Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | RODRIGUES DA COSTA | ||
Descritores: | RECURSO EXTRAORDINÁRIO REVISÃO DE SENTENÇA INCONCIABILIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ200607060023195 | ||
Data do Acordão: | 07/06/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISÃO DE SENTENÇA | ||
Decisão: | NÃO AUTORIZADA A REVISÃO | ||
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Sumário : | Um dos fundamentos da designada revisão pro reo e que diz respeito à revisão da sentença condenatória é a que tem por base a inconciliabilidade dos factos dados como provados nessa decisão com os dados como provados noutra, daí devendo resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou seja, dúvidas tão sérias, que se ponha fundadamente o problema de o condenado poder vir a ser absolvido, embora se não ponha necessariamente o problema da sua inocência. Não ocorre essa inconciliabilidade se os factos dados como provados em ambas as decisões não se excluírem mutuamente. As divergências que possa haver entre os factos dados como provados numa e noutra decisão só são fundamento de revisão se tornarem ambas as decisões incompatíveis e puderem gerara graves dúvidas sobre a justiça da condenação. * Sumário elaborado pelo relator | ||
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO 1. AA interpôs recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido no âmbito do processo comum colectivo do Tribunal de Vila do Conde, (…..TAVCD), que condenou o recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, do artigo 21.º, n.º1, n.º 1 do DL 15/93, de 22/1, e por um crime, em concurso real com aquele, de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 275.º do Código Penal (CP), nas penas, respectivamente de 10 (dez) anos de prisão e 9 (nove) meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 10 anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. Concluiu assim a motivação de recurso: 1 - A defesa interpõe o presente recurso, que é de revisão, por entender que existem duas decisões contraditórias entre si – Processo n° ……TAVCO, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila do Conde e Processo n.º ……TAVNF, que correu termos no 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Vil Nova de Famalicão; 2 - No mesmo dia, à mesma hora, e relativamente aos mesmos arguidos são dados como provados factos contrários/contraditórios entre si. 3 - Se por um lado, diz-se que a arguida BB comprou 100 gramas de heroína ao arguido AA, noutro acórdão dá-se como provado que a referida arguida comprou heroína a outro arguido, nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar. 4 - A prova testemunhal tem vindo a ser encarada como um meio particularmente frágil de prova, porquanto o ser humano é dotado de subjectividade, assim sendo, somos do entendimento que deverão ser reinquiridas as testemunhas CC, DD, EE, todos os inspectores da Policia Judiciária – nos termos do disposto no artigo 453.° do CP.P. e intervenientes em ambas as situações. 5 - Deveria ter sido valorado o relatório do exame feito à viatura Opel Corsa, e no qual não constam as impressões digitais do aqui requerente, sendo certo que outra pessoa referiu ser a efectiva proprietária do veiculo em causa. 6 - Produzida, examinada a prova que se entende ver renovada, entende a defesa que deverá ser proferido acórdão absolutório. 7 - Caso assim não se entenda, poderá o arguido ver a sua pena reduzida sobremaneira. 8 - Assim, e porque nos restam dúvidas acerca da justiça da condenação, interpõe-se o presente recurso. Juntou cópias das decisões que pretende serem inconciliáveis. 3. O recurso foi admitido, tendo o Ministério Público junto do juízo da condenação oferecido a sua resposta, na qual concluiu «deverem considerar-se inverificados os requisitos legais de admissibilidade do recurso extraordinário de revisão e, em consequência, ser denegada a revisão pedida». 