Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B2972
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DIREITO AO BOM NOME
LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
Nº do Documento: SJ200303120029722
Data do Acordão: 03/12/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
1. Havendo ofensa (ou ameaça de ofensa) à personalidade humana, admite a lei, alem do mais, haver lugar a responsabilidade civil do agente infractor, caso se verifiquem os pressupostos de tal responsabilidade, designadamente a culpa e a verificação do dano
Apresentando-se o dano como condição essencial da responsabilidade.
Não havendo, pois, responsabilidade civil sem dano.

2. O direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela do direito de personalidade.

3. Sendo a honra um bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português.

4. O nosso Código Civil consagrou a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, limitando-os, porém, àqueles que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Gravidade essa que se deve medir por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, embora estes, resultantes de circunstâncias concretas em que a ofensa se verificou, temperem necessariamente aquele.

5. A inserção absolutamente injustificada (nada podendo justificar o seu carácter não verdadeiro, conhecido da ré) de uma manchete, seguida de notícia desenvolvida numa página do jornal, a descrever o autor, homem público, a desempenhar funções de relevo no Governo do Estado, como estando a ser criminalmente investigado pela prática de um crime de burla ou de corrupção, é, em si mesma, potencialmente lesiva do seu direito à honra e ao bom nome, sendo, assim, susceptível de, em abstracto, gerar obrigação de indemnizar.

6. A liberdade de imprensa, implicando a correspondente liberdade de expressão e criação dos jornalistas, situa-se, de pleno, no campo dos direitos fundamentais (art. 38º da CRP), decorrendo os limites a tal liberdade da lei – fundamental e ordinária – de forma, alem do mais, a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos.

7. É dever fundamental do jornalista respeitar escrupulosamente o rigor e a objectividade da informação, devendo comprovar os factos, ouvir as partes interessadas, constituindo, face ao respectivo código deontológico, falta grave a imputação de factos a alguém sem provas.


8. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de, sob reserva do nº 2 do art. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a liberdade de expressão ser válida não só para as informações consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que contradizem, chocam ou ofendem. Estando, porém, o exercício de tal liberdade sujeito a restrições e sanções.. Reconhecendo o próprio TEDH a existência de uma margem de actuação a cada Estado, nela se atendendo às estatuições internas sobre a honra e o bom nome e, desde logo, ao art. 484º do CC.

9. É exigível que a imprensa, no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que se saibam inexactas, cuja inexactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual se não tenha podido informar convenientemente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:



AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB, “O ....... GLOBAL, EDIÇÃO DE PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS, S.A.” e CC, pedindo:
a) a condenação solidária da 1ª e da 2ª ré no pagamento da quantia de € 60 000, a título de danos não patrimoniais sofridos;
b) a condenação solidária da 2ª e da 3ª ré no pagamento da quantia de € 40 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos;
c) a condenação das rés no pagamento de juros vencidos e vincendos, desde a data da publicação das notícias em apreço.

Alegando, para tanto, e em suma:

No dia 8/2/2002, o jornal O ....... publicou na primeira página uma manchete intitulada “J.... com queixa crime …”, com impressão da fotografia do autor, tendo a Ré BB, na qualidade de jornalista e directora do mesmo periódico, na página 2, na secção de política, redigido e assinado um artigo de desenvolvimento da referida notícia, com utilização, também aí, de fotografia do autor.
Nele fazendo ao autor, então Secretário de Estado da Administração Marítimo-Portuária, imputações falsas quanto à pendência de investigação criminal relativa a factos em relação aos quais o mesmo estaria envolvido.
Sendo aí descrito pela 1ª ré como pessoa desonesta, agente de actos criminosos, não qualificado para ocupar cargos políticos.
Bem sabendo tal ré da falsidade dessas imputações.

A 2ª ré é a proprietária do jornal O ........

No dia 1/3/2002, o mesmo jornal, publicou na 3ª página um artigo intitulado “Irmãos J...... unidos nos portos”, escrito e assinado pela 3ª ré CC, jornalista, apresentado numa caixa do canto superior esquerdo da 1ª página, com o título”AA deu ao irmão DD um estudo de 42 mil contos, através da AIP, sem concurso”.
Tais títulos criam uma suspeita de favorecimento imputável ao autor, que não corresponde ao sentido dos factos descritos no texto.
Sabendo a 3ª ré que assim induzia em erro o leitor comum, gerando uma ideia errada sobre o autor, que, também por isso, se sentiu ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito, enquanto pessoa e titular de cargo político.

Citadas as rés vieram contestar, sustentando a verdade dos factos relatados na notícia de 8/2/2002, os quais revestem interesse público, não existindo por parte da 1ª ré qualquer intenção de ofender o autor na sua honra e bom nome, mas tão só relatar factos que pelo seu interesse público e enquanto jornalista tinha o dever/direito de relatar.
Não tendo a ré apresentado o autor como pessoa corrupta, desonesta, agente de actos criminosos e não qualificada para ocupar cargos políticos.
Desconhecendo a 3ª ré quem foi o responsável pelos títulos da notícia que subscreveu e que foram insertos na 1ª página.
Versando a notícia sobre factos verdadeiros, sem qualquer intenção de insinuar favorecimento de parte do autor em relação ao irmão.
Não tendo, também, o A. alegado efectivos prejuízos, nem estabelecido nexo de causalidade entre os mesmos e o artigo pela 1ª ré escrito.

Replicou o autor, com fundamento no “alegado exercício de um direito” por banda das rés e “em alegadas excepções peremptórias não especificadas separadamente”.
Mantendo a pretensão de condenação das rés nos termos peticionados.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Na sequência da declaração de falência da 2ª ré “O .......”, foi a instância julgada extinta quanto à mesma, por inutilidade superveniente da lide.

Realizado o julgamento foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 997 a 1007, rectificado a fls 1009, junto aos autos consta.

Foi proferida a sentença, na qual, na parcial procedência da acção, foi a ré BB condenada a pagar ao autor a quantia de € 25 000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, contados desde a data de tal decisão. Nela se absolvendo a ré CC do pedido.

Inconformada, veio a ré BB interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, na sua procedência, revogou a sentença de 1ª instância, na parte em que a condenou, também a absolvendo do pedido.

