Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSA RIBEIRO COELHO | ||
Descritores: | EFEITOS DO DIVÓRCIO SEPARAÇÃO DE FACTO DATA PARTILHA DOS BENS DO CASAL PRESTAÇÃO DE CONTAS REGIME DE COMUNHÃO GERAL DE BENS ADJUDICAÇÃO LICITAÇÃO TORNAS DÍVIDA DE CÔNJUGES INVENTÁRIO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 06/07/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA/ CASAMENTO / DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS / DIVÓRCIO / EFEITOS DO DIVÓRCIO. | ||
Doutrina: | -Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, Volume I, 2.ª edição, p. 657; -Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume IV, 2.ª Edição, p. 561 e 562. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1789.º E 1790.º. REGIME JURÍDICO DO DIVÓRCIO, ALTERADA PELA LEI 61/2008, DE 31-10: - ARTIGO 1790.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 11-07-1989, PROCESSO N.º 078040; -DE 22-01-1997, PROCESSO N.º 96A567; -DE 19-10-2004, PROCESSO N.º 04A2781; -DE 07-11-2006, PROCESSO N.º 06A2918; -DE 16-03-2011, PROCESSO N.º 261-C/2001.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I – A retroação dos efeitos do divórcio à data em que teve início a separação de facto entre os cônjuges só é possível se tal data foi fixada na sentença que decretou o divórcio. II – Vigorando no casamento o regime de comunhão geral de bens, os bens recebidos por um dos cônjuges por sucessão depois do casamento fazem parte do património comum. III – No inventário instaurado para partilha dos bens em caso de divórcio todos os bens comuns deverão constar do mapa de partilha. IV – A adjudicação dos bens será feita conforme as licitações ou outras indicações da lei e acautelando-se, se for caso disso e através do mecanismo das tornas, o objetivo garantido pelo art. 1790º, na redação dada pela Lei nº 61/2008, de 31.10. V – Condenado um dos cônjuges, em ação de prestação de contas, a pagar ao outro cônjuge determinada quantia, essa obrigação não constitui uma dívida do casal, sendo antes uma dívida que tem nos seus dois polos os próprios interessados, pelo que não integra o passivo a considerar na partilha. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - Foi instaurado inventário para partilha de bens do casal que foi constituído pelo requerente AA e pela requerida BB, no seguimento do divórcio que dissolveu o casamento que haviam celebrado um com o outro. Tendo o requerente, na sua qualidade de cabeça de casal, prestado declarações e apresentado a relação de bens, veio a requerida – fls. 125 verso – esclarecer que, não obstante os interessados terem sido casados em regime de comunhão geral de bens, os prédios constantes da relação de bens vieram à sua posse por partilha da herança de seu pai, falecido em 2.5.2000, pelo que, sendo a sentença de divórcio datada de 29.11.2010, e face ao disposto no art. 1790º do Código Civil[1], na redação dada pela Lei nº 61/2008, de 31.10, tais bens deviam ser excluídos da partilha. Após despacho em que tal pretensão foi indeferida – fls. 144 –, o cabeça-de-casal juntou relação de bens atualizada. Houve conferência de interessados – fls. 151 – na qual a interessada licitou os dois bens imóveis, não tendo sido objeto de licitação de nenhum dos interessados o direito de aquisição do veículo automóvel. A interessada não aprovou o valor relacionado como passivo, tendo sido proferido despacho onde se disse que o tribunal o conhecia “apenas nos precisos termos decididos pela sentença proferida no processo de prestação de contas (apenso B), ali constante a fls 116, nos termos da qual a ali ré, aqui interessada, foi condenada no pagamento ao autor, aqui cabeça de casal, da quantia de 2.444,00 €”. Notificadas as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1373º do CPC, na versão aplicável, estas vieram pronunciar-se e foi proferido em 3.3.2016 despacho determinativo da forma da partilha – fls. 167 –, onde se decidiu: - adjudicar os dois bens imóveis à interessada BB, pelos valores da licitação, não entrando, todavia, estes valores no cômputo da partilha, por força do art. 1790º[2]; - adjudicar ao interessado AA o direito