4. Na informação a que alude o art. 454.º do CPP, o juiz do processo entendeu igualmente que não se verificavam os respectivos pressupostos, ou seja, «os factos que serviram de fundamento à condenação (…) não são inconciliáveis com os dados como provados no acórdão proferido no Processo Comum Colectivo n.º ……TAVNF, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, onde foi decidido condenar o arguido FF.» Por outro lado, confrontados os dois acórdãos, verifica-se que as condenações se basearam noutros factos e que se «reportam a outras e mais elevadas quantidades de droga» que foram apreendidas aos arguidos. 5. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público emitiu parecer em que expendeu a ideia de que vindo a inconciliabilidade de decisões a traduzir-se numa inconciliabilidade de factos, estes são diversos nos dois processos e não se excluem, sendo, pelo contrário, compatíveis entre si e ainda que «nalgum ponto se não ajustassem por completo, daí não resultariam dúvidas (e muito menos graves) quanto à justiça da condenação. Daí que, entendendo não ocorrer fundamento legal, nomeadamente o da alínea c) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, sustente que a revisão deve ser denegada. 6. Colhidos os vistos nos termos do art. 455.º do CPP, o processo veio para conferência para decisão. II. FUNDAMENTAÇÃO 7. Factos em que assentou a decisão condenatória: 1. Desde Janeiro de 2001, pelo menos, e até à data da sua detenção, em 14 de Agosto de 2001, que o arguido AA se dedicou à compra e venda de estupefacientes, designadamente de heroína; 2. Morou, e até Junho de 2001, juntamente com a arguida GG, com quem é casado segundo a lei cigana, numa moradia sita na Av….., em S. …..- Trofa; 3. No dia 16 de Maio de 2001 foi detida pela Policia Judiciária BB e seu irmão HH, imediatamente após se terem dirigido a casa dos arguidos AA e GG, onde adquiriram ao primeiro 103,340 gramas de heroína, com o peso líquido de 99,210 gramas, por preço não concretamente apurado; 4. Em Junho de 2001 o arguido AA e a arguida GG mudaram-se para uma casa sita em ……..- Vila do Conde; 5. No dia 16 de Julho de 2001 a Policia Judiciária deteve II e JJ no momento em que o primeiro entregava ao segundo cerca de 31,430 gramas de heroína, com o peso líquido de 29,380 gramas, que momentos antes havia recebido de LL, heroína que foi adquirida por aquele LL ao arguido AA na residência deste sita em……, Vila do Conde, por quantia não concretamente apurada; 6. No dia 14 de Agosto de 2001, pelas 14h50m, o arguido AA dirigiu-se, no veículo Fiat Punto, branco, de matricula …..-…..-…., na companhia da arguida GG, a uma habitação com o nº ….. de polícia, situada na Travessa da……, Póvoa de Varzim, pertença de MM, onde se encontrava o arguido NN e mulher, que para ali se dirigiram na viatura de marca Fiat Ducano, de cor branco, matricula……; 7. Após a sua saída, cerca das 18h, elementos da Polícia Judiciária seguiram e interceptaram o arguido NN encontrando na sua posse: - um revólver Taurus de calibre 38 Smith & Wesson Special; - a quantia de 100.000$00; - a quantia de 262.000 Pesetas; - um cordão em metal amarelo com malha batida e medalha em forma de ferradura com esfinge de cavalo; - um telemóvel da marca Motorola, T2228, como Imei…….; 8. E pelas 19h30m do mesmo dia foi efectuada uma busca domiciliária à residência do arguido NN, no decurso da qual foram apreendidos: - a importância de 1.200.000$00; - a importância de 654.000 Pesetas; - pistola Sites Resolver M380, calibre 380 ACP; - pistola CZ, modelo CZ 83, calibre 7,65 mm; - pistola FN-Browning, modelo MK-III, calibre 9 mm; - revolver de alarme da marca ME, modelo 38 Magnum, calibre 6 mm; - uma balança digital da marca Maul com resíduos de heroína; - vários telemóveis: um “Nokia”, modelo 3210, com Imei ……com cartão da operadora “Movistar”, um “Motorola” modelo T2288, com o Imei….., um telemôvel “Motorola” modelo T2288, com o Imei….., um “Motorola” modelo T2288, com