Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
042206
Nº Convencional: JSTJ00013052
Relator: LUCENA E VALLE
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
PENA DE EXPULSÃO
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
PENAS ACESSÓRIAS
Nº do Documento: SJ199112190422063
Data do Acordão: 12/19/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N412 ANO1992 PAG229
Tribunal Recurso: T CR LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4846/91
Data: 05/14/1991
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: DL 430/83 DE 1983/12/13 ARTIGO 23 ARTIGO 24 N2.
CPP87 ARTIGO 411 N2 N3.
DL 267/87 DE 1987/07/02 ARTIGO 23 N1 N2.
CONST82 ARTIGO 33 N4.
DL 264-B/81 DE 1981/09/03 ARTIGO 42 - ARTIGO 57.
Legislação Comunitária: DIRECTIVA CEE 64/221 DO CONSELHO ART2 N1 ART3 N2 ART8 ART11.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1986/11/12 IN BMJ N361 PAG239.
ACÓRDÃO STJ DE 1986/11/26 IN BMJ N361 PAG283.
ACÓRDÃO STJ DE 1990/07/11 IN CJ ANOXV TIV PAG8.
ACÓRDÃO STJ PROC42179 DE 1991/12/12.
Jurisprudência Internacional: AC TRIJ DE 1975/02/26.
Sumário : I - O artigo 3 ns. 1 e 2 da Directiva (CEE) n. 64/221, interpretado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades no Acordão de 26 de Fevereiro de 1975 no caso Bonsignore, proibe a expulsão de um estrangeiro nacional de um Estado - membro com fins de prevenção geral, designadamente como medida disuasoria relativamente a outros estrangeiros.
O preceito exige que a apreciação da ameaça a ordem publica se faça tendo em conta a situação individual de qualquer pessoa protegida pelo direito comunitario e não na base de apreciações gerais.
II - Ha, por isso, incompatibilidade com o direito comunitario quando se estabelece a expulsão como pena acessoria de crimes punidos com certas penas, como determina o artigo 43 do Decreto-Lei n. 264-B/81, o que tambem sucede sempre que um estrangeiro e condenado por infracção a legislação sobre estupefacientes (artigo 34 do Decreto- -Lei n. 430/83.
III - Decretada a expulsão do pais de um cidadão de um Estado - membro condenado pelo crime de trafico de estupefacientes, a decisão não merece censura quando fundada no alto grau de perigosidade da parte do arguido.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2 Subsecção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I Pronunciado como autor material dum crime de trafico de estupefacientes, dos artigos 23. ns. 1, e 27, alineas c) e g) do Decreto-Lei n. 430/83 de 13 de Dezembro, acabou A, com os sinais dos autos, por ser condenado, pelo colectivo, no 3. Juizo Criminal desta comarca, pela pratica desse crime mas com previsão no sobredito artigo 23, alem do mais, na pena de seis anos de prisão e sessenta mil escudos de multa, e na sua expulsão do Territorio nacional, por um periodo de dez anos, por ser cidadão holandes.
II Desta decisão veio ele recorrer, mas tão so do tocante a sua expulsão do pais, decisão que, no seu entender, deve revogar-se nessa parte.
E termina, deste modo, a sua motivação:
1 - O artigo 34, n. 2, do Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro, diz que a expulsão do territorio e pena acessoria.
2 - O artigo 30, n. 4, da Constituição da Republica Portuguesa, porem, proibe que uma pena produza como efeito necessario, a perda de direitos civis, profissionais ou politicos.
3 - Por isso, proibe o artigo 65 do Codigo Penal, que esta perda seja efeito necessario ou automatico de qualquer pena.
4 - Alem disso, desde que e delinquente primario, não se estara ante personalidade perversa, sendo certo que, com familiares e amigos no pais, e legitimo, e tutelado pela lei, o seu interesse em incita-los.
III Por sua vez, e em sede conclusiva, finda assim o Ministerio Publico a sua resposta:
1 - O recurso não deve considerar-se interposto, por ausencia do respectivo requerimento.
2 - Mas se assim não se entender, a questão levantada e uma falsa questão, por a expulsão decretada pelo colectivo ser uma pena em si, ainda que acessoria, prevista na lei, enquanto tal, e não efeito de qualquer pena.
3 - Inexiste assim, a invocada inconstitucionalidade, motivo por que se deve negar provimento ao recurso.