de aquisição do veículo automóvel, “por o mesmo estar registado em seu nome (fls 52), embora com reserva de propriedade a favor de terceira pessoa, relacionado que foi por si a fls 63 pelo valor de 5.000,00 €, tendo o mesmo, consequentemente, que dar tornas de metade desse valor à interessada BB, ou seja, 2.500,00 €”; - “mas como esta, por sua vez, é devedora daquele da quantia de 2.444,00 €, correspondente ao passivo que foi conhecido na conferência de interessados (fls 152 e 153), operando-se a respectiva compensação, tem aquela a receber, a título de tornas por parte do cabeça-de-casal, a quantia de 56,00 €, para cujo pagamento se concede ao mesmo o prazo de 10 dias”. Foi elaborado o mapa de partilha – fls. 187. Quanto ao ativo, adjudicou-se ao requerente a única verba existente, no valor de € 5.000,00, com a obrigação de pagar à requerida tornas no valor de € 2.500,00, correspondentes à sua meação; no tocante ao passivo, consistente numa dívida de € 2.444,00 da requerida para com o requerente, operou-se a compensação, ficando a requerida com direito a receber € 56,00 do requerente. O requerente apresentou reclamação para que o mapa fosse retificado nos termos que indicou – fls. 190 –, o que foi indeferido – fls. 195; e foi proferida sentença que homologou a partilha dele constante – fls. 213. Em apelação que interpôs, o requerente AA pediu que: - se declarassem nulos e de nenhum efeito todos os atos praticados no e após o despacho determinativo da partilha, declarando-o nulo e de nenhum efeito; - se deferissem as reclamações apresentadas contra o mapa, revogando-se o despacho que as indeferiu e a sentença homologatória da partilha; - se ordenasse a prossecução dos autos para elaboração de novo mapa de partilha, incluindo os bens imóveis relacionados e respetivo valor, repartindo-se de forma igualitária os mesmos por serem bens comuns do dissolvido casal atenta a data provada de separação de facto dos ex-cônjuges, e julgando-se iguais as meações do apelante e da apelada na partilha e também sobre os mesmos bens. Na Relação do Porto foi proferido acórdão que, julgando o recurso parcialmente procedente: - alterou o despacho determinativo da partilha, nos seguintes termos: “Os dois bens imóveis foram licitados pela interessada BB, pelos valores de 59.426,00 € (verba 1) e de 30.301,00 € (verba 2). O direito de aquisição do veículo automóvel, no valor de 5.000,00 €, não foi licitado por nenhum dos interessados. Os imóveis são atribuídos à BB, que os licitou, conforme ao previsto na alínea a) do artigo 1374º do Código de Processo Civil. Não sendo o caso de nenhuma das outras operações previstas neste artigo, deverá o bem não licitado ser adjudicado aos dois interessados, em partes iguais. Na elaboração do mapa da partilha mais se deverá ter em conta que os valores dos dois imóveis não entram no cômputo da partilha, por força do disposto no artigo 1790º do Código Civil, pelo que o activo em que o interessado AA partilharia se o regime fosse o de comunhão de adquiridos se cifra em 5.000,00 €, valor do direito, sendo assim a sua quota de apenas 2.500,00 €.”; - e anulou todo o processado ulterior ao despacho alterado, ordenando a organização do mapa, seguindo-se os demais trâmites. Os argumentos e raciocínio subjacentes a esta decisão foram, em síntese, os seguintes: - a redação dada ao art. 1790º pela Lei nº 61/2008 entrou em vigor em data anterior à propositura da ação de divórcio; - face ao seu nº 2, a separação de facto só relevará se for provada e fixada na respetiva sentença de divórcio, sendo inócua a demonstração que dessa separação tenha sido feita em ação de prestação de contas processada por apenso ao presente inventário para partilha de bens; - tendo a ação de prestação de contas apurado a existência de uma dívida da requerida para com o requerente no valor de € 2.444,00, tal não constitui uma dívida à herança[3], mas ao cabeça de casal; - assim, neste particular não há passivo; - não tendo havido licitação de nenhum dos interessados quanto ao direito existente no ativo, este deverá ser adjudicado a ambos os interessados em partes iguais. Ainda