Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99A205
Nº Convencional: JSTJ00038225
Relator: RIBEIRO COELHO
Descritores: INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
MINISTÉRIO PÚBLICO
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: SJ199907070002051
Data do Acordão: 07/07/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1063/98
Data: 11/02/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 194 A ARTIGO 200 N1.
LOMP86 ARTIGO 5.
CPC95 ARTIGO 15 ARTIGO 332 N1 ARTIGO 334 N2 N3 N4 ARTIGO 947 N1 N2.
Sumário : I- Na interdição por anomalia psíquica em que o Ministério Público não tenha sido o requerente, frustrada a citação do requerido e não tendo o curador provisório designado contestado, deve ser citado aquele, o qual, até à redacção dada à LOMP pela Lei 60/98, de 27 de Agosto, iria ocupar a posição de parte principal; após ela, apenas tem intervenção acessória, pelo que a matriz básica da sua actuação será o estatuto processual do assistente com as adaptações impostas pelos ns. 3 e 4 do artigo 334 CPC.
II- Porque a nova redacção não tem efeitos retroactivos, tendo-se iniciado o processo no domínio da anterior, ao Ministério Público deve ser reconhecida, até à entrada em vigor daquela, a posição de parte principal e, após, a sua intervenção passa a ser meramente acessória, o que significa que a nova lei não sanou a nulidade cometida constituída pela falta de citação do Ministério Público.
III- Se o Ministério Público, ainda no domínio da anterior redacção, interveio arguindo a nulidade da falta de citação e, do mesmo passo, contestou, a anulação do processo terá de respeitar esse articulado, pelo que não é concedido novo prazo para o conduzir.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Foi instaurada por A, no 1. Juízo Cível de Santo Tirso, acção com processo especial para interdição por anomalia psíquica de sua mãe B.
Frustrada a citação pessoal desta, foi designado como curador provisório o seu filho C, o qual, citado nessa qualidade, veio aos autos dizer, em requerimento por si assinado, que não contestava a acção visto serem indiscutíveis a incapacidade de sua mãe e a necessidade de se providenciar quanto à pessoa e aos bens.
Foi ordenado o prosseguimento dos autos, designadamente com a realização de exame pericial - cfr. despacho de fls. 16.
Veio depois aos autos, espontaneamente, a Senhora Delegada do Procurador da República para arguir a nulidade de todo o processado após a petição inicial, nos termos do artigo 194, alínea b), do CPC - diploma ao qual pertencerão todas as normas que adiante referirmos sem outra identificação -, visto se não ter procedido à sua citação nos termos do artigo 947, n. 1, face à falta de contestação por parte do curador provisório.
E, ao mesmo tempo, apresentou contestação, na sua invocada qualidade de parte principal.
A Senhora Juíza entendeu que, perante a posição tomada nos autos pelo curador provisório nomeado à requerida, a intervenção do Ministério Público não tinha fundamento, pelo que indeferiu a arguição de nulidade por falta de citação e fez prosseguir a marcha do processo sem ser considerada a contestação apresentada por aquela magistrada.
Houve agravo, fixando-se-lhe subida diferida.
A final foi proferida sentença que declarou a interdição da requerida, a qual foi seguida de despacho em que à requerida, assim declarada incapaz, foi nomeada como tutora a requerente, sua filha A.
Apelou o Ministério Público, sendo a este fixado o efeito meramente
devolutivo.
A Relação do Porto proferiu acórdão em que, dando provimento ao agravo, julgou procedente a arguição da nulidade por falta de citação do Ministério Público, anulou todo o processo a partir do despacho que, no seguimento do requerimento em que o curador provisório disse não contestar, determinou o prosseguimento da acção, incluindo a sentença, e mandou que se ordenasse a citação do Ministério público para contestar em representação da requerida, com o subsequente processamento legal.