Agora irresignado, veio o autor pedir revista para este STJ, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - A decisão recorrida concedeu provimento ao recurso interposto pela ora Recorrida, revogando a decisão que a havia condenado ao pagamento de uma indemnização no montante de € 25.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data da sentença e até integral pagamento.
2ª - Embora o Tribunal recorrido tenha considerado indubitavelmente verificada a prática de um facto ilícito pela Recorrida que consistiu na publicação de uma notícia falsa sem que tivesse usado da diligência que era exigível no caso concreto para aferir da sua fidedignidade, decidiu que não estava comprovada a existência de danos não patrimoniais na esfera jurídica do Recorrente que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
3ª - Face à matéria de facto dada como provada não pode o ora Recorrente conformar-se com tal decisão.
4ª - Muito embora a decisão recorrida encerre uma irrepreensível análise doutrinária e jurisprudencial da questão da ressarcibilidade do dano decorrente da lesão ilegítima e ilegal dos direitos de personalidade, a verdade é que, quando aferiu da aplicabilidade de tal doutrina ao caso concreto da violação dos direitos de personalidade do Recorrente, o Tribunal “a quo" efectuou uma errada subsunção do Direito aplicável aos factos considerados provados.
5ª - Na verdade, está considerado provado, não tendo nem a ora Recorrida nem o Tribunal recorrido exprimido qualquer juízo de censura face a tal circunstância, que "O Autor sentiu-se ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito (ponto 20) uma vez que, na qualidade de titular de cargo político, foi alvo de imputações falsas de intensa gravidade (ponto 21). As imputações do artigo referido, acompanhadas da imagem do Autor, permitem a identificação imediata da pessoa do Autor como o agente dos factos descritos em tal artigo (ponto 22). A 1ª Ré, no artigo referido, imputa ao Autor, no exercício do cargo político de que era titular, a responsabilidade sobre a falência da .......(ponto 24), A 1ª Ré, através das referidas imputações, descreveu - implicitamente - o Autor como uma pessoa corrupta (ponto 25), desonesta (ponto 26), agente de actos criminosos e não qualificada para ocupar cargos políticos (ponto 27)."
6ª - Os direitos do Autor/Recorrente que foram violados pela actuação ilícita da Ré/Recorrida reconduzem-se à categoria genérica de Direito de Personalidade, sendo que esta categoria de direitos tem assento constitucional, na lei ordinária interna e ainda supranacional.
7ª - De facto, a nossa Constituição erige como fundamento, anterior e superior da legitimação da República soberana que é Portugal, a dignidade da pessoa humana (art. 1°).
8ª - Sendo que no Capítulo da Lei Fundamental reservado aos Direitos, Liberdades e Garantias, a inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas (art. 25°, nº 1) é proclamada imediatamente após a inviolabilidade da vida humana (artº 24°).
9ª - Tal como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira em anotação ao artigo 26° da CRP “o direito ao bom nome e reputação (n. °1) consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação" (sublinhado do recorrente).
10ª- Já ao nível da lei ordinária rege nesta sede o disposto no artº 70° do Código Civil que assegura a tutela legal contra qualquer "ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. "
11ª- Tutela esta também reconhecida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 12°) e pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 8°).
12ª- Ou seja, a tutela da honra, consideração pessoal, dignidade e respeito de uma pessoa é indiscutível e assume particular relevância no que aos direitos de personalidade concerne.
13ª- No cerne da categoria geral de direitos de personalidade, a tutela da honra é erigida como particularmente importante:
"Entre os bens mais preciosos da personalidade moral tutelada no art. 70° CC figura também a honra, enquanto projecção da consciência social do conjunto de valores pessoais de cada indivíduo, desde os emergentes da sua mera pertença ao género humano até aqueloutros que cada indivíduo vai adquirindo através do seu esforço pessoal”.
"O direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela e do direito de personalidade. A honra é um preciosíssimo bem da personalidade. A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas… (sublinhado do recorrente).
14ª- Tal como se pode ler na decisão recorrida a ofensa que o Autor/Recorrente sofreu, e que se encontra sobejamente comprovada nos autos, situa-se ao nível do "sentimento individual de honra própria ­à honra interna".
15ª- Acolhendo a decisão recorrida a distinção doutrinariamente construída entre a honra externa e a honra interna.
16ª- A honra na vertente externa pode ser definida como a consideração de que uma pessoa goza ou merece no seio da comunidade em que se insere e a honra na vertente interna traduz-se no respeito e consideração que cada pessoa tem por si própria.
17ª- Porém, e após constatar que o Autor/Recorrente foi ofendido, lesado na sua honra, o Tribunal recorrido considerou que "ora, ter-se o A./recorrido, sentido ofendido, nada nos diz quanto à dimensão da correspondente turbação ou sofrimento psicológico porventura padecidos, designadamente no que respeita à sua intensidade e persistência.
Poder-se-á ter tratado de um sentimento mais ou menos ligeiro, passageiro, rapidamente ultrapassado.
(. . .)
Ou poderá não ter tal sentimento ultrapassado o que, enquanto homem político, o A., porventura terá de experimentar no âmbito do debate político considerado aceitável, à luz de uma maior exigível tolerância, a que o mesmo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não tem deixado de fazer referência".
18ª- Concluindo o Tribunal "a quo" que não se verificava a existência de danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
19ª- Como bem se compreenderá, e com o devido respeito pelo entendimento vertido pelo Tribunal recorrido, tal posição é totalmente desprovida de sentido atenta a factualidade dada como provada.
20ª- Pois se, tal como se refere na decisão recorrida, não se pode presumir "a partir do facto ilícito, quando ocorra, a verificação dos danos por aquele ocasionados", também não poderia o Tribunal "a quo" presumir, referindo-se sempre hipoteticamente ao sentimento eventualmente vivenciado pelo Autor/Recorrente, que o mesmo foi "passageiro, rapidamente ultrapassado" ou que "poderá não ter tal sentimento ultrapassado o que, enquanto homem político, o A., porventura terá de experimentar no âmbito do debate político considerado aceitável".
21ª- Sendo que o Recorrente não vislumbra, nem a decisão recorrida esclarece, em que facto se baseou para chegar à conclusão transcrita.
22ª- A conclusão a que o Tribunal recorrido chegou está manifestamente em oposição à matéria de facto dada como provada pois que se o Julgador em primeira instância tivesse concluído que o Autor/Recorrente apenas teria experienciado um sentimento "mais ou menos ligeiro, passageiro, rapidamente ultrapassado" teria sido exactamente isso que teria deixado plasmado na decisão de matéria de facto dando como "não provado" o artigo da base instrutória com o nº 9.
23ª- Mas ao considerar-se provado que o ora Recorrente se sentiu "ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito" (facto provado 20) "uma vez que, na qualidade de titular de cargo político, foi alvo de imputações falsas de intensa gravidade" (facto provado 21) está já a reconhecer-se a relevância jurídica de tal sentimento.
24ª- Tal como se pode ler, em anotação ao art. 496° do Código Civil, Pires de Lima e Antunes Varela defendem que "A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de critérios subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). (. . .) Cabe, portanto, ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica. Podem citar-se como possivelmente relevantes a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas (….), a ofensa à honra ou reputação de indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira, etc.
(...).
Os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais (. . .)." (sublinhado do recorrente).
25ª- Ora, se é incontestado que o ora Recorrente se sentiu ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito parece lógico e óbvio que não se tratou se um mero incómodo ou contrariedade (usando as expressões dos Ilustres Professores) o sentimento que foi vivenciado.
26ª- A utilização do conceito de ofensa à honra, consideração pessoal, dignidade e respeito de imediato arreda a possibilidade de se levar a cabo uma qualquer interpretação, como a sufragada pelo Tribunal recorrido, de que o sentimento que o ora Recorrente viveu foi ligeiro e fugaz.
27ª- Sendo de realçar que a decisão recorrida não funda o seu entendimento no facto de o sentimento que atingiu o Recorrente ter sido fruto de "uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada", como referem Pires de Lima e Antunes Varela.
28ª- Da própria natureza e gravidade das imputações falsas em causa se pode, intuitivamente, adivinhar a intensidade e violência da ofensa com que o ora Recorrente se sentiu atingido.
29ª- A notícia publicada na primeira página do jornal "O ......." no dia 8 de Fevereiro de 2002 (ocupando, apenas o título, mais de metade do espaço livre de impressão e acompanhada de fotografia de grandes dimensões do Autor/Recorrente) referia que o ora Recorrente, à data Secretário de Estado da Administração Portuária, estava a ser investigado pelo DIAP pela prática de crimes de burla, corrupção e infidelidade.
30ª- O Autor, ora Recorrente, era (e é) pessoa pública (facto provado 40) que, à data, além de desempenhar o cargo de Secretário de Estado da Administração Portuária, era cabeça de lista do PS pelo círculo de Viseu nas eleições legislativas a realizar no dia 17 de Março de 2002 - cerca de um mês depois da publicação da notícia.
31ª- É facto público e notório que o ora Recorrente tem um longo e imaculado percurso político quer como dirigente partidário, quer como governante, quer como deputado sendo pacífico afirmar que a pior imputação que se pode dirigir a uma pessoa que desempenha cargos públicos (e com visibilidade pública) é a de ser corrupto.
32ª- A autora de tais imputações - a ora Recorrida, é reconhecida jornalista que, por essa razão e por se dedicar ao comentário político, assumiu-se como verdadeira opinion leader, sendo, à data, directora do jornal "O .......".
33ª- Semanário de larga tiragem que se "especializou" em denunciar, sempre com assinalável alarido, alegados escândalos políticos.
34ª- Se é certo que do facto de as imputações dirigidas ao ora Recorrente serem de intensa gravidade e, além do mais, falsas, não se pode concluir, sem mais, que o Recorrente sofreu danos não patrimoniais, é indiscutível que o teor dos factos que lhe são imputados é objectivamente apto a causar-lhe danos não patrimoniais.
35ª- Facto este que conjugado com a constatação de que o Autor/Recorrente se sentiu ofendido e lesado na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito sempre impunha que se tivesse proferido decisão diversa da recorrida.
36ª- Perscrutada a globalidade da matéria de facto é imperioso concluir, precisamente ao invés do que fez o Tribunal recorrido, que os danos sofridos pelo Autor/Recorrente são de intensidade que claramente reclama a intervenção do direito.
37ª- Só deste modo se pode compreender, aliás, que o Recorrente ainda hoje, volvidos quase 6 anos e meio desde a publicação da notícia falsa e desonrosa, continue a pugnar por que se faça justiça e se reconheça a falsidade das imputações que lhe foram publicamente dirigidas.
38ª- Tal como se pode ler no Acórdão desse Alto Tribunal proferido em 27/09/2007 e disponível in www.dgsi.pt:
"1. Ainda que constituindo o direito à liberdade de expressão um pilar essencial do Estado de Direito democrático, o certo é que esse direito não pode ser exercido com ofensa de outros direitos, designadamente o direito ao bom nome e reputação, direito de igual dignidade e idêntica valência normativa.
2. A gravidade do dano deve ser aferida por um padrão objectivo, ainda que sopesando as circunstâncias concretas do caso e, por outro lado, há-de ser de molde a justificar a concessão de uma satisfação de natureza pecuniária ao lesado.
Essa gravidade há-de depender, no caso de notícia publicada através de imprensa, do teor das notícias dadas à estampa, da publicidade que as rodeou e da personalidade e situação social dos visados.
3. Em situações como a presente, na reparação do dano não patrimonial haverá que ponderar a natureza e gravidade do escrito noticiado, reflexo público da notícia em função da sua divulgação, sua consequência para o visado, bem como a sua situação social e a situação económica quer do lesante quer do lesado.” (sublinhado do recorrente).
39ª- O Recorrente considera que a gravidade do dano por si sofrido é de tal objectiva intensidade que imediatamente ressalta a necessidade de tutela jurídica pois, perante os elementos constantes dos autos e a factualidade dada como provada após a realização da audiência de discussão e julgamento, impõe-se a conclusão inevitável e inabalável de que os danos não patrimoniais comprovadamente sofridos pelo ora Recorrente merecem e reclamam a tutela do direito.
40ª- Tal como sublinha Pedro Pais de Vasconcelos "são particularmente gravosas – e merecem especial atenção – as ofensas à honra cometidas através da comunicação social. O impacto que os meios de comunicação de massa – imprensa, rádio e televisão e internet ­têm na sociedade e a credibilidade de que, porventura imerecidamente, beneficiam, agrava brutalmente as lesões causadas. É sabido que a generalidade das pessoas acredita acriticamente no que os jornais, a rádio e principalmente a televisão comunicam e como são ineficazes os desmentidos posteriormente publicados, quase sempre tardios e com impacto insuficiente. As ofensas à honra assim cometidas são extremamente gravosas e dificilmente reparáveis. " (sublinhado do recorrente).
41ª- Aliás, face ao carácter particularmente gravoso da lesão à honra a doutrina jus civilística tem inclusivamente admitido uma pequena entorse ao princípio que rege a atribuição de indemnizações nesta sede ao admitir que a indemnização visa reparar não só os danos sofridos pelo lesado mas também punir o lesante – revestindo a natureza de compensação.
42ª- Ora, a absoluta e manifesta falsidade das imputações que foram dirigidas ao Recorrente, a gravidade intensíssima dos factos (comprovadamente falsos) que foram relatados e o meio por via do qual foram propaladas as ofensas à honra e reputação do Recorrente ­através de um meio de comunicação social (jornal) com larga difusão nacional – permitem concluir com segurança que a ofensa de que mesmo foi alvo merece a tutela do direito nos termos do disposto no nº 1 do art. 496° do Código Civil.
43ª- No que concerne ao concreto quantitativo da indemnização devida ao Recorrente pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da conduta ilícita de autoria da ora Recorrida, considera o mesmo que o montante arbitrado em 1ª Instância foi justo e equitativo.
44ª- O Recorrente foi vilipendiado em praça pública por um meio (notícia publicada em jornal de renome) que inculca, em que teve acesso às imputações que lhe foram dirigidas, a convicção de que o descrito era verdadeiro.
45ª- As referidas imputações falsas inculcaram ainda no leitor do jornal "O ......." a ideia que o Recorrente era pessoa não séria, sem princípios ético-sociais, manifestamente inapto a desempenhar as funções públicas que lhe estavam atribuídas.
46ª- Pelo que a intensidade com que foi atingida a honra do Recorrente provocou-lhe dano de grau elevadíssimo.
47ª- Por outro lado, tendo em atenção o facto gerador do dano e o grau de culpa da Recorrida (elevado) justifica-se plenamente a atribuição ao Recorrente do montante de € 25.000 a título de indemnização.
48ª- Assim, a decisão recorrida, ao revogar a sentença proferida em 1ª Instância violou o disposto nos artigos 70°, 483° e 496°, nº 1 do Código Civil.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.