inconformado, o requerente AA trouxe a este STJ o presente recurso de revista no qual pede que se declarem “(…) nulos e de nenhum efeito todos os atos praticados no e após o despacho determinativo da partilha de 03/03/2016, declarando-o nulo e de nenhum efeito e sempre, a final e ainda, sem prescindir, deferindo as reclamações apresentadas e revogando o despacho do Tribunal " a quo" de ref. 94342393 a par de todos os outros reclamados atempadamente, revogando-se a sentença homologatória da partilha e ordenando a prossecução dos autos para elaboração de novo mapa de partilha, onde se incluam o passivo aceite e os bens imóveis relacionados e respetivo valor, que da partilha entre recorrente e recorrida não podem ou devem ser excluídos, repartindo-se de forma igualitária os mesmos por serem bens comuns do dissolvido casal atenta a data provada de separação de facto dos ex-cônjuges, e, bem assim, julgadas iguais as meações de apelante e apelada na partilha e também sobre os mesmos bens, nos termos supra alegados e supra defendidos pelo recorrente no presente, com todas as legais consequências (…)”. Formula, para tanto, as seguintes conclusões[4]: 1. O Acórdão proferido nos autos deve ser revogado; porquanto, 2. Faz incorreta interpretação do disposto nos artigos (…) 1326º; 1373º; 1374º e 1377º, todos do anterior C. P. Civil e, bem assim, os artigos 12º; 1730º; 1734º; 1789º e 1790º; todos do Código Civil, devendo ser decididos e interpretados, tais artigos, conforme resulta da motivação supra e infra se interpretam e aplicam. Pelo que, 3. A sua revogação e decisão no sentido ora pugnado pelo recorrente nas presentes determinará ou a extinção dos presentes autos ou a elaboração de um novo mapa de partilha onde sejam levados à partilha todos os bens imóveis e respetivos valores relacionados, com adjudicação e composição das quotas dos membros do dissolvido casal, de acordo com a lei, ou seja, em meações iguais entre as partes, atento o facto de todos os bens relacionados, e não reclamados nos autos, serem comuns do dissolvido casal, por exclusão de aplicação a esses autos da redação conferida ao artigo 1790º do Código Civil, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro. 4. O recurso de revista tem por fundamento a violação da lei substantiva, tal como a prevê a al. a) do n.9 1 do artigo 674º do Código de Processo Civil, o que se alega nestes autos de recurso. (…) 5. Em sede de reclamações aos mapas da partilha, o recorrente, reiterando o seu entendimento manifestado já em sede de reclamação ao mapa informativo da partilha, veio requerer a fixação dos efeitos do seu divórcio a julho de 2008, pugnando pelo deferimento da reclamação apresentada ao mapa de partilha, para que, alterando-se a forma à partilha e a meação de cada um dos membros do dissolvido casal, de tal mapa constem todos os bens imóveis e respetivos valores relacionados como bens comuns do casal nos autos, e não reclamados, por exclusão da aplicação aos autos da redação conferida ao artigo 1790º do Código Civil pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro e, ainda, com observação das regras insertas no artigo 1374º do Código Civil para preenchimentos dos quinhões respetivos; 6. Entendendo o aqui recorrente que, nessa matéria, mal andou também o Tribunal " a quo", confirmando a sentença de primeira instância, impondo-se, por via de recurso, a revogação das decisões proferidas e o deferimento das reclamações ao mapa da partilha apresentado pelo mesmo. 7. Com a consequente substituição por outra decisão que defira e homologue a retificação do mapa de partilha efetuado nos autos, e em consequência, deferindo ao requerido pelo apelante e fixando os efeitos do seu divórcio a julho de 2008, ou seja, a momento anterior ao da entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, afaste dos autos a sua redação decorrente da entrada em vigor daquela lei e correspondente "alteração" do regime patrimonial para efeitos de partilha subsequente ao divórcio, e, em consequência, seja levado ao acervo a partilhar, por recorrente e recorrida, todos os bens móveis e imóveis relacionados nos autos como bens comuns do ex-casal. 