cartão TMN, e um telemóvel Eriksson modelo Tios, com o Imei ……com cartão da operadora “Ajrtel”. - objectos vários; 9. Os arguidos AA e GG foram interceptados no mesmo dia 14 de Agosto de 2001 por elementos da Polícia Judiciária que procederam a uma busca à residência por eles ocupada em…….., Vila do Conde, e no decurso da qual foram apreendidos: - um tabuleiro e moinho com resíduos de heroína; - um macaco hidráulico e duas barras de ferro, objectos estes habitualmente utilizados pelos traficantes para prensarem produto estupefaciente; - artefactos vários - sacas plásticas transparentes e fitas adesivas largas - habitualmente utilizados para o acondicionamento do produto estupefaciente; - uma pistola da marca Star, calibre 6,35, adaptada; - uma espingarda caçadeira Shot-gun da marca Luigi Franchi, calibre 12 mm; - uma carabina monotiro; - várias munições de calibre 12 mm; - a quantia de 250.000$00; - vários documentos e papéis; - objectos em ouro amarelo: um cordão com “cara de cristo”, quatro anéis; 10. Por ocasião da mesma busca domiciliária foi apreendida a nota de 5.000$00 junta a fls. ……dos autos que, submetida ao competente exame laboratorial efectuado pelo LPC da Polícia Judiciária, revelou ser falsa tratando-se de uma reprodução electrofotográfica policromática como consta do exame nº …….- P junto a fls…….; 11. A nota de 5.000$00 apreendida havia sido obtida pelo arguido AA de forma não concretamente apurada; 12. Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar foi também efectuada uma busca à carteira pessoal da arguida GG tendo-lhe sido encontrados e apreendidos os seguintes artigos: - quatro pulseiras de vários tamanhos e feitios, em metal amarelo; - uma pulseira com relógio incorporado, em metal amarelo; - onze anéis de vários tamanhos e feitios em metal amarelo; - cinco voltas/cordões, em metal amarelo; - cinco voltas/cordões em metal amarela, tendo três deles berloques; - duas medalhas, com libra incorporada, tudo em metal amarelo; - um crucifixo em metal amarelo; - um berloque reproduzindo a cara de um cavalo, em metal amarelo; - três chaves de veículo automóvel; - um cartão Visa Electron, do Banco Pinto & Sotto Mayor, em nome de Francisco Santos; - vários cartões da Telecel com números manuscritos, - vários papéis; 13. E na posse de OO e de PP, filhos do arguido AA foram ainda encontrados e apreendidos, respectivamente: - um cordão em metal amarelo; - uma pulseira em metal amarelo; - quatro anéis de vários tamanhos e feitios em metal amarelo; - um telemóvel de marca “Nokia” mod. 3210, com o Imei …….. de cor lilás; - dois anéis em metal amarelo, com moeda incrustada, também em metal amarelo; 14. Ainda no referido dia 14 de Agosto de 2001, elementos da Polícia Judiciária procederam à apreensão da viatura da marca Opel, modelo Corsa, de cor cinzenta, matrícula ….-…-…, propriedade de AA e pelo mesmo usada regularmente no transporte e comercialização de estupefacientes, onde foram encontrados os seguintes objectos: - uma Prensa hidráulica, da marca Mega de 10 toneladas, modelo KSC-10 A, de cor vermelha e respectivas peças metálicas; - 5,354 Kg de heroína que se encontrava numa bolsa vermelha própria para senhora e de um saco azul; - aproximadamente 300 gramas de Piracetam (produto de “corte”); - uma balança digital da marca Tanita; - um moinho da marca Braun; - artefactos vários utilizados no manuseamento / acondicionamento / tratamento de produto estupefacientes tais como colheres, espátula, fica, tesoura, tudo com resíduos de heroína, e várias sacas plásticas transparentes; - 19 rolos de fita adesiva; 15. O produto acima referido encontrava-se acondicionado em vários sacos de plástico que tinham respectivamente o peso bruto em gramas de 53,094; 53,384; 53,090; 53,552; 53,350; 53,442; 104,068; 8,120; 8,000; 8,040; 8,018; 7,962; 136,284; 305,527;1598,760, 1055,690 e 2121,590, e foi submetido a exame pelo L.P.C. da P.J. juntamente com uma faca, quatro