Vem dado como PROVADO:

1 - O Autor era, à data da publicação do artigo objecto da presente acção, Secretário de Estado da Administração Marítimo-Portuária (A);

2 - No dia 8 de Fevereiro de 2002, no n° 717, o jornal "O ......." publicou na 1ª página, ocupando mais de metade do espaço de impressão, em grande destaque, a seguinte manchete:
"J...... COM QUEIXA CRIME Secretário de Estado da Administração Portuária e Porto de Lisboa investigados pelo Ministério Público. Uma empresa apresentou queixa-crime por ter sido levada à falência e pediu investigação de eventuais burla e corrupção" (B);

3 - Ainda na 1ª página, sob tal discurso, era imprimida a fotografia do Autor (C);

4 - Na página 2, na Secção de Política, a 1ª Ré, na qualidade de jornalista e directora do referido jornal, redigiu e assinou o artigo de desenvolvimento da manchete de 1ª página, cujo título era:
"J...... na mira do DIAP"
e o subtexto:
"AA, secretário de Estado dos Portos, está a ser investigado na sequência de uma queixa-crime apresentada por empresa que opera no Porto de Lisboa" (D).

5 - Igualmente, na 2ª página, foi utilizada a fotografia do Autor, como ilustração do artigo (E);

6 - Do corpo do artigo, extraem-se as seguintes afirmações efectuadas pela 1ª Ré:
"AA, secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária e cabeça de lista do PS por Viseu, bem como os membros da Administração do Porto de Lisboa (APL), estão envolvidos numa investigação criminal que corre no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa.
O processo resulta de uma queixa apresentada por uma empresa de cargas e descargas, a ......., que acusa a APL e o responsável pela tutela, actualmente AA, de terem intencionalmente prejudicado interesses patrimoniais de várias empresas de estiva e de terem provocado, objectivamente, a falência da sociedade, criando, na prática, uma regime de oligopólio que teria beneficiado apenas duas firmas que operam no Porto de Lisboa. A .......acusa AA e os responsáveis da APL de terem cometido o crime de "infidelidade", que depende de queixa do lesado, e pede a investigação de eventuais crimes públicos que poderão ter sido cometidos pelos mesmos responsáveis, entre os quais burla e corrupção.
Contactado pelo ......., o secretário de Estado AA afirma não ter conhecimento de qualquer processo, admitindo que se trate apenas de "um diferendo entre a .......e a APL". (….)
Foram apresentados requerimentos e protestos tanto à APL quanto ao Governo, tendo os empresários feito exposições ao ministro do Equipamento Social e ao secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária. Tudo em vão: o Executivo nunca revogou a circular ilegal, apesar de a situação ter sido detalhadamente explicada e de a sua ilegalidade ser defendida por juristas reputados." (F);

