Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
088311
Nº Convencional: JSTJ00028978
Relator: TORRES PAULO
Descritores: ARRENDAMENTO
CASO JULGADO
CADUCIDADE
Nº do Documento: SJ199602060883111
Data do Acordão: 02/06/1996
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 689/6/95
Data: 07/06/1995
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: A REIS IN CPC ANOTADO VOLV PAG174. M ANDRADE IN NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE PROC CIV PAG129/130.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS.
DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 96 ARTIGO 660 N2 ARTIGO 664 ARTIGO 673 ARTIGO 675.
CCIV66 ARTIGO 1051 D ARTIGO 1111.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1978/06/20 IN BMJ N278 PAG149.
Sumário : Por efeito da extensão do caso julgado, não pode voltar a discutir-se o problema da caducidade de certo arrendamento, depois de se ter decidido antes que houve transmissão do mesmo arrendamento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1 - Agrava-se do douto Acórdão da Relação de Lisboa, folhas 174 a 182, que confirmou decisão proferida em saneador em acção intentada no 7. Juízo Cível de Lisboa, por A e B contra C, onde pedem a condenação desta na entrega da casa arrendada e em indemnização de perdas e danos a liquidar em execução de sentença saneador que julgou procedente a excepção do caso julgado levantado pela Ré.
2 - As Autoras agravantes nas suas alegações concluem: a) Já foi decidido, com trânsito em julgado, em anterior processo, que correu entre as mesmas partes e relativo ao mesmo contrato de arrendamento, que há modificação de causa de pedir se, depois de se pedir a declaração de caducidade do arrendamento e consequente despejo pelo facto do falecimento da primitiva arrendatária, porque a Ré, sua neta, com ela nunca pôde conviver, pois a primitiva arrendatária nunca habitara na casa arrendada, se pedir a declaração de caducidade, fundamentado no facto do falecimento da filha da primitiva arrendatária, única e exclusiva sucessora do direito a esse arrendamento. b) Na primeira petição não se articularam sequer estes factos, da morte de D e a sua sucessão exclusiva do direito ao arrendamento. c) Perante as respostas dadas aos pontos 4 5 7 e 10 do questionário da outra acção e perante o artigo 522 do
Código de Processo Civil a presente acção poderá ser julgada procedente e provada logo no saneador. d) Se se entender que a prova é insuficiente - designadamente quanto à permanência da mãe da Ré na casa arrendada nos últimos três anos que precederam a morte da primitiva arrendatária - em audiência de discussão e julgamento se fará melhor prova. e) Provado que a Ré não tem qualquer título legítimo para permanecer na casa arrendada desde a morte de sua mãe em 1989, deve pagar a indemnização que se liquidar em execução de sentença, correspondente ao prejuízo efectivo que dessa ocupação resulta.
A agravada contra alegou defendendo o decidido.
3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.