colheres, uma espátula, uma tesoura, um moinho, duas balanças e duas escovas de dentes apreendidas, revelando o produto ser heroína, substância que também foi encontrada nos referidos objectos; 16. A prensa, a balança e o moinho eram utilizados pelo arguido AA na preparação e doseamento da heroína; os sacos de plástico e as fitas adesivas eram utilizados pelos mesmos arguidos no acondicionamento dos estupefacientes, e os 5,2 Kg de heroína apreendidos destinavam-se a ser vendidos a vários clientes que fariam chegar o produto ao consumidor final; 17. No dia 14 de Setembro de 2001, nas instalações da Oficina de reparações de automóveis denominada “Auto Hora H”, sita em S……., Trofa, elementos da Policia Judiciária procederam à apreensão do veículo da marca BMW, modelo 525, TDS, propriedade de AA; 18. Os telemóveis apreendidos ao arguido AA foram por ele utilizados nos contactos estabelecidos para a compra, venda e transporte de estupefacientes; 19. As quantias monetárias apreendidas ao arguido AA são provenientes do tráfico de estupefacientes; 20. Os arguidos AA e NN agiram de forma livre, voluntária e consciente; 21. O arguido AA conhecia as qualidades estupefacientes dos produtos que comprava e vendia; 22. Procurou obter, como obteve, avultados lucros sabendo que, atentas as quantidades de estupefacientes transaccionadas, eram distribuídos por um grande número de pessoas; 23. Os arguidos AA e NN sabiam que não possuíam licença para o uso e detenção das armas que lhes foram apreendidas; 24. Actuaram conscientes de que as suas condutas são proibidas e punidas por lei; 25. Nada consta dos CRC.s dos arguidos; 26. Os arguidos AA e GG, pessoas de etnia cigana, são de humilde condição social, sendo feirantes. 8. Factos relativos ao processo n.º ……TAVNF, de Vila Nova de Famalicão. 8. 1. Factos provados: De relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto: 1.°) Desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos desde o início do ano de 2001 e até à sua detenção, ocorrida em 5 de Março de 2002, o arguido QQ, também conhecido pela alcunha de "Tone", dedicou-se com regularidade à venda lucrativa de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, o que vinha fazendo em vários locais da zona norte do país, nomeadamente nas áreas das comarcas de Vila Nova de Famalicão, Santo Tirso e Vila do Conde. 2.°) No âmbito de tal actividade, o arguido QQ abastecia-se de heroína e cocaína habitualmente junto de indivíduos residentes cm Espanha, a quem encomendava as quantidades por si pretendidas, promovendo o respectivo transporte para Portugal e aqui a recebendo através de outros indivíduos que funcionavam como "correios", nomeadamente RR (também conhecido pela alcunha de "Minhoto"), SS, TT e UU, cujas actuações foram objecto de procedimento criminal em separado. 3.º) O arguido QQ procedia depois à venda de tal heroína, a troco de quantias em dinheiro, sempre a preço superior àquele que havia investido na respectiva aquisição. 4.°) Durante o período de tempo referido, o arguido QQ vendeu heroína e cocaína, além de outras pessoas, a VV (conhecido também pela alcunha de "Sérgio do Mindelo"), XX (conhecido também pela alcunha de "'Toni Cigano"), BB e ZZ, que por seu turno a destinavam a ser cedida lucrativamente a terceiros e cujas condutas foram objecto de procedimento criminal autónomo. 5.º) O arguido AAA, desde pelo menos o início de 2001 e até à detenção do arguido QQ, seu irmão, colaborou com este na sua descrita actividade de tráfico de substâncias estupefacientes. 6.º) No âmbito de tal actividade, o arguido AAA por diversas vezes acompanhou o arguido QQ nos contactos mantidos com os respectivos fornecedores de estupefacientes, bem como procedeu a entregas de produtos de tal natureza aos indivíduos que os compravam ao arguido QQ. 7.º) No dia 14 ele Fevereiro de 2001, cerca das 18 Horas e 35 minutos, o arguido QQ recebeu na sua casa, sita na Rua de……, n.