Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
Descritores: | PREVARICAÇÃO DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA DOLO DIRECTO DOLO DIRETO DOLO NECESSÁRIO NEGLIGÊNCIA ARGUIDO ADVOGADO AUTODEFESA ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO INSTRUÇÃO DESPACHO REJEIÇÃO ACTO INÚTIL ATO INÚTIL REENVIO PREJUDICIAL | ||
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Data do Acordão: | 11/20/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS DIREITO EUROPEU - DIREITOS HUMANOS. DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - SUJEITOS DO PROCESSO / JUIZ E SEU DEFENSOR - INQUÉRITO - INSTRUÇÃO. DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - DIREITOS HUMANOS. | ||
Doutrina: | - Ana Maria Guerra Martins, Direito Internacional dos Direitos Humanos, 2006, p.120. - Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição…” , 2007, Almedina, p.495. - J. Mota de Campos e outros, Manual de Direito Europeu, pp. 427 a 430. - Jager, citado por Souto Moura, “Inquérito e Instrução” , Jornadas de Direito Criminal, CEJ, p. 145. - Medina de Seiça, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, III, 2001, p. 617. - Miguez Garcia e Castela Rio, ao Código Penal, ed. Almedina, 2014, p. 1222. - Nuno Brandão, in R.P.C.C., 2008, p. 227 e ss.. - Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, p. 196. - Rodrigo Santiago, in R.P.C.C., 2007, ano XVII, pp. 207 a 252. - Souto Moura, “Inquérito e Instrução”, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, p. 120, nota. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 61.º, 62.º, 64.º, 277.º, N.º1, 286.º, N.º 1, 287.º, N.ºS 1, 2 E 3, 308.º, N.ºS 1 E 2, 311.º, N.º 2, AL. A). CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 369.º, N.ºS 1, 2 E 5. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 8.º, 32.º, N.º1. | ||
Legislação Comunitária: | TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE): - ARTIGO 267.º. | ||
Referências Internacionais: | PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS (PIDCP): - ARTIGO 14.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 22.10.2003, P.º N.º 2608 /03 -3.ª SEC.; -DE 22.3 2006, DE 7.5.2008, DE 7.12.2005, E DE 12.9.2009; -DE 7.3.2007, Pº Nº 06P4688, IN WWW.DGSI.PT ; -DE 1.7.2009. * AFJ N.º 7/2005, DE 12.5.2005, IN DR I SÉRIE A, DE 4/11/2005. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.ºS 578/2001, 389/2005, 636/2011, 175/2013. | ||
Jurisprudência Internacional: | DECISÕES DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (TEDH): -CASO WEBER V. SUIÇA; -CASO X.C.NORUEGA E ÁUSTRIA. | ||
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Sumário : | I -Convergem no descritivo típico do n.º 1 do art. 369.º do CP especialidades tanto ao nível objectivo como subjectivo, daquele elemento fazendo parte comportamentos activos e omissivos contra o direito manifestando uma actuação forte ao nível volitivo, traduzida na vontade e consciência desse específico proceder contra o direito objectivo, agravada se for acompanhada de dolo específico, na forma de uma especial intenção de prejudicar ou beneficiar alguém – n.º 2. II - O crime é doloso, directo ou necessário, sendo de excluir, atenta a referência, à actuação conscientemente e contra o direito, do funcionário ou magistrado, o dolo eventual, embora a imputação subjectiva também possa revestir a forma de negligência grosseira – n.º 5. III -A questão da autodefesa do arguido, advogado, por si mesmo, em processo criminal, é antiga, podendo considerar-se como pacífica ao nível da jurisprudência interna, o entendimento que perfilha a sua proibição, atenta a incompatibilidade com o estatuto do arguido; há poderes atribuídos por lei ao defensor inconciliável com o exercício em simultâneo da defesa pelo próprio arguido. IV -No caso dos autos, o recorrente participou criminalmente pela recusa de aceitação pelos Juízes da Relação a intervir em causa própria, onde assumia a posição de arguido, auto-defendendo-se, atenta a qualidade de advogado, e o inquérito criminal contra aqueles instaurado veio a findar por arquivamento, nos termos do art. 277.º, n.º 1, do CPP, por se entender que não resulta indiciada a prática de acto contra o direito, contra lei expressa, como não resulta a alegação de qualquer facto de onde se possa extrair ainda que, sequer como suspeita que aqueles Magistrados intentassem beneficiar ou prejudicar o denunciante, pondo em crise a configuração do elemento subjectivo. V - Inconformado, o recorrente requereu a abertura da instrução, e subsequentemente, veio a ser proferido despacho em que se julgou inadmissível a instrução, tornada acto manifestamente inútil, proibido, por omissão dos concretos factos materiais que os denunciados praticaram, bem como o dos integrantes do elemento subjectivo que lhes presidiu, não podendo haver legalmente pronúncia por falta de factos integradores do crime, além que nem sequer identifica os denunciados, sendo que a instrução, não pode correr contra incertos, atenta a similitude com a acusação. VI -O ora recorrente já se queixou ao TEDH contra Portugal, alegando estar impedido de se defender por si mesmo, visto ser advogado. E a decisão proferida na sequência frisou que a opção entre o poder de nomear defensor oficioso ou manter a defesa pelo próprio arguido incumbe às autoridades competentes, estando-se numa “margem de apreciação concedida às autoridades nacionais”. VII - De novo o recorrente se dirigiu às instâncias internacionais, mas desta vez ao Comité dos Direitos do Homem, que, ao apreciar a queixa contra Portugal, à luz do art.14.º, § 3.