8. Relação de bens não impugnada nem reclamada. 9. Com efeito, o mapa de partilha elaborado nos autos excluí do acervo a partilhar bens imóveis comuns ao ex-casal, relacionados nos autos, por os mesmos terem sido adquiridos a título sucessório a favor da recorrida, o que se não aceita. 10. 0 ativo a partilhar do casal, que foi casado no regime da comunhão geral de bens, é composto, também, pelos bens imóveis relacionados nos autos e respetivo valor, os quais não devem ser de excluir do mapa da partilha. 11. Não sendo de aplicar aos autos o regime jurídico que advém da redação conferida ao artigo 1790º do Código Civil pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro. 12. Que entrou em vigor a 1 de dezembro de 2008. 13. Altura em que o casal, que foi composto por recorrente e recorrida, já se encontrava separado de facto, como provado nos autos. Com efeito, 14. Nos autos encontra-se decidido por decisão transitada já em julgado e proferida no apenso B destes que a separação do casal deu-se em julho de 2008. A saber, 15. Em altura anterior à entrada em vigor da nova redação do artigo 1790º do C. Civil e, por tal, afastada a sua aplicação a estes autos por força do mesmo artigo e ainda do artigo 12º do Código Civil. 16. Altura a que devem retroagir os efeitos patrimoniais do divórcio nos termos do art.s 1789/2 do Código Civil. 17. E que poderá e deverá ser atendida por este tribunal nos termos quer do já alegado artigo 17899 do Código Civil quer ao abrigo do poder de modificabilidade da decisão de facto que detém este tribunal ao abrigo do disposto no artigo 662º/1 do NCPC; pois que, 18. A decisão transitada em julgado em apenso não deixa de fazer parte do processo e, como tal, faz prova no mesmo. 19. Devendo, também, nessa parte, ser alterado o mapa da partilha, deferindo-se à reclamação apresentada pelo ora recorrente, e no presente defendida e peticionada, passando do mesmo a constar como ativo efetivamente a partilhar, para além do direito indicado, os bens imóveis relacionados como verbas 1 e 2 da relação de bens comuns do casal e o seu respetivo valor. 20. Valores que deverão entrar em sede de contas para composição do quinhão de cada interessado e da respetiva meação legal. Acresce que, e sem prescindir, 21. O artigo 1790º na sua atual redação não pode afastar os pressupostos em que recorrente e recorrida celebraram o respetivo casamento no regime da comunhão geral de bens. 22. Constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges. 23. Não podendo subtrair-se da comunhão os bens comuns do casal e que, nos autos, são todos os relacionados. 24. Nem, de igual modo, excluído o seu valor, como faz o mapa reclamado. 25. Valor que integra o acervo a partilhar, nos termos gerais do artigo 1730º/l do C. Civil aplicável ex vi artigo 17349 do mesmo diploma legal. 26. E que deve compor a meação de recorrente e recorrida em partes iguais. Acresce ainda que, 27. O recorrente pretende que o passivo, aceite em sede de inventário, seja levado ao mapa da partilha, como direito próprio do recorrente, por ter sido aceite pela recorrida. 28. Devendo, também, o mapa de partilha ser corrigido em conformidade. A requerida apresentou contra-alegações onde defendeu a inadmissibilidade do recurso e, subsidiariamente, a sua improcedência. Por decisão da relatora que as partes acataram, o recurso foi considerado admissível, salvo no tocante ao pedido de desistência da instância, não homologado no despacho a que acima aludimos. Colhidos os vistos cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as de saber: - se os bens imóveis relacionados fazem parte do acervo a partilhar; - forma a dar à partilha - se existe passivo a considerar II – Os elementos processuais a considerar para a decisão a emitir são os enunciados em sede de relatório. III – Abordemos, então, as questões suscitadas. Sobre a inclusão dos bens imóveis no acervo a partilhar e a forma a dar à partilha: É incontroverso que o recorrente e a recorrida foram casados um com o outro segundo o regime de comunhão geral de bens, como decorre explicitamente do requerimento