A requerente A, inconformada, agravou para este STJ e, alegando para pedir a revogação do acórdão recorrido, formulou as seguintes conclusões:
I- Encontrando-se irrefutavelmente provado nos autos que a requerida se encontra incapaz de reger a sua pessoa e bens, e não pondo sequer o Ministério Público em causa essa situação, seria absurdo - e representaria dar absoluta e injustificada prevalência ao ritualismo processual sobre o fundo da questão, à justiça formal sobre a justiça material - o anular-se o processado com base na falta de citação do Ministério Público como parte principal, para lhe possibilitar contestar um pedido que ele não irá contestar;
II- A regra do artigo 201, n. 1, do CPC - de que só existe nulidade quando a falta cometida possa influir no exame ou na decisão da causa - deverá ser tida como princípio geral e aplicar-se ao caso em que a falta de citação do Ministério Público como representante para o incapaz, e não àqueles em que o tribunal adquiriu, já os elementos necessários para a procedência do pedido, no interesse do incapaz, como é o caso de se terem realizado os exames médicos e demais diligências que comprovam a necessidade da interdição da incapaz;
III- A não anulação do processado, evitando repetição de actos e delongas absolutamente incompatíveis com o interesse do incapaz, não impede o Ministério Público de, em sua representação, requerer as mais medidas que entender adequadas para protecção dos interesses daquele;
IV- Consequentemente, a falta de citação do Ministério público não deverá determinar, neste caso, a anulação do processado até ao decretamento da sentença de interdição;
V- De qualquer modo, uma vez constituído mandatário judicial no processo à incapaz pelo seu curador provisório, o Ministério Público apenas passará a ter intervenção acessória, nos termos do artigo 947, n. 2, do CPC;
VI- Por outro lado, a falta de vista do Ministério público como parte acessória sempre ficará sanada, nos termos do artigo 200, n. 1, do CPC, a partir do momento em que tal mandatário faça valer os seus direitos no processo;
VII- Consequentemente, junta procuração do curador provisório constituindo mandatário forense à requerida e intervindo este no processo em sua representação sempre estará sanada qualquer nulidade consequente à falta de intervenção do Ministério Público.
Houve contra-alegações apresentadas em nome da requerida, subscritas por advogado que entretanto fora constituído pelo curador provisório. Nelas se defendeu também estar sanada a falta de citação do Ministério Público.
Também contra-alegou o Ministério Público, defendendo a orientação seguida no acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Constam do relatório que antecede as ocorrências de facto que interessam para a decisão deste recurso.
A Relação entendeu que houve omissão indevida da citação do Ministério Público dada a falta de contestação por parte do curador provisório nomeado à requerida e que essa omissão produziu a nulidade a que se referem os artigos 194, alínea a), 195, alínea a) e 204, n. 2, do CPC - diploma ao qual pertencerão as normas que adiante forem citadas sem outra menção -, com a consequente necessidade de anulação do processado posterior e realização da citação em falta.
A recorrente não contesta a ocorrência daquela omissão indevida mas vem defender que, no caso, ela não produz aquela nulidade.
Mas as razões que aduz nesse sentido não colhem.
Ao mesmo tempo que arguiu a nulidade da falta de citação o Ministério Público ofereceu a sua contestação, sendo explícito ao concluir no sentido de que deveriam salvar-se apenas a petição inicial e essa contestação; e, em sede de mérito, afirmou desconhecer os factos alegados para demonstração da incapacidade da requerida.
Tendo os autos continuado sem que neles fosse admitida a intervenção do Ministério Público - que, aliás, deveria ocupar então a posição de parte principal -, é evidente que não pode dizer-se que está irrefutavelmente provada nos autos aquela incapacidade; basta atentar em que a prova produzida a tal respeito não foi produzida com possibilidade de intervenção por parte de quem nos autos deveria ter intervindo como parte principal, o que inquina o respectivo processado e os seus resultados.
A anulação do processado mostra-se, portanto, indispensável para que a instrução decorra com o devido contraditório.
E a demora que daí resultar não causará prejuízos para a requerida, a não ser por inércia de quem pode zelar pelos seus interesses, visto que sempre poderá lançar-se mão da faculdade conferida pelo artigo 953, a articular com o artigo 142 do CCIV.
O que basta para evidenciar a improficiência das conclusões I a IV.
Esgrime a recorrente ainda com a circunstância de o curador provisório haver constituído advogado.
Vejamos.