7 - ".......- Sociedade de Cargas e Descargas, Lda.", apresentou queixa-crime no DIAP de Lisboa em cujo teor diz "vem apresentar, nos termos do nº 3 do artigo 224º do Código Penal, queixa ou participação criminal pela perpetração de crimes graves de infidelidade administrativa ou patrimonial, ao que acrescerá a qualificação ou qualificações jurídico-criminais que o competente processo venha a indicar em aplicação do princípio jura novit curia, contra as pessoas - a determinar precisamente nesse processo e ao abrigo do mesmo princípio jurídico - dos titulares dos órgãos que concretamente agiram em nome, em especial, da APL - Administração do Porto de Lisboa, S A, e da Secretaria de Estado da Administração Marítima e Portuária e, em geral, do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território ( ... )" (G);

8 - No dia 1 de Março de 2002, no nº 720, o jornal "O ......." publicou, na 3ª página, um artigo com o título:
“Irmãos J...... unidos nos portos"
e o subtítulo:
“A empresa de DD está a fazer um estudo sobre os portos, tutelados pelo seu irmão AA. O trabalho foi encomendado à AIP por 40 mil contos e sem concurso público" (H);

9 - Tal artigo era apresentado numa caixa do canto superior esquerdo da primeira página, com o título:
"AA deu ao irmão DD um estudo de 42 mil contos através da AIP, sem concurso" (I);

10 - O artigo, constante da página 3, foi escrito e assinado pela jornalista CC, ora referida como 3ª Ré (J);

11 - No artigo da página 3, a 3ª Ré escreveu o seguinte:
"AA, secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária assinou em Fevereiro do ano passado um protocolo de colaboração com a Associação Industrial Portuguesa (AIP) para fazer um estudo sobre portos. Sem qualquer espécie de concurso público. Na sequência desse protocolo, o Instituto Marítimo-Portuário (IMP) celebrou, em Novembro do ano passado, um acordo com AIP em que esta se comprometeu a "promover" a realização de um "estudo prospectivo de articulação do sistema portuário" no valor de 42 mil contos, suportados pelas verbas do PIDDAC. A AIP entregou parte do trabalho à empresa DHV/FBO, de cujo conselho de administração faz parte DD, irmão de AA e secretário de Estado que tutela os portos.
Este caso singular tem mais um pormenor curioso. O acordo entre a AIP e o IMP - a quem a Secretaria de Estado da Administração Marítima e Portuária (SEAMP) delegou funções para celebrar o negócio - foi assinado no dia 26 de Novembro de 2001. Exactamente no mesmo mês, uma publicação da empresa DHV/FBO dizia que estava a elaborar o estudo em questão desde Julho. Quatro meses antes da assinatura do acordo com a AIP e cinco meses depois da assinatura de um protocolo inicial que inaugurou a colaboração entre a Secretaria de Estado de J...... e a AIP.
(. . .)
AA e Rocha de Matos assinam o documento onde se aprova a constituição de um "grupo de trabalho" que está incumbido de apresentar uma proposta para o estudo.
(. .. )
AA disse ao ....... que o seu papel neste negócio termina na assinatura deste documento, do qual "se orgulha", e que caracteriza como "uma grande iniciativa pública de grande alcance feita com a AIP. O Secretário de Estado afirmou ainda ao ....... que "este tipo de iniciativas se repetirão" e que são celebradas com o "objectivo de potenciar a cooperação entre os agentes económicas e o Estado".
(. .. )
O acordo é celebrado entre o IMP "no âmbito do referido protocolo". "A AIP compromete-se a promover a elaboração do estudo" e o IMP informa que "submeterá à consideração do senhor secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária o respectivo relatório final". É também definido o valor a ser pago à AIP em cinco prestações: 42 mil contos acrescidos de IVA à taxa de 17%, suportados por verbas do PIDDAC, afectas ao IMP, para os anos de 2001 e 2002.
Mas AA garantiu ao ....... que este acordo não beneficiou da sua autorização, apesar de exceder o montante para o qual é necessário recorrer a um concurso público.
(. . .)
A AIP garante que todo o processo decorreu com a máxima transparência e que recorreu a especialistas da respectiva área.
(. . .)
A AIP atesta a transparência do negócio e recusa qualquer ligação entre a tutela, de AA, e a participação da DHV/FBO, de DD no estudo"(L);

12 - Não foi apresentada qualquer queixa-crime contra o Autor por burla e corrupção (1°);

13 - Não existe nem existiu, contra o A. qualquer investigação desencadeada por queixa da .......pelos crimes de infidelidade, burla ou corrupção (2º).

14 - O Autor não participou, em momento algum, do processo decisório do concurso para atribuição das concessões referidas no artigo referido em 6 (3°);

15, 16, 17 e 18 - Factos constantes da base instrutória sob os arts 4º, 5º, 6º e 7º, dados como não provados na Relação.

19 - As imputações efectuadas pela lª Ré referidas em 2., 4. e parte de 6. ("AA, secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária e cabeça de lista do PS por Viseu (. . .) estão [está] envolvidos [envolvido] numa investigação criminal que corre no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. (. . .) A .......acusa AA (. . .) de terem [ter] cometido o crime de "infidelidade", que depende de queixa do lesado, e pede a investigação de eventuais crimes públicos que poderão ter sido cometidos pelos mesmos responsáveis, entre os quais burla e corrupção.") não correspondem à verdade (8°);

20- O Autor sentiu-se ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito (9°);

21- Uma vez que, na qualidade de titular de cargo político, foi alvo de imputações falsas de intensa gravidade (10°);

22- As imputações constantes do artigo referido, acompanhadas da imagem do Autor, permitem a identificação imediata da pessoa do Autor como o agente dos actos descritos em tal artigo (11°);

23- Apresentando ao leitor que desconhece a aparência física do Autor, a sua imagem fotográfica (12°);

24 - A 1ª Ré, no artigo referido, imputa ao Autor, no exercício de cargo político de que era titular, a responsabilidade sobre a falência da .......(13°);

25- A 1ª Ré, através das referidas imputações, descreveu - implicitamente - ­o Autor como uma pessoa corrupta (14°);

26- Desonesta (15°);

27- Agente de actos criminosos e não qualificada para ocupar cargos políticos (16°);

28- A 2ª Ré é a proprietária do jornal "0 ......." (17º);

29- A 1ª Ré é a Directora do jornal "0 ......." (18°);

30 – O escrito inserido no jornal “O .......” foi, por coincidência de posições, com conhecimento e sem oposição da directora do jornal (19°);

31- O único sentido possível dos títulos referidos em 8. e 9. é o de que o Autor, no exercício do seu cargo político, favoreceu o irmão DD, atribuindo-lhe um estudo de valor elevado, sem qualquer concurso público (20°);

32 - Enquanto, do teor do artigo, se verifica que não existe qualquer relação entre a Secretaria de Estado da Administração Marítima e Portuária e a empresa DHV/FBO, mas entre aquela e a Associação Industrial Portuguesa, a quem efectivamente foi encomendado um estudo (21°);

33- De acordo com o discurso do artigo, a Associação Industrial Portuguesa recrutou a participação, em regime de outsorcing, de técnicos habitualmente colaboradores da empresa DHV/FBO (22°);

34 - O Autor sentiu-se ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito, enquanto indivíduo e titular de um cargo político (25°);

35 - A 3ª Ré é actualmente jornalista do jornal "O ......." (26°);

36- A 1ª Ré, antes da publicação referida em 2. e 4. a 6., contactou - pelo menos - o Autor e o Dr. João Durão que exercia funções de Administrador na APL (27º);

37 - O Autor não revogou a legislação considerada ilegal e prejudicial pela .......(29°);

38- Ao elaborar a notícia, a 1ª Ré teve como intenção relatar uma situação que mexia com interesses empresariais (31°);

39- A .......deixou, na prática, de operar no Porto de Lisboa em consequência dos condicionalismos impostos pelas Normas Transitórias aprovadas pela APL (32°);

40 - O Autor é uma figura pública (33°);

41- A intenção da publicação da fotografia é ilustrativa (34°);

42- Os títulos, subtítulos e chamada de 1 ° página são, normalmente, uma opção do editor (36°);

43- E decisão de ultima hora (37º);

44- O Instituto Marítimo Portuário acordou com a AIP na realização de um estudo que importou em 42 mil contos, sem concurso público (39°);

45 - O leitor que compra o jornal não se limita a ler os títulos (41°);

46 - Sendo a notícia referida em 11 suficientemente esclarecedora dos contornos do negócio (42°);

47 - A 1ª ré não teve intervenção na elaboração da notifica referida em 11., a qual é da responsabilidade da 3ª ré (44°).


