Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1639/03.8 TBBNV.L1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANO CAUSADO POR COISAS OU ACTIVIDADES
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
DANOS REFLEXOS
TERCEIRO
LUCRO CESSANTE
EQUIDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - A presunção de culpa estabelecida no art. 493.º, n.º 1, do CC é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido incumprimento do dever de vigiar; por isso, provando-se que uma árvore que se abateu sobre a viatura em que seguia a 1.ª autora pertencia à ré, esta responde civilmente pelos danos ocasionados se não ilidir aquela presunção.
II - Quando os diversos componentes do dano moral atinjam patamares de gravidade muito elevados, não deve recear-se a atribuição duma compensação que exceda o limite máximo da valorização habitualmente atribuída pelo STJ ao dano da morte, que tem oscilado entre os 50 e os 70 mil euros, dado que nada obriga a que essa fronteira nunca seja ultrapassada, certo que o art. 496.º, n.º 1, do CC elege como único critério de aferição a gravidade do dano, conceito eminentemente indeterminado que cabe ao tribunal preencher valorativamente caso a caso.
III - Se a vida é o bem jurídico mais valioso, devendo valorar-se a sua perda em termos proporcionados a tal importância, a mesma ordem de razões justifica que se conceda a compensação devida àqueles que, não a perdendo embora, por inteira culpa alheia ficam, de um momento para o outro e até ao final dos seus dias, privados da qualidade mínima a que qualquer pessoa, pelo simples facto de o ser, tem pleno direito.
IV - É justo atribuir uma indemnização de € 400 000 por danos morais à lesada que, com 19 anos de idade, por força do embate de uma árvore na viatura onde seguia, ficou com diversas e muito graves lesões, de entre as quais se salienta a fractura de vértebras, com instalação irreversível de tetraplegia, sofrendo de diminuição acentuada da função respiratória e de incapacidade funcional permanente de 95%, com incapacidade total e permanente para o trabalho; a partir da data do sinistro e durante cerca de um ano, foi alimentada através de um tubo gástrico introduzido pelas narinas e, na sequência de gastrotomia a que teve de ser submetida em resultado de uma fístula esofágica alta que sobreveio a uma intervenção cirúrgica, alimentada através de uma sonda introduzida no corte cirúrgico, na zona do estômago; foi submetida a várias intervenções cirúrgicas e ficou com múltiplas e extensas cicatrizes deformantes; as lesões sofridas, os seus tratamentos e suas sequelas provocaram dores lancinantes; desloca-se em cadeira de rodas e necessita de assistência permanente de pessoa nos actos da vida diária, sendo que, para certos actos (tais como, tomar banho e defecar) carece da ajuda de mais uma pessoa; perdeu todos os movimentos e sensibilidade do pescoço para baixo (com excepção dos ombros), designadamente nos órgãos sexuais, nos esfíncteres, no ânus, no recto, nos intestinos, no estômago, no aparelho urinário, no respiratório e nos membros inferiores e superiores; corre o risco sério de vir a sofrer graves lesões renais; tem a sua expectativa de vida encurtada; não pode ter relações sexuais, nem prazer sexual, nem procriar; vive em permanente estado de amargura, desespero e angústia, inconformada com a sua situação e perdeu a vontade de viver e muitas vezes tem pedido que lhe ponham termo à vida.
V - Mostra-se adequado atribuir uma indemnização de € 80 000 ao 2.º autor e de € 130 000 à 3.ª autora, por danos morais, considerando que são os pais da lesada e que, desde a data da alta, lhe têm prestado assistência, tendo a assistência permanente sido assegurada pela sua mãe, que passa todo o tempo consigo, e, quando necessário e possível, pelo seu pai, passando ambos a carecer de apoio médico regular, designadamente psiquiátrico, em consequência das lesões sofridas pela filha; desde o começo de 2006, a 3:ª autora passou a ter acompanhamento médico e medicamentoso constante, por causa do seu estado de depressão ansiosa; tem dificuldade em dormir e constantes pesadelos, agravados pelo facto de ter de se levantar, de 3 em 3 horas, para mudar a filha de posição, sob pena de esta vir a ter ainda mais escaras no corpo; sofre de inquietação permanente, desconcentração, desconforto emocional e físico, desinteresse pelo relacionamento social, fadiga persistente mesmo sem esforço físico, desatenção para consigo própria e enorme ansiedade; tem dificuldade em pensar, reflectir e tomar decisões; sofre de distúrbios psico-somáticos, como perturbações gástricas, dores no corpo, febre, cefaleias intensas, cansaço e perda de energia; também o 2.º autor sofre de distúrbios, embora de forma menos intensa; ambos vivem em estado de permanente tristeza profunda, melancolia, desconforto emocional e físico.
VI - Tendo em conta a idade da lesada à data do acidente (19 anos), a tetraplegia irreversível que a atingiu, determinante de incapacidade funcional permanente de 95%, com incapacidade total e permanente para o trabalho, o ter ficado com a sua expectativa de vida encurtada, o vencimento que auferia à data do acidente (06-12-2000) como funcionária privativa de uma Câmara Municipal – 68 900$00 – e o facto de ainda não ter sido aposentada, mantendo-se (à data do julgamento em 1ª instância) funcionária daquela autarquia, mostra-se adequada a concessão duma indemnização de € 200 000 por danos materiais futuros.
VII - No que toca a outros danos futuros, respeitantes à aquisição de bens e serviços necessários ao tratamento e acompanhamento da lesada, considerando, em particular, que terá de contratar, na falta de seus pais, alguém que lhe preste assistência permanente, num valor anual não inferior a € 14 000, mostra-se ajustada a indemnização de € 300 000, por ser conforme à equidade, nos termos dos arts. 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 3, do CC.
VIII - Provado que a 3.ª autora teve de encerrar em Agosto de 2002 o mini-mercado que explorava para prestar assistência à sua filha, passando todo o tempo com ela desde a data da alta, é inegável a existência de nexo de causalidade adequada entre o acidente que vitimou a 1.ª autora e os prejuízos decorrentes para seus pais do fecho daquele estabelecimento, justificando-se a concessão a estes duma indemnização a esse título, por força do disposto no art. 495.º, n.º 2, do CC.
IX - É conforme à equidade a atribuição duma indemnização no valor de € 110 000 para reparar os prejuízos referidos no ponto VIII, tendo em consideração os seguintes parâmetros: 1.º) um lucro líquido mensal do mini-mercado encerrado correspondente a, sensivelmente, metade de € 1500; 2.º) o cômputo dos danos desde o encerramento do estabelecimento até ao final de 2011, por ser previsível que, a partir de então, cesse a necessidade da 3.ª autora acompanhar a sua filha em permanência.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Síntese dos termos essenciais da causa e dos recursos
AA, solteira, maior, e seus pais BB e CC, casados entre si, propuseram uma acção ordinária contra DD.
Pediram a condenação da ré no pagamento da quantia total de € 1.452.521,00 e juros legais de mora a contar da citação, sendo € 1.200.000,00 à autora AA e € 252.521,00 aos autores BB e CC, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e morais sofridos por virtude do acidente descrito na petição inicial - queda de árvore implantada num pinhal pertencente à ré em cima duma viatura na qual a autora AA se fazia transportar no banco ao lado do condutor e que teve por consequência, além do mais, ficar esta lesada tetraplégica.
A ré contestou, impugnando quer a culpa na verificação do acidente, quer a extensão dos danos invocados na petição. Alegou, em suma, o excesso de velo­cidade do veículo em que a autora AA seguia, tendo em conta as condições atmosféricas muito adversas que na altura se faziam sentir e o facto de o piso da estrada estar molhado, existirem lençóis de água e haver fortes rajadas de vento; e alegou ainda, para afastar a sua culpa, que a vigilância que ela, ré, mandava efectuar aos arbustos e árvores existentes no local era a adequada e suficiente, face à inexistência de ocorrências passadas.
Posteriormente ao saneamento da causa os autores apresentaram articulado superveniente e requereram a ampliação do pedido, ambos admitidos, pedindo a condenação da ré a pagar à 1ª autora a quantia de € 1.650.000,00 e aos 2º e 3º autores a de € 752.521,00.
No decurso da audiência de julgamento também a ré apresentou um articulado superveniente (fls 984 e sgs), que foi de igual modo admitido, com o consequente aditamento dos correspondentes quesitos à base instrutória organizada (fls 1068 e 1069).
Concluído o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença em 23/1/09 nos seguintes termos, que se reproduzem (parte decisória):
“Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, porque provada apenas em parte, e, em con­sequência:
1. Condeno a Ré, DD, a pagar à A. AA:
a) A quantia de € 280.000,00 (duzentos e oitenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, a contar da data da presente sentença, até integral pagamento;
b) A quantia de € 385.000,00 (trezentos e oitenta e cinco mil euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, sendo a contar da citação relativamente aos danos por perda de capacidade de ganho e a contar da presente sentença quanto aos demais danos futuros para aquisição de bens e serviços, e até integral pagamento;
2. Condeno a Ré, DD, a pagar aos AA. BB e CC:
a) A quantia de € 131,403,50 (cento e trinta e um mil quatrocentos e três euros e cinquenta cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da citação da Ré no que tange aos danos patrimoniais vencidos a essa data, sendo que relativamente aos danos que apenas se foram vencendo durante a presente acção – danos por lucros cessantes e despesas com medicamentos, transportes a médicos e laboratórios, fraldas e algálias que apenas ocorreram após a citação - , os juros apenas são devidos a partir do mês em que cada um deles se venceu e até integral pagamento;
b) O que se liquidar em execução de sentença, relativamente aos danos patrimoniais pela aquisição da cadeira de rodas, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da cita­ção da Ré e até integral pagamento;
3. Condeno a Ré, DD, a pagar ao A. BB a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos; à taxa legal, a contar da data da presente sentença, até integral pagamento;
4. Condeno a Ré, DD, a pagar à A. CC a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, a contar da data da presente sentença, até integral pagamento;
5. Absolvo a Ré DD do demais peticionado pelos AA. AA, BB e CC”.
Tendo ambas as partes apelado, a Relação proferiu em 10/4/10 a seguinte decisão:
“Face ao exposto, julga-se improcedente, por não provada, a Apelação apresentada pela Apelante DD.
Bem como julga-se parcialmente procedente, na medida em que foi provada, a Apelação apresentada pelos AA., determinando-se, em conformidade:
- a alteração da resposta única dadas aos quesitos 109.º, 110.º, 111.º, 167.º e 168.º da Base Instrutória, que passa a ter a seguinte redacção:
“Provado que a 1.ª Autora precisa de adquirir uma viatura automóvel transformada para transporte de passageiros com deficiência motora superior a 90%, que actualmente já comprou uma que custou € 27.999.20, e posteriormente precisará de outras, para ser transportada em veículo automóvel, conduzido por outra pessoa, cujo custo não será inferior a € 28.000,00”.
- a alteração da resposta dada ao quesito 175.º da Base Instrutória, que passa a ter a seguinte redacção:
“Provado apenas que durante o tempo o tempo em que o 2.º A. viveu em Vila Real, só vinha a Benavente, em média de 3 em 3 semanas, por causa das dificuldades económicas, com o esclarecimento de que o 2.º A. encontra-se actualmente a trabalhar em Benavente, a explorar um estabelecimento de restauração”.