º, al. d), do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, declarou que o nosso País infringiu esse preceito e concedeu o prazo de 90 dias, a contar de 18-04-2006, para modificar a sua legislação interna, o que não fez, ou seja no sentido da admissibilidade da auto-representação do advogado-arguido. VIII - À luz daquele art. 14.º, a representação em tais circunstâncias só é admissível em situações graves e sérias, como no caso de obstrução sistemática pelo arguido dos trabalhos do tribunal, de enfrentar uma acusação grave e se mostrar incapaz de agir no seu interesse ou ser necessário proteger testemunhas vulneráveis. IX - Critério restritivo, porém sem dúvida de aferição difícil e mais difícil execução, rompendo contra toda uma tradição jurídica, causador, se adoptado, de inúmeras e previsíveis perturbações, superando os inconvenientes as vantagens, razão pela qual os órgãos competentes não concretizaram no plano legislativo aquela declaração do Comité, evidente sendo não incumbir ao intérprete e aplicador da lei substituir-se -lhe, admitindo o que a lei não prevê, arvorando-se ele próprio de legislador. X - E, nesta medida, limitando-se os subscritores das decisões sumárias na Relação a seguirem a orientação pacífica com apoio jurisprudencial e doutrinário ao nível interno, é absolutamente insustentável defender-se que agiram contra o direito, que contrariaram normas jurídicas, que falsearam o direito ao praticarem os actos de recusa de patrocínio per se do recorrente, não o admitindo a interpor recurso, rejeitando-o, por carecer, até, de motivação. XI -Acresce que o recorrente não identificou os supostos autores do crime, omissão que lhe não era impossível, sequer difícil, para o que dispunha dos mais variados meios, por si conhecidos, colmatar, não incumbindo ao STJ sequer diligenciar por suprir essa omissão; sobre o recorrente é que impende sobraçar a acusação ao nível das pessoas que incorreram no suposto crime denunciado, apontando-os, individualizando-os. E se a instrução se revela, tal como configurada, pura inutilidade, e se a prática de acto inútil é vedada por lei, então a rejeição por inutilidade é uma hipótese de subsunção ao motivo legal de rejeição previsto no art. 287.º, n.º 3, do CPP, inadmissibilidade com previsão legal e não com fonte em qualquer outra causa, mormente doutrinária. XII - O recorrente convoca, ainda, o recurso à figura processual do reenvio pré-judicial, previsto no art. 267.º do Tratado da União Europeia, promovendo-se, se necessário, a intervenção decisória do TJUE sobre a questão de saber se ao arguido advogado assiste o direito de se autodefender em processo crime. XIII - Contudo, o recorrente não é assertivo quanto à intervenção dessa instância, desde logo porque a decisão sumária ainda era passível de reclamação para a conferência, pelo não esgotamento de todas as formas de reponderação, aqui por um colectivo, em conferência, enquanto manifestação colegial de um tribunal superior, impeditivo daquela intervenção, além de que segundo o despacho impugnado, alguma doutrina propende a considerar que não são os tribunais inferiores, em causas de pequena ou média relevância que legitimamente podem desencadear a interpretação uniforme do direito da União. Os tribunais supremos, subscrevendo-se o teor da decisão recorrida, é que fixam prioritariamente a jurisprudência na diversidade de interpretação da lei e não as instâncias inferiores, pela via indirecta, colateral, da abordagem em sede de questão pré-judicial. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :
AA , advogado , admitido como assistente nos autos , participou criminalmente contra três Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães , a quem imputa a prática de crime de denegação de justiça e de \ prevaricação, p . e p . pelos art.º 369.º n.ºs 1 e 2 , do CP , porque : I. Os Srs. Juizes Desembargadores proferiram , afirma o recorrente, no Processo n.º 330/11.6TAPTL-E.Gl, em 29-05-2013, uma decisão sumária na qual «foi rejeitada a interposição de recurso por falta de motivação (nos termos do art. 420.°, n. ° 1, al. b) do CPP) e acrescentado [em "Uma última nota"] que ( ... ) o requerimento de interposição de recurso não está, como já foi referido, subscrito pelo defensor do arguido, mas sim por este, mediante a invocação advogando pro se. Porém, para além da exigência de defensor ao advogado que seja arguido constituir uma orientação jurisprudencial do STJ [cfr., por todos, ac. do STJ de 19 de Março de 1998] a verdade é que conforme consta do oficio de fls. 9, "o Sr. Dr. BB, portador da cédula profissional n. ° ..., se encontra suspenso (por incompatibilidade) desde 24/09/1993". O que significa que o acto de interposição do recurso em causa também seria sempre um acto ineficaz, ainda que existisse motivação»-fls . 207 e segs . 2 . No Processo n.º 330/11.6TAPTL-D.Gl, em 23-09-2013, uma segunda decisão, na qual «foi também rejeitada a interposição de recurso ( ... ) da decisão que lhe indeferiu o requerimento para que pudesse constituir-se como defensor de si próprio, e ainda para que fosse "promovido o competente reenvio - legalmente obrigatório - da questão pré-judicial" para o Tribunal de Justiça da União Europeia». E nesta decisão foi concluído que: «o arguido ora Recorrente, mesmo que fosse Advogado com inscrição válida na Ordem respectiva, não pode aqui assumir a sua representação, pelo que não reúne as condições necessárias para recorrer; em consequência, e sendo certo que o despacho da 1. ª instância que o admitiu não é vinculativo (. .. ), o recurso assinado pelo Recorrente do despacho do Mma. Juiz a quo de 23/01/2013 deve ser recusado (de harmonia com o estatuído nos arts. 414.°, n. ° 2, e 420.°, n. o 1, al, b) do CPP)»-fls . 115 e segs .