apresentado pela recorrida em 9.9.2015, a fls. 125 e segs., e da conclusão 22ª inserta nas alegações do recorrente. A questão a dilucidar consiste em saber se os bens imóveis que a recorrida recebeu a título gratuito, enquanto herdeira de seu pai, devem, ou não, ser incluídos na partilha a fazer dos bens comuns do casal, o que nos remete para o disposto nos arts. 1789º e 1790º, nas redações que sucessivamente tiveram. Na redação que lhes foi dada pelo DL nº 496/77, de 25.11: - o art. 1789º, com a epígrafe “Data em que se produzem os efeitos do divórcio” dispunha assim: 3 - Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença. - no art. 1790º, com a epígrafe “Partilha”, dizia-se: “O cônjuge declarado único ou principal culpado não pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.” Porém, a partir da entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31.10, passou a constar dessas disposições, respetivamente, o seguinte:
3 - Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença. “Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.” Aplicando a segunda versão das normas que deixámos transcrita, a Relação considerou que uma eventual separação de facto dos ex-cônjuges, ocorrida antes do início da sua vigência – 1.12.2008 -, só poderia relevar se tivesse sido julgada como provada na ação de divórcio e tivesse sido fixada na sentença aí proferida. É o entendimento que vem sendo adotado neste STJ, como se vê do seu acórdão citado no acórdão recorrido[5] e de outros que aí são referidos[6]. E também a doutrina o vem preconizando[7]. Não há razão para divergir desta orientação, que é claramente consentânea com o texto do art. 1789º, em cujos nºs 1 e 2 se tem em vista a sentença que decreta o divórcio, antes da qual deve ser requerida a retroação das relações patrimoniais entre os cônjuges a fixar na sentença. Por isso, não podemos acolher a tese do recorrente, segundo a qual, para este efeito, se deve levar em conta a data de separação de facto – Julho de 2008 – fixada em sentença proferida em 7.2.2014 no apenso B destes autos, onde correu termos um pedido de prestação de contas. Daí que os efeitos patrimoniais do divórcio não retroajam a essa data, sendo que, para esse efeito, a data de referência será a da propositura da ação de divórcio, ou seja, 13.10.2010.[8] E, nessa data, estava já em vigor a redação que a Lei nº 61/2008, de 31.10, deu ao art. 1790º, por força do qual o recorrente, não obstante ter sido casado com a recorrida no regime de comunhão geral de bens – a determinar, nos termos das disposições combinadas dos arts- 1732º e 1733º, a integração daqueles imóveis no património comum -, não poderá receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos, em cujo âmbito e nos termos do art. 1722º, nº 1, b), os mesmos bens seriam considerados como próprios da recorrida - o cônjuge que, depois do casamento, os adquiriu por sucessão. Ou seja, do património comum dos cônjuges fazem parte também aqueles bens imóveis que, por isso, integrarão os bens a partilhar, mas, por virtude da partilha, o recorrente não poderá receber mais do que lhe caberia se o regime de bens fosse o de comunhão de adquiridos.
Ora, como resulta do exposto no relatório deste acórdão, o despacho de 3.3.2016 ordenou a efetivação da partilha com exclusão dos bens imóveis que a interessada BB recebera a título gratuito, pois o ativo a partilhar, como aí se disse, seria constituído apenas pelo direito correspondente à aquisição de um veículo automóvel. E, com base nesse entendimento, os ditos imóveis foram adjudicados diretamente à interessada BB, apenas se tendo partilhado como ativo comum aquele direito à aquisição de imóvel. Excluíram-se, pois, do acervo a partilhar, como se não integrassem o património comum, aqueles bens imóveis. Também o acórdão recorrido adotou esta orientação, já que, quanto ao ativo, apenas se modificou o determinado quanto àquele direito, ordenando-se que, em lugar da sua adjudicação por inteiro ao interessado AA, se proceda à sua adjudicação em partes iguais a ambos os interessados, com a inerente repercussão nas tornas a que haja lugar.