E, em consonância com o que acima se deixa expresso, para além dos valores já fixados na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, aditar e alterar ainda os seguintes valores indemnizatórios:
- Condenar a Ré a pagar à 1.ª A., a título de danos patrimoniais a quantia de € 27.999,20 (valor da aquisição da viatura da 1.ª A.), acrescida de juros legais desde a data da notificação do articulado superveniente, no caso, desde 24 de Fevereiro de 2007, e até integral pagamento;
- Condenar a Ré a pagar à 1.ª A., a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 320.000,00 (trezentos e vinte mil euros), alterando-se, assim, o valor inicialmente fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância.
- Condenar a Ré a pagar à 1.ª A., as quantias de € 200.000,00 (duzentos mil euros) a título de danos patrimoniais pela perda de capacidade de trabalho e de € 300.000,00 (trezentos mil euros) a título de danos futuros, alterando-se, assim, o valor inicialmente fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância.
- Condenar a Ré a pagar as quantias de € 80.000,00 (oitenta mil euros) para o 2.º A. e de € 100.000,00 (cem mil euros) para a 3.ª A., a título de danos não patrimoniais, alterando-se, assim, o valor inicialmente fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância.
- Condenar a Ré a pagar aos 2.ª e 3.ª AA. a quantia que se vier a apurar a título de danos patrimoniais decorrentes do encerramento do mini-mercado explorado pela 3.ª A., tendo por base a quantia de € 1.500,00 mensais (mil e quinhentos euros), contados desde o momento do encerramento daquele estabelecimento até ao momento em que o 2.º A. passou a explorar o estabelecimento de restauração, com juros desde a fixação daquele montante e até integral pagamento.
Mantém-se, no mais, a condenação fixada por aquele Tribunal de 1.ª Instância”.
De novo inconformados, quer os autores, quer a ré recorreram para o STJ, pedindo a revogação do acórdão da 2ª instância (parcial, no caso dos autores; no caso da ré, total). Os autores sustentam que a ré deve ser condenada a pagar-lhes, vista a proibição do artº 661º, nº 1, do CPC, as quantias constantes dos pedidos ampliados; a ré, por seu turno, defende a sua absolvição total do pedido, ou, no mínimo, caso se conclua que é responsável, a redução equitativa da indemnização, atentos os seus rendimentos e baixo grau de culpabilidade; isto sem prejuízo do pedido de suspensão da instância até ao trânsito em julgado da sentença proferida na causa preju­dicial pendente e da arguição de nulidade da sentença da 1ª instância por omissão de pronúncia.
Foram apresentadas contra alegações em ambos os recursos, defendendo a sua improcedência.
Tudo visto, cumpre decidir.

II. Fundamentação
a) Matéria de Facto
São os seguintes os factos definitivamente assentes, após as modificações introduzidas pela Relação:
1. No dia 6/12/00 a 1.ª A. viajava na Estrada Nacional (E.N.) 118 no sentido Benavente — Samora Correia;
2. Seguia no veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-NT no lugar da frente, ou seja, no banco situado ao lado do condutor, que era o seu amigo, e então namorado, EE;
3. No dia 6/12/00, cerca das 21,30 horas, junto ao quilómetro 38.300 da EN 118, uma árvore caiu em cima do veículo mencionado no ponto 2, no sítio que a 1ª A. nele ocupava;
4. A referida árvore encontrava-se implantada no prédio rústico designado “Pinhal do José Justino e Sesmaria do Vale ou Vale das Hortas”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente sob o nº 02572/251196 da freguesia de Benavente ;
5. Desde pelo menos 1995 que a R. é dona desse prédio, possuindo-o, detendo-o materialmente e retirando dele as respectivas utilidades;
6. A árvore que caiu em cima da viatura onde seguia a 1.ª A. era: uma acácia mimosa; com cerca de 15 metros de altura; pesada; com tronco com cerca de 60 centímetros de diâmetro junto à base; tinha pelo menos 40 anos de idade; e encontrava-se implantada a cerca de três metros do limite do lado direito da faixa de rodagem da EN 118, para quem segue no sentido Benavente – Samora Correia;
7. A árvore que caiu em cima da viatura onde a 1.ª A. seguia tinha raízes à mostra, do lado oposto à estrada, devido ao peso que exercia sobre a base do tronco porque estava inclinada sobre a faixa de rodagem há mais de 10 anos devido ao seu peso e em virtude de o terreno onde estava implantada ser arenoso, com pouca capacidade de fixação de árvores e sujeito a elevada erosão pelos elementos naturais, designadamente chuva e vento;
8. Na noite do dia 6 para 7 de Dezembro de 2000, em grande parte do país, incluindo a região de Benavente, o tempo apresentou-se com céu nublado ou encoberto, o vento soprou geralmente moderado de sul, com intensidade máxima instantânea do vento a ter atingido pontualmente valores de 100 km/hora, ou superior, e ocorreram períodos de chuva, aumentando de intensidade a partir do início da noite, tendo a quantidade de precipitação atingido um valor na ordem dos 10 mm e a intensidade máxima de precipitação tenha atingido 1 a 2 mm em 10 minutos;
9. A situação descrita no ponto 7, conjugada com o que consta do ponto 8, provocou a queda da árvore sobre a viatura em que seguia a 1.ª A;
10. A árvore tombou toda, fracturando-se pela base do tronco, por baixo das raízes que se situavam acima do nível do solo, onde o seu estado fitossanitário apre­sentava sinais de degradação;
11. Perto da referida mimosa e também dentro do prédio da R. encontravam-se outras árvores, algumas delas de grande porte e/ou também inclinadas e com as copas sobre a faixa de rodagem;
12. Da propriedade da R. descrita no ponto 4 caiu também, no dia 6/12/00, uma pernada de um pinheiro, sobre a EN 118, próximo do local onde estava a árvore que caiu em cima da viatura onde seguia a 1.ª A;
13. A vegetação do terreno do prédio da R., junto da EN 118, entre os quilómetros 36 e 39 era tão abundante e intensa que as bermas se encontravam “estranguladas” ou “estreitadas” ao ponto de os peões terem muitas vezes que circular sobre a faixa de rodagem destinada a veículos, o que acontecia há, pelo menos, 5 anos antes de 2000;
14. A herdade da R. referida no ponto 4 tem marcos que a delimitam da EN 118;
15. As mimosas têm raízes oblíquas ou fasciculadas, com o esclarecimento de que é uma espécie utilizada para segurar e estabilizar terrenos arenosos e dunas;
16. Podem ter uma duração de cerca de sessenta anos;
17. À R. nada lhe foi dito ou recomendado relativamente à limpeza da sua herdade referida no ponto 4 ou abate de árvores na mesma, pelos órgãos do Município, pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Benavente, pelo Senhor Comandante dos Bombeiros ou pela Junta Autónoma das Estradas, antes de 6/12/00;
18. Entre 6 e 7 de Dezembro o Serviço Nacional de Protecção Civil emitiu os comunicados n°s 18, 19, 20 e 21 conforme cópias fornecidas pelo actual Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil;
19. Nesses dias 6 e 7 ocorreram quedas de árvores;
20. O estado do tempo foi divulgado junto da população por diversos meios de comunicação social, designadamente televisões e rádios;
21. A Estrada Nacional 118 que liga Benavente a Samora Correia é uma via com cerca de oito metros de largura, habitual e diariamente com grande densidade de tráfego, quer de veículos ligeiros quer de veículos pesados e tractores agrícolas;
22. A viatura de matrícula ...-...-NT circulava a uma velocidade não superior a 90 kms/hora;
23. Em sentido contrário – ou seja, no sentido Samora Correia/Benavente - circulava outro veículo que era conduzido por FF;
24. O condutor da viatura de matrícula ...-...-NT apercebeu-se que algo estava a cair sobre o veículo que conduzia no momento em que passava, e o condutor da viatura que seguia em sentido contrário se apercebeu que a árvore se partira e tombava sobre a estrada;
25. O FF conseguiu parar o veículo que conduzia evitando o choque com a árvore;
26. O condutor da viatura de matrícula ...-...-NT não travou a viatura que conduzia;
27. A viatura de matrícula ...-...-NT ficou imobilizada a cerca de 150 metros da árvore caída;
28. Após o acidente, FF retirou a AA do veículo em que esta seguia antes da chegada dos Bombeiros ao local;
29. E depositou o corpo da AA no chão até à chegada dos Bombeiros;
30. Os bombeiros demoraram menos de 15 minutos a chegar ao local do acidente;
31. FF foi bombeiro durante cerca de 27 anos até cerca de 5 a 7 anos antes de 2000, e é possuidor de conhecimento de primeiros socorros;
32. E retirou a A. AA em conjunto com GG que é enfermeira e que se encontrava naquele local;
33. A 1.ª A. à data tinha 19 anos (nasceu em 26-07-1981);
34. Por força do embate da árvore na viatura onde seguia, a 1.ª A. ficou com as lesões constantes dos pontos 35, 52, 57 e 58;
35. A 1.ª A. sofre das lesões constantes dos documentos de fls. 31 a 33 e 35, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente, fractura das vérte­bras C3, C4, C5, C6 e C7, com instalação de tetraplegia;
36. Foi primeiramente assistida no Hospital de Benavente, depois transportada para o Hospital de Vila Franca de Xira, de onde foi transferida para a UVM do Hospital de São José;
37. No Hospital de São José ficou em tracção esquelética até 14/12/00 data em que foi submetida a intervenção cirúrgica extremamente melindrosa: corporectomia de C4, C5, C6 e artodese com enxerto e placa Orion de C3-C7;
38. Como consequência desta intervenção cirúrgica, a 1.ª A. tem uma cicatriz deformante no pescoço, com 9 centímetros de comprimento e 2 centímetros de espessura;
39. Foram-lhe então retirados partes de ossos da bacia, do lado esquerdo e direito, que foram enxertados nas cervicais;
40. Ficou, nos lados esquerdo e direito do alto ventre (nos sítios de onde foram retirados parte dos ossos enxertados), com duas cicatrizes, uma em cada lado, com 11 centímetros de comprimento e 3 centímetros de espessura cada;
41. Em 4/1/01 foi submetida a nova intervenção cirúrgica para revisão da artodese, reaplicação de parafusos distais, aplicação de mais 2 parafusos de fixação do enxerto; e a outra, mais tarde, para que fosse retirado o material de osteossíntese;
42. A partir da data do sinistro, a A. passou a ser alimentada através de um tubo gástrico, introduzido pelas narinas, no qual eram injectados “alimentos”;
43. Logo depois da intervenção de 4/1/01 sobreveio uma fístula esofágica alta;
44. Pelo que, em 7/11/01, teve de ser submetida a nova intervenção cirúrgica: uma gastrotomia ;
45. Sendo-lhe então introduzida, no corte cirúrgico, uma sonda através da qual passou a ser alimentada;
46. A fístula esofágica “fechou” no início de Dezembro de 2001, pelo que só no dia 5/12/01 começou a ser alimentada por via oral;
47. Como consequência da gastrotomia, a l.ª A. ficou com uma cicatriz na zona do estômago, com 10 centímetros de comprimento e 3 centímetros de espessura;