Como é bem sabido, são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e apenas elas, já que outras de conhecimento oficioso não existem, que pelo recorrente nos são colocadas, que cumpre apreciar e decidir.

Bem podendo as mesmas – apesar de tão extensas e pouco conformes ao prescrito na lei, já que não se devem traduzir na repetição mais ou menos aproximada das próprias alegações, mas antes num resumo explícito e claro da fundamentação das questões suscitadas pelo recorrente – resumir-se à seguinte:
Sendo comprovadamente falsas as imputações pela ré/recorrida dirigidas ao recorrente, que com elas se sentiu ofendido e lesado na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito, há necessariamente que concluir que as mesmas são objectivamente aptas a provocar-lhe danos não patrimoniais, com gravidade bastante que mereça a tutela do direito.

Havendo, com efeito, que dar de barato a bondade do a propósito bem fundamentado acórdão recorrido quanto à ilicitude do acto imputado â ré recorrida.
Crendo-se não divergirem agora as partes sobre esta parte da decisão do aresto em crise.
Não tendo sequer a ora recorrida BB requerido a ampliação do objecto do recurso quanto a tal questão, por nela anteriormente ter ficado vencida, bem o podendo, caso agora tivesse discordado de tal entendimento, ter feito ao abrigo do preceituado no art. 684º-A do CPC.
Começando a recorrida por dizer, na sua contra-alegação, que nenhuma censura merece o acórdão recorrido, tendo feito correcta aplicação do direito aos factos provados.

Pelo que dela não iremos agora curar.

Não se discutindo, mais, sem necessidade de análise de repetição de argumentos já esgrimidos pelas partes nas instâncias ou de acrescentamento de outros a propósito também tidos por relevantes, se se verificam in casu os demais pressupostos da responsabilidade civil.
Pois, a divergência das partes estará agora no facto de a 1ª instância ter valorado o dano ao autor causado em termos de o mesmo merecer a tutela do direito, enquanto que a Relação o desvalorizou, colocando-o, por irrelevante (ou melhor, pela falta de prova da sua necessária gravidade) fora de tal tutela.

Podendo, assim, e desde já, sem necessidade de mais, dar-se como verificada a antijuridicidade do comportamento da ré/recorrida, pela, tal como decidido pelas instâncias, violação de um direito absoluto do autor, o seu direito de personalidade, designadamente o seu direito à honra e ao bom nome.

Pertencendo, com efeito, os direitos de personalidade, emanando da própria pessoa cuja protecção visam garantir, aos direitos absolutos, como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros.

É o que resulta, desde logo, do art. 70º, nº 1 do CC que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
E do art. 484º do mesmo diploma legal, que especificamente protege as pessoas contra qualquer ofensa capaz de prejudicar o seu crédito ou o seu bom nome.

Encontrando tal ideia da protecção da pessoa humana, da sua personalidade e dignidade, expressão jurídica em vários preceitos constitucionais, v. g., e designadamente, os arts 1º, 13º, nº 24º, nº 1, 25º e 26º da CRP.

E, havendo ofensa (ou ameaça de ofensa) ilícita à personalidade humana, admite a lei, alem do mais, haver lugar a responsabilidade civil do agente infractor, caso se verifiquem os pressupostos de tal responsabilidade, designadamente a culpa e a verificação do dano – arts 70º, nº 2 e 483º e ss do CC e Menezes Cordeiro, Obrigações, 2º vol., p. 349.
Pressupondo a mesma sempre a existência de um dano – Heinrich Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, p. 257 e ss.

Apresentando-se o dano como condição essencial da responsabilidade.
Pois, na verdade, e como já realçado no Tribunal recorrido, por muito censurável que seja o comportamento do agente, se não houver lesão, não poderá o mesmo ser sujeito à responsabilidade civil – Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, p. 313 e ss.
Não havendo, pois, responsabilidade civil sem dano.
Isto mesmo se encontrando claramente reflectido nos arts 463º, nº 1 e 562º do CC, sendo o dano pressuposto da obrigação de indemnizar fundada, quer na responsabilidade civil extracontratual, ora em causa, quer mesmo na contratual.
Desinteressando-se o direito, na ausência do dano, da conduta ilícita do agente ou dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil, enquanto fonte de obrigação de indemnizar – Ac. do STJ de 19/2/2009, Rev. 3821/08-2º (com o presente colectivo de Juízes).

Sendo, assim, a questão nuclear deste recurso a de saber se se deverá entender, contrariamente ao decidido a propósito na Relação, que se verifica in casu o questionado pressuposto da responsabilidade, o dano (não patrimonial).

Vejamos:

Recordando-se, antes de mais, o a propósito decidido pelo Tribunal recorrido:
Quanto à chamada honra externa, “nada foi alegado, nem, assim, provado, em sede de efectiva perda ou diminuição do bom nome, do prestígio, da reputação e consideração social de que gozasse o A/recorrido.
No que à honra interna daquele, à sua auto-estima, poderá interessar, cabe observar provado estar que o autor “sentiu-se ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito””.

“(…)
Questão sendo a de saber se o dito sentimento de ofensa corresponde a um efectivo dano não patrimonial.

Concede-se estar implícito, naquele, a ideia de alguma “perturbação …”, que, de par com a “perda de paz … e de tranquilidade individuais, Rabindranath Capelo de Sousa genericamente considera corresponderem à normal tradução dos danos sofridos por ofensas directas ao tal sentimento individual de honra própria.
Porém:
O art. 496º, nº 1 do CC restringe a ressarcibilidade dessa sorte de danos, àqueles “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Devendo tal gravidade “… medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.”
Ora o ter-se o A/recorrido sentido ofendido, nada nos diz quanto á dimensão da correspondente turbação ou sofrimento psicológico porventura padecidos, designadamente no que respeita à sua intensidade e persistência.

Poder-se-á ter tratado de um sentimento mais ou menos ligeiro, passageiro, rapidamente ultrapassado.
(…).
Não sendo em qualquer caso de presumir, a partir do facto ilícito, quando ocorra, a verificação de danos por aquele ocasionados.
E, isto posto, não estando verificada a existência de danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, soçobra qualquer pretensão indemnizatória por aquele título formulada pelo A.
Com a necessária improcedência da acção.”


Ora, como é bem sabido e como já consta do acórdão recorrido, os danos não patrimoniais são também indemnizáveis.
Afirmando o art. 496º, nº 1 do CC o direito a indemnização por danos não patrimoniais – tradicionalmente também chamados de danos morais – considerados como aqueles que não são susceptíveis de avaliação pecuniária – Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, p. 487 e Galvão Telles, Direito das Obrigações, p. 366.

Sendo tais danos, prejuízos que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom-nome, não integram o património do lesado e que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma compensação – A. Varela, Das Obrigações, vol. I, p. 661.

Com efeito, a personalidade humana, protegida em geral no art. 70º do CC, constitui um objecto jurídico autónomo e directamente tutelado, havendo nela uma organização somático-psíquica, que “ é composta não só por bens ou elementos constitutivos (v.g. a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções (v.g. a função circulatória e a inteligência), por estados (v.g. a saúde, o prazer e a tranquilidade) e por forças, capacidades e potencialidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.), sendo certo que, da violação da personalidade humana emergem directa e principalmente danos não patrimoniais, ou seja, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual, ideal ou moral que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados, que não exactamente indemnizados, com uma obrigação pecuniária imposta ao agente.
Abrangendo a honra desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que lhe é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância … Em sentido amplo, inclui também o bom nome e a reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político – Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, pags 200, 303, 304 e 458.

