorrido, nos termos configurados pela R., porquanto não emerge da factualidade provada o preenchimento de qualquer dos três pressupostos do mesmo abuso, na modalidade de “venire contra factum proprium”. Aliás, nem enxergamos como um direito de tão recente constituição/surgimento, com quase coincidente ou imediato exercício judicial por parte do respectivo titular, poderia dar azo à invocação da sobredita figura jurídica… Tudo saindo reforçado com a constatação – evidenciada pelo recorrido, nas suas doutas e bem estruturadas contra-alegações, para onde, nesta parte, se remete – de que a R. abdicou, em sede de recurso, da chamada à colação dos factos que, na respectiva contestação, havia convocado para integrar o imputado abuso de direito, passando, sub-repticiamente, a “vestir” este último com diversa indumentária factual, o que, processualmente, lhe está vedado. É que, se é certo que tem natureza oficiosa o conhecimento do mencionado abuso, menos verdade não é que, por um lado e em princípio, toda a defesa deve ser deduzida na contestação (art. 489º, já citado) e, por outro lado, na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o juiz só pode servir-se, em princípio aqui não afastado, dos factos articulados pelas partes (art. 664º). Improcedendo, pois, também por esta via, as correspondentes conclusões formuladas pela recorrente. * 4 – Em face do exposto e remetendo-se, no demais e ao abrigo do disposto no art. 713º, nº5, “ex vi” do preceituado no art. 726º, para o douto acórdão recorrido e respectivos fundamentos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, pois, integralmente, aquele douto acórdão. Custas pela recorrente. / Lx 27/09/11 /
Fernandes do Vale (Relator) ------------------------------ |