48. Para tentar colmatar a deformação estética resultante da cicatriz no pescoço, a 1.a A. foi submetida a uma intervenção cirúrgica cujo pré e pós-operatório foram particularmente dolorosos e penosos;
49. Foi então colocada numa cama “Striker”, ficando “entalada” entre duas superfícies (uma inferior e outra superior) giratória;
50. Foi-lhe então retirada pele da orelha esquerda para tentar dissimular parcialmente a cicatriz do pescoço;
51. Essa cirurgia não foi bem sucedida e a 1.ª A. sofreu dores intensíssimas no pré e pós-operatório, tendo ainda ficado com mais uma cicatriz, circular, na orelha, com cerca de 5 cm de diâmetro;
52. A 1ª A. apenas tem sensibilidade do pescoço para cima e nos ombros;
53. Por causa da sensibilidade que tinha e ainda tem, sofreu dores de extrema intensidade, que por vezes quase a faziam desmaiar;
54. Em 21/1/02 foi internada no Centro de Medicina de Reabilitação;
55. Onde, até 12/7/02, fez um programa de reabilitação com tratamentos diários de fisioterapia e terapia ocupacional com apoio psicológico;
56. Naquele Centro fez ainda os exames complementares de diagnóstico que constam do documento n.º 1;
57. A 1.ª A. sofre de forma irreversível de alteração da estrutura das vértebras C3 a C5 e de diminuição acentuada da função respiratória;
58. A 1.ª A. sofre de incapacidade funcional permanente de 95% com incapacidade total e permanente para o trabalho;
59. As lesões sofridas, os seus tratamentos e suas sequelas provocaram à 1.ª A. dores lancinantes;
60. Desloca-se em cadeira de rodas e necessita de assistência permanente de pessoa nos actos da vida diária, sendo que, para certos actos (tais como, tomar banho e defecar) carece da ajuda de mais uma pessoa;
61. Perdeu todos os movimentos e sensibilidade do pescoço para baixo (com excepção dos ombros), designadamente nos órgãos sexuais, nos esfíncteres, no ânus, no recto, nos intestinos, no estômago, no aparelho urinário, no respiratório e nos membros inferiores e superiores;
62. Só com o auxílio de medicamentos consegue ter um controle, meramente mecânico e muito relativo, das fezes e da urina;
63. Não contém a urina nem as fezes, pelo que é obrigada a usar fraldas;
64. Anda permanentemente algaliada;
65. Tem frequentes infecções urinárias provocadas, sobretudo, pela algaliação;
66. Carece e carecerá toda a vida de permanente controlo médico e medicamentoso;
67. Corre o risco sério, como todas as pessoas com lesões idênticas às suas, de vir a sofrer graves lesões renais;
68. A falta de movimentos provoca e provocará necessariamente, cada vez mais, descalcificação do esqueleto e péssima tonificação da massa muscular;
69. E provoca-lhe, constantemente, escaras nas nádegas e no ânus;
70. Independentemente das deficiências e patologias de que já sofre precisamente por causa delas – é extremamente vulnerável à contracção de grande número de doenças;
71. A 1.ª A. tem a sua expectativa de vida encurtada;
72. Em 22.01.2007 foram detectados na 1.ª A., marcados sinais de microlitíase bilateral, pelo que foi submetida a litotericia vesical;
73. Em consequência do mencionado no ponto 72 a 1.ª A. teve fortes hemorragias e che­gou a estar com a tensão arterial muito baixa;
74. E regressou ainda doente à casa onde habita com os pais, em Benavente;
75. Não pode ter relações sexuais, nem prazer sexual, nem procriar;
76. O namoro que a 1.ª A. tinha antes do embate terminou;
77. Perdeu quase todos os amigos, por falta de contacto com eles;
78. A 1.ª A. tem dificuldade em estar em público ou em eventos sociais pois carece de medicação constante e corre o risco de defecar e urinar sem disso dar conta, só disso se apercebendo pelo cheiro das fezes e da urina;
79. A 1.ª A. apresenta sinais de depressão reactiva e ansiosa, tem humor deprimido com concentração dolorosa, padece de perda de iniciativa e de inibição psico-motora, pelo que carece de ser acompanhada por psiquiatra;
80. Vive em permanente estado de amargura, desespero e angústia, inconformada com a sua situação;
81. Perdeu a vontade de viver e muitas vezes tem sinceramente pedido que lhe ponham termo à vida;
82. Ansiava constituir família, ter filhos, e realizar-se profissionalmente, o que deixou de poder fazer;
83. Tinha ainda uma grande paixão: as danças de salão, a que se dedicava desde muito jovem;
84. Era uma exímia dançarina, participando em competições e exibições por todo o país;
85. As lesões que sofreu e sofre impedem a 1.ª A. de dançar, o que a angustia profundamente;
86. A Autora AA carece agora e continuará a carecer de apoio psicológico per­manente;
87. O apoio psicológico de que a 1.ª A. carece e carecerá é-lhe, actualmente, dado por uma psicóloga que se desloca a sua casa quinzenalmente;
88. Para além do que consta dos pontos 60, 63, 64 e 66 (resposta aos quesitos 45.°, 48.°, 49.°, 51.°), a 1.ª A. precisa e precisará, para sempre de fazer análises, exames médicos e usar resguardos;
89. À data do acidente pertencia (e ainda pertence) ao quadro privativo da Câmara Municipal de Benavente, com a categoria de Auxiliar dos Serviços Gerais, auferindo o vencimento mensal de Esc. 68.900$00 (ver doc. n.° 4), então correspondente ao índice 118, obviamente acrescido do subsídio de alimentação;
90. Esse vencimento era, em 13 de Setembro de 2003, de € 387,91, correspondente ao índice 125, acrescido de subsídio de alimentação;
91. Como consequência das lesões de que padece, a 1.ª A. esteve sem trabalhar até 06.12.2003, recebendo o subsídio de doença da ADSE, tendo comparecido, entre a data do acidente e a data de regresso ao trabalho, por 6 vezes a uma Junta Médica, sendo a última em 02.12.2003 a qual determinou o regresso ao serviço da A. AA em 06.12.2003 com serviços adaptados à situação clínica;
92. A Junta Médica da ADSE reunida em 2/12/03, referida em 91 da PI, deliberou considerá-la “abrangida pela al. d) do art. 11.° do Dec.-Reg nº 41/90”, de 29 de Novembro, ordenando que então regressasse ao trabalho com serviços adaptados à sua situação clínica;
93. Desde então não foi presente à Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações;
94. Ainda hoje a Autora AA continua funcionária da Câmara Municipal de Benavente;
95. E continuará a fazer exames clínicos complementares;
96. Por força da deliberação de 02 de Dezembro de 2003 da Junta Médica da ADSE, a Câmara Municipal de Benavente adquiriu hardware e software para a Autora AA comandar um computador, sendo esse o trabalho que ali faz e continuará a fazer até ser aposentada;
97. Aquele comando é feito através de um acessório colocado no nariz e direccionado para as teclas do computador, as acciona através de emissão de raios infra­vermelhos;
98. Em consequência das lesões de que a 1.ª A. padece, a mesma deu 26 dias de faltas por internamento em 2000, 365 dias de faltas por internamento em 2001; 171 dias de faltas por doença e 192 dias de faltas por internamento em 2002; 339 dias de faltas por doença por internamento em 2003; 5 dias de faltas por doença em 2004; 78 dias de faltas por doença e 2 dias de faltas por internamento em 2005; e 45 dias de faltas por doença e 30 dias de faltas por internamento em 2006 contabilizadas até ao dia 20 de Dezembro de 2006;
99. Após o dia 20/12/06 até ao dia 22/2/07, a 1.ª A. deu, pelo menos, mais 51 dias de faltas ao trabalho, pois esteve internada desde 21.11.06 até 9.2.07, data da alta, no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão para realização de exames médicos;
100. Sendo auxiliar dos Serviços Gerais à data do acidente posicionada no escalão 1 ainda hoje se mantém nesse mesmo escalão;
101. Se a 1.ª A. não tivesse dado as faltas por doença que deu, teria progredido para o escalão 2, índice 137, em 1 de Novembro de 2004 e por força de tal progressão teria auferido mensalmente: desde Novembro de 2004 o vencimento de € 425,15, desde Janeiro de 2005, o vencimento de € 431,51, e desde Janeiro de 2006, o vencimento de € 441,03, porém como não progrediu, auferiu mensalmente: o vencimento de € 397,22 desde Novembro de 2004, € 434,51 desde Janeiro de 2005 e desde Janeiro de 2006 € 412,06;
102. A Autora AA ainda não foi aposentada;
103. Além de exercer a actividade profissional, a 1.ª A. estudava na E Secundária de Benavente, no ensino secundário recorrente por unidades capitalizáveis em regime nocturno, tendo concluído no ano lectivo de 2000/2001 mais de 1/3 da totalidade das unidades que constituem o curso, o que lhe deu equivalência ao 10.° ano de escolaridade;
104. Antes do sinistro era uma pessoa inteligente, muitíssimo trabalhadora, activa, alegre, feliz, saudável e cheia de dinamismo;
105. Era intenção da 1.ª A. concluir o ensino secundário e tirar um curso superior para progredir profissionalmente, melhorar os rendimentos do seu trabalho e enveredar por uma profissão em que auferisse melhor remuneração do que aquela que poderia receber como funcionária pública na carreira a que pertencia;
106. Para o resto da vida da 1.ª A., as despesas com assistência médica e medica­mentosa e de meios auxiliares de diagnóstico terão um custo médio mensal não inferior a € 110,00; as despesas com fraldas e algálias um custo médio não inferior a € 150,00 por mês; e os transportes a médicos e psiquiatra um valor médio mensal não inferior a € 40,00;
107. Ademais, a 1.ª A. precisa de comprar outros equipamentos indispensáveis para minorar as suas deficiências e, por isso, muitos deles foram prescritos na Clínica de Alcoitão — vide doc. n.° 1 — que só não foram adquiridos por insuficiência económica dos AA;
108. A 1.ª A. precisa e já tem uma cadeira de rodas eléctrica, movida por comando accionado pela cabeça, cujo preço unitário é de cerca de € 35.000,00 podendo necessitar de adquirir outras em virtude do desgaste daquela;
109. Para ocupar parte do tempo carece de adquirir um computador (e posteriormente outros) com sistema de infra-vermelhos para escrita, stick bucal e software compatível, cujo custo unitário não é inferior a € 2.500,00, a valores actuais;
110. Terá de comprar um elevador de transferências, cujo custo não é inferior a € 1.472,00, conforme documento de fls. 52, cujo teor se dá aqui por integralmente repro­duzido;
111. A 1.ª Autora precisa de adquirir uma viatura automóvel transformada para transporte de passageiros com deficiência motora superior a 90%; actualmente já comprou uma que custou € 27.999.20, e posteriormente precisará de outras, para ser transportada em veículo automóvel, conduzido por outra pessoa, cujo custo não será inferior a € 28.000,00;
112. Sempre que comprar uma viatura tem de comprar a respectiva plataforma de acesso e acessórios, de acordo com as características das viaturas e da cadeira de rodas que então usar;
113. A preços actuais cada plataforma e acessórios é de cerca de € 2.500,00;
114. Na falta dos seus pais, a 1.ª A. terá de contratar alguém que lhe preste assistência permanente num valor anual não inferior a € 14.000,00 (€ 1.000,00 x 14 meses);
115. Os 2.° e 3° AA. são, respectivamente, pai e mãe da 1ª A;