Sendo a honra “ … um bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português …” – Maria Paula Andrade, Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome, p. 97.

“O direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela do direito de personalidade.
A honra é um preciosíssimo bem da personalidade. A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas … A perda ou lesão da honra – a desonra – resulta, ao nível pessoal, subjectivo, na perda e no respeito que a pessoa tem por si própria, ao nível social, objectivo, pela perda do respeito e consideração que a comunidade tem pela pessoa.
(…)
É (a honra) um direito inerente à qualidade e à dignidade humana. Mas as pessoas podem perder a honra ou sofrer o seu detrimento em virtude de vicissitudes que tenham como consequência a perda ou a diminuição do respeito e consideração que a pessoa tenha por si própria ou de que goze na sociedade.
As causas de perda ou do detrimento da honra – de desonra – são, em termos muito gerais, acções da autoria da própria pessoa ou que lhe sejam imputadas, e que sejam considerações reprováveis na ordem ética vigente, quer ao nível da própria pessoa, quer ao nível da sociedade” – Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade, p. 76.

Tendo o nosso Código Civil consagrado, também como já dito, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, limitou-os, porém, àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Gravidade esta que, como desde logo ensina A. Varela, se deve medir por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, embora estes, resultantes das circunstâncias concretas em que a ofensa se verificou, temperem necessariamente aquele – Obrigações, vol. I, p. 428 e Ac. do STJ de 13/3/2008 (Mário Mendes), Pº 08A159, in www.dgsi.pt, tal como os demais mencionados sem referência expressa.

Devendo, assim, sopesar-se as circunstâncias concretas do caso, para averiguar se o dano justifica a concessão de uma satisfação de natureza pecuniária ao lesado – Acs do STJ de 3/12/92 (Miranda Gusmão), Bol. 422, p. 365 e de 27/9/2007 (Alberto Sobrinho), Pº 07B2528. Devendo o julgador, no apuramento da gravidade do dano e na sua concretização para efeitos da sua consequente valoração indemnizatória (ou compensatória) interpretar os factos com recurso aos preceitos da lei comum aplicáveis (arts 70º, 484º e 496º do CC).

Sendo a gravidade do dano moral um conceito relativamente indeterminado, que merece um preenchimento valorativo individualizado, caso a caso, sempre por referência ao substrato factual apurado. Porém, ainda que sopesando as circunstâncias do caso concreto, a avaliação da severidade do dano deve ser efectuada, por um lado, à luz de um padrão objectivo – num quadro de exclusão, tanto quanto possível, de subjectividade inerente a alguma específica sensibilidade humana do lesado – e, por outro lado, em função da tutela do direito, devendo, pois, o dano ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação pecuniária ao lesado.

Podendo citar-se como danos não patrimoniais que justificam uma indemnização, entre outros, os resultantes de ofensa à honra ou à reputação de um indivíduo – Vaz Serra, Reparação do dano não patrimonial, Bol. nº 83.

Não justificando tal indemnização os simples incómodos ou contrariedades.

Postas estas breves considerações - e revendo-nos, também, nas demais e a propósito da problemática da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais tecidas na sentença de 1ª instância - vejamos, então, o que a respeito, para alem do restante teor noticioso em causa, da autoria da ré/recorrida, ficou provado:

"J...... COM QUEIXA CRIME secretário de Estado da Administração Portuária e Porto de Lisboa investigado pelo Ministério Público. Uma empresa apresentou queixa-crime por ter sido levada à falência e pediu investigação de eventuais burla e corrupção".
Ainda na 1ª página, sob tal discurso, era imprimida a fotografia do Autor .
Na página 2, na Secção de Política, a 1ª Ré, na qualidade de jornalista e directora do referido jornal, redigiu e assinou o artigo de desenvolvimento da manchete de 1ª página, cujo título era:
"J...... na mira do DIAP"
e o subtexto:
"AA, secretário de Estado dos Portos, está a ser investigado na sequência de uma queixa-crime apresentada por empresa que opera no Porto de Lisboa".
Igualmente, na 2ª página, foi utilizada a fotografia do Autor, como ilustração do artigo.
Extraindo-se, do corpo do artigo, as seguintes afirmações efectuadas pela Ré/recorrida:
"AA, secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária e cabeça de lista do PS por Viseu, bem como os membros da Administração do Porto de Lisboa (APL), estão envolvidos numa investigação criminal que corre no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa.
O processo resulta de uma queixa apresentada por uma empresa de cargas e descargas, a Socargel, que acusa a APL e o responsável pela tutela, actualmente AA, de terem intencionalmente prejudicado interesses patrimoniais de várias empresas de estiva e de terem provocado, objectivamente, a falência da sociedade, criando, na prática, uma regime de oligopólio que teria beneficiado apenas duas firmas que operam no Porto de Lisboa. A .......acusa AA e os responsáveis da APL de terem cometido o crime de "infidelidade", que depende de queixa do lesado, e pede a investigação de eventuais crimes públicos que poderão ter sido cometidos pelos mesmos responsáveis, entre os quais burla e corrupção (o sublinhado é nosso).
Contactado pelo ......., o secretário de Estado AA afirma não ter conhecimento de qualquer processo, admitindo que se trate apenas de "um diferendo entre a .......e a APL". (….)
Foram apresentados requerimentos e protestos tanto à APL quanto ao Governo, tendo os empresários feito exposições ao ministro do Equipamento Social e ao secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária. Tudo em vão: o Executivo nunca revogou a circular ilegal, apesar de a situação ter sido detalhadamente explicada e de a sua ilegalidade ser defendida por juristas reputados."
Não foi apresentada qualquer queixa-crime contra o Autor por burla e corrupção.
Não existe nem existiu, contra o A. qualquer investigação desencadeada por queixa da .......pelos crimes de infidelidade, burla ou corrupção.
O Autor não participou, em momento algum, do processo decisório do concurso para atribuição das concessões referidas no artigo.
Bem sabendo também a ré/recorrida que a queixa-crime referida no artigo não foi apresentada contra o Autor e que os factos descritos na queixa-crime se reportam a um período em que o Autor não era Secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária.
E, ainda, que, ao escrever que o Autor estava a ser investigado pela prática de um crime de burla ou corrupção, não reproduzia ou citava o teor da queixa-crime a que tivera acesso.
Sendo certo que tais imputações não correspondem à verdade.
O Autor sentiu-se ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito, uma vez que, na qualidade de titular de cargo político, foi alvo de imputações falsas de intensa gravidade.
As imputações constantes do artigo referido, acompanhadas da imagem do Autor, permitem a identificação imediata da pessoa do Autor como o agente dos actos descritos em tal artigo.
A Ré/recorrida, no artigo referido, imputa ao Autor, no exercício de cargo político de que era titular, a responsabilidade sobre a falência da Socargel, descrevendo, através das referidas imputações, implicitamente ­o Autor como uma pessoa corrupta, desonesta, agente de actos criminosos e não qualificada para ocupar cargos políticos.
O Autor sentiu-se ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito, enquanto indivíduo e titular de um cargo político.

Ora bem, convenhamos que a matéria de facto apurada a respeito dos eventuais prejuízos causados ao autor é bem parca, sendo grande parte dela meramente conclusiva e como tal desinteressante à decisão da questão de que curamos.
Apenas dela se retendo, de útil, ter-se o autor sentido ofendido, enquanto indivíduo e titular de cargo político, com as imputações que com o escrito da ré/recorrida lhe foram feitas.
Não se podendo também considerar factualmente provado – pois a respectiva conclusão há-de ser, isso sim, retirada dos factos – que o mesmo se sentiu ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito.
Nem que as imputações que lhe foram dirigidas, não verdadeiras, são de intensa gravidade. Já que isso é um juízo de valor que deve ser retirado, também em sede de sentença, das próprias imputações tal como, em si mesmas, são apuradas.
Nem, tão-pouco, que das comprovadas imputações se retire implicitamente a descrição do autor como uma pessoa corrupta, desonesta, agente de actos criminosos e não qualificada para ocupar cargos políticos. Tratando-se, de igual modo, de um juízo de valor, não meramente factual, a extrair e considerar apenas em sede de sentença e não de decisão de matéria de facto.
Impondo-se uma alegação de facto mais circunstanciada e precisa a este respeito e uma mais cuidadosa selecção dos factos, expurgada de conceitos ou de juízos de valor, que, de modo algum, com um mínimo de rigor técnico-jurídico, deveriam ter sido quesitados e também, em qualquer caso, não respondidos.