4 - Está provado pela Relação: a) As Autoras são donas de prédio urbano sito na Rua ..., em Lisboa. b) O ante-possuidor do mesmo prédio, E, deu de arrendamento, para habitação, em 1 de Outubro de
1937, o respectivo 3. andar, a F, que viria a falecer, ainda como arrendatária desse andar, em 7 de Dezembro de 1961. c) As Autoras propuseram contra a ora Ré, neta daquela arrendatária, acção, então com processo especial de despejo por ter dado entrada antes de 1990, em que, invocando o dito óbito da arrendatária e o facto de esta nunca ter chegado a habitar no dito andar, sustentaram ter havido caducidade do contrato de arrendamento. d) Assim, e como a Ré não tinha, segundo sustentavam, qualquer direito a suceder nesse arrendamento, ali pediram a condenação da Ré (e marido, ali também R. mas posteriormente absolvido da instância por ilegitimidade dele próprio por ser, já então, divorciado da Ré) no despejo imediato do mesmo andar, por ela ocupado. e) Nessa acção, a Ré contestou sustentando essencialmente que a dita arrendatária, sua avó, sempre vivera no andar em causa até falecer, vivendo com ela Ré desde 1959 em comunhão de mesa e habitação até àquele óbito, pelo que o arrendamento não caducara e se transmitiu para si, Ré. f) Na audiência de julgamento ocorrida nessa acção de despejo, as Autoras requereram se considerasse como pedido subsidiário, ou, não o podendo ser, como pedido principal, que a caducidade do arrendamento, e consequente despejo da Ré, fosse declarada apenas para a altura do falecimento da mãe desta, pretensão essa que foi indeferida com o fundamento de que não se enquadrava no conceito de pedido subsidiário e de que encobria uma verdadeira alteração de pedido e de causa de pedir, não permitidos pelo artigo 273 do Código de Processo Civil. g) Desse despacho agravaram as Autoras, tendo o recurso sido admitido com subida diferida. h) Afinal foi proferida sentença em que o Dr. Juiz, considerando que o arrendamento em causa não caducara com o falecimento de primitiva arrendatária por a Ré ter provado ser sua neta e conviver com ela desde mais de um ano antes do respectivo falecimento, no andar em causa, julgou improcedente a acção. i) As Autoras apelaram de tal sentença sendo nesta
Relação, sido proferido acórdão que confirmou, quer o dito despacho agravado, quer a sentença por, no que a esta respeita, considerar que só se provou que houvesse outros parentes da primitiva arrendatária com melhor direito que a Ré, que desde 1959 vivia com ela no locado em comunhão de mesa e habitação. j) A mãe da Ré, D, faleceu em 1 de Julho de 1989.
5 - Está em causa apreciar se existe ou não caso julgado.
Mas tão-somente pela análise da vertente identidade da causa de pedir.
Na acção primeiramente instalada no 11. Juízo Cível de
Lisboa os factos consistentes da causa de pedir espelhavam-se através dos artigos 3 a 11 de respectiva petição inicial - Doc. folhas 44/verso.
Ou seja:
- o falecimento da primitiva arrendatária, F ocorrido em 7 de Dezembro de 1961, avó da Ré.
- Não convivência da Ré com a primitiva arrendatária, uma vez que esta nunca vivera na casa arrendada.
Por isso, estribando-se no preceituado do então artigo
1111 n. 1 do Código Civil, que exigia, como requisito à validade de transmissão do arrendamento, a vivência com a arrendatária há pelo menos um ano, concluíam pela condenação da Ré, ou de quem estivesse a habitar a casa, a despejá-la imediatamente.
É certo que nos citados artigos 6 e 7 da p.i. afirmavam que até 1960, G e marido, aquela filha da primitiva arrendatária, viveram na casa em questão.
E que a partir de 1960 - artigo 8 - a casa foi ocupada agora pela outra filha da arrendatária, D, mãe da Ré.
Só que tais factos estão fora da causa de pedir, pois ela se circunscreve, como vimos, ao facto de a primitiva arrendatária não habitar a casa arrendada, o que impedia a transmissão do arrendamento por sua morte.
Perante aquela bem delimitada causa de pedir a Ré sustentou que o arrendamento não caducou, antes se transmitiu para si, dado que desde 1959 sempre vivera no andar em causa com a sua avó, em comunhão de mesa e habitação até ao óbito desta.
A peça especificação-questionário, certificada a folhas
10 e 12, foi orientada neste sentido.
Provado que desde 1959 a Ré passou a viver com a sua avó, a primitiva arrendatária, no andar em causa, com ela partilhando as refeições e que ali continuou a viver após o falecimento daquela avó-certidão folha 43
- concluíram correctamente as instâncias de que estava preenchido o pressuposto de que dependia o funcionamento do artigo 1111 do Código Civil.
Daí a improcedência daquela acção.
A latere da questão fulcral as Autoras afirmaram então no artigo 10 de p.i. - certidão folhas 44/verso -
"mesmo que a arrendatária tivesse vivido na casa arrendada com sua filha e com a ora Ré, no ano que precedeu o seu falecimento - o que se nega - quem deveria suceder no arrendamento seria a filha D e não a Ré".