116. A 3ª A. tem 42 anos de idade pois nasceu em 20/6/1961;
117. O 2º A. tem 44 anos de idade pois nasceu em 4/9/59;
118. As despesas relacionadas com as despesas médicas, medicamentosas e de higiene diária da 1.ª A. são suportadas pelos 2.° e 3.° AA., que são seus pais, e são casados no regime de comunhão de adquiridos;
119. Desde o momento da alta da A. AA até Novembro de 2003, os 2.° e 3.° AA. despenderam uma média mensal de cerca de € 150,00 com despesas com medicamentos e transportes da 1.ª A. a médicos e laboratórios, e uma média mensal de cerca de € 150,00 com gastos com fraldas e algálias para a 1.ª A;
120. Os 2.° e 3.° AA. visitaram e apoiaram diariamente a 1.ª A. durante todo o tempo em que esteve internada, primeiro no Hospital S. José e depois em Alcoitão;
121. Essas visitas não eram, durante os dias úteis, em simultâneo, pois a 3.ª A. ia o dia inteiro e o 2.° A. visitava-a à hora de almoço, no intervalo do trabalho;
122. Entre os dias 6/12/00 e 21/1/02, com deslocações ao Hospital de São José, em Lisboa, onde a 1.ª A. esteve internada, o 2.° A. despendeu uma quantia média mensal de € 150,00 relativa a gasolina e portagens; e a 3.° A. uma quantia média mensal não inferior a € 85,80 para aquisição de passe da empresa de camionagem Ribatejana para as deslocações de Benavente a Lisboa e a quantia diária de € 1,00 para os bilhetes de ida e de volta de metropolitano entre o local onde parava a camioneta proveniente de Benavente e o Hospital;
123. Entre os dias 21/1/02 e 12/7/02, com deslocações à Clínica de recuperação de Alcoitão, onde a 1.a A. esteve internada: o 2.° A. despendeu uma quantia média mensal de € 150,00 relativa a gasolina e portagens; e a 3.° A. uma quantia média mensal não inferior a € 85,80 para aquisição de passe da empresa de camionagem Ribatejana para as deslocações de Benavente a Lisboa, bem como a quantia diária de € 1,00 para os bilhetes de ida e de volta de metropolitano entre o local onde parava a camioneta proveniente de Benavente e a estação de comboios de Cais do Sodré, e a quantia diária de € 9,00 para os bilhetes de ida e volta entre a estação de comboios de Cais do Sodré e a Clínica de recuperação de Alcoitão;
124. Desde a data da alta, a assistência permanente à 1.ª A. tem sido assegurada pela 3.a A. e quando necessário e possível, pelo 2.° A;
125. Que passa todo o tempo consigo;
126. Por isso, a 3.a A. teve de encerrar, em Agosto de 2002, um pequeno estabelecimento de mini-mercado de que era proprietária com o seu marido e que explorava, do qual auferia mensalmente, em média, o lucro de € 1.500,00;
127. Os 2.° e 3.° AA. efectuaram alterações arquitectónicas na casa onde habitam com a 1.a A., tendo em vista a criação de acessibilidades destinadas a minorar dificuldades motoras daquela, que foram orçamentadas em € 31.324,00; com o esclarecimento que os 2.° e 3.° AA. já pagaram a quantia de € 20.000,00;
128. Fizeram, designadamente, as seguintes obras (ver doc. n.° 11):
- Alargaram 4 portas para que a cadeira de rodas da filha pudesse por elas passar;
- fizeram duas novas portas (aberturas);
- construíram um novo quarto adaptado para a deficiência da 1ª A.; - junto a esse novo quarto, construíram uma casa de banho com espaço para a cadeira de rodas e com louças adaptadas à deficiência;
- para construir aquela casa de banho tiveram que alterar as canalizações da casa;
- adquiriram e montaram uma porta de correr para aquela casa de banho;
- construíram uma rampa na entrada da casa;
129. Gastaram com a aquisição de uma cadeira de rodas quantia não concretamente apurada;
130. Gastaram com a aquisição de uma cama articulada, com colchão anti-escara, adaptada à deficiência da filha, a quantia de € 2.950,00 — doc. n.° 12;
131. As despesas emergentes do estado de saúde de AA obrigaram o Autor BB, seu pai, a aceitar ir trabalhar para Vila Real no dia 15/5/06, a fim de melhorar os proventos da sua profissão;
132. Até então trabalhava em Vila Franca de Xira, indo e vindo todos os dias de casa para o trabalho;
133. Durante o tempo em que o 2.º A. viveu em Vila Real só vinha a Benavente, em média de 3 em 3 semanas, por causa das dificuldades económicas; o 2.º A. encontra-se actualmente a trabalhar em Benavente, a explorar um estabelecimento de restauração.
134. Ambos os Autores BB e CC passaram a carecer de apoio médico regular, designadamente psiquiátrico;
135. Desde o começo de 2006 a Autora CC passou a ter acompanhamento médico e medicamentoso constante, por causa do seu estado de depressão ansiosa;
136. Tem dificuldade em dormir e constantes pesadelos, agravados pelo facto de, de 3 em 3 horas, ter de se levantar para mudar a AA de posição, sob pena de esta vir a ter ainda mais escaras no corpo;
137. Sofre e sofrerá de inquietação permanente, desconcentração, desconforto emocional e físico, desinteresse pelo relacionamento social, fadiga persistente mesmo sem esforço físico, desatenção para consigo própria e enorme ansiedade;
138. Tem dificuldade em pensar, reflectir e tomar decisões;
139. Já sofre e continuará a sofrer de distúrbios psico-somáticos, como perturbações gástricas, dores no corpo, febre, cefaleias intensas, cansaço e perda de energia;
140. Também o Autor BB, sobretudo desde que foi para Vila Real, sofre dos dis­túrbios referidos de 179 a 181, embora de forma menos intensa que a Autora CC;
141. Todos os Autores vivem em estado de permanente tristeza profunda, melancolia, desconforto emocional e físico;
142. Aumentam dia a dia a tristeza e a revolta da AA, por ver que o seu estado de saúde é um ónus emocional, psíquico e financeiro cada vez maior para seus pais;
143. O inquérito n.° 437/00.5 GABNV foi arquivado pelo M.° P.° com funda­mentos constantes do despacho de fls. 93 e 94 junto aos autos.
b) Matéria de Direito
Nas conclusões da revistas suscitam-se as seguintes questões (as três primeiras e a última exclusivas da revista da ré; as duas restantes comuns aos dois recursos):
1ª) Suspensão da Instância;
2ª) Nulidade da Sentença;
3ª) Responsabilidade da Ré;
4ª) Danos Patrimoniais;
5ª) Danos Morais;
6ª) Limitação da Indemnização - artº 494º CC;
Vamos apreciar ambos os recursos conjuntamente, face à coincidência das questões colocadas num e noutro, e seguindo na sua análise a ordem acima indicada, por ser a lógica.
Suspensão da instância:
A ré começa por defender que a instância deve ser suspensa, nos termos do artº 279º, nº 1, do CPC, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no Procº 836/2003, instaurado no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa pelos aqui autores contra o Instituto de Estradas de Portugal (IEP), actualmente Estradas de Portugal, SA. Verifica-se, contudo, que o referido processo se encontra definiti­vamente julgado, já que por acórdão do STA de 22/6/010, cujo trânsito em julgado ocorreu no dia 8/7/010, foi decidido, por maioria, julgar totalmente improcedente aquela acção, absolvendo-se a ré do pedido (certidão de fls 2461 e sgs, junta aos autos por determinação do relator). Cessou, consequentemente, a suposta relação de prejudicialidade entre as duas causas na qual o pedido da autora se baseou, não se justificando, por isso, a suspensão da instância requerida.
Nulidade da Sentença
Alega a ré, depois, que a sentença é nula por omissão de pronúncia; e isto porque tanto na sua contestação como nas alegações de direito apresentadas suscitou a questão de não lhe pertencer a árvore que caiu sobre o veículo no qual a autora AA se fazia transportar, cabendo à Estradas de Portugal, SA, o dever da sua vigilância, sendo certo, contudo, que a sentença não se pronunciou sobre tal matéria, decisiva para a boa decisão da causa.
É manifesto, no entanto, que não tem razão.
Em primeiro lugar, e desde logo, deve sublinhar-se que não cabe ao STJ, em sede de revista, pronunciar-se sobre nulidades da sentença da 1ª instância, mas tão somente sobre vícios dessa natureza, ou erros de julgamento, cometidos pelo tribunal recorrido, que neste caso é a Relação (só na hipótese de recurso per saltum, nos termos do artº 725º do CPC, poderia ser a 1ª instância).
Em segundo lugar, e decisivamente, verifica-se que a Relação apreciou e decidiu, como lhe competia, a nulidade em apreço, oportunamente arguida pela recorrente na sua apelação. Com efeito, escreveu-se no acórdão recorrido, a propósito, o seguinte: “Alega também a Apelante que o Tribunal de 1.ª Instância não se pronunciou sobre a questão que lhe foi colocada, no caso, que a árvore que caiu, e em discussão nos autos, não lhe pertencia e que o dever de vigilância sobre a mesma incumbia ao IEP, com o que feriu a sentença de nulidade, por omissão de pronúncia.
Salvo o devido respeito, a Apelante não tem qualquer razão.
Com efeito, o Senhor Juiz de 1.ª Instância pronunciou-se expressamente sobre essa questão e dela retirou a ilação jurídica possível, em conformidade com a sua análise: condenou a Ré nos termos que vêm definidos na sentença proferida. Por outro lado, a partir do momento em que foi dado como provado que a árvore é propriedade da Ré – Pontos 4 e 5 dos Factos Provados – sendo certo que tal redacção resultou do acordo das partes, entendemos que nada mais há a referir quanto a esta matéria”.
Em face disto, a presente alegação não pode ser atribuída senão a manifesto lapso ou deficiente leitura do acórdão da 2ª instância por parte da recorrente.
Responsabilidade da ré
A questão seguinte diz respeito à responsabilização da ré pelo sucedido, que as instâncias, convergentemente, fizeram assentar na norma do artº 493º, nº 1, do CC.
Este preceito dispõe:
Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua”.
Sustenta a recorrente, em suma, que esta disposição legal não se aplica à situação ajuizada porquanto a árvore que se abateu sobre o automóvel e vitimou a autora AA não lhe pertence a ela, ré, não lhe cabendo, por isso, o dever de a vigiar; que por tal motivo não lhe pode ser imputada a prática dum facto ilícito, nem mesmo à luz do princípio geral da responsabilidade aquiliana fixado no artº 483º do mesmo código, também porque a queda da árvore, em si mesma, não foi um facto voluntário seu, que tenha querido ou sequer antevisto; e que, para além de tudo isto, a sua conduta não pode ser qualificada de culposa visto que actuou com a diligência exigível a um homem médio: se nem os utentes da EN 118, nem os órgãos municipais, nem o presidente da Câmara Municipal de Benavente, nem os bombeiros, nem a então Junta Autónoma das Estradas a avisou do risco que a árvore em questão representava para a circulação rodoviária é porque tal risco não era configurável por pessoas comuns, nem sequer por especialistas; a árvore caiu, em conclusão, devido a uma conjugação catastrófica de uma série de factores, todos fora do contrôle da recorrente: a imprevisibilidade própria da natureza, a qualidade do solo, a inclinação da árvore e as condições climatéricas que se fizeram sentir no dia e noite do acidente.