°…., em …… Vila do Conde, o referido VV ("Sérgio do Mindelo"). 8.º) Nesse local, o arguido QQ entregou aoVV, a troco do pagamento do respectivo preço, uma embalagem em plástico contendo heroína, com o peso líquido de 99,400 gramas. 9.°) Tendo saído de casa do arguido QQ pelas 18 horas e 45 minutos, foi o VV abordado por elementos da Polícia Judiciária, sendo encontrada na sua posse a referida heroína, o que fundamentou a sua detenção no âmbito do inquérito n.° …….OJAPRT) da Procuradoria da República de Vila do Conde. 10º) No dia 5 de Abril de 2001, na sequência de contactos previamente mantidos, o referido XX ("Toni Cigano") encomendou ao arguido QQ dois quilos de heroína, que este acedeu em lhe fornecer, acordando desde logo que a entrega de tal produto seria feita junto ao Hospital de São João, no Porto. 11.°) Para o efeito, o arguido QQ solicitou ao arguido José que o transportasse a si e à heroína que iria ser entregue ao XX até àquele local, ao que o mesmo acedeu. 12.°) Assim, nesse dia 5 de Abril de 2001, o arguido AAA, conduzindo o seu veículo automóvel de matrícula n.° …-…-…, de marca "Mercedes Benz", transportou até junto do Hospital de São ……o arguido QQ, levando ambos no interior de tal veículo duas embalagens contendo Heroína, com o peso líquido de 1.987,450 gramas. 13.º) Chegados junto daquele Hospital, cerca das 21 horas e 10 minutos, o arguido QQ saiu do veículo automóvel conduzido pelo arguido AAA, levando consigo aquelas embalagens, contactando com o referido XX e entregando a este as referidas 1.987,450 gramas de heroína. 14.°) O XX colocou tais embalagens no interior do veículo automóvel de matrícula …-…-…, no qual a mesma iria ser transportada e onde veio a ser encontrada pelos elementos da Polícia Judiciária que ali o abordaram, dando, origem à detenção daquele no âmbito do inquérito n° …….TAVNG. 15.°) O arguido QQ encomendou a um dos seus fornecedores espanhóis três quilogramas de heroína, que ficaram de lhe ser entregues no dia 23 de Abril de 2001 pelos já referidos TT e UU e que seriam transportados pelo SS no seu táxi. 16.°) Assim, na madrugada desse dia 23 de Abril, os referidos SS, TT e UU trouxeram de Espanha, no interior do veículo automóvel de matrícula ….-….-…., de propriedade do primeiro, uma embalagem contendo heroína com o peso liquido de 2.753,770 gramas, que destinavam a ser entregue ao arguido QQ, em Santo……. 17.°) Tal heroína era aquela que o arguido QQ havia encomendado ao fornecedor espanhol e por este lhe foi enviada por intermédio dos referidos SS, TT e UU. 18.º) Abordados por elementos da Polícia Judiciária na estação de serviço da …….em Águas Santas, cerca das 5 horas e 35 minutos daquele dia 23 de Abril, foram aqueles encontrados na posse da referida heroína, o que motivou a sua detenção em flagrante delito, dando origem ao inquérito n°…...OTAMAI da Procuradoria da República da Maia. 19.º) No dia 16 de Maio de 2001, cerca das 12 horas e 15 minutos, o arguido AAA dirigiu-se para casa do seu irmão AA, sita na Rua……., em São….., Trofa, onde chegou (no seu veículo automóvel de matrícula n.º ….-…-…. 20.º) Cerca das 13 horas e 34 minutos, o arguido AAA recebeu naquele local a referida BB, que aí se havia dirigido cora o propósito ele comprar cerca de 100 gramas de heroína. 21.º) Mediante solicitação daquela, o arguido AAA entregou à BB, a troco do pagamento por esta do respectivo preço, que foi de Esc. 4.500$00 por grama, uma embalagem em plástico contendo heroína, com o peso líquido de 99,240 gramas. 22.º) Na posse de tal heroína, a referida BB abandonou o local pelas 13 horas e 38 minutos, vindo então a ser abordada por elementos da Polícia Judiciária, que encontraram aquele produto na sua posse, dando origem à sua detenção no âmbito do inquérito n° ……TAMTS, no qual já era investigada a sua actividade de tráfico de estupefacientes. 23.º) No dia 17 de Novembro de 2001, o arguido QQ incumbiu o referido RR ("Minhoto") de ir ao Bairro de São ………no Porto, para entregar a clientes daquele embalagens de heroína que lhe haviam encomendado. 24.º) Para tal efeito, o arguido QQ, nesse mesmo dia, cerca das 23 horas e 45 minutos, na sua casa sita na Urbanização de……., em Santo Tirso, entregou ao RR sete embalagens em plástico contendo heroína, com o peso líquido total de 1744,660 gramas, para serem por este último entregues no referido Bairro. 25.º) Quando circulava na Areosa, Porto, foi o referido RR abordado por elementos da Polícia Judiciária, que encontraram aquela substância na sua posse, o que motivou a sua detenção em situação de flagrante delito, no âmbito do inquérito n° ………TDPRT. 26.°) Na sequência de anteriores encontros pessoais e contactos telefónicos mantidos entre ambos, no dia 18 de Dezembro de 2001, o referido ZZ encomendou ao arguido QQ cerca de um quilograma de heroína, que destinava por sua vez a vender a BBB. 27.º) Tendo o arguido QQ acedido a fornecer tal heroína ao referido ZZ, encontraram-se os mesmos um com o outro, nesse mesmo dia, cerca das 12 horas, junto da estrada de acesso à auto-estrada A3, em Santo Tirso, local onde o arguido QQ entregou ao ZZ duas embalagens contendo heroína, com o peso líquido total de 984,889 gramas. 28.°) Para ir entregar tal heroína ao ZZ, o arguido QQ fez-se deslocar até ao referido encontro no seu veículo automóvel de matrícula n.º …-…-…, de marca "Opel", modelo "Vectra". 29.°) Na posse de tal heroína, o ZZ foi encontrar-se com o referido BBB, nas Taipas, em Guimarães, local onde foram ambos abordados por elementos da Polícia Judiciária, que encontraram tal produto na sua posse, dando origem à sua detenção em situação de flagrante delito, no âmbito do inquérito n.º……...OJAPRT. 30.º) No dia 5 de Março de 2002, o arguido QQ encomendou a CCC e DDD cerca de três quilogramas de um produto vulgarmente conhecido como "traço Holandês" e que se destina a ser misturado com substâncias estupefacientes, por forma a aumentar o seu peso e volume. 31.°) Tendo os referidos CCC e DDD acedido em fornecer-lhe tal produto, o arguido QQencontrou-se com os mesmos, nesse mesmo dia e pelas 12 horas, na zona do Largo….., em Vila……, local onde o arguido QQ.entregou àqueles o dinheiro correspondente ao preço de tal produto, combinando encontrar-se com eles mais tarde e noutro local, com vista à entrega do produto. 32.º) De acordo com o assim acordado, pelas 15 Horas desse mesmo dia, o arguido QQ encontrou-se com os referidos CCC e DDD junto ao cemitério de….., em Vila…….. 33.°) Nessa ocasião, preparava-se o arguido QQ para receber daqueles três embalagens de um produto em pó, composto por piracetam, cafeína e paracetamol, vulgarmente denominado "traço holandês", com o peso total de 2884,176 gramas, quando foram todos abordados por elementos da Polícia Judiciária, que os detiveram (sendo os referidos CCC e DDD no âmbito do inquérito n° …..JAPRT desta Procuradoria da República). 34.º) Para se deslocar ao encontro do CCC e da DDD, fez-se o QQ transportar até ao referido local no seu veículo automóvel de matrícula n° …-…-…, de marca "Opel", modelo "Vectra", que então lhe foi apreendido. 35.°) O arguido QQ adquiriu o veículo automóvel de matrícula n° ….. com os proventos obtidos com a sua descrita actividade de venda de estupefacientes e usava o mesmo para transportar os produtos estupefacientes e outros relacionados com aquela actividade. 36.°) Nesse dia 5 de Março de 2002, foi realizada busca domiciliária na habitação do arguido QQ , sita na Urbanização de….., entrada 24, em Santo…... 37.°) Nesse local, o arguido QQ guardada uma espingarda caçadeira, tipo "shotgun” de marca FABARM BRESCIA, com o n° ……, de calibre 12 mm, de um cano com alma lisa, com sistema de disparo por repetição manual (tipo "pump") e sistema de alimentação por carregador tubular sob o cano, com capacidade para sete cartuchos de calibre 12,70. 38.°) O arguido QQ não tinha licença de uso e porte de tal arma. 39.°) O arguido QQ tinha ainda guardados em sua casa um telemóvel de marca "Nokia 8210", com o IMEI…….., a operar com o cartão de acesso ao serviço móvel terrestre com o número……., que era por si utilizado nos contactos mantidos no âmbito da sua descrita actividade de tráfico de estupefacientes. 40.º) No dia 23 de Abril de 2002, foi igualmente apreendido ao arguido QQ o veículo automóvel de matrícula n° …..-….-…., que foi pelo mesmo adquirido com os proventos obtidos com a sua descrita actividade de tráfico de estupefacientes e era por aquele usado para transportar os produtos por si vendidos. 41.º) Ao actuar pela forma descrita, o arguido QQ logrou, atentas as quantidades de produtos estupefacientes por ele transaccionadas, fazer com que tais produtos fossem distribuídos por grande número de pessoas, contando com a colaboração do seu irmão co-arguido EEE. 42.º) Com tal actividade, o arguido QQ obteve e queria continuar a obter avultada compensação remuneratória, contando sempre com a colaboração do seu irmão co-arguido EEE. 43.°) Na verdade, o arguido QQ vivia exclusivamente dos proventos resultantes da sua descrita actividade de venda de estupefacientes, que lhe permitiam sustentar-se, bem conto às respectivas famílias, já que desde de 1997 e, pelo menos, até à sobredita data da detenção, não exerceu qualquer actividade profissional lícita geradora de rendimentos, sendo que o arguido EEE beneficiava e vivia com os proventos desta actividade. 44.°) Com os proveitos de tal actividade, o arguido QQ adquiriu os veículos automóveis de matrícula n.° …-…-…, de marca "Opel Corsa", de matrícula n° …-…-…, de marca "Mercedes Vito", e de matrícula n.º …-…-…, de marca "Mercedes Vito", além dos já referidos veículos de matrícula n.° …-…-… e de matrícula n° …-…-….. 45.°) Por seu lado, o arguido AAA, com os proveitos obtidos de tal actividade, adquiriu o veículo automóvel de matrícula n° …-…-…, de marca "Mercedes Benz". 46.º) Os arguidos QQ e AAA conheciam as características estupefacientes dos produtos por si comprados, transportados, detidos, (manipulados) e vendidos e bem assim que a sua aquisição, transporte, detenção, manipulação e venda, a qualquer título, são proibidos, mas não se abstiveram de agir do modo descrito, o que quiseram e fizeram, sendo que o arguido EEE, agiu com intenção de voluntariamente auxiliar o irmão co-arguido QQ no desenvolvimento de tal actividade ilícita, designadamente pela forma atrás descrita. 47.°) Ao ter na sua posse a espingarda acima descrita e que lhe foi apreendida, sabia o arguido QQ que não era titular de licença de uso e porte de tal arma de fogo e que a mesma não se encontrava registada em seu nome, bem como que a sua detenção em tais condições é proibida, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez. 48.°) Os arguidos QQ e AAA agiram de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respectivas condutas. 49.º) Os arguidos não têm antecedentes criminais. 50.°) O arguido QQ encontra-se inserido em agregado familiar que é composto pela esposa e suas duas filhas, é respeitado no meio onde vive. 51.º) A filha do arguido QQ de nome FFF, padece da doença de Haliervorden-Spatz, pelo que o arguido efectuou com a mesma diversas deslocações com a mesma, a Espanha, mais propriamente à Clínica Universitária da Universidade de Navarra, para receber os respectivos tratamentos médicos, sem o qual não poderá sobreviver. 52.°) O pai dos arguidos GGG, foi uma pessoa que necessitou de internamento hospitalar no Hospital …… no Porto, tende sido nesses dias acompanhado pelo arguido QQ, seu filho. 53.