O processo não foi conduzido visando averiguar sobre se o arrendamento se transmitiu ou não à D, mãe da Ré.
Nem o poderia ter sido.
Com efeito, tal averiguação estava fora da causa de pedir e por ela não passou a defesa da Ré.
Daí bem avisadas andaram as instâncias em não terem atribuído ao simples facto de a mãe da Ré, D, ter passado a habitar o andar em 1958, o significado de ela viver com a falecida primitiva arrendatária, sua mãe, há pelo menos um ano reportado à data do falecimento desta, 7 de Dezembro de 1961, no andar em apreço.
Por isso se decidiu que a então Ré, C, sucedeu no direito ao arrendamento por morte da primitiva arrendatária, "uma vez que não se provou que houvesse outros parentes da primitiva arrendatária com melhor direito que a Ré apelada" - certidão folha 43 do
Acórdão da Relação de Lisboa de 16 de Maio de 1991.
6 - Tendo como sustentáculo, ainda e sempre, o falecimento, em 7 Dezembro de 1961, da primitiva arrendatária, F, a presente acção tem como causa de pedir a versão das agravantes:
- o falecimento da filha daquela, D, mãe da Ré.
- A convivência desta D com a primitiva arrendatária, na casa em questão, nos três anos que procederam a sua morte.
Destes factos retiram as Autoras que o direito ao arrendamento se transmitiu para a D, com exclusão de sua filha, a ora Ré.
Daí o pedido da entrega da casa.
7 - Serão diversas as causa de pedir?
As Autoras, na primeira acção, pretendiam extrair a conclusão jurídica - despejo da casa - do facto
(nuclear central e essencial) de a primitiva arrendatária , F, não viver no andar arrendado, realidade impeditiva de se surpreender a convivência com ela, no andar em questão, por parte da Ré, no ano que antecedeu a sua morte.
A morte da locatária F, nos termos do artigo 1051 alínea d) do Código Civil determinaria automaticamente a caducidade do arrendamento.
Isto, em princípio.
Entre as excepções a esta regra estavam os casos de transmissão do arrendamento taxados no n. 1 artigo 1111 Código Civil, sendo um deles, a convivência com o arrendatário de parentes ou afins na linha recta pelo menos um ano antes do falecimento daquele.
Para além daquela causa de pedir os Autores introduziram no p.i. - certidão folhas 44 e 45 - fundamentos de facto, visando também esclarece-la e completá-la: vivência na casa arrendada até 1960 de
G, filha de primitiva arrendatária e a partir de 1960 de D, outra filha desta e finalmente da Ré, filha daquela D.
Como a causa de pedir assentava no facto de a F nunca ter vivido no andar, deixaram cair no artigo 10 do p.i., ainda e sempre à guisa de esclarecimento, que mesmo que ela tivesse vivido na casa arrendada no ano que precedeu o seu falecimento com a filha D e neta Ré, seria esta D a suceder ao arrendamento e não a Ré.
Posteriormente ocorreu a morte de D.
E a acção veio a ser julgada improcedente, vingando a tese sustentada pela Ré: desde 1959 a Ré passou a viver com a avó, primitiva arrendatária, no andar em causa, com ela partilhando as refeições.
Agora, nesta acção, as Autoras repescaram a parte daquele artigo 10 da anterior p.i., que, neste momento, lhes poderia ser útil: a filha D conviveu na casa arrendada com sua mãe pelo menos um ano antes do falecimento desta.
Agora arvoram tal facto, em central e essencial, reputando-se dentro de causa de pedir desta acção, como suporte à transmissão do arrendamento para a D.
8 - A causa de pedir é o elemento causal do poder de acção.
É um todo complexo, onde concorrem vários elementos.
As Autoras pretendem que a Ré, que vivia e vive, no andar arrendado, seja condenada a entregá-lo a elas.
Para tanto pugnam pela caducidade do arrendamento, o que necessariamente implica não haver transmissão do arrendamento, não assumindo a Ré a posição de arrendatária.
Aqui se baliza o que se pretende decidir.
Há efectivamente divergências de percurso para aferir a caducidade: na primeira acção, caducidade por morte da F; nesta segunda por morte da D, filha daquela.
Mas na visão integradora da causa de pedir o facto é o mesmo: caducidade.
9 - Pelo artigo 673 do Código de Processo Civil a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Os limites objectivos do caso julgado podem oscilar entre soluções que o alargam à fundamentação inerente à decisão e as que os restringem só à conclusão da decisão, passando por outras eclípticas.
Na análise de tais limites terão também de ser chamados
à colação os artigos 96, 660 n. 2, 664 e 675, todos do Código de Processo Civil.
O princípio dispositivo inserto nos artigos 660 n. 2 e 664 lança-nos para uma interpretação restritiva.
E os artigos 96 n. 2 e 673 vão no sentido de a confirmar.
É, pois, pelo próprio teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado.
Citando Professor Andrade, Noções Páginas 129 e 130, o Professor A. Reis, Anotado volume V, Página 174 ensina "O caso julgado preclude todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele poderia ter deduzido, mas não deduziu, assim como preclude todas as possíveis razões do Autor... Por outro lado, a sentença que julga improcedente a acção, preclude incontestavelmente ao Autor a possibilidade de, em novo processo, invocar outros feitos instrumentais ou outras razões não produzidas nem consideradas no processo anterior".
Os limites objectivos de caso julgado traçam os limites da própria situação que de incerta passa a indiscutível.
Daí a extensão do caso julgado e perante a indiscutibilidade de certa afirmação se conclui a indiscutibilidade da subsistência ou insubsistência doutra afirmação, de conteúdo diferente.
Seguindo Professor Castro Mendes limites objectivos do caso julgado em Processo Civil, Páginas 330 e seguintes, diremos que a extensão do caso julgado opera-se por coerência lógico-jurídica e por coerência prática.
Dentro da primeira "alarga-se por um lado - extensão inversa - às afirmações incompatíveis, de que fica indiscutível a insubsistência; por outro - extensão directa - às afirmações incluídas por assim dizer inseparáveis - sejam afirmações incluídas, sejam afirmações implícitas - de que fica indiscutível a subsistência".
"Para se falar dum julgado implícito, é necessário que a afirmação que faz caso julgado imponha, só por si, como consequência necessária, outra a que o caso julgado se alarga" - ob. cit., Página 345.
Tudo visando a meta do caso julgado: certeza e segurança.
O objecto da acção não é apenas aquele que resulta da p.i., mas sim o que emerge da sua discussão, designadamente quando é arguida pelo Réu qualquer excepção peremptória ou outras questões, donde resulta que para se decidir da procedência ou improcedência do pedido é necessário formular vários juízos - artigo 660 n. 2.
Estão compreendidos na expressão - artigo 673 -
"precisos limites e termos em que se julga "todas estas questões solucionadas na sentença, conexas com o direito a que se refere a pretensão do Autor - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 1978, Boletim 278, Página 149.
Ficou decidido na anterior acção que por óbito da primitiva arrendatária F, avó da Ré, a posição de arrendatária se transmitiu para a Ré.
Não houve, pois, caducidade, mas sim transmissão do arrendamento.
E transmissão para a Ré, e não para a sua mãe D que ainda estava viva quando foi proposta a acção, cuja situação fáctica perante o circunstancialismo da questão era já do conhecimento das Autoras, conforme se expressaram na p.i. da primitiva acção.
Não podem, pois, as Autoras voltar a discutir um problema de caducidade de certo arrendamento, quando já se decidiu que houve uma transmissão do mesmo.
10 - Termos em que se nega provimento ao agravo.
Custas pelas agravantes.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 1996.
Torres Paulo,
Ramiro Vidigal,
Cardona Ferreira.