Basta reparar, porém, com um mínimo de atenção nos factos apurados relativamente ao acidente - em especial os factos 3 a 7 e 10 a 13 - para se concluir que a argumentação da ré é de todo improcedente.
Nenhuma dúvida pode subsistir de que a disposição aplicável à situação ajuizada é a do artº 493º, nº 1, por isso que está demonstrado, contra o que a recorrente alega, que a árvore que se abateu sobre a viatura na qual seguia a autora AA lhe pertencia, por estar implantada no prédio rústico identificado no processo de que a ré é dona desde pelo menos 1995. E estabelecendo esta norma uma presunção de culpa que em bom rigor é simultâneamente uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido incumprimento do dever de vigiar, também resulta claramente da matéria de facto apontada que a recorrente não ilidiu tal presunção, o que a faz incorrer em responsabilidade civil pelos danos ocasionados. Não faz sentido a afirmação de que a árvore pertenceria ao Estado porque se encontraria na chamada “zona da estrada nacional”, tal como definida pelo artº 2º do DL 13/71, de 23 de Janeiro. Na verdade, dispondo este preceito, na parte que interessa, que constitui zona da estrada nacional “o terreno por ela ocupado, abrangendo a faixa de rodagem, as bermas e, quando existam, as valetas, passeios, banquetas ou taludes”, e estando provado - factos 4 e 6 - que a árvore estava implantada no terreno pertencente à ré a cerca de três metros do limite do lado direito da faixa de rodagem da EN 118, para quem segue no sentido Benavente-Samora Correia, mal se percebe o alcance e o objectivo desta alegação. De igual modo, não procede o argumento de que o sinistro ficou a dever-se a um conjunto de factores a que a recorrente foi alheia e que não podia controlar, designadamente o mau tempo que na noite do sucedido se fez sentir na zona. Este argumento é em definitivo afastado por aquilo que pode ler-se a dado passo da circunstanciada e a todos os títulos exemplar fundamentação da decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância. Aí escreveu a julgadora o seguinte, depois de analisar criticamente, e em pormenor, toda a prova documental e testemunhal produzida: “Perante tudo o que fica dito, nesta parte - refere-se ao local em que os factos ocorreram, ao estado fito-sanitário da árvore que vitimou a autora AA e ao estado em que se encontrava a propriedade da ré - importa considerar como provado que a árvore em apreço não estava em bom estado biomecânico e fito-sanitário, sendo pesada, com raízes apresentando sinais de degradação e à mostra, sujeita a elevada erosão e com pouca capacidade de fixação ao solo e que por tais motivos se encontrava inclinada para a estrada, vindo a cair pelo seu próprio peso, sem prejuízo de se admitir que a chuva e o vento que se fizeram sentir na noite em apreço possam ter contribuído, por aumentar o peso da mesma e por fazê-la balancear, para a queda da mesma; porém, ainda que possam ter contribuído não foram determinantes, pois se não se verificassem os outros factores a mesma não teria caído, mas podia ter caído sem chuva e vento” (fls 1441). Como bem se observa na sentença, o que os factos permitem concluir - factos 7 e 9 - é que as condições climatéricas potenciaram uma situação de perigo pré existente, mas não foram a causa da queda da árvore; a situação de perigo podia e devia ter sido evitada por uma conduta diligente que a ré não assumiu; a ré, acrescentamos nós, negligenciou censuravelmente o dever de cuidar do seu prédio, ao ponto de permitir que a vegetação, de tão abundante e intensa, invadisse as bermas da estrada, estreitando-as e obrigando os peões a caminhar sobre a faixa de rodagem destinada aos veículos (facto 13), e que uma sua árvore, implantada próximo do limite da faixa de rodagem, corresse o risco de a qualquer momento tombar sobre a estrada, causando danos, como veio a suceder. E o facto, provado, de nada lhe ter sido dito ou recomendado pelas entidades referidas no facto 17) relativamente à limpeza da herdade e abate de árvores ali implantadas não exclui, obviamente, a sua responsabilidade, pois a obrigação de vigilância do proprietário sobre o terreno e de, concretamente, prevenir o perigo criado para terceiros por árvores nele existentes subsiste, intocada, independentemente da acção ou omissão devidas de quaisquer entidades públicas. Nem doutro modo poderia ser. O artº 487º, nº 2, diz-nos que “a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”; e o artº 1305º, que define e “descreve” o direito de propriedade, remete, a nosso ver, para essa figura - a do bom pai de família - ao esclarecer que os vários direitos em que a propriedade se desdobra são exercidos pelo seu titular “dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”. Ora, justamente, qualquer proprietário medianamente diligente, atento, cauteloso e respeitador da esfera jurídica de outrem colocado na posição da ré não se teria alheado e desinteressado do terreno que lhe pertence como a recorrente se desinteressou; não teria permitido, numa palavra, a criação e o desenvolvimento exponencial do perigo que era constituído por uma árvore com o porte, a idade e o peso daquela que vitimou a autora AA, plantada a curta distância da berma em terreno arenoso, com pouca capacidade de fixação de árvores e sujeito a elevada erosão (factos 6 e 7); perigo que, no caso, era patente - a árvore, devido ao seu peso, estava há mais de dez anos inclinada sobre a faixa de rodagem e tinha raízes à mostra - e tão próximo, tão iminente, que ela tombou toda, fracturando-se pela base do tronco, por baixo das raízes situadas acima do nível do solo, onde o seu estado fito-sanitário apresentava sinais de degradação (facto 10). Sem dúvida, pois, que a ré omitiu culposamente o seu dever de vigiar a árvore em causa; e isto porque podia e devia ter agido em tempo oportuno por forma a evitar a ocorrência dos danos ocasionados, eliminando a fonte do perigo mediante a realização de quaisquer diligências que, mantendo a árvore em bom estado de conservação, fossem aptas a evitar a sua queda nos moldes em que esta se consumou, ou procedendo, se necessário, ao seu abate.
Danos morais
A este título, a Relação atribuiu as indemnizações de 320.000 € à autora AA, 80.000 € ao autor BB, seu pai, e 100.000 € à autora CC, sua mãe, sustentando os recorrentes a subida destes valores para, respectivamente, 750.000, 150.00 e 250.000 €.
Conforme já referimos em anteriores acórdãos desta conferência, nomeadamente no de 3/3/09 (Revª 9/09) (1) que aqui seguimos de perto neste ponto, a lei limita-se a dizer que no estabelecimento da indemni­zação o julgador deve atender aos danos não patri­moniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, recorrendo para o efeito a um julgamento segundo a equi­dade (art.º 496º, nºs 1 e 3). É certo que, como também já salientámos inúmeras vezes, deve agir-se cautelosamente neste domínio, sem embargo de estar definitivamente ultrapassado o tempo das indemnizações irrisórias, miserabilistas. E o Supremo Tribunal, sobretudo, tem aqui uma responsabilidade acrescida, dada a função que lhe está cometida de contribuir para a uniformização da jurisprudência. Não é conveniente, por isso, alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos. Há que não perder de vista a realidade económica e social do país. E é vantajoso que o trajecto no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gradual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos semelhantes. Isto porque os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, sendo tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade baseada no primado do direito. No que concerne aos eventos danosos geradores de responsabilidade civil, quantas vezes tragédias pessoais e familiares de incalculável dimensão material e moral - e aí está o caso dos autos a demonstrá-lo exuberantemente, como se vê dos factos concretos apurados - cabe aos tribunais contrariar com firmeza a ideia de que eles podem ser transformados em negócios altamente rendosos para pessoas menos escrupulosas. Ora, a indemnização prevista no artº 496º, nº 1, do CC é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo o entendimento comum dos autores, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “mate­maticamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natu­reza moral (e, nessa exacta medida, insusceptíveis de indemnização) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias referidas no artigo 494º. Os componentes mais importantes do dano não patrimonial, de harmonia com a síntese feita num acordão deste Tribunal de 15.1.02 (Revª 4048/01-2ª)(2) são os seguintes: o dano estético - que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de afirmação social - dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade” - em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o pretium juventutis - que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o pretium doloris - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária. Importa ainda salientar, como já o fizemos em anterior acórdão desta mesma conferência (Revª 1734/07-6ª) (3) , que quando os diversos componentes do dano moral a que acabámos de fazer referência atinjam patamares de gravidade muito elevados não deve recear-se a atribuição duma compensação que exceda o limite máximo da valorização habitualmente atribuída pelo Supremo Tribunal ao dano da morte, que tem oscilado entre os 50 e os 70 mil euros. Isto porque nada obriga a que essa fronteira nunca seja ultrapassada, certo que o artº 496º, nº 1, elege como único critério de aferição a gravidade do dano, con­ceito eminentemente indeterminado que cabe ao tribunal preencher valorativamente caso a caso (4). E se a vida é o bem jurídico mais valioso, devendo valorar-se a sua perda, obviamente, em termos proporcionados a tal importância, a mesma ordem de razões justifica que se conceda a compensação devida àqueles que, não a perdendo embora, por inteira culpa alheia ficam de um momento para o outro, e até ao final dos seus dias, privados da qualidade mínima a que qualquer pessoa, pelos simples facto de o ser, tem pleno direito. Com maior ou menor dificuldade, consoante os casos, a perda da vida é sempre passível de avaliação em concreto para o efeito prático de se atribuir uma indemnização, fazendo-se corresponder a esse dano um certo e determinado valor em concreto – um valor máximo, se nos é lícito exprimir assim. Já a perda da sua qualidade, quando são graves ou muito graves as lesões sofridas no corpo e no espírito do lesado que sobrevive, torna tudo muito mais difícil, delicado e contingente, pois há a noção de que nenhum dinheiro, por muito que seja, é capaz de compensar certas dores físicas e morais irreversíveis.
Na situação em exame torna-se ocioso insistir naquilo que para qualquer pessoa razoável é mais do que evidente: a imensa gravidade dos danos morais infligidos aos autores, muito em especial à autora AA, em consequência do acidente sofrido, qualquer que seja o ângulo de abordagem escolhido para se tentar fazer a sua “medição”. Falam por si, quanto a ela, os factos relatados sob os nºs 34) a 88), e, quanto a seus pais, 134) a 142). Cumpre expressar aqui a nossa concordância com aquilo que a propósito do assunto se escreve no acórdão recorrido – e que com assinalável clareza resume a valorização que deve ser feita dos danos morais sofridos pelos autores (os sublinhados são nossos):
“Se atentarmos no teor da matéria de facto dada como provada, nomeadamente nos seus pontos 35 a 86, 141 e 142, sempre teremos de concluir que dificilmente se pode imaginar uma vida tão sofrida, como aquela que é vivenciada pela 1.ª A e que foi pormenorizadamente retratada e analisada pela Senhora Juíza de 1.ª Instância. A fixação de uma indemnização por danos morais em situações como a descrita é tanto ou mais delicada quanto é certo que esta indem­nização em pouco ou nada poderá ser utilizada para efeitos de minorar a dor da 1.ª A. Por outro lado, no entanto, não atribuir uma indemnização condigna a uma situação como a descrita é desacreditar todo esse sofrimento que se vence a cada momento de vida. Este Tribunal de recurso está ciente da vasta jurisprudência publicada e citada pelas partes no que se reporta à fixação de uma indemnização em casos similares, mas a verdade é que em nenhum dos casos mencionados é expressa uma situação de quase não-vida como aquela que aqui estamos a analisar e que, por tal sorte, sempre terá de ter parâmetros distintos dos ali enunciados. O próprio sentimento de morte desejada manifestado pela 1.ª A. – por impos­sibilidade total de poder viver condignamente -, que se encontra fechada num corpo em que apenas a mente raciocina e sente, torna essa mesma existência num calvário muito mais doloroso, quer para si, quer para os que a rodeiam, situação que tem de ser ponderada como relevante para a fixa­ção de uma indemnização.