IV Corridos os vistos, cumpre decidir:
A - Começa o Ministerio Publico, junto do 3 Juizo Criminal de Lisboa, por levantar a questão previa de o recurso não dever considerar-se interposto, por a motivação surgir, por assim dizer desgarrada, sem o respectivo requerimento em que se apoie.
Aquele, com efeito, tem de interpor-se por simples declaração na acta, quando o tenha sido na propria audiencia, consoante o n. 2 do artigo 411 do Codigo de Processo Penal, ou, posteriormente, por requerimento, como dispõe o seu n. 3.
A questão, porem, e salvo o devido respeito, não tem razão de ser, uma vez que, quando, a folhas 115, o recurso foi admitido, ja ai o Senhor Juiz o considerou interposto pelo requerimento de folhas 114.
B - O arguido recorre da decisão do colectivo, tão so da parte em que o condenou na expulsão de dez anos - ja que e cidadão holandes - por se lhe afigurar ser inconstitucional o dispositivo legal que preve semelhante sanção.
E que, como alega, face a redacçaão do n. 2 do artigo 34 do Decreto-lei nº 430/83, de 13 de Dezembro, parece ser automatica a aplicação de tal pena acessoria - uma vez verificada a condenação - sendo certo consagrar o artigo 65 do Codigo Penal o principio constitucional do artigo 30 n. 1, da Constituição da Republica Portuguesa de que "Nenhuma pena envolve como efeito necessario a perda de direitos civis, profissionais ou politicos".
E, pois, segundo ele, a luz deste enquadramento legal constitucional que aquele n. 2 do artigo 34 deve interpretar-se.
Desta forma acrescenta sendo a expulsão, pois, uma pena acessoria, como a propria lei a designa e envolvendo como envolve, a perda de direitos civis e profissionais, não pode ser automaticamente aplicavel, sob pena de inconstitucionalidade.
O artigo 34, n. 2 do Decreto 430/83, estabelece que "se a condenação por crime previsto no n. 1 do precedente artigo (entre os que nomeia, o do artigo 23, n. 1, em que o arguido incorreu) for imposta a um estrangeiro, sera ordenada na sentença a sua expulsão do pais, por periodo não inferior a cinco anos.
Da redacção deste normativo conclui o recorrente ser automatica a aplicação da pena acessoria da expulsão do pais, o que inevitavelmente implica a perda de direitos civis, profissionais ou politicos, quando o artigo 65 do Codigo Penal - que consagrou o principio constitucional do artigo 30 n. 4, da nossa Lei Fundamental - prescreve que nenhuma pena envolve como efeito necessario a perda de quaisquer desses direitos.
V Sobre a interpretação a dar ao sobredito artigo 34, n. 2, a jurisprudencia deste Supremo Tribunal não tem sido uniforme, antes se apresentando dividida.
Na verdade, algumas das suas decisões tem sido no sentido de ser de aplicação automatica a pena acessoria da expulsão de estrangeiro, do territorio nacional, nas hipoteses do citado artigo 34, n. 2, como os acordãos de 12 e 26 de Novembro de 1986, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 361, paginas 239 e seguintes, e paginas 283 e seguintes, respectivamente.
Noutras, tem-se entendido que a expulsão do pais, de cidadão estrangeiro ao abrigo daquele preceito deve decidir-se casuisticamente, não podendo deixar de ser expressamente justificada, de modo nenhum se admitindo se possa ordenar automaticamente, so por aquele ter sido condenado pela pratica de certos crimes, designadamente o do artigo 23 do mesmo Decreto 430/83.
Decidir doutra forma, seria violar a lei ordinaria e a lei constitucional, nos artigos 65 do Codigo Penal, e 30, n. 4, da Constituição da Republica, posição que o mesmo Tribunal definiu nos acordãos de 11 de Julho de
1990, in C.J., Ano XV, Tomo IV, paginas 8 e seguintes, e de 12 de Dezembro de 1991, recurso 42179.
Hoje a questão perdeu, todavia, toda a acuidade, a nosso ver, na hipotese especial de se tratar de estrangeiro, mas nacional dum Estado-membro das comunidades europeias.