II .Aqueles Magistrados da Relação ( dois, mas apelidados pelo recorrente de “ trio judicante “ no requerimento de 27.9.2013 ), subscritores , cada um , das duas decisões sumárias , sucessiva e similarmente , reputaram ser de rejeitar o insistente requerimento de auto-patrocínio do arguido , advogado , agora recorrente , com o fundamento em ser obrigatória a sua constituição de advogado ou a nomeação de defensor oficioso , não podendo litigar em causa própria , nos termos dos art.º s 61.º , n.ºs 1 e ) e f) , 62 .º e 64.º n.º 1 e ) , do CPP e , por via de consequência , se recusou nas decisões sumárias a admissão de recurso , que intentou, por falta de motivação , acrescendo , ainda , o facto de o exercício da advocacia estar dependente da inscrição válida e vigente na O A , condição não preenchida pelo ali arguido cuja suspensão , por incompatibilidade com o exercício da função de ROC , segundo o disposto no art.º 61.º n.º 1 , do Estatuto daquela Ordem , se reporta a 24.9.1993 , vista a declaração inscrita no ofício daquela de 4.12.2002 , declaração havida , por si, como enfermando de “ falsidade “ , o que tornaria ineficaz o recurso instaurado . A este propósito esclareceu o recorrente que a deliberação de suspensão foi objecto de providência de suspensão de eficácia no TCAFP , onde obteve deferimento , aguardando o processo definitivo no STA , desde 23.3.2011, a decisão final –fls . 238. III . No descortinar da actuação prevaricadora do juiz ou de denegação de justiça deve-se usar de um crivo exigente até porque ,a ser diferente , ou seja se todas vezes que o destinatário da decisão dela discorde , seja porque se não se aplicou a lei ,se seguiu interpretação errónea na sua aplicação ,se praticou um acto ou deixou de praticar , os Magistrados Judiciais ou do M.º P.º incorressem num crime de prevaricação estava descoberto o processo expedito de paralisar o desempenho do poder judicial , a bel prazer do interessado , pelos factores inibitórios que criaria aos magistrados , a todo o momento temerosos de sobre eles incidir a espada da lei , paralisando-se a administração da justiça , com gravíssimas , intoleráveis e perigosas consequências individuais e comunitárias, não se dispensando , por isso mesmo , para tipicização da acção penal a presença de um grave desvio funcional por parte do Magistrado pondo em causa a imagem da justiça e os interesses de terceiro .
Significativo o pensamento de Eduardo la Couture , citado no proémio da Lei Uniforme sobre o Cheque , comentada por Abel Delgado e Filomena Delgado , segundo o qual no dia em que o juiz acorde assediado por esse supracitado temor , o poder judicial esboroar-se –à sem apelo e nem agravo ;no dia em que tal suceder nenhum cidadão poderá mais sair à rua em sossego . Por isso que se consagra no EMJ , como princípio , a irresponsabilidade dos juízes pelas sua decisões , tanto ao nível penal, cível ou disciplinar, salvos casos previstos na lei- art.º 5.º e se delimitam no seu n.º 3 as condições em que pode ser exercida a responsabilidade civil contra eles . III .O crime de prevaricação e denegação de justiça é , desde o direito romano , a acusação mais grave que se pode lançar sobre o juiz , a quem cabe , por missão , aplicar a lei , decidir em conformidade com ela , atribuindo a cada o que lhe cabe , sem ninguém lesar ( “suum cuique tribuere et neminem non laedere “ ) e que , então , se desvia dessa obrigação estatutária , legalmente consagrada , e visando , com a incriminação no art.º 369.º , do CP , assegurar o interesse da realização da justiça , a supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos da administração judiciária . A lesão daquele interesse emana de “ dentro “ do sistema , por via da violação dos deveres impostos ao funcionário ou juiz , da metódica jurídica, funcionando , por isso , a estatuição da responsabilidade criminal do juiz como um dos “ mais importantes correlatos e contrapesos “ da independência e irresponsabilidade judiciais , assim comentou Medina de Seiça , in Comentário Conimbricense do Código Penal , III , 610 e 615 , na esteira de Rudolphi . Convergem no descritivo típico do art.º 369 .º , do CP , n.º 1 , especialidades tanto ao nível objectivo como subjectivo , daquele elemento fazendo parte comportamentos activos e omissivos contra o direito manifestando uma actuação forte ao nível volitivo , traduzida na vontade e consciência desse específico proceder contra o direito objectivo , agravada se for acompanhada de dolo específico , na forma de uma especial intenção de prejudicar ou beneficiar alguém –n.º 2 . Agir contra o direito é , à luz de uma concepção objectiva , reinante , o agir, em primeiro lugar , contra as normas jurídicas instituídas , vigentes na ordem jurídica positiva , abrangendo-se , ainda , os princípios jurídicos não directa ou expressamente englobados em normas positivadas , mas que delas derivem de forma imperativa , cogente , ainda na expressão do aludido comentador , op.cit., pág. 611 –como , por ex.