.....
....
Da matéria de facto dada como provada resulta que estes pais têm tido um sofrimento que não pode ser contabilizado em termos diários, mas sim, contínuo, sem tréguas, uma vez que assistem impotentes ao sofrimento irreversível de uma filha, na flor da idade, sem que nada possam fazer para o minorar. Esta situação, por si só dolorosa, é agravada pelo facto de se saberem sem alter­nativas para alterar este estado de tormenta e de, legitimamente, se questionarem quem será, no futuro, a prestar o tipo de assistência con­tínua, não só física como psicológica, à 1.ª A. A situação é tanto ou mais dolorosa quanto é certo que a 3.ª A. prescindiu de toda a sua vida pessoal e profissional para se dedicar inteiramente à sua filha, 1.ª A., num esforço titânico que lhe é imposto até pelo simples facto de ter de a mudar de posição de três em três horas, quer seja dia, quer seja noite. Toda esta família ficou disfuncional, como não poderia deixar de ser, perante a vivência desta tragédia. E a esta realidade, em concreto, não pode o Tribunal ficar indiferente.
Tal como foi entendimento da 1.ª Instância, critério que também foi aceite pelos AA., a atribuição de uma indemnização aos pais da 1.ª A. deve ser diferenciada. Não se trata de uma distinta valorização quantitativa da dor, mas sim, de verificar os danos causados por esse sofrimento em cada um dos pais e que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, sempre terá de ser entendido como mais gravosos no que se reporta à 3.ª A. que, há vários anos e sem qualquer pausa, tem acompanhado continuamente a 1.ª A. – veja-se, entre outros, o que resulta dos Pontos 124 a 126, 133 e, muito em par­ticular, os Pontos 134 a 142...”.
Como atrás dissemos, consideramos que o STJ, dado o papel que lhe está cometido de contribuir para a uniformização da jurisprudência, deve agir nesta matéria com particular cautela e atenção, não dando azo a rupturas na interpretação e aplicação da lei onde elas se não justifiquem inteiramente. Em todo o caso, não é possível deixar de prestar a necessária atenção às indicações, ou melhor, aos insistentes reparos surgidos do lado da doutrina nacional, que desde há algum tempo, pela voz de reputados professores de direito civil cuja autoridade é indiscutível, tem censurado a parcimónia com que no seu entender são fixadas as indemnizações por danos não patrimoniais, embora reconheça a existência de sinais positivos de alteração desta tendência. É o caso, por exemplo, do Prof. Menezes Leitão (Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª edição, pág 318, nota 660), e do Prof. António Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português II, Direito das Obrigações, Tomo III, 2010). Este último autor, depois de referir o que designa por “série negra” de arestos que fixaram indemnizações irrisórias (pág. 748), alude a algumas “medidas correctoras” encetadas pelos tribunais e, depois de proceder a uma amostragem daquela que é, na sua óptica, a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal (pág. 754), afirma o seguinte, em conclusão: “É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema, por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras. A vida humana não tem preço. Mas quando haja que avaliá-la para efeitos de compensação, a cifra a reter será (actualmente), da ordem do milhão de euros, majorada ou minorada conforme as circunstâncias. Todos os outros danos são, depois, alinhados abaixo desse valor de topo” (pág. 755). E logo a seguir acrescenta: “Entretanto, há que manter, de modo operacional, as várias parcelas indemnizatórias: supressão do bem vida; danos morais da vítima; danos morais dos familiares referidos no artigo 496º/2, devidamente alargado pela interpretação; danos patrimoniais da vítima; danos patrimoniais dos familiares; lucros ces­santes. Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais como a vida valham menos de 60.000 €” (pág. 755/756).
Dissemos também, por outro lado, que não pode deixar de ser ponderado o que se decidiu em casos anteriores relativamente semelhantes (isto é, com alguns pontos em comum), muito embora aqui deva ter-se em atenção que a decisão segundo a equidade para que a lei remete o julgador implica necessariamente a consideração das particulares circunstâncias da situação concreta a julgar, como também já pusemos em relevo, o que explica (e justifica) alguma inevitável discrepância nos valores arbitrados. Parece-nos necessário, por isso, atendendo à excepcionalidade do caso presente (em razão da magnitude dos danos a valorar), referir alguns ares­tos deste STJ que, entre muitos outros, analisámos e tivemos na devida consideração antes de decidir os montantes indemnizatórios a fixar. Assim (5) :
1) Ac. de 8/3/05 - Revª 4486/04 - 6ª:
- Atendendo a que o Autor era, à data do acidente, um homem saudável com 27 anos de idade e ficou, em consequência do mesmo, na situação de tetraparésia, os danos não patrimoniais a valorar são de muitíssimo elevado grau, nomeadamente porque se a vida humana é o bem supremo, a situação do Autor pode considerar-se uma contínua e diária perda daquele bem, prolongando-se tal calvário por toda a sua vida. Mostra-se, pois, equitativamente adequado fixar em 250.000 € o montante da indemnização destinada a compensar tais danos.
- Considerando que na altura em que se deu o acidente, o Autor exercia a profissão de pedreiro, auferindo a remuneração de 22,45 Euros (Esc. 4.500$00) durante 332 dias ao ano, e ponderando os aumentos das retribuições relativas à profissão que exercia durante o período temporal que mediou entre a data do acidente e o da fixação da indemnização relativa aos danos patrimoniais futuros, justifica-se que o valor desta seja fixado em 300.000 €.
2) Ac. de 29/10/08 - Procº 3380/08 - 5ª:
- A indemnização, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido por cada lesado, as suas dores e o seu sofrimento psicológico.
- Sendo muito graves esses danos, dores em tratamentos hospitalares, em lesões estéticas e do foro íntimo que acompanharão a ofendida em toda a sua vida, ainda mal vivida, com os então 17 anos, como notaram as instâncias e reconhece a própria recorrente, mas se pode mesmo dizer que os mesmos se não conformam com parametrizações, sendo excepcionalmente pesados: lesões e sequelas anatómicas nos tecidos; encurtamento dos membros inferiores com um processo de cura incompleto e imperfeito verificado ao nível dos membros inferiores; lesões e sequelas funcionais, consequência das lesões anatómicas, limitaram a ofendida à mecânica articular dos membros inferiores afectando-lhe de forma violenta o seu estado psíquico, lesões e sequelas estéticas nomeadamente cicatrizes; assi­metrias, coxeadura no membro inferior direito; afectação da beleza e da auto-estima, com o dano estético de 6 numa escala de 7; tristeza, depressão, desespero, apatia, isolamento, lesões extra-corpóreas, com repercussão na sua auto-estima, a alegria de viver e não consegue ainda hoje reconstruir a sua imagem, abandono da formação académica, a interrupção da sua relação com o namorado, nos tratamentos médicos das lesões sofridas e na necessidade de ajuda de terceiros, com IPP de 45%, com 5% de dano futuro; dezenas de cirurgias e dezenas de anestesias gerais; a consolidação médico-legal das lesões mais de 5 anos passados sobre a data do acidente, com internamentos sucessivos, sabendo que ainda terá necessariamente de ser reoperada; quantum doloris de grau 6; deixou de poder descer e subir escadas sozinha, deixou de poder tomar banho sozinha, perda de relacionamento com o seu grupo de amigos, ansiedade e depressão clínica; não merece censura a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).
3) Ac. de 3/3/09 - Revª 9/09 - 6ª:
I - A indemnização por danos futuros deve fixar-se, equitativamente, em 950 mil € se o lesado, médico de 47 anos que à data dos factos ganhava 5 mil € mensais pelo seu trabalho, por causa do acidente sofrido deixou em definitivo de exercer a profis­são e de auferir rendimentos, ficando a padecer de deficiências que lhe conferem uma incapacidade permanente geral de 85%.
II - Na situação referida em I) justifica-se uma indemnização de 150 mil € por danos morais se estiver provado, além de tudo o mais, que o lesado ficou em consequência do acidente imediata e irreversivelmente paraplégico, perdendo todo e qualquer tipo de sensibilidade da cintura para baixo, precisando da ajuda per­manente de terceira pessoa até ao final dos seus dias para se levantar, deitar e sentar na cadeira de rodas, vestir-se e tratar da higiene pessoal, e que se tornou uma pessoa profundamente deprimida, sem alegria e vontade de viver.
4) Ac. de 26/5/09 - Revª 3413/03.2TBVCT.S1 - 1ª:
- É adequado fixar em 170.000€ o valor da indemnização a título de danos futuros e em 200.000€ o da indemnização por danos não patrimoniais, provando-se que, por causa do acidente, ocorrido em Novembro de 2001, o A. (nascido em 06-12-1972), então motorista de pesados (que auferia o vencimento mensal líquido de 415€), ficou, devido às lesões sofridas e às sequelas correspondentes, afectado de uma incapacidade permanente de 100%, necessitando de: usar um par de canadianas como auxiliar de locomoção; submeter-se a consultas periódicas de controle do seu sangue, a intervenções cirúrgicas com anestesia geral, internamentos hospitalares, análises clínicas, exames radiológicos, consultas e tratamentos das especialidades de Urologia e de Cirurgia Vascular, bem como do foro psicológico e psiquiátrico, nomeadamente em relação ao seu estado de impotência sexual; ingerir medicamentos e tomar injecções penianas relacionadas com o seu estado de total impotência sexual; recorrer a tratamentos de fisioterapia dos seus membros inferiores; suportar as despesas com uma terceira pessoa para o desempenho de tarefas pessoais e diárias, tais como cortar as unhas dos pés, locomover-se, tomar banho.
5) Ac. de 29/9/09 - Revª 399/09.3YFLSB - 6ª:
- Tendo o autor, em virtude de acidente de viação ocorrido no ano de 2004, com 17 anos de idade, em que não teve qualquer culpa, ficado acometido de uma paraplegia incompleta - visto depois de estar confinado a uma cadeira de rodas, locomover-se apenas com cana­dianas ou muletas, na esteira de sucessivos e atribulados tratamentos diários de recuperação -, estando impossibilitado de se vestir e tomar banho sem a ajuda de terceiros, ter sofrido e ainda sofrer de dores, deixado de poder exercer a respectiva actividade de talhador de pedras de granito ou mesmo de prover ao seu sustento, tendo ficado privado de exercer a função sexual, com todo o trauma que isso implica no plano psíquico e emotivo, sofrendo acentuadíssimo prejuízo de afirmação social, e na dependência, para alguns actos diários, de terceiros e da administração de fármacos, mergulhado em grande tristeza, amargura e depressão, é de fixar a compensação pelos danos não patrimoniais no montante de € 150.000 (e não em € 125 000 como fixado pela Relação).
