Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00042717 | ||
Relator: | REIS FIGUEIRA | ||
Descritores: | INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CONSTITUCIONALIDADE APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
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Nº do Documento: | SJ200201290037961 | ||
Data do Acordão: | 01/29/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR FAM. DIR CONST. | ||
Legislação Nacional: | CONST97 ARTIGO 26 ARTIGO 36 N4. CCIV66 ARTIGO 12 N1 ARTIGO 56 ARTIGO 1796 N2 ARTIGO 1817 N1 N4. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO TC DE 1988/04/28 IN ACTC VOLII PAG785. ACÓRDÃO STJ DE 1994/06/08 IN BMJ N438 PAG440. | ||
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Sumário : | I - O princípio de que a lei só dispõe para futuro não é absoluto nem tem assento constitucional. II - A lei aplicável ao reconhecimento da paternidade é a vigente, não à data do nascimento, mas à data em que se procede ao estabelecimento da paternidade. III - A norma do artº 1817 (versão actual, anterior art.1854) CC regula o exercício do direito a investigar a paternidade, não o restringe, pelo que não é inconstitucional. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça "A" propôs contra B acção com processo comum ordinário, de investigação de paternidade, pedindo se reconheça o Réu como pai biológico do Autor. Para tanto alega, muito em síntese, que nasceu das relações sexuais entre a sua mãe e o Réu, bem como que este contribuiu para o seu sustento até aos seus dez anos. Na contestação, e além do mais, o Réu invocou a excepção peremptória da caducidade do direito do Autor. Após vicissitudes várias, que neste momento não interessam, no saneador veio a ser julgada procedente a excepção da caducidade e o Réu absolvido do pedido. Recorreu o Autor, de apelação, para o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou o decidido na primeira instância. Recorre de novo o Autor, agora de revista, para este STJ. Alegando, concluiu: a) ao aplicar o art. 19 do DL 47.344 com a interpretação que lhe deu, o Tribunal recorrido violou os art. 26 e 36 da Constituição da República Portuguesa (CRP) b) de facto, qualquer norma que limite o direito à investigação da progenitura de cidadão registado somente em nome da mãe, nomeadamente por caducidade, é inconstitucional, por violação daqueles preceitos; c) o art. 19 do DL 47.344 é norma transitória que não pretende afastar a aplicabilidade da legislação antiga d) ao caso concreto são aplicáveis os art. 56 e 12 do actual CC e) por força do que aplicáveis são ao caso concreto os dispositivos do Decreto de 25/12/1910 (Lei de Protecção dos Filhos). Questões postas: A) se aplicáveis são as normas do Decreto de 25/12/1910, que não conhecem a caducidade do direito de investigar a paternidade, ou as do CC vigente B)se a aplicação feita, pela decisão recorrida, do art. 19 do DL 47.344 viola os art. 25 e 36 da CRP. Factos provados. Nas instâncias deram-se como provados os factos seguintes, relevantes para decidir as questões postas: a) A nasceu em 14 de Janeiro de 1961, tendo sido registado como filho de C e sendo omissa a paternidade - doc. de fls. 15; b) A presente acção foi instaurada em 05 de Setembro de 1997. Apreciemos. A acção foi proposta em 05 de Setembro de 1997. Nas instâncias considerou-se caduco o direito de agir do Autor, em aplicação do disposto no art. 1817 do CC. Tanto na primeira instância, como na Relação, as decisões tomadas e seus fundamentos são inteiramente correctos, pelo que, nos termos do art. 713, nº5, ex vi do art. 726, ambos do CPC, se remete para os fundamentos da decisão impugnada. Tão só pela importância da acção, e ainda porque isso vai sendo de estilo, fazemos um breve resumo dos fundamentos, em tudo o mais remetendo para a decisão recorrida. A) Primeira questão. O art. 56 do CC não visa resolver conflitos de leis no tempo, mas conflitos de leis no espaço, manifestação que é do princípio da não transactividade (Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, 4ª edição, 11), sendo por isso uma norma de direito internacional privado (Pires de Lima e Antunes Varela, CCAnotado, vol. I, 4ª edição, 91-92) e não uma norma de resolução de conflitos de leis no tempo. Ora, não estando aqui em causa dois ordenamentos jurídicos em conflito (o português e outro), não é aplicável o dito art. 56 do CC. A norma do art. 12 do CC é, sim, uma norma que se destina a regular a aplicação das leis no tempo. Sendo o seu ditame primacial o de que a lei só dispõe para futuro, este princípio não é, porém, absoluto, nem tem assento constitucional (Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo CC, 56). O DL 47.344, de 25/11/66, aprovou o novo CC (seu art. 1º) e revogou a generalidade da legislação civil relativa às matérias que o novo Diploma abrange (seu art. 3º). Entre ela se encontra decerto o Decreto nº2, de 25/12/1910, conhecido por Lei de Protecção dos Filhos, subscrito por figuras notáveis da República, em cujos termos a acção de investigação da paternidade não conhecia prazo de caducidade: seus art. 34 e seguintes. Por outro lado, conforme dispõe o art. 19 do referido DL 47.344, "o facto de se ter esgotado o período a que se refere o nº1 do art. 1854, não impede que as acções de investigação de maternidade ou paternidade ilegítima sejam propostas até 31 de Maio de 1968, desde que não tenha caducado antes, em face de legislação anterior, o direito de as propor". Importa dizer que o art. 1854 do CC, na versão original, corresponde agora (após a Reforma operada pelo DL 496/77) e na parte que nos interessa, que é a dos seus nºs 1 e 4, ao actual art. 1817, nºs 1 e 4 também, onde se estabelece um prazo de caducidade para a propositura da acção de investigação de maternidade, aplicável à de investigação de paternidade ex vi do art. 1873. Esse prazo é durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos após a sua maioridade ou emancipação (nº1); ou, se o investigante for tratado como filho pelo investigado, no prazo de um ano a contar da data em que cessou tal tratamento (nº2). Como se disse, aqui em causa estão apenas as disposições dos números 1 e 4 desse art. 1817, correspondentes a iguais números do art. 1854 na versão original do CC.. Por aplicação de qualquer delas, o direito de agir encontra-se caduco: a acção foi proposta muito depois dos dois anos posteriores à maioridade do Autor; se o Réu o tratou como filho (como de certo modo o Autor alega) isso ocorreu apenas até aos seus dez anos, ou seja, até 1971, pelo que a acção também não foi proposta no ano posterior à cessação desse tratamento. Pois bem. Em aplicação do comando do art. 19 do DL 47.344, diremos que, na data da entrada em vigor do novo CC (1967) a presente acção de investigação ainda estava em tempo de ser proposta, quer porque o investigante ainda era menor, quer porque ainda ocorria o alegado tratamento como filho (tão só esta circunstância nos evidencia que não há que aplicar aqui o art. 19 do DL 47.344, como abaixo melhor diremos). Mas, tendo o investigante deixado de ser sustentado pelo investigado em 1971, e tendo atingido a maioridade em 1979, a acção não foi posta senão em 1997, portanto quando o direito já havia fatalmente caducado. Aplicável à nossa hipótese não é o vetusto, venerável (e extremamente moderno para a época) Decreto nº2 de 25/12/1910, chamado Lei de Protecção dos Filhos, subscrito por figuras notáveis da República, mas sim o CC entrado em vigor em 1967- concretamente o seu original art. 1854, nºs 1 e 4, agora (após a Reforma introduzida no direito da família pelo DL 496/77, de 25/11) art. 1817, nºs 1 e 4. E isto por o CC de 1966 ser a lei vigente à data do exercício do direito. O art. 19 do DL 47.344 não impõe (nem permite) outra solução. Trata-se de uma norma de direito transitório, destinada a salvaguardar as situações em que, à data da entrada em vigor do novo CC (que criou prazos de caducidade que a lei anterior não conhecia), já se encontrassem esgotados os prazos que a nova lei estabeleceu para o exercício do direito. Este é o objectivo do falado art. 19. Ele não diz que o Decreto de 1910 se aplica aos nascidos durante a sua vigência. A lei aplicável ao estabelecimento da paternidade através do reconhecimento judicial não é a lei vigente à data do nascimento, visto que um facto (nascimento) não tem nada a ver como outro (reconhecimento da paternidade). A lei aplicável ao reconhecimento da paternidade é naturalmente a lei vigente à data em que se procede ao estabelecimento da paternidade, neste caso através do reconhecimento judicial: art. 1796, nº2 do CC. Isto quer afinal dizer que o falado art. 19 do DL 47.433 nem tem aplicação ao nosso caso, visto que o Autor podia ter exercido o seu direito na vigência do CC e de acordo com a forma como este regula tal exercício. Como bem se acentuou na Relação, a vencer a tese do recorrente (o Decreto de 1910 aplica-se a todos os nascidos na sua vigência, o CC aos nascidos na vigência dele), então é que teríamos uma situação de inconstitucionalidade (art. 13 da CRP), por se dar tratamento diferente (no que toca ao exercício do direito a investigar a paternidade) em função da data de nascimento (idade): uns não teriam prazo para investigar a paternidade, outros teriam o prazo fixado pelo CC. A lei, em princípio, só dispõe para o futuro: art. 12, nº do CC. Isto significa duas coisas: que a LN não é retroactiva (a lei nova não se aplica a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor) e que a LA não é ultractiva (a lei velha não se aplica a factos produzidos após o período da sua vigência). Pretender aplicar o Decreto de 1910 a factos ocorridos após a sua revogação (a presente acção de reconhecimento da paternidade) seria dar-lhe ultractividade. Cada facto regula-se pela lei vigente no momento da sua verificação: art. 12, nº1 do CC e, entre outros, por exemplo o Acórdão deste STJ de 08/06/94, no BMJ, 438-440. A lei nova aplica-se a todas as situações verificadas na sua vigência, e uma delas é o exercício do direito a investigar a paternidade, ocorrido após a entrada em vigor do CC (de 1967). B) Segunda questão. Julgamos ter evidenciado que o art. 19 do DL 47.344 não tem aplicação ao nosso caso. Por um lado, porque, quando entrou em vigor o novo CC, ainda o direito do Autor a investigar a sua paternidade não havia caducado, em face das novas regras de exercício por ele introduzidas; por outro lado, porque, mesmo que assim fosse, o Autor não exerceu tal direito até 31/05/68, como aquele preceito permitia. Daí que nem interessasse discutir a constitucionalidade do falado art. 19. De qualquer modo, a afirmação de que é inconstitucional, por limitar o direito a investigar a paternidade, é totalmente carecida de razão, visto que tal preceito não limita esse direito, antes o alarga, em função das novas regras de exercício: permite o seu exercício, dentro de dado prazo, mesmo que em face das novas regras, ele já não fosse possível por ter caducado. Assim, a verdadeira questão de inconstitucionalidade só pode colocar-se em face das novas disposições do art. 1854 (versão primitiva) e do art. 1817 (versão actual). Por simplicidade falaremos só do vigente art. 1817, embora o mesmo se diga para o anterior art. 1854. Ora, o art. 1817 não viola, nem o art. 26, nem o art. 36, da CRP. Como também se sustentou nas instâncias, sendo embora a paternidade um elemento ou condição da identidade pessoal, no entanto, a fixação de um prazo para o exercício do direito a investigar a paternidade não fere qualquer princípio constitucional: o direito a investigar não é restringido na sua amplitude, o que é, é regulado o seu exercício, em função de outros interesses que no caso também concorrem, como o da certeza e segurança jurídica: acórdãos do TC nº 99/88, de 28/04/88, em Acórdãos do TC, vol. II, 785, e de 31/05/89, no DR, 2ª série, de 15/09/89. bem como, na doutrina, Guilherme de Oliveira, Critério Jurídico da Paternidade, 465. O art. 1817 também não viola o art. 36 da CRP, norma esta que nada tem a ver com a investigação da paternidade, nem com as condições que a lei ordinária põe para o exercício de tal direito. A referida norma constitucional consagra (nº4) o princípio da não discriminação entre os filhos, independentemente de os pais serem casados ou não entre si (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRPAnotada, 107). Pressupõe, portanto, que a paternidade já se encontra estabelecida. O que não é o caso aqui. Decisão. Pelo exposto, acordam em negar a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 29 de Janeiro de 2002 Reis Figueira Barros Caldeira Lopes Pinto |