º , o “ in dubio pro reo “ . O crime é , pois , doloso , directo ou necessário , sendo de excluir , atenta a referência , à actuação conscientemente e contra o direito , do funcionário ou magistrado, o dolo eventual , embora a imputação subjectiva também possa revestir a forma de negligência grosseira –n.º 5 . O acto de promoção , condução ou decisão em sede de inquérito , processo jurisdicional , de contraordenação ou disciplinar , só possui dignidade penal , integrando o crime de denegação de justiça ou prevaricação , quando , antes de mais , seja o fruto de uma vontade dirigida a falsear a justiça , do arbítrio e da ilegalidade, préordenada a um resultado contradizendo o direito instituído , comentam Simas Santos e Leal Henriques , Código Penal , II , 1163 . IV. A questão do autodefesa do arguido , advogado , por si mesmo , em processo criminal , é antiga e remonta , escreveu-se no Ac. deste STJ , de 1.7.2009 , in P.º n.º 279/96.OTAALM.S1 , in www.dgsi.pt , ao Ac. deste STJ , de 24.1.39, Col.Of. , 78, 15 , no sentido da proibição , podendo considerar-se como pacífica ao nível da jurisprudência interna , como se escreveu no AC. da Relação de Coimbra , de 23.11.2005 , CJ, Ano XXX, T V , 2005 , 45 , atenta a “ incompatibilidade com o estatuto do arguido “ ; há poderes atribuídos por lei ao defensor inconciliáveis com o exercício em simultâneo da defesa pelo próprio arguido . Este é o entendimento de Luis Osório no CPP , de 29, anotado , T I , págs . 285/286 , para quem a assistência do arguido advogado por profissional do mesmo género , é “ garantia de ordem pública e não diminui em coisa alguma os direitos do réu , antes torna mais eficaz a sua defesa, pois é sempre difícil e muitas vezes perigoso o patrocínio de si mesmo.” Não se trata de minimizar a profissão de advogado ou a sua condição de arguido mas vincar o reconhecimento de que a promoção da sua defesa e , com ela , o acto de julgar , a dever ter lugar num clima de serenidade e desapaixonado, com o que ganham os sujeitos processuais , a imagem dos profissionais do foro- que sairia fragilizada se, a um tempo, ao arguido, por exemplo, fosse permitido ouvir , ele próprio , o próprio ofendido , o seu adversário , e inquirir as testemunhas que a parte contrária arrolou , em prejuízo visível para a sua isenção , independência e dignidade , subvertendo , de todo , as regras do processo indispensáveis à exemplar e equilibrada condução do pleito , com a exigível equidistância entre os interessados e a própria imagem da justiça em geral . Esta solução foi seguida , a título exemplificativo se diz , nos Acs . deste STJ , de 1.7.2009 , P.º 279/96 .OTA ALM.S1 e de 7.4.2005 , P.º 3236/04 , como nos das Rel.Évora de 25.9.99 , CJ 99, III , 291, de Guimarães , de 3.5.2004 , de Coimbra de 13.6.2007 , P.ºs n.º s 390/04 e 910/06, respectivamente .
A doutrina não diverge da solução de proibição do auto-patrocínio adoptada com foros de pacificidade , como opinam Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil , pág. 85 , idem Maia Gonçalves , CPP, Anotado , na jurisprudência convocada em anotação ao art.º 62.º, Vinicio Ribeiro , CPP , Anotado , pág. 101 e Germano Marques da Silva , in Curso de Processo Penal , I, 316, nota 2 , o Parecer do CGOA n.º E-21/97.
E a resposta negativa a essa questão colhe o consenso do TC nos seus Acs. n.ºs 578 /2001 ,497/89 in Acs . do TC , vols. LI , pág.655 e segs. e 14.º , 227 a 247, onde se afirmou que a autodefesa só seria de respeitar se auto-representando-se o advogado arguido alcançasse , objectivamente , melhor resultado e o processo penal lhe não assegurasse os meios bastantes para protecção dos seus interesses o que se não harmoniza com a estrutura do nosso processo penal e nem com a CRP ,estabelecendo que o processo penal assegura todos meios de defesa de que o arguido careça , em nome de um processo justo e equitativo –art.º 32.º n.º 1 . Cfr., ainda , o Ac . de 17.5.2006 e 18.5.2006 , Pºs n.º s 1040 /05 e 236/06 , respectivamente .
V. O recorrente participou criminalmente pela recusa de aceitação pelos Juízes da Relação a intervir em causa própria , onde assumia a posição de arguido , auto-defendendo-se, atenta a qualidade de advogado, e o inquérito criminal contra aqueles instaurado veio a findar por arquivamento , nos termos do art.º 277.º n.º 1 , do CPP . em despacho assinado a fls 223, pela Exm.º Procuradora Geral-Adjunta neste STJ , que é peremptória em afirmar que não resulta indiciada a prática de acto contra o direito , contra lei expressa , como não resulta a alegação de qualquer facto de onde se possa extrair ainda que, sequer como suspeita que aqueles Magistrados intentassem beneficiar ou prejudicar o denunciante , pondo em crise a configuração do elemento subjectivo .
Inconformado , o recorrente requereu a abertura da instrução , para começar de novo a investigação, já que nenhuma diligência foi realizada no inquérito aberto , sendo visível o elemento objectivo do crime e que o art.º 369.º , do CP , nada prescreve quanto ao elemento subjectivo , não sem apodar , desnecessariamente, o despacho de arquivamento de “ simulacro investigatório “ ,” arrazoado verdadeiramente indigno e indignificante da Magistratura do Ministério Público “ .