6) Ac. de 25/11/09 - Procº 397/03.0GEBNV.S1 - 3ª.
- Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afas­tando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente fria, aguçada, requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito.
- Revertendo ao caso concreto, e considerando que:
O menor ficou paraplégico, sem sensibilidade abaixo da linha intermamilar, fazendo infecções urinárias, respiratórias e dermatológicas e úlcera na região occipital, sendo ven­tilado durante 15 dias; - em consequência do acidente ficou internado mais de 8 meses; - foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, com anestesias gerais e sequente sujeição a programas de reabilitação física; - a incapacidade temporária geral total foi de 765 dias, o que significa que durante os anos completos de 2004 e 2005, esteve impedido de realizar com razoável autonomia as actividades da vida diária, familiar e social, sendo do mesmo período a incapacidade temporária para a actividade ocupacional habitual de estudante; - efectuou 197 deslocações ao Centro de Medicina de Reabilitação entre a data da alta deste e a data da propositura da acção cível enxertada, tendo efectuado outras 82 deslocações ao Hospital no mesmo período; - foi submetido a tratamentos de acupunctura; - padece de quantum doloris de grau 6, numa escala de 7, de dano estético de 5, numa escala de 7 graus; - padece de ausência de controle de esfíncteres, obrigando a uso de fraldas e de bebegel, tendo a necessidade de fazer algaliação de 3 em 3 h, constituindo uma situação irreversível; - tem necessidade de ter vigilância do foro urológico, tomando diariamente dois comprimidos para o funcionamento da bexiga; - ficou na depen­dência de ajudas téc­nicas (cadeira de rodas, ortóteses e botas ortopédicas), médi­cas fisiátricas e medica­mentosas, bem como do apoio de terceira pessoa; - tem a perspectiva de viver numa cadeira de rodas até ao fim dos seus dias; - necessita de fisioterapia e hidroterapia para não agravar o seu estado; - acresce a perda do avô, com quem seguia no veículo embatido, estando encarcerado cerca de 40 m. ao lado do mesmo, já morto, só dele conseguindo falar e chorar a sua morte mais de dois meses transcorridos sobre o acidente, afigura-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 250.000.
7) Ac. de 14/9/010 - Revª 267/06.0TBVCD.P1.S1 - 6ª:
- Provado que, em consequência de acidente de viação, ocorrido em 2003, a 1.ª autora, à data com 36 anos, ficou a padecer de incapacidade total para o exercício da profissão que era por si exercida (...).
- Tendo-se provado que a 1.ª autora sofreu fractura dupla do membro inferior esquerdo, que ficou mais curto, sofreu 7 intervenções cirúrgicas e igual número de internamentos hospitalares, manteve-se acamada no domicílio durante 1 ano e 5 meses, continua em tratamento médico 3 anos após o acidente, necessitou desde a data do sinistro, e continua a necessitar, da ajuda de terceiros para a realização da sua higiene diária, bem como para lhe confeccionarem as refeições, movimenta-se com grande dificuldade e dores e sempre com o recurso a duas canadianas, anda de forma claudicante, tendo o membro operado ficado desfeiado e cheio de cicatrizes; não pode fazer esforços, perdeu a alegria de viver por se sentir uma pessoa inútil, tem dificuldades no relacionamento conjugal e sente-se angustiada pela impossibilidade de cuidar da filha, à data do acidente com 5 meses de idade, bem como pelo futuro da sua outra filha, a 2.ª autora, que teve de abandonar o seu percurso escolar para tratar da mãe e da irmã (...).
- Quanto à 2.ª autora, encontra-se provado que, por força do acidente em causa nos autos, teve de abandonar a frequência do 8.º ano de escolaridade obrigatória, o qual ainda não completou, a fim de efectuar todo o trabalho doméstico do agregado familiar, nomeadamente lavando, vestindo, confeccionando e dando as refeições diárias à mãe e à irmã, à data com 5 meses de idade; daquela necessariamente contínua e, na situação em causa, imprescindível actuação assistencial da 2.ª autora, que teve como consequência a quebra do percurso escolar da mesma, com evidentes reflexos na sua futura inserção pro­fissional, resultou, também, e necessa­riamente, a absoluta privação para aquela, então com 16 anos de idade, da possi­bilidade de distracção e convívio com outros jovens, como é apanágio e constitui comportamento comum da juventude em tais idades, ocorrências estas que, pela sua gravidade, se mostram susceptíveis de enquadramento no preciso âmbito dos danos não patrimoniais, tal como os mesmos são tipificados no art. 496.º, n.º 1, do CC, dado que as apontadas limitações de que sofreu a 2.ª autora têm como causa directa e imediata o acidente de que foi vítima a sua progenitora – arts. 483.º, n.º 1, e 563.º do CC.
- As aludidas privações, que atingiram, quer o desenvolvimento das capacidades educacionais da 2.ª autora, sob o ponto de vista escolar, quer a fruição plena da sua juventude em termos análogos àqueles de que desfruta a generalidade dos menores da sua idade, constituem danos não patrimoniais passíveis de ressarcimento, já que integrativos, estes últimos, do aludido pretium juventude, devendo, quanto ao seu cálculo, fazer-se apego ao critério da equidade – art. 496.º, n.º 3, do CC –, entendendo-se ajustada a sua fixação em € 50.000.
8) 1/3/07 - Revª 4025/06 - 7ª:
- A autora foi submetida a diversos tratamentos, esteve em estado de coma pro­fundo, em risco de vida, e encontra-se paralisada, com dificuldades de fala e per­turbações mentais.
- Em consequência do estado clínico da autora, o autor BB, marido daquela, ficou com a sua vida familiar completamente destruída, deixou de poder ter ocupação de tempos livres, não pode gozar fins-de-semana, nem férias, nem ausentar-se para qualquer lugar mais distante; considera-se adequada, a título de danos não patrimoniais, a verba fixada de 25.000,00 € e, a título de danos patri­moniais, ajustado o montante de 68.992,00 €, como indemnização pelo facto do autor não poder trabalhar normalmente já que tem de dar apoio à sua mulher.
9) Ac. de 16/10/08 - Revª 2477/08 – 2ª:
- A vítima tinha 29 anos de idade, era casada, alegre, cheia de vida, inteli­gente, culta, tra­balhadora, muito activa e estudiosa, dominando cinco línguas e estando a aprender mais uma; os autores tiveram um grande desgosto com a morte da filha, com quem tinham uma forte relação afectiva e regulares contactos, sendo enorme a saudade que têm dela.
- Assim, a título de compensação da perda do direito à vida, fixa-se a quantia de 70.000,00 €, considerando-se adequados os montantes de 40.000,00 € para cada um dos pais da vítima, vindos da 1.ª instância e relativos aos respectivos danos não patrimoniais.

***
Em face do exposto, ponderado tudo o que antecede, decide-se fixar a compen­sação devida por danos morais à autora AA em 400.000 € e à autora CC, sua mãe, em 130.00 , mantendo-se a estabelecida pela Relação para seu pai, o autor BB, de 80.000 €.
Danos Patrimoniais
Relativamente a estes danos os autores questionam as parcelas indemnizatórias fixadas pela Relação quanto aos danos futuros da autora AA decorrentes da sua perda da capacidade de ganho e os relativos à aquisição de bens e serviços necessários ao seu tratamento e acompanhamento, reclamando, em ambos os casos, que a indemnização seja aumentada para 400.000 €; e discutem ainda a indemnização atribuída aos autores BB e CC a título de lucros cessantes pelo encerramento do mini-mer­cado que esta autora explorava, reclamando a sua alteração nos termos que adiante serão explicitados.
a) No que concerne aos danos materiais futuros, derivados da IPP de que o lesado fique a padecer, tem sido constante e uniforme a orientação seguida por este Supremo Tri­bunal (e, designadamente, por esta conferência de juízes) na busca de critérios relati­vamente seguros e objectivos na sua determinação em cada caso con­creto.
Já por diversas vezes nos pronunciámos sobre o método a seguir nesta maté­ria, resu­mindo numas quantas notas os factores atendíveis, segundo a jurispru­dên­cia aqui domi­nante, quando o lesado morre ou fica a padecer duma determinada inca­pa­cidade parcial per­ma­nente. Dissemos então que o pro­blema diz respeito à indemni­zação devida ao lesado pelos danos futu­ros, danos estes a que a lei manda aten­der desde que sejam previ­síveis (art.º 564º, nº 2, do CC). Trata-se duma quanti­ficação difícil de fazer, pois tem que fundar-se em dados sempre con­tin­gen­tes e mutáveis, tais como a idade, o tempo de vida (activa e física) e a evolução do salá­rio do lesado, bem como da taxa de juro. Daí que, como já refe­rimos em inúme­ros acór­dãos deste Supremo Tribunal (cfr. nota 6) a jurisprudência nacional tenha vindo a fazer um grande esforço de clarificação na maté­ria, visando o esta­belecimento de critérios de apre­cia­ção e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a mar­gem de arbí­trio e de sub­jecti­vismo dos magis­trados, por forma a que as decisões, con­ven­cendo as par­tes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior cer­teza na apli­ca­ção do direito e para a redução da litigiosidade a propor­ções mais razoáveis. Assim, assen­tou-se de forma bastante genera­lizada nas seguintes ideias (cfr. os acór­dãos deste Supremo Tribu­nal de 10.2.98 e 25.6.02, na CJ Ano VI, I, 66, e Ano X, II, 128, ambos fazendo um ponto da situação muito com­pleto):
1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendi­mento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equi­dade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso nor­mal das coisas, é razoável;
3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carác­ter auxi­liar, indicativo, não substituindo de modo algum a pon­dera­ção judi­cial com base na equi­dade;
4ª) No caso de morte do lesado, deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemniza­ção a impor­tância que o pró­prio gastaria consigo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferi­dos);
5ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que per­mitirá ao seu beneficiá­rio rentabilizá-la em termos finan­ceiros; logo, haverá que consi­derar esses pro­veitos, introdu­zindo um des­conto no valor achado, sob pena de se verificar um enri­que­cimento sem causa do lesado à custa alheia;
6ª) E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as neces­si­dades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de traba­lhar por vir­tude da reforma (em Portu­gal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensi­velmente 76 anos, e tem tendência para aumen­tar; e a das mulheres che­gou aos oitenta).
Que a orientação uniforme do STJ nesta matéria é a descrita pode ser confirmado, a título de exemplo, pela leitura do recente acórdão de 21/10/010 (Procº 1331/2002.P1.S1) (7) de cujo sumário, na parte que aqui interessa, consta o seguinte:
I - A indemnização a arbitrar como compensação dos danos futuros previsíveis, decorrentes das futuras perdas de rendimento associadas à IPP do lesado, deve corresponder ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida – quantificado, em primeira linha, através das tabelas financeiras a que a jurisprudência recorre, de modo a alcançar um «minus» indemnizatório, a corrigir e adequar às circunstâncias do caso através de juízos de equidade, que permitam a ponderação de variáveis não contidas nas refe­ridas tabelas.
II - Tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação , prudencial e casuística das cir­cunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generali­zadamente vêm sendo adopta­dos, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
No caso presente há que ter em consideração, fundamentalmente, os seguintes factos, relativos à autora AA: a sua idade à data do acidente (19 anos); a tetraplegia irreversível que a atingiu, determinante de incapacidade funcional permanente de 95%, com incapacidade total e permanente para o trabalho; o ter ficado com a sua expectativa de vida encurtada; o vencimento que auferia à data do acidente como funcionária priva­tiva da Câmara Municipal de Benavente - 68.900$00; e o facto de ainda não ter sido apo­sentada, mantendo-se (à data do jul­gamento em 1ª instância - Junho de 2008) funcionária daquela autarquia.
Sopesados estes elementos de facto à luz das precedentes considerações, entende-se que a indemnização arbitrada pela Relação - 200.000 € - deve ser mantida, não se justificando o aumento pretendido pela recorrente.
b) No que toca aos outros danos futuros - respeitantes à aquisição de bens e serviços necessários ao tratamento e acompanhamento da 1ª autora - vistos os factos apurados e, em particular, considerando que, conforme se provou, ela terá de contratar, na falta de seus pais, alguém que lhe preste assistência permanente, num valor anual não inferior a 14.000 € (facto 114), entendemos que a indemnização atribuída pela Relação - 300.000 € - se mostra de igual modo ajustada, por ser con­forme à equidade, nos termos dos artºs 564º, nº 2, e 566º, nº 3, do CC.
c) Arbitrou ainda a Relação aos autores CC e BB uma indemnização consistente numa quantia a apurar ulteriormente pelos danos patrimoniais decorrentes do encerramento do mini mercado explorado pela 3ª autora; logo determinou, todavia, que essa indemnização teria por base a quantia de 1.500 € mensais, contados desde o encerramento daquele estabelecimento até ao momento em que o 2º autor passou a explorar o restaurante.
Os recorrentes insurgem-se contra este último segmento do acórdão recorrido (o que sublinhámos), alegando basicamente que, por nunca ter existido qualquer rela­ção entre a actividade profissional do 1º autor e a exploração do mini-mercado, o dano em causa - perda dos lucros deste estabelecimento - persiste no momento actual, não tendo cessado com a abertura do restaurante que o autor BB explora; e persistirá, dizem, pelo menos até à idade em que, regra geral, os comerciantes deixam a sua actividade pro­fissional (70 anos); daí que, mesmo rele­gando a quantificação do dano para liquidação posterior, a importância da indemnização devesse sempre ser computada até ao dia em que a autora CC completasse 70 anos ou, se falecer antes dessa idade, até à sua morte; todavia, alegam ainda, os factos apurados permitem concluir com segurança que o dano ajuizado, na medida em que teve o seu início em Agosto de 2002, é superior aos 250.000 € reclamados na apelação e nesta revista; por isso, deverá o STJ liquidá-lo no pre­sente acórdão, computando-o nos apontados 250.000 € mediante recurso à equidade e às regras de experiência comum.
Vejamos.
Não há dúvida - tal resulta claramente dos factos provados (124, 125 e 126) - que a ter­ceira autora teve de encerrar em Agosto de 2002 o mini mercado que explorava para prestar assistência à sua filha, passando todo o tempo com ela desde a data da alta. Assim sendo, é inegável a existência de nexo de causalidade adequada entre o acidente que viti­mou a 1ª autora e os prejuízos decorrentes para seus pais do fecho daquele estabele­cimento, justificando-se a concessão a estes duma indemnização a esse título, por força do disposto no artº 495º, nº 2, do CC (8) . E não parece justo, efectivamente, que se calculem tais danos, como decidiu a Relação, somente até à data em que o autor BB passou a explorar o restaurante - data essa que não se apurou qual foi - visto que nenhuma conexão se provou existir entre a sua actividade profissional e a exploração do mini-mercado; esta, na verdade, sempre esteve entregue à autora CC, nunca a seu marido (que trabalhava em Vila Franca de Xira), sendo certo que a deslocação deste para Vila Real a partir de Maio de 2006 (por conseguinte, já após o fecho do mini-mer­cado) teve a ver, unicamente, com a necessidade de melhorar os proventos da sua profis­são em ordem a poder acudir às despesas com os tratamentos da filha de ambos (facto 131). Todavia, isto não significa que possa dar-se razão na totalidade aos recor­rentes, sob pena de se chegar a um montante indemnizatório excessivo e irrazoável, muito afastado do valor equitativo para que a lei aponta em situações desta natureza. Valor equitativo que, diga-se, é aquele a que os autores se acham com efectivo direito, por isso que, na sua tese, o montante reclamado corresponde a menos de 14 anos de encerramento do mini mercado (250.000 €: 18.000 € = 13,8), tendo como pressuposto que a autora CC viverá até aos 55 anos de idade (nasceu em 20/6/61), e não, pelo menos, até aos 70, como teria de ser se coerentemente levassem o seu raciocínio até ao fim (hipótese em que a indem­nização ascenderia a cerca de 525.000 €). Importa, consequentemente, proceder ao cálculo doutra forma, que não conduza a resultado tão desproporcionado. Assim, vamos considerar a existência dum lucro líquido mensal de sensivelmente metade de 1500 €, valor este que se afigura realista, atendendo a que se trata de um pequeno estabele­cimento numa localidade de província pouco populosa. E vamos também computar esse dano a partir do encerramento do estabelecimento até ao final do ano que está a decorrer (Dezembro de 2011). Isto porque, como acima se referiu, se trata de um dano (lucro cessante) do casal dos autores BB e CC, não da filha de ambos; porque o prejuízo (este, sim, da autora AA) consistente na necessidade de contratar uma pessoa a tempo inteiro que lhe preste assistência até ao final dos seus dias já está contemplado na indemnização de 300.000 € por danos futuros a conceder-lhe; e finalmente porque após essa contratação cessará, em princípio, a necessidade da 2ª autora acompanhar a filha em permanência, tornando-se-lhe possível retomar a sua actividade comercial, interrompida em 2002, parecendo razoável supor que o tempo a decorrer até ao final do ano em curso será suficiente para conseguir pessoa devidamente habilitada para o desempenho dessa tarefa (cujo grau de exigência em termos físicos e psicológicos facilmente se adivinha). Deste modo, chega-se a um valor, estimado equitativamente, de 110.000 €, para reparar estes danos.
Limitação da Indemnização - artº 494º do CC
No seu recurso a ré não põe especificamente em questão os valores concretos dos diversos segmentos das indemnizações arbitradas; mas reclama, para o caso de se decidir que deve ser responsabilizada, que a condenação venha a ser “equitativamente reduzida, atentos os seus rendimentos e o seu baixo grau de culpabilidade” (fls 2264).
Nos termos do artº 494º do CC, “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos cau­sados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Como resulta da própria letra da lei, o julgamento previsto neste preceito é um julgamento de equidade, isto é, que tem de tomar em consideração as especificidades do caso concreto. E é um julgamento, por outro lado, que não pode deixar de ter presente o princípio geral de que a indemnização deve ser fixada, em princípio, no montante corres­pondente aos danos. Só excepcionalmente não será assim: por exemplo quando, aten­dendo ao elevado volume dos prejuízos, a reparação integral destes se apresente em concreto claramente desproporcionada, e por isso injusta, face a uma culpa leve do lesante, ou a uma sensível disparidade de situações eco­nómicas entre ele e o lesado.
Só que no caso presente de modo algum se pode dizer que seja muito leve, ou sequer leve a culpa da ré, como com nitidez transparece da qualificação da sua conduta omissiva levada a cabo tanto pelas instâncias como por este Supremo. Foi e é grave a censura ético-jurídica que se dirigiu, como não podia deixar de ser, ao seu comportamento, tendo em conta a continuada e persistente omissão do dever de vigilância que lhe competia exercer sobre a árvore que vitimou a 1ª autora e as trágicas consequências a que essa omissão deu causa, destruindo irremediavelmente o presente e futuro duma jovem de 19 anos e aba­lando gravemente a saúde e bem estar dos seus pais. Além disso, a ré não alegou em tempo oportuno um único facto que permitisse formular um juízo minimamente seguro sobre a sua situação eco­nómica, ou melhor, sobre a eventual fragilidade e precaridade desta, em termos de justificar uma redução maior ou menor da indemnização que viesse a ser condenada a pagar aos lesados. E de nada vale - no sentido de que nada prova de útil - a declaração de rendimentos para efeitos de IRS que em certa fase do processo juntou aos autos (fls 1617), pois que, tratando-se dum documento particular por ela assinado, apenas faz prova plena de que declarou os seus rendimentos sujeitos a tributação no ano a que se refere (2007), devendo esses rendimentos considerar-se provados se não se demonstrar a falsidade da declaração, ou não for determinada a sua correcção (artºs 374º, nº 2, e 376º, nº 2, CC). O documento em questão nada mais prova de concreto, designadamente que a situação económica da ré se esgote nos rendimentos declarados e que não disponha de outro (pouco ou muito) património mobiliário ou imobiliário.

III. Decisão
Nos termos expostos acorda-se em negar a revista da ré e conceder, em parte, a dos autores.
Assim, altera-se o acórdão da Relação pela forma seguinte:
a) Fixa-se a indemnização por danos morais devida à autora AA em 400.000 €;
b) Fixa-se a indemnização por danos morais devida à autora CC em 130.000 €;
c) Fixa-se a indemnização devida aos autores BB e CC pelo encerramento do mini-mercado que esta explorou até Agosto de 2002 em 110.000 €.
Em tudo o mais mantém-se o decidido pelo acórdão recorrido.
A ré suportará as custas do recurso que interpôs.
As custas da revista dos autores ficam a cargo deles e da ré, na proporção de ven­cido, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Supremo Tribunal de Justiça, 2 de Março de 2011

Nuno Cameira (Relator)
Salreta Pereira
Azevedo Ramos
___________________

(1) O texto integral deste acórdão encontra-se em www.stj.pt,
(2) O texto integral deste acórdão encontra-se em www.stj.pt,
(3) O texto integral deste acórdão encontra-se em www.stj.pt
(4) No sentido exposto, cfr. os acórdãos deste STJ de 13.5.04 (Revª 1185/04-2ª) e de 13.11.03 (Revª 2961/03-7ª) .
(5) O texto integral dos nove arestos referenciados encontra-se em www.stj.pt; aqui reproduzimos apenas os pontos sumariados com relevo para o caso presente.
(6) A título de exemplo, citamos os acórdãos proferidos nos recursos de revista, todos da 6ª secção do STJ, de 1283/03, 3011/03, 4282/03, 2897/04, 305/05, 3072/05, 1734/07, 1921/08 e 2932/08, de 27.5.03, 20.11.03, 19.2.04, 19.10.04, 7.4.05, 15.11.05, 5.7.07, 9.9.08 e 21.10.08, cujo relator foi o mesmo do presente, e 1564/03, 3441/03, 207/04 e 298/05, em que o aqui relator interveio como 2º adjunto.)
(7) O texto integral deste acórdão encontra-se em www.stj.pt
(8) Este é também o entendimento expresso por Abrantes Geraldes em Temas da Responsabilidade Civil, II Volume, 2ª edição revista, pág. 18, onde é citado no mesmo sentido, entre outros, o acórdão deste STJ de 16/12/93, publicado na CJSTJ, Tomo III, pág. 182.