Mas, enfim …

De qualquer modo, in casu, e salvo o devido respeito pela opinião contrária, das próprias comprovadas imputações já consideradas ilícitas, bem poderá concluir-se serem as mesmas, objectivamente consideradas, ofensivas da honra e do bom nome do autor, que a ré, sem razão, não preservou como devia – cfr., também, Ac. do STJ de 2/3/04 (Ponce Leão), revista nº 43/04 – 6ª secção (sumários internos).
Sendo as mesmas, tal como resultaram escritas e com o realce que lhes foi dado, ofensivas para a dignidade, honra e bom-nome de qualquer homem de normal sensibilidade, como não deixará de ser o autor.

Pois, .......mente até da veracidade ou não veracidade da imputação ao autor feita (no caso em apreço ficou mesmo provado que a notícia, na parte em que ao autor diz respeito, não é verdadeira) e da existência ou não existência de intenção ofensiva, a inserção absolutamente injustificada (nada podendo, desde logo, justificar o seu consabido carácter não verdadeiro), quer da manchete em causa, quer do seu desenvolvimento no jornal, é, em si mesma, e potencialmente, lesiva do direito à honra e ao bom nome do autor, sendo susceptível, logo em abstracto, de gerar obrigação de indemnizar.
Sendo as respectivas imputações – que estava a ser investigado no departamento penal por suspeita de crimes de “infidelidade”, burla e corrupção – em concreto, ofensivas para a personalidade do autor, para a sua honra, dignidade e bom nome, quer como homem comum, que também o é, quer como político.

Havendo, com efeito, que ter como certo que a imputação dos crimes que ao autor são pela ré/recorrida assacados, a propósito da inverídica queixa que contra ele correria termos, têm uma acentuada carga negativa na valoração da personalidade de qualquer pessoa, detentora de valores considerados normais, aos quais necessariamente teremos de atender para aquilatar da gravidade/não gravidade do dano em apreço.
Não estando o político, apesar da sua constante exposição pública e mediática, em regra (e felizmente para nós governados), imune a tais efeitos depreciativos.
Cujo rótulo publicado – o de ser suspeito de actos de corrupção e de burla, além do mais – para mais não verdadeiro, nenhum ser normal, como o será o homem médio – nada apontando para que ao autor no seu perfil não esteja incluído – se importará de ostentar.
Sentindo-se com ele o autor, naturalmente, magoado, ferido na sua honra, no seu bom nome, com gravidade suficiente para merecer a desejada tutela do direito.

Sendo tais imputações, tal como resultaram escritas, sem dúvida graves, protegidas pelos respectivos ditames legais.
Devendo, por isso, ser compensados os correspondentes danos ao autor, por via de tais ofensas, causados.

E nem se diga que o facto de a notícia ofensiva ter sido dada à estampa através da imprensa, sem se poder olvidar a fundamental liberdade que à mesma anda associada e cuja salvaguarda tanto tem sido proclamada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tal como a recorrida faz questão de salientar nas suas doutas contra-alegações, faz mudar o caso de figura.

Com efeito, a liberdade de pensamento, expressão e informação encerra direitos humanos fundamentais que vieram ganhando particular relevância e expansão a partir do final da 2ª Guerra Mundial.
Surgindo tutelados nos arts 18º e 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, vindo a ser reiterados em vários normativos de cariz transnacional, tal como o art. 19º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, com entrada em vigor na nossa ordem jurídica com a Lei 28/78, de 12 de Junho e os arts 9º e 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que Portugal assinou em 22/11/76 e que a Assembleia da República ratificou pela Lei 65/78, de 13 de Outubro, passando a vigorar também entre nós a partir de 2/1/79 – Ac. do STJ de 7/2/2008 (João Bernardo), Pº 07B4403.

Sendo, na realidade, bem sabido que constituem direitos fundamentais dos jornalistas, alem de outros, a liberdade de expressão e de criação, que não está sujeita a impedimentos ou discriminações – arts 6º, al. a) e 7º, nº 1 do Estatuto dos Jornalistas, aprovado pela Lei 1/99, de 13 de Janeiro, aqui aplicável na sua versão primitiva.

Constituindo deveres fundamentais dos jornalistas, .......mente do disposto no seu Código Deontológico, o exercício da sua actividade com respeito pela ética profissional, a informação com rigor e isenção, a abstenção de formular acusações sem provas, o respeito pela presunção de inocência e a não falsificação de situações com intuitos de abusos da boa fé – art. 14º, als a), c) e h) do mesmo diploma legal.

Estando a liberdade de imprensa, implicando a correspondente liberdade de expressão e de criação dos jornalistas, de igual modo, e, em consonância, aliás, com o a respeito consagrado na nossa CRP (art. 38º) – situando-se, de pleno, no campo dos direitos fundamentais (Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, p. 434) - também estatuída na Lei de Imprensa, aprovada pela Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro – arts 1º e 2º, nº 1, al. a).

Decorrendo os limites a tal liberdade da lei – fundamental e ordinária – de forma, alem do mais, a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos – art. 3º do mesmo diploma legal.

E, assim, os jornalistas que infrinjam culposamente os deveres de rigor e de objectividade na informação, são responsáveis pela indemnização ou compensação dos prejuízos daí decorrentes – Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. e vol. cit., p. 289.
Sendo o critério de orientação que resulta da Constituição e da lei ordinária, naturalmente, no sentido de o direito de informar e de ser informado ser limitado pelo direito de integridade moral dos cidadãos, base fundamental de qualquer sociedade politicamente organizada.
Devendo, pois, a informação prestada pelos meios de comunicação social ser verdadeira e rigorosa, à mesma se devendo aplicar os limites legais, e, entre eles, o da salvaguarda do direito ao bom nome e reputação, constitucionalmente também consagrados e que se situam no cerne da ideia da dignidade humana (art. 26º, nº 1).
Tendo, pois, a liberdade de expressão limites, com vista à coexistência de outros direitos fundamentais dos cidadãos, tal como os antes mencionados - Ac. de 27/5/2008 (Salvador da Costa), Pº 08B1478.

Com efeito, a imprensa moderna cumpre uma função pública onde se enquadra a actividade referente à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica e cultural. Ao assim actuar neste campo está a exercer o seu direito, fundamental, de informar e, enquanto tal, goza de garantia jurídico-constitucional.
Mas, já assim não acontecerá quando actua em outros campos, nomeadamente no da notícia meramente sensacionalista.
Não se devendo concluir, neste contexto, que a actividade dos meios de comunicação prevalece em absoluto sobre a tutela da honra das pessoas.
Sendo certo que uma actividade que não caiba na função pública da imprensa, não pode reivindicar-se de uma particular protecção fundada na garantia jurídico-constitucional do direito de informação – Figueiredo Dias, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português, RLJ Ano 115, p. 136 e 137.

Constituindo, ao invés, dever fundamental do jornalista respeitar escrupulosamente o rigor e a objectividade da informação, devendo comprovar os factos, ouvir as partes interessadas, constituindo, face ao respectivo código deontológico, falta grave a imputação de factos a alguém sem provas. Sendo tal rigor e objectividade tanto mais de exigir, quando estejam em causa direitos fundamentais das pessoas em geral.
Pois, como também já dito, constituindo a liberdade de expressão um pilar essencial do Estado de direito democrático, o certo é que o mesmo tem de coexistir no respeito de outros direitos, designadamente do direito ao bom nome e reputação, com igual dignidade e idêntica valência normativa – citado Ac. do STJ 27/9/2007.