A Comunidade Economica Europeia, como e sabido, resulta dum tratado assinado a 25 de Março de 1957, em cuja base se encontra uma união aduaneira, ou seja, um conjunto de territorios politicamente organizados, como Portugal, entre os quais se garante a livre circulação de mercadorias. Esta integração, porem, estabelece os principios orientadores de quatro liberdades fundamentais - livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e capitais, alem de politicas comuns em determinados sectores.
Assim, o artigo 2, n. 1, da Directiva do Conselho da Comunidade Economica Europeia, n. 64/221/CEE - destinada aos Estados-membros, como flui do seu artigo 11 - refere-se entre outras disposições, as relativas a expulsão do territorio, adoptadas por aqueles Estados, por razões de ordem, segurança ou saude publica.
E logo no seu artigo 3 n. 2, estabelece que "a mera existencia de condenações penais não pode, por si so, servir de fundamento à aplicação de tais medidas.
Ora o Decreto-Lei n. 267/87, de 2 de Julho em que, como se le no seu preambulo, se pretende dar cumprimento as disposições de direito comunitario derivado, que, entre outras, regula a materia da mencionada directiva - reproduz no seu artigo 23, n. 2, aquele outro preceito, e no seu n. 1, o n. 1 do artigo 35, da directiva, que prescreve que "as medidas de ordem publica devem fundamentar-se exclusivamente no comportamento pessoal do individuo em causa".
Aquele artigo 3, n. 1 e 2, foi interpretado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades, no acordão de 26 de Fevereiro de 1975, no caso Bonsignore - emigrante italiano condenado na Republica Federal da Alemanha - como proibindo a expulsão dum estrangeiro nacional dum Estado-membro, com fins de prevenção geral, designadamente, como medida dissuasoria relativamente a outros estrangeiros.
Aquele individuo tinha sido condenado por infracção a legislação alemã sobre armas e homicidio involuntario.
O preceito em analise exige que a apreciação da ameaça a ordem publica se faça tendo em conta a situação individual de qualquer pessoa protegida pelo direito comunitario, e não na base de apreciações gerais.
Direito comunitario e Ordem juridica comunitaria. As liberdades fundamentais na CEE - Volume I, da Moutinho de Almeida, pagina 481.
Nos termos do artigo 33, n. 4, da nossa Lei Fundamental, a expulsão dum estrangeiro so pela autoridade judicial pode ser decidida.
Tal materia e hoje objecto do Decreto-Lei n. 264/B/81, de 3 de Setembro, que, em obediencia ao preceito constitucional, jurisdicionaliza o processo de expulsão, do artigo 42 a 57 uma vez que o recurso da decisão de expulsão não versa unicamente sobre a legalidade da medida, a lei portuguesa observa o estatuido no artigo 84 da citada Directoria 64/221.
Segundo este, "o interessado deve poder recorrer da decisão ... de expulsão do territorio, utilizando, para o efeito, os recursos facultados aos nacionais para impugnação dos actos administrativos".
Existe, porem, incompatibilidade com o direito comunitario quando se estabelece a expulsão como pena acessoria de crimes punidos com certas penas, como determina o artigo 43, o que tambem sucede sempre que um estrangeiro - como no caso subjacente e condenado por infracção a legislação sobre estupefacientes - artigo 34 do Decreto 430/83, o que contraria o que dispõe o aludido artigo 3, n. 2, da directiva - v. e., pagina 492.
Sucede que o arguido A e cidadão holandes, sendo a Holanda, precisamente, um dos Estados-membros das Comunidades Europeias.
Sera, por conseguinte inadmissivel decretar-se a sua expulsão de Portugal, uma vez ser a Holanda um dos paises que fazem parte da Europa dos Doze, se não fosse considerar-se que o ser estrangeiro e haver traficado em drogas ja e representativo dum alto grau de perigosidade da parte do arguido A.
VI - Nos moldes expostos, acordam os deste Supremo Tribunal em denegar provimento ao recurso, e, desse modo, em confirmar a decisão recorrida nomeadamente no que toca a expulsão.
Condena-se o recorrente em oito UCs, em quinze mil escudos de procuradoria.
Lisboa, 19 de Dezembro de 1991.
Lucena e Valle,
Lopes de Melo,
Cerqueira Vahia.
Pereira dos Santos (vencido. Entendo que, em concreto, não se verificam os elementos de perigosidade do arguido).
Decisão impugnada:
- Acordão de 91.05.14 do 3 Juizo Criminal de Lisboa.