Trata-se de solução que consideramos não ser inteiramente correta pelas razões que passamos a expor. O art. 1790º não se preocupa com a determinação do acervo dos bens a partilhar, mas com o resultado a que se chega finda a partilha. Escrevem Pires de Lima e Antunes Varela[9]: “Seja qual for o regime de bens convencionado ou aplicado por força da lei, esse cônjuge não pode receber na partilha mais do que lhe pertenceria, se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos. A sanção prescrita na lei não significa que o regime aplicável à partilha seja necessariamente o da comunhão de adquiridos. O que importa, na correcta aplicação da lei e do pensamento legislativo, é confrontar o resultado que advém para o cônjuge declarado único ou principal culpado da aplicação do regime convencionado ou legalmente fixado com o que se obteria mediante a aplicação do regime da comunhão de adquiridos. Porque só no caso de o primeiro ser mais favorável à sua posição do que o segundo é que a lei manda aplicar este último.” A mesma ideia está na base do que escrevem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira[10]: “(…) cabe referir que o art. 1790º, quando tenha aplicação, não implica a substituição do regime da comunhão geral pelo da comunhão de adquiridos. Não pode pois o cônjuge declarado inocente ou menos culpado na sentença pedir a inscrição a seu favor dos bens que levou para o casamento ou depois lhe advieram por herança ou doação com base em certidão da sentença de divórcio proferida naqueles termos. Tendo sido estipulado o regime da comunhão geral, esses bens entraram na comunhão e nela permanecem até à partilha; só depois desta poderá saber-se a quem ficarão a pertencer.” Isto leva à seguinte conclusão não considerada pelas instâncias: do mapa de partilha deverão fazer parte todos os bens comuns – os referidos bens imóveis e o direito à aquisição de um automóvel –, fazendo-se a sua adjudicação conforme as licitações ou outras indicações da lei e acautelando-se, se for caso disso e através do mecanismo das tornas, o objetivo garantido pelo art. 1790º. Poderia até acontecer – embora não seja o que sucede no caso dos autos –, que os bens herdados ou doados fossem adjudicados ao cônjuge diverso daquele que os recebeu inicialmente e que, nessa hipótese, veria o seu quinhão integrado pelas correspondentes tornas. Concluindo, os dois bens imóveis, que devem constar do mapa como ativo a partilhar - pois integram o património comum do casal –, porque licitados pela interessada BB, ser-lhe-ão adjudicados, sem que ao interessado AA caiba qualquer compensação relativa ao seu valor, e o direito relativo ao veículo automóvel será atribuído ao mesmo interessado, enquanto não licitante, nos termos da al. b) do art. 1374º do CPC[11]. Considerando agora o regime restritivo instituído no art. 1790º, e porque, segundo o regime de comunhão de adquiridos, o ativo em cuja partilha o recorrente participaria, na proporção de metade, se limita a € 5.000,00 – o direito à aquisição do veículo automóvel - apenas receberá a correspondente verba, cabendo-lhe pagar à interessada BB, a título de tornas, o valor de € 2.500,00.
Do passivo: Consta da ata da conferência de interessados a fls. 151 e segs. a referência à condenação da interessada BB a pagar ao interessado AA a quantia de € 2.444,00, emitida em ação de prestação de contas que correu por apenso a este inventário. Como bem se disse no acórdão recorrido, essa obrigação da interessada não constitui uma dívida do casal, sendo antes uma dívida que tem nos seus dois polos os próprios interessados. O que significa que não há passivo, pois não existe qualquer encargo pelo qual sejam responsáveis ambos os interessados e que, nessa medida, onere o património comum.
Impõe-se, pois, a procedência da revista nos termos sobreditos.
III - Pelo exposto, julgando-se a revista parcialmente procedente, altera-se o acórdão recorrido nos termos sobreditos, determinando-se que no mapa de partilha se faça constar como verbas do ativo os imóveis e a verba correspondente ao direito à aquisição de um veículo automóvel, adjudicando-se à interessada BB os imóveis e atribuindo-se ao interessado AA a verba correspondente ao direito à aquisição de um veículo automóvel, contra o pagamento de tornas de € 2.500,00 à interessada BB. No mais, confirma-se o acórdão recorrido. Custas da revista a cargo de ambas as partes na proporção de 9/10 para o recorrente e 1/10 para a recorrida. As custas do inventário serão fixadas a final.
Lisboa, 7.06.2018
Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)
João Bernardo
Oliveira Vasconcelos ____________ [1] Diploma a que respeitam as normas doravante referidas em menção de diferente proveniência. [2] Na redação ora vigente, introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31.10. [3] Só por lapso no acórdão se terá escrito “herança”, pois há apenas um património conjugal a partilhar. [4] Excluíram-se as conclusões relativas à questão da desistência da instância, pois que foi julgado inadmissível o recurso nessa parte. [5] Cfr. o acórdão de 16.3.2011, relator Cons. Granja da Fonseca, proc. 261-C/2001.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª edição, pág. 561 e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, Vol. I, 2ª edição, pág. 657. [8] Como é referido no despacho de fls. 144 e segs.. [9] Obra citada, pág. 562. Embora estes autores se referissem a redação anterior à Lei nº 61/2008, a ideia subjacente ao seu ensinamento tem aqui aplicação. [10] Cfr. a sua obra acima citada na nota 6, a pág. 660, na qual se tem igualmente em consideração o texto anterior à Lei nº 61/2008. [11] Na redação anterior à Lei nº 41/2013, de 26 de Junho 2 - Se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado. |