Sendo a liberdade de imprensa, com a consequente liberdade de informação e de expressão, uma liberdade responsável, havendo que corresponder, quando atinge ou pode atingir a honra e reputação social de alguém - valores estes também constitucionalmente consagrados (arts 37º e 38º) - ao fim para que é concedida e não ao prosseguimento de quaisquer outros.
Pelo que, o conflito entre os dois direitos constitucionalmente garantidos – o direito à liberdade de informação e o direito à honra e ao bom nome – terá que ser resolvido, nos termos do art. 335º do CC, pela cedência, em caso de direitos iguais ou da mesma espécie, do necessário para que todos igualmente produzam o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
Não podendo o primeiro, em princípio, atentar contra o segundo.
E, sendo os direitos em causa, pelo menos em teoria, de igual hierarquia constitucional, há que procurar “… a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, de forma a atribuir-se a cada um deles a máxima eficácia possível” (Ac. do STJ de 29/10/96 (Aragão Seia), Bol. 460, p. 686), “… em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais” (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 102).
Sendo indiscutível que o direito de liberdade de expressão e de informação não pode, pelo menos em princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, a este direito se podendo sobrepor aquele outro, por exemplo, quando estiver em causa um interesse público de maior valor, devendo sempre a divulgação ser feita de forma a não exceder o necessário e cingir-se à estrita verdade dos factos – Ac. do STJ de 26/2/2004 (Araújo de Barros), Pº 03B3898, com menção de outra jurisprudência a propósito.

Vindo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tal como também sustenta a recorrida, a firmar jurisprudência, entre ela a de Lopes da Silva contra Portugal, de 28/9/2000 (cuja sentença foi vinculativa para Portugal, nos termos do art. 44º, nº 2 da aludida Convenção Europeia dos Direitos do Homem), no sentido de, sob reserva do nº 2 do art. 10º da mesma Convenção, a liberdade de expressão ser válida não só para as “informações” consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que contradizem, chocam ou ofendem. Assim o querendo o pluralismo, o espírito de abertura e a tolerância, sem os quais não há sociedade democrática. Estando o exercício de tal liberdade, como estabelece o citado art. 10º, sujeito a formalidades, restrições e sanções que se devem interpretar estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. E, se a imprensa não deve ultrapassar os limites fixados, em particular, em vista da “protecção e reputação de outrem”, incumbe-lhe, no entanto, comunicar informações sobre questões políticas e outros temas de interesse geral, devendo reconhecer-se que “a liberdade jornalística compreende também o possível recurso a uma determinada dose de exagero, mesmo de provocação”.
“Uma ingerência [no direito à liberdade de expressão] é contrária à convenção quando não respeita as exigências previstas no nº 2 do art. 10º. É pois necessário averiguar se estava prevista na lei, se visava um ou vários interesses legítimos previstos neste número e se era necessária numa sociedade democrática” – acórdão do TEDH de 29/11/05, que agora temos vindo a seguir de perto.

Assumindo, porem, intensa relevância os casos em que se justifica uma tal ingerência restritiva.
Bastando, para tal, atentar no próprio texto do citado art. 10º, nº 2 e ponderar que o TEDH – depois de aludir às informações exactas e à deontologia jornalística – reconhece e respeita a existência de uma margem de actuação a cada Estado, nele se atendendo às estatuições internas sobre a honra e o bom nome e, desde logo, ao art. 484º do CC – citado Ac. do STJ de 7/2/2008.

Sendo, ainda, de notar que são, em regra, particularmente gravosas – e merecedoras de particular atenção - as ofensas à honra cometidas pela comunicação social, o também chamado quarto poder. Sendo grande o impacto que têm na sociedade, dada a credibilidade de que ainda beneficiam. Sendo, também em regra, ineficazes os desmentidos posteriormente publicados, merecedores, em geral, de muito menor destaque do que a notícia não verdadeira ou desconforme com a realidade das coisas.
Sendo extremamente gravosas e dificilmente reparáveis as ofensas cometidas através da imprensa, veiculadas, desde logo, pelas manchetes tantas vezes utilizadas – e como in casu sucedeu – a grande número de pessoas que, tantas vezes com gosto, as absorveu e, por sua vez, a outras as transmitiu.
Exigindo-se, como acentua Figueiredo Dias, in estudo citado, que a imprensa “no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja inexactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha pódio informar-se convenientemente “ – Ac. do STJ de 30/9/2008 (Fonseca Ramos), Pº 08A2452.

Apetecendo também citar Frei Bento Domingues (frade franciscano, de consabida sabedoria): “O problema da liberdade é também o problema do seu uso. É esse jogo de pesos e contrapesos que estabelece o clima de bom senso” – in “Expresso” (semanário), de 28 de Fevereiro de 2009.

Concluindo-se, face a todo o exposto, pela gravidade das ofensas em causa, vejamos, agora, para finalizar, o que dizer sobre a compensação a arbitrar ao autor/recorrente.

Devendo o montante da indemnização ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade da lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc – art. 496º, nº 3 do mesmo diploma legal.

Mandando a lei que se fixe a indemnização de forma equita­tiva - desde logo por ser difícil se não muitas vezes impossí­vel a prova do montante de tais danos - quer a mesma afastar a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização (Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 1, p. 491 e seg.).

Salientando, a propósito, o Prof. A. Varela:
"O facto de a lei através da remissão feita no art. 496°, nº 3 para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer á culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão.
Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório " - Das Obrigações em Geral, 1, p. 607 e segs.

Não se devendo confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir "a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei", devendo o julgador "ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida. "- Ac. do STJ de 10/2/98, CJ S. T. 1, p. 65 e P. Lima e A. Varela, CCAnotado, Vol. 1, p. 501.

Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do nosso STJ, em matéria de danos não patrimoniais (sobretudo em matéria de acidentes de viação) tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um le­nitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser mise­rabilista. Devendo, para responder actualizadamente ao comando do art. 496°, constituir uma efectiva possibilidade compensatória, devendo ser significativa, desse modo viabili­zando uma compensação para os danos suportados.

Havendo, ainda, que atentar à data em que a ofensa foi perpetrada (8/2/2002) e que o autor, na qualidade de homem político, detentor de cargo público a tal qualidade inerente, com maior exposição mediática que o comum das pessoas, normalmente com gabinete de imprensa que, por regra, mais potenciará a sua “aparição” pública, em regra para veicular as respectivas políticas governamentais e para elas procurar desejáveis consensos da população, estará, por assim dizer, e releve-se a vulgaridade do termo, mais a “jeito” de notícias deste tipo, propiciadoras de fáceis e tantas vezes despropositadas manchetes.
Sendo, naturalmente, quanto a elas mais tolerante, e menos vulnerável aos seus efeitos danosos (tanto mais que danos “externos” não se apuraram, nenhum percalço político, por via delas, se vislumbrando) do que o cidadão comum.

Assentes os princípios a ter em conta na resolução da questão em apreço, urge, então, encontrar a justa reparação para o dano não patrimonial sofrido pelo A.
Para a mesmo pedindo este a quantia de € 60 000.
Tendo a 1ª instância, agora com a concordância do recorrente, a fixado em € 25.000.

Afigurando-se-nos aqui, como mais adequada para a compensação do dano em apreço, por tudo o atrás exposto, desconhecendo-se, ainda, a situação económica das partes, a quantia de € 15 000.

Vencendo tal quantia juros de mora a partir do trânsito desta decisão (actualizadora) – acórdão uniformizador de jurisprudência deste STJ de 9/5/2002 e de 5/2/09 (Serra Baptista), bem como Calvão da Silva, RLJ Ano 134º, p. 124 e ss.

*

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se conceder parcial revista e, na revogação do acórdão recorrido, ficará a subsistir a sentença de 1ª instância, com excepção do montante arbitrado, que se reduz para € 15 000 (quinze mil euros). Sendo os juros de mora devidos a partir do trânsito desta decisão.
Custas por recorrente e recorrida, na proporção dos seus decaimentos.


Lisboa, 12 de Março de 2009

Serra Baptista (Relator)
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria