Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA MENDES | ||
Descritores: | INQUÉRITO DECISÃO INTERLOCUTÓRIA OBJECTO DO PROCESSO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/02/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | CJASTJ, ANO XVIII, TOMO III/2010, P.213 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
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Sumário : | I - Segundo estabelece o n.º 1 do art. 432.º do CPP são susceptíveis de recurso para o STJ: a) Decisões das Relações proferidas em 1.ª instância; b) Decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do art. 400.º; c) Acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito; e) Decisões interlocutórias que devam subir com os recursos atrás referidos. II - Decisões das Relações proferidas em 1.ª instância são as prolatadas naqueles tribunais em processos que, por lei, devam ser instaurados nas Relações desde o seu início e aí devam ser decididos, ou seja, decisões em que a competência em razão da matéria caiba, em primeiro grau de conhecimento e segundo as leis de organização e competência dos tribunais, aos tribunais da Relação. III - No caso vertente, em que está em causa decisão do tribunal da Relação autorizando a dispensa do segredo profissional e bancário no âmbito de um processo de inquérito, pendente nos Serviços do MP junto do Tribunal Judicial de X, é manifesto não estarmos perante decisão do tribunal da Relação proferida em processo ali instaurado desde o seu início, nem de decisão cuja competência caiba, em primeiro grau, ao tribunal da Relação em razão da hierarquia. O incidente de dispensa ou quebra de segredo profissional e bancário foi suscitada em processo de inquérito que corre termos nos Serviços do MP junto do Tribunal Judicial de X, incidente cuja competência decisória cabe, em primeira linha, conforme preceito do n.º 2 do art. 135.º, à autoridade judiciária perante a qual foi suscitado, ou seja, perante juiz de 1.ª instância. IV - A decisão recorrida não se enquadra, pois, na al. a) do n.º 1 do art. 432.º. É manifesto, também, que aquela decisão não cai na previsão das als. c) a e) do n.º 1 daquele artigo, restando a possibilidade se ser enquadrável na al. b), ou seja, estar-se perante decisão que não seja irrecorrível, proferida pela Relação, em recurso, nos termos do art. 400.º. V - Analisando sumariamente as diversas als. do art. 400.º fácil é de concluir que a situação vertente terá de ser analisada à luz da al. c), visto que não é susceptível de enquadramento em qualquer uma das outras als.. A al. c) do n.º 1 do art. 400.º preceitua que não é admissível recurso dos acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações que não conheçam, a final, do objecto do processo. VI - Decisão que não conheça, a final, do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem como a não interlocutória que não conheça do mérito da causa. Com efeito, o texto legal, ao aludir a decisão que não conheça, a final, abrange todas as decisões proferidas antes e depois da decisão final e ao aludir ao objecto do processo, refere-se, obviamente, aos factos imputados ao arguido, aos factos pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, condicionando o se da investigação judicial, o seu como e o seu quantum, pelo que contempla todas as decisões que não conheçam do mérito da causa. VII - O traço distintivo entre a redacção actual e a anterior à entrada em vigor da Lei 48/07, de 29-08, reside pois na circunstância de anteriormente serem susceptíveis de recurso todas as decisões que pusessem termo à causa, sendo que actualmente só são susceptíveis de recurso as decisões que põem termo à causa quando se pronunciem e conheçam do seu mérito. VIII - Como o STJ vem defendendo, as normas da al. c) do n.º 1 do art. 400.º e da al. b) do n.º 1 do art. 432.º do CPP têm de ser interpretadas tendo em atenção o regime geral de recurso e a harmonia do respectivo sistema. Nesta perspectiva, a norma da al. c) do art. 400.º, quando alude a decisões proferidas, em recurso, pelos tribunais da Relação, que não conheçam, a final, do objecto do processo, quer significar, salvo contradição interna do sistema, que a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que não conheçam, a final, do objecto do processo cabe aos tribunais da Relação, que decidem, em matérias interlocutórias, em última instância – quer seja a decisão proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental directamente deferida pela lei. IX - A al. c) do n.º 1 do art. 400.º abrange, assim, todas as decisões interlocutórias, subtraindo-as à competência do STJ, com excepção das situações em que o recurso dessas decisões tenha de subir com o recurso para cujo conhecimento seja competente o Supremo Tribunal – al. d) do n.º 1 do art. 432.º. Só assim não será por razões de conformidade constitucional com a garantia de defesa que o recurso também constitui, perante decisões que afectem directa, imediata e substancialmente direitos fundamentais do cidadão que impliquem privação do direito à liberdade, nomeadamente a prisão preventiva. X - Assim sendo, há que considerar irrecorrível a decisão impugnada. | ||
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Decisão Texto Integral: | * Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do Inquérito n.º 1987/09.3 tafar, a correr termos nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca de Faro, no qual figura como arguida AA, advogada, inquérito onde se procede à investigação de um crime de fraude fiscal, tendo a arguida recusado o acesso às suas contas bancárias pessoais, sob invocação do segredo profissional e do segredo bancário, a Juiz de Instrução Criminal, a requerimento do Ministério Público, suscitou a intervenção do Tribunal da Relação de Évora nos termos do artigo 135º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, tendo em vista a dispensa ou quebra do sigilo invocado. O Tribunal da Relação de Évora, considerando indispensável à investigação informação sobre as contas bancárias da arguida e preponderante o interesse público na efectiva realização da justiça, autorizou a dispensa do segredo profissional e bancário. Desta decisão interpôs recurso a arguida para este Supremo Tribunal pugnando pela sua anulação ou revogação. Na contra-motivação apresentada o Ministério Público pronuncia-se no sentido da confirmação da decisão impugnada. Neste Supremo Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual defende a inadmissibilidade do recurso e a sua rejeição, por a decisão recorrida não dever ser considerada como proferida em 1ª instância e não haver conhecido do objecto do processo, antes de questão meramente incidental, não prevendo a lei adjectiva penal a possibilidade de aquela decisão ser impugnada por via de recurso. Na resposta apresentada a arguida pugna pela admissibilidade do recurso, com o fundamento de que a decisão recorrida, por postergar direitos essenciais que a tornam nula, não pode deixar de ser sindicada, tanto mais que o que está nela em causa é a dispensa ou quebra do sigilo profissional de advogado, incidente com disciplina processual especial. No exame preliminar relegou-se para conferência o conhecimento da questão suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta atinente à rejeição do recurso. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * Obviamente que cumpre apreciar em primeiro lugar a questão prévia relativa à rejeição do recurso, posto que a proceder ficará prejudicado o conhecimento daquele. O artigo 420º, n.º 1 e suas alíneas a a c), do Código de Processo Penal (1) , estabelecem que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência, se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414º, n.º 2, ou o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417º. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 414º preceitua que o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação. Em caso de rejeição do recurso, o acórdão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos processuais e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão – artigo 420º, n.º 2. Decidindo, dir-se-á. Segundo estabelece o n.º 1 do artigo 432º são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça: a) Decisões das Relações proferidas em 1ª instância; b) Decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400º; c) Acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri; d) Acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito; e) Decisões interlocutórias que devam subir com os recursos atrás referidos. Decisões das Relações proferidas em 1ª instância são as prolatadas naqueles tribunais em processos que, por lei, devam ser instaurados nas Relações desde o seu início e aí devam ser decididos (2) , ou seja, decisões em que a competência em razão da matéria e da hierarquia para a decisão do caso e do objecto do processo caiba, em primeiro grau de conhecimento e segundo as leis de organização e competências dos tribunais, aos tribunais da Relação (3). No caso vertente é manifesto não estarmos perante decisão do Tribunal da Relação proferida em processo ali instaurado desde o seu início, nem de decisão cuja competência caiba, em primeiro grau, ao Tribunal da Relação em razão da hierarquia. O incidente de dispensa ou quebra de segredo profissional e bancário que ora nos é apresentado foi suscitado em processo de inquérito que corre termos nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca de Faro, incidente cuja competência decisória cabe, em primeira linha, conforme preceito do n.º 2 do artigo 135º, à autoridade judiciária perante a qual foi suscitado, ou seja, perante juiz de 1ª instância. A decisão recorrida não se enquadra, pois, na alínea a) do n.º 1 do artigo 432º. É manifesto, também, que a aquela decisão não cai na previsão das alíneas c) a e) do n.º 1 daquele artigo. Vejamos pois se a mesma é enquadrável na alínea b), ou seja, se estamos face a decisão que não seja irrecorrível proferida pela Relação, em recurso, nos termos do artigo 400º. Analisando sumariamente as diversas alíneas do artigo 400º fácil é de concluir que a situação vertente terá de ser analisada à luz da alínea c), visto que não é susceptível de enquadramento em qualquer uma das outras alíneas. A alínea c) do n.