O recorrente veio , entretanto , a requerer a admissão como assistente e, sendo-lhe judicialmente deferida , com a inerente formação de caso julgado formal , veio , a requerer a abertura de instrução e , subsequentemente , a ser proferido despacho pela Exm.ª Sr.ª Juiz Cons.ª , em que se julgou inadmissível a instrução , tornada acto manifestamente inútil , proibido , por omissão dos concretos factos materiais que os denunciados praticaram bem como o dos integrantes do elemento subjectivo que lhes presidiu , não podendo haver legalmente pronúncia por falta de factos integradores do crime, além que nem sequer identifica os denunciados, sendo que a instrução , não pode correr contra incertos , atenta a similitude com a acusação .
Da abertura de instrução fazem parte os seguintes considerandos :
A nenhum inquérito , mas absolutamente nenhum , se procedeu , não obstante se ter concluído no despacho de arquivamento, da responsabilidade do M.º P.º , que não resulta que os Juízes Desembargadores hajam lavrado decisão contra o direito ou contra lei expressa ou que ao decidirem tenham sido movidos pelo propósito de o prejudicarem, não se mostrando perfectibilizado o elemento subjectivo do tipo ;
Desde a paradigmática decisão de 28.3.2006 do Comité dos Direitos Humanos das Nações que constitui pedra angular da justiça assiste ao próprio advogado o direito a defender-se por si mesmo na medida em que se lhe fosse nomeado um defensor que não queria ou em quem não confiasse poderia não ser capaz de acautelar eficazmente os seus interesses, na medida em que este advogado não seria seu assistente ;
A denegação de autodefesa não o prejudica nesse seu direito , antes é factor acrescido de protecção, não passando de tese “ peregrina “ ( sic ) a da Rel . Lisboa , conducente à “ nulidade jurisprudencial intrínseca “ ;
À objecção de que o direito de defesa não é absoluto o Alto Comité internacional responderia que o interesse da justiça pode implicar uma nomeação de defensor , todavia sem nunca exceder o necessário para proteger os interesses da justiça , enquanto fim importante ; Nenhuma norma constitucional invocada impõe que todo e qualquer arguido , especialmente o que é advogado , seja assistido por defensor ; Esta questão é de posicionar no plano dos direitos supralegais , prendendo-se com a dignidade humana , com a disciplina emergente dos tratados internacionais , a que o nosso País acedeu , particularmente com o art.º 6.º c ) n.º 3 , da CEDH e 14.º , do Pacto Internacional da Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos , consagrando o direito de o arguido se defender por si próprio –art.º 14.º d) n.º 3 ;
A CEDH é direito interno de valor superior às leis ordinárias e a sua aplicação poderia ajudar a resolver certas questões de ordem prática em oposição com o direito interno ; O direito de defesa garante que o arguido, consigna a anotação ao art.º 48 n.º 2 das Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais , idêntico ao art.º 6.º da CEDH , pode ser assistido por defensor , quando as exigências de justiça o impuserem; As normas do art.º 64.º e do art.º 2.º do art.º 287 .º , do CPP , são ilegais , contrariando convenção internacional , gerando conflito a dirimir pelo reenvio pré-judicial , imposto pelo art.º 267 §3.º , do Tratado sobre o Funcionamento da U E .
Todo e qualquer decisor menos escrupuloso , ao não dar cumprimento a estas imposições translegais , a estas normas processuais fundamentais, procede deliberadamente contra o direito ; O preceito do art.º 369.º , do CP nenhuma nota subjectiva comporta ; Há que começar de novo toda a investigação em sede judiciária ;
Requer a suspensão da instância até decisão final do pedido de apoio judiciário e juntou documentos .
VI , Interpõs , de seguida , recurso em cujas conclusões escreveu :
A rejeição da instrução visa impedir a diligência de reenvio ao TJUE para decisão da questão pré-judicial sobre a obrigatoriedade ou não da constituição de advogado, em processo crime , no caso de o arguido deter aquela qualidade , preencheu todos os requisitos para configuração legal da instrução sendo o despacho de rejeição de abertura de instrução nulo , violando o art.º 287.º n.º 3 , do CPP , requerendo , se necessário , aquele reenvio .
VII . Respondeu a Exm.º Procuradora Geral-Adjunta neste STJ , rebatendo a sua argumentação :
O despacho recorrido é cristalino quando diz que o que está em causa é saber se estão verificados os pressupostos atendíveis para que se inicie uma instrução criminal o que não releva de saber se era atendível a pretensão do ora recorrente de colocar ao TJUE como questão prejudicial a conformidade ao Tratado da interpretação do artº 64º do CPP no sentido de que não pode um arguido, com a qualidade de advogado, ser advogado na sua própria causa. Não resulta do requerimento de instrução qualquer descrição de factos que permita concluir que as decisões que o recorrente insiste terem sido tomadas contra direito ou lei expressa tenham essa característica. Não têm, como é bom de ver: as decisões dos nossos tribunais têm sido unânimes no sentido de que não é admissível que seja um advogado a assumir a sua própria defesa quando, em processo penal, tem a qualidade de arguido. Qualquer discussão acerca da bondade desta solução é descontextualizada neste caso onde só importaria a delimitação da característica de ser contra lei expressa a decisão em causa, característica que, manifestamente, não tem. Também não contém o requerimento de instrução a descrição de factos que pudessem resultar na imputação subjectiva de conduta punível por lei aos Desembargadores visados pelo recorrente. Em lado algum se refere um facto sequer que permitisse concluir que os visados na denúncia tivessem agido com o intuito, com a consciência de assim fazer, de decidir em violação de lei expressa. E, apor último, como bem se refere na decisão sob recurso, nem sequer a identificação dos supostos autores dos factos merecedores de acusação com vista a futuro julgamento e com a forte probabilidade de se vir a obter uma condenação, o recorrente levou a cabo.
O presente recurso está votado ao insucesso, finaliza.
VIII . O ora recorrente já se queixou ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem -queixa n.º 48188/99 – em 17.4.99 , contra Portugal , alegando estar impedido de se defender por si mesmo ,visto ser advogado , por exercer funções de técnico oficial de contas, o que foi julgado como incompatível com a função de advogado num processo crime em que figura como arguido , violando-se o disposto no art.º 6.º n.ºs 1 e 3 ,da CEDH , objectando o Governo português que o direito de defesa não é absoluto , bem podendo impor a lei que o arguido seja representado por defensor , exigência de assistência que, em determinadas fases do processo – sobretudo julgamento e recurso – nada tem de injusto ou desproporcionado, por ser a forma de lhe garantir uma melhor defesa . E a decisão proferida na sequência tem o ensejo de frisar que a Comissão no caso X.c.Noruega e Áustria, teve presente que a disposição supracitada não garante que o arguido tenha o direito ele próprio de declarar a sua defesa e o modo como tenha que ser organizada e que a opção entre o poder de nomear defensor oficioso ou manter a defesa pelo próprio arguido incumbe às autoridades competentes , Cfr. também , o caso Weber v. Suiça em que avultou que a regra de impor advogado em todas fases do processo não atenta contra a Convenção . A obrigação de nomear advogado para assistir o arguido ou a possibilidade de ele se defender por si fica à opção de cada Estado , melhor colocado que ninguém àcerca dos seus sistemas de justiça em assegurar a defesa criminal . Estamos numa “… margem de apreciação concedida às autoridades nacionais .“ , afirma –se . Estamos, diz-se no desenvolvimento da queixa , numa posição em que é deferido aos “ tribunais nacionais (…) o direito de considerar que os interesses da justiça exigem a nomeação oficiosa de advogado .“ E concluiu-se que , nada leva a sustentar que o processo em causa “ não tenha sido equitativo ou que tenha atentado contra os seus direitos de defesa .“
De novo o recorrente se dirige às instâncias internacionais , certamente decepcionado com a tomada da antecedente posição de desfavor , julgando inadmissível a dita queixa , mas desta vez ao Comité dos Direitos do Homem , pela declaração n.º 1123/2002 , que , ao apreciar a queixa contra Portugal , à luz do art.º 14.º $ 3 .º , d) , do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ( PIDCP) , declarou que o nosso País infringiu esse preceito e concedeu o prazo de 90 dias , a contar de 18.4.2006 , para modificar a sua legislação interna, o que não fez , ou seja no sentido da admissibilidade da auto-representação do advogado-arguido . Essa postura decorre do princípio da dignidade humana , impondo que o arguido seja considerado sujeito processual e não mero objecto do processo , nesse sentido se pronunciando Rodrigo Santiago , in RPCC; 2007 , ano XVII , 207 a 252 , Gomes Canotilho e Vital Moreira , Constituição , 2007 , 495 , Almedina, partindo do suposto de que as normas penais internacionais e europeias prevalecem sobre o direito interno , visto o enunciado do art.º 8.º , da CRP e Ana Maria Guerra Martins , in Direito Internacional dos Direitos Humanos , 2006 , 120 , mas contra o Ac. do TC n.º 578/2001 . À luz daquele art.º 14 .º , do PIDCP , a representação em tais circunstâncias só é admissível em situações graves e sérias , como no caso de obstrução sistemática pelo arguido dos trabalhos do tribunal , de enfrentar uma acusação grave e se mostrar incapaz de agir no seu interesse ou ser necessário proteger testemunhas vulneráveis, aduz Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código de Processo Penal , pág. 196 . Critério restritivo, porém sem dúvida de aferição difícil e mais difícil execução , rompendo contra toda uma tradição jurídica , causador , se adoptado , de inúmeras e previsíveis perturbações , superando os inconvenientes as vantagens , razão pela qual os órgãos competentes não concretizaram no plano legislativo a aquela declaração do Comité , evidente sendo não incumbir ao intérprete e aplicador da lei substituir-se –lhe , admitindo o que a lei não prevê , arvorando-se ele próprio de legislador. E nesta medida limitando-se os subscritores das decisões sumárias na Relação a seguirem a orientação pacífica com apoio jurisprudencial e doutrinário ao nível interno , é absolutamente insustentável defender-se que agiram contra o direito , que contrariaram normas jurídicas , que falsearam o direito ao praticarem os actos de recusa de patrocínio per se do recorrente , não o admitindo ( fls. 121 ) a interpor recurso , no Pº n.º 330/11 .6 taptl –D G1, rejeitando –o, por carecer , até, de motivação ( fls . 209) . Bem entendido que o ali arguido , aqui recorrente , não aceita a divergência de entendimento das instâncias , mas daí até mover procedimento criminal pelo crime de prevaricação e denegação de justiça , sem sequer se inferirem , alegando , os factos que o levam a concluir que aqueles dois Magistrados da Relação agiram de “ motu proprio “ contra a lei , contra a sua ética profissional , em “ torção do direito “ , sabendo que agiram com o intuito de lhe causarem prejuízo , postergando-o , nomeando defensor em seu detrimento , vai uma longínqua distância . Sem consistência a sua afirmação de que o tipo legal não comporta a descrição de elemento subjectivo da sua conformação porque ela é visível pela leitura da exigência de actuação consciente que não é senão reportada a um estado de espírito , de consciência e volição . O crime, sublinha-se ainda no comentário de Miguez Garcia e Castela Rio ao Código Penal , ed. Almedina, 2014 , pág. 1222 , configura-se quando “… O magistrado ou funcionário se afastam da lei de modo grave e a sua promoção , orientação , decisão ou acto , tomados no exercício de poderes decorrentes não se baseiam na lei ou no direito , mas nos seus próprios critérios” . Se a análise e interpretação da situação e das normas em causa , sustenta várias soluções , mesmo que discutíveis , se essa pluralidade é hermenêuticamente possível , “ ela já não se mostra contra direito , pelo contrário expressa uma solução de direito , escreve Medina de Seiça , in CCCP, III , 2001 , pág. 617.
Configurada a materialidade objectiva descrita, falta , claramente, a actuação com consciência , conhecimento , ponderação a consciência dessa ilicitude na forma de convicção de emissão de decisão contrária ao direito objectivo e à lei e , menos ainda , a actuação de prejudicar , o que significa que o pressuposto subjectivo do crime está longe de ocorrer . Visível que os subscritores de cada uma das decisões sumárias abstiveram-se de tomar posição quanto à abordagem como questão prévia , pré-judicial , pela instância de justiça da União , partindo do pressuposto naquelas bem explícito que a lei interna disciplina o patrocínio do arguido , em processo penal , implicitamente deixando entrever a desnecessidade de sobrestar na decisão até solução última da questão pré-judicial . Dessa omissão não pode , de forma alguma, concluir-se por aquele estádio subjectivo , sequer por negligência grosseira , descuido intolerável , culpa latíssima , em que qualquer juiz não incorreria , de outro modo estar-se-ia a presumir, pela omissão , qualquer daquelas formas de culpa , dolo ou negligência grosseira , “ in re ipsa “ e a tornar a missão de julgar um fardo insuportável . IX .Mas o recorrente não identificou os supostos autores do crime , merecendo a omissão destacado reparo e extracção de consequências no despacho da M.ª juiz de Instrução , neste STJ , levando a que o recorrente o considerasse, desnecessariamente, como uma “ (triste) figura de retórica “ , omissão que lhe não era impossível , sequer difícil, para o que dispunha dos mais variados meios , por si conhecidos , colmatar , não incumbindo a este Tribunal sequer diligenciar por suprir essa omissão ; sobre o recorrente é que impende sobraçar a acusação ao nível das pessoas que incorreram no suposto crime denunciado , apontando-os, individualizando-os , como forma de lhes reportar a autoria da ofensa a um bem jurídico, estado valioso, antes de a norma o considerar , no dizer de Jager, citado in Inquérito e Instrução , Jornadas de Direito Criminal , CEJ , Cons.º Souto Moura , pág. 145 . porque a responsabilidade penal é , em princípio , pessoal e intransmissível –art.º 11.º , do CP . A instrução , enquanto fase facultativa , a meio caminho entre o inquérito e o julgamento , não se confina como mais uma fase de investigação , complementar do inquérito , antes é concebida como um controle jurisdicional , de fiscalização do bem fundado, pelo assistente , da decisão de o M.º P.º arquivar o inquérito ou a de neutralizar uma acusação , pelo arguido , por força dos art.ºs 286 .º n.º 1 e 287 .º n.ºs 1 e 2, do CPP . Em caso de pronúncia , após o encerramento da instrução , aplicando-se-lhe o preceituado no art.º 308.º n.ºs 1 e 2 , que faz remissão para o art.º 283 .º n.ºs 2, 3 e 4 , do CPP , há-de dela constar a identificação dos sujeitos processuais , falta essa que é motivo de manifesta falta de fundamento da acusação e causa legal de sua rejeição , nos termos dos art.º 311.º n.º 2 a) , do CPP , neste particular a instrução se assumindo em paralelo com a acusação . Do acórdão deste STJ de 7/3/2007, Pº nº 06P4688, in www.dgsi.pt , extrai-se que “…III – No caso de instrução requerida pelo assistente, o limite tem de ser definido pelos termos em que, segundo o assistente, deveria ter sido deduzida acusação e, consequentemente, não deveria ter sido proferido despacho de arquivamento – no rigor, por um modelo de requerimento que deve ter o conteúdo de uma acusação alternativa, ou , materialmente, da acusação que o assistente entende que deveria ter sido deduzida com base nos elementos que integram o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório…”.
Sempre que da instrução não constem os indispensáveis factos , mostrando-se desprovida de delimitação do campo respectivo sobre que deve versar ela é a todos os títulos inexequível ; um requerimento de abertura de instrução subsequente a um arquivamento , por ausência de factos, libertaria o juiz da vinculação temática –cfr.Souto Moura , op. cit , pág. 120 , nota . Também por esta razão a instrução não justificava o seu recebimento , não havendo lugar ao convite ao aperfeiçoamento da correcção ao recorrente , decidindo –se no Ac. de Fix. Jur . n.º 7/2005 , de 12.5.2005 , in DR I Série A , de 4/11/2005, não haver lugar ao aperfeiçoamento por falta de narração de factos que fundamentam a aplicação de uma pena , necessariamente também da sua identidade, como corolário da personalização da responsabilidade penal , suportada , em princípio por uma pessoa , jurisprudência com credencial constitucional nos Acs. do TC n.º 389/2005 , 636/2011 175/2013 .
E como consequência se escreveu no Ac. deste STJ de 22.10.2003 , P.º n.º 2608 /03 -3.ª Sec. , que não faz sentido proceder –se a uma instrução em vista do julgamento do arguido , se, de antemão , por deficiência de alegação factos imposta no art.º 287.º n.º 2 , do CPP , no requerimento de instrução esta é inútil ; a pronúncia é de todo imprevisível , nesse caso sendo de rejeitar a instrução por inadmissibilidade legal , pois que a prática de actos inúteis é proibida por lei , no art.º 137.º ,do CPC, cabendo ao juiz o dever de obstar à sua prática , nesse sentido se pronunciando ainda este S TJ nos seus ACs .de 22.3 2006 , 7.5.2008 e 7.12.2005 e 12.9.2009 . E se a instrução se revela , tal como configurada, pura inutilidade , e se a prática de acto inútil é vedada por lei , então a rejeição por inutilidade é uma hipótese de subsunção ao motivo legal de rejeição previsto no art.º 287.º n.º 3 , do CPP , inadmissibilidade com previsão legal e não com fonte em qualquer outra causa , mormente doutrinária .
X. O recorrente , na última conclusão , convoca o recurso à figura processual do reenvio pré-judicial , previsto no art.º 267 .º , do Tratado da União Europeia , promovendo-se , se necessário , a intervenção decisória do TJUE sobre a questão de saber se ao arguido advogado assiste o direito de se autodefender em processo crime . O recorrente não é assertivo quanto à intervenção dessa instância, desde logo porque a decisão sumária ainda era passível de reclamação para a conferência , pelo não esgotamento de todas as formas de reponderação , aqui por um colectivo , em conferência, enquanto manifestação colegial de um tribunal superior , impeditivo daquela intervenção , além de que segundo o despacho impugnado , alguma doutrina propende a considerar que não são os tribunais inferiores , em causas de pequena ou média relevância que legitimamente podem desencadear a interpretação uniforme do direito da União. Os tribunais supremos , subscrevendo-se o teor da decisão recorrida , é que fixam prioritariamente a jurisprudência na diversidade de interpretação da lei e não as instâncias inferiores, pela via indirecta , colateral , da abordagem em sede de “ questão pré-judicial “ –cfr. J.Mota de Campos, JL. Mota de Campos, AP.Pereira , Manual de Direito Europeu , págs . 427 a 430 e Nuno Brandão , RPCC , 2008 , 227 e segs . Acresce mais que de está em curso a apreciação da responsabilidade criminal de Juízes , o extrapolando do âmbito do processo criminal a questão para cuja resolução solicita o requerente aquela intervenção , relacionada com a conformidade à lei da União da recusa em confiar a defesa de advogado arguido a um defensor , que não se descortina como possa ferir em grau intolerável a dignidade humana , tendo em conta a panóplia extensa de meios de defesa que o sistema consagra , desde logo pelo silêncio de que pode lançar mão , de acordo com o princípio “ nemo tenetur se ipso accusare “, que se propõem e se destinam a salvaguardar em toda a latitude o seu direito de defesa . O interesse da justiça justifica pelos valores que poria em crise o auto-patrocínio de advogado , arguido , conducentes a “inextricáveis querelas e disfunções sem resultado útil à vista “ ( cfr. citado Ac. deste STJ de 1.7.2009 ), que a sua tutela “ peut demander l,imposition d,un advocat commis d,office “ , no dizer do Alto Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas na declaração ; as restrições à vontade do arguido de lograr defender-se devem arrancar e servir um fim objectivo e suficientemente importante e não exceder o necessário para proteger os interesses da justiça , é o recorrente quem o diz no ponto 8 do requerimento de instrução . A nomeação de defensor ainda serve e respeita, em alto grau , é conforme a este quadro paramétrico .
XI. E de anotar é que a CRP se não impõe a nomeação também o não proíbe e mais que ela se mostra inteiramente conforme ao seu princípio vertido no art.º 32.º n.º 1 , linha programática segundo a qual o processo penal assegurará todos os direitos de defesa , e , pois , que se se entender a incontornabilidade , em absoluto , dos preceitos de direito convencional internacional citados, face ao disposto no direito positivado, então ter-se-à de concluir que tal diploma fundamental é letra morta , de reduzido valor quando comparado com a filosofia inspiradora de conferir a maior amplitude de defesa , que se viu comprometida a ser diferentemente . Mas como se disse esse direito não é um direito absoluto , a prática de advocacia pelo próprio arguido cede, mesmo à luz das Convenções internacionais, perante os meios adequados e especificados de defesa do arguido, previstos no direito interno, pragmaticamente mais justos , não sendo de excluir que a defesa possa ser co-preparada com o defensor nomeado e que aquele possa endereçar ao tribunal requerimentos, memoriais e exposições se não envolverem matéria de direito .
Os preceitos dos art.º s 61.º , 62 e 64.º , do CPP, respeitam a CRP.
XII . O despacho recorrido não merece qualquer censura , por isso se confirmando de pleno , negando-se provimento ao recurso . Taxa de Justiça : 7 Uc,s . Armindo Monteiro (Relator) Raul Borges
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