A redacção dada pela Lei 60/98, de 27 de Agosto, ao artigo 5 da Lei 47/86, de 15 de Outubro - Lei Orgânica do Ministério público - não era ainda a aplicável quando o presente processo foi instaurado; a sua instauração teve lugar em 16 de Abril de 1997, tendo a sua subida á Relação ocorrido em 15 de Julho de 1998.
Valia então a redacção inicial desse preceito, de acordo com a qual o Ministério Público tem intervenção principal nos processos quando representa incapazes - alínea c) do n. 1 - e intervém acessoriamente quando um incapaz é interessado na causa, e também nos demais casos previstos na lei - alínea a) e b) do n. 4. Aliás, nestes pontos a nova redacção não introduziu regime diferente.
Em consonância com estas soluções o artigo 947, n. 1 - redacção introduzida pela reforma processual de 1995/96 - prevê a citação do Ministério Público, por aplicação do artigo 15, quando não houver contestação por parte do curador provisório; e o n. 2 estatui que, sendo constituído mandatário judicial por este curador provisório, o Ministério público apenas terá intervenção acessória.
E esta intervenção acessória processa-se em termos que estão definidos no artigo 334, de que ressalta a possibilidade de exercício dos poderes que a lei processual confere à parte acessória.
Que poderes são estes?
Na subsecção II epigrafada de "Intervenção acessória", com início no artigo 330, a lei processual civil distingue, em três divisões, entre a intervenção provocada, a intervenção acessória do Ministério Público e a assistência.
Esta última é a única que tem na lei uma regulamentação pormenorizada do seu regime.
Na intervenção provocada, correspondente ao antigo chamamento à autoria, dá-se ao chamado o estatuto do assistente - artigo 332, n. 1.
Assim, quando o artigo 334, n. 2, concede ao Ministério Público os poderes que cabem à parte acessória, isso significa que também aqui o estatuto processual do assistente é o que deve ser tido como matriz básica da sua actuação, embora com as adaptações impostas pelas menções especiais que em concreto se encontram nos seus ns. 3 e 4.
Ora bem.
A intervenção do Ministério Público nestes autos deveria, como já ficou dito, ter tido lugar a título de parte principal por o curador provisório da requerida não ter apresentado contestação.
Porém, a partir do momento em que este curador principal constitui advogado aquela intervenção só tem lugar a título acessório.
Mas tal não tem efeitos retroactivos, designadamente na medida em que não tem a virtualidade de sanar a nulidade ocorrida; não vale aqui, contra o invocado pela recorrente, o disposto no artigo 200, n. 1, porque tal nulidade não constitui na preterição da intervenção do Ministério Público enquanto parte acessória, mas enquanto parte principal.
Mas isto não quer dizer que o processado a repetir haja de ter tal intervenção a título de parte principal, por esta posição lhe não caber já; é o que resulta do artigo 947, n. 2, conjugado com o facto de o curador provisório ter constituído já nos autos, neste momento, um mandatário judicial.
Por outro lado, a anulação do processado que se determinou no acórdão recorrido e que a recorrente aqui combate não pode ser observada na íntegra, pois que vai mais longe do que o processado havido permite.
Quando na 1. instância arguiu a nulidade decorrente da falta da sua citação, o Ministério Público não pediu a sua citação para depois contestar; diversamente, apresentou logo a sua contestação, nos termos acima genericamente mencionados, e pediu que, em procedência da arguição, ficassem a ser considerados os dois articulados produzidos - a petição inicial e a contestação.
Sendo assim, não pode ser-lhe concedido um segundo prazo para praticar de novo um acto que já praticou.
Daí que essa contestação, apresentada pelo Ministério Público na óbvia qualidade de parte principal, seja a que deve ser atendida no processado subsequente, com a especialidade de que neste a sua intervenção passará a ser meramente acessória, nos termos e pelas razões ditas acima.
Assim, a anulação do processado ficará com uma extensão ligeiramente menor do que a resultante do acórdão recorrido.
Assim, nega-se provimento ao agravo, determinando-se a anulação de todo o processado a partir do despacho de fls. 16, inclusive, e a sua repetição nos termos acima indicados, com ressalva da contestação apresentada pelo Ministério Público, que se aproveitará.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 7 de Julho de 1999.
Ribeiro Coelho,
Garcia Marques,
Ferreira Ramos.