º 1 do artigo 400º preceitua que não é admissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo (4). Decisão que não conheça, a final, do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem com a não interlocutória que não conheça do mérito da causa. Com efeito, o texto legal ao aludir a decisão que não conheça, a final, abrange todas as decisões proferidas antes e depois da decisão final e ao aludir ao objecto do processo, refere-se, obviamente, aos factos imputados ao arguido, aos factos pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, condicionando o se da investigação judicial, o seu como e o seu quantum(5) , pelo que contempla todas as decisões que não conheçam do mérito da causa. O traço distintivo entre a redacção actual e a anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, reside pois na circunstância de anteriormente serem susceptíveis de recurso todas as decisões que pusessem termo à causa, sendo que actualmente só são susceptíveis de recurso as decisões que põem termo à causa quando se pronunciem e conheçam do seu mérito (6). Assim, são agora irrecorríveis as decisões proferidas pelas relações, em recurso, que ponham termo à causa por razões formais, quando na versão pré-vigente o não eram, ou seja, o legislador alargou a previsão da alínea c) do n.º1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, ampliando as situações de irrecorribilidade relativamente a acórdão proferidos, em recurso, pelo Tribunal da Relação (7) Certo é que o acórdão impugnado não conheceu do mérito da causa. Resta averiguar se o acórdão recorrido foi ou não proferido em recurso. Como este Supremo Tribunal vem defendendo (8), as normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 432º têm de ser interpretadas tendo em atenção o regime geral de recursos e a harmonia do respectivo sistema. Nesta perspectiva, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º, quando alude a decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, que não conheçam, a final, do objecto do processo, quer significar, salvo contradição interna do sistema, que a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que não conheçam, a final, do objecto do processo cabe aos Tribunais de Relação, que decidem, em matérias interlocutórias, em última instância – quer seja a decisão proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental directamente deferida pela lei. A alínea c) do n.º 1 do artigo 400º abrange, assim, todas as decisões interlocutórias, subtraindo-as à competência do Supremo Tribunal, com excepção das situações em que o recurso dessas decisões tenha de subir com o recurso para cujo conhecimento seja competente o Supremo Tribunal – alínea d) do n.º 1 do artigo 432º. Só assim não será, por razões de conformidade constitucional com a garantia de defesa que o recurso também constitui, perante decisões que afectem directa, imediata e substancialmente direitos fundamentais do cidadão que impliquem privação do direito à liberdade, nomeadamente a prisão preventiva (9) Certo é que esta orientação jurisprudencial foi considerada pelo Tribunal Constitucional como não violadora das garantias de defesa, maxime do direito ao recurso, tanto mais que, como aquele Tribunal sublinha, a Constituição da República não consagra o direito ao recurso relativamente a todo e qualquer acto praticado em processo penal (9). Aliás no caso vertente estamos perante decisão que, para efeitos de recorribilidade/irrecorribilidade, terá de se considerar equivalente à proferida em recurso. Com efeito, como resulta dos autos (fls.3/5), o Juiz de 1ª instância, na sequência do incidente suscitado pelo Ministério Público face a recusa por parte da arguida em autorizar as instituições bancárias nas quais possui contas (pessoais) de depósito a fornecer informações sobre essas contas, tomou posição expressa sobre a legitimidade da escusa, tendo considerado impor-se a dispensa ou quebra do segredo profissional e do segredo bancário, posição que viria a ser assumida, também, pelo Tribunal da Relação (11). Assim sendo, há que considerar irrecorrível a decisão impugnada. * Termos em que se acorda rejeitar o recurso. Custas pela recorrente, fixando em 5 UC a taxa de justiça, a que acresce o pagamento de 3 UC a título de sanção processual – n.º 3 do artigo 420º. * Supremo Tribunal de Justiça, 2 de Junho de 2010 Oliveira Mendes (relator) Maia Costa _______________________ (1) Serão deste diploma todos os demais preceitos a citar sem menção de referência. (2) Cf. neste preciso sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 07.12.06, proferido no Processo n.º 3215/07. (3) Cf. neste preciso sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 05.02.16, proferido no Processo n.º 4551/04. (4) Trata-se de redacção introduzida pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto. A redacção anterior era a seguinte: «1. Não é admissível recurso: … c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa». (5) Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (1981), I, 144/145. (6) Ao aludirmos a susceptibilidade de recurso queremos com isso significar que nem todas aquelas decisões são recorríveis, uma vez que a recorribilidade não depende só da disciplina contida naquela alínea c) do n.º 1 do artigo 400º, estando dependente do preceituado nas demais alíneas. (7) Cf. entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 08.03.05 e 08.03.26, proferidos nos Recursos n.ºs 220/08 e 820/08. (8) Cf. entre outros, os acórdãos de 05.02.16, 06.09.27, 07.11.14 e 07.12.16, proferidos nos Processos n.ºs 4551/04, 2322/06, 3750/07 e 3215/07. (9) Neste preciso sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 05.02.17, publicado na CJ(STJ), XIII, I, 202. (10) Entre outros, o Acórdão n.º 589/05, de 05.11.02, proferido no Processo n.º 240/05. (11) No sentido de que situações desta natureza configuram decisão equivalente à proferida em recurso, sendo por isso irrecorríveis, pronunciou-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 05.05.04, proferido no Processo n.º 3966/04. |