°) O arguido QQ é o segundo filho de uma fratria de doze irmãos. O pai era feirante e a mãe ocupava o seu tempo na mendicidade. Refere que iniciou a sua escolaridade aos 12 anos, permanecendo na escola 2/3 anos e saindo com frequência da 2ª classe. Pertence à etnia cigana e menciona que casou aos 14 anos dentro dos costumes da sua etnia, tendo três filhos. Posteriormente, torna-se feirante vendendo sapatos em várias feiras. Em certa altura da sua vida deixa de exercer tal actividade - momento situado antes dos factos descritos supra. No âmbito laboral dedicava-se à actividade supra referida sendo o enquadramento económico da família considerado deficitário. Residia em habitação social arrendada. O arguido mantém o apoio familiar. O seu desenvolvimento psicológico decorreu sem problemas. Apresenta discurso pouco espontâneo, pobre de conteúdos, mas sem alterações do curso e do conteúdo do pensamento. Apresenta-se orientado no tempo e orientado no espaço. Apresenta um nível cognitivo global situado na zona limite, com QI entre 70 a 80. Os seus recursos cognitivos apresentam alguma insuficiência no respeitante às áreas de: compreensão para situações mais complexas; raciocínio abstracto; leitura, escrita e cálculo, memória. As dificuldades cognitivas são consubstanciadas por dados da história de vida (escolaridade elementar, dificuldade de efectuar trocos na sua actividade de feirante). Em relação a outras áreas de personalidade, o seu funcionamento é caracterizado por percepção rudimentar da realidade exterior. Apresenta inibição e imaturidade das vivências activas e pouca reactividade aos estímulos externos. Não foram visíveis, através das técnicas projectivas, sinais indicadores de comportamentos impulsivos e agressivos. A insuficiência cognitiva, associada a influências ambientais e experiências de vida pouco estruturantes, pode originar comportamentos menos adaptativos, com ligeiro impacto nas componentes afectiva, familiar e social. As dificuldades cognitivas que o arguido apresenta não permitem concluir por o mesmo ser inimputável ou imputável diminuído. O seu baixo potencial intelectual embora sendo baixo não interfere na vida do arguido. O mesmo apresenta dificuldades perante circunstâncias ou situações mais complexas e que necessitam de maior análise. 54.º) O arguido EEE é casado segundo a lei e costumes da etnia cigana. É feirante de profissão. O arguido vivia conjuntamente com a esposa (doente) e os filhos menores. Contava com a ajuda da sogra. Encontra-se socialmente inserido. É estimado e considerado por todos os que com este privam. É pessoa de baixo grau de instrução. O arguido exerce a sua actividade de feirante. 55.º) O arguido EEE nasceu na Póvoa de Varzim, no seio de uma família de etnia cigana e integrava uma fratria de 11 irmãos. Tratava-se de um grupo familiar economicamente carenciado, em que o genitor laborava na indústria de panificação e a genitora se dedicava à mendicidade. A sua infância desenvolveu-se num contexto característico da etnia a que pertence, reconhecendo importância equivalente a ambas as figuras parentais no que concerne ao processo socializador primário, especificamente no domínio das regras e autoridade. Frequentou a escola primária e concluiu a 4ª classe, embora não consiga precisar temporalmente estes factos e, já adolescente, iniciou-se profissionalmente na área da construção civil onde se manteve cerca de 3 anos. Em data que não recorda, muda-se com a família para Santo Tirso, cidade onde residiam dois irmãos, com agregados constituídos. Estes dedicavam-se, com sucesso, à actividade de feirantes, pelo que propuseram aos pais e irmãos que os secundassem nesta mesma actividade. Aos 22 anos de idade, casa pela lei cigana com HHH e autonomiza-se profissionalmente, como feirante (venda de calçado), profissão que vem mantendo desde então. O arguido e a companheira residem com dois filhos menores (11 e 2 anos de idade), num bairro camarário concebido para o realojamento de agregados ciganos, no qual vivem também numerosos elementos da sua família. São opositores do Rendimento Mínimo Garantido e a companheira encontra-se reformada por invalidez. O arguido tem auxiliado a sogra nas feiras (Vila das Aves, V.N. de Famalicão, Ermesinde), recebendo como contrapartida € 30 por feira. 56.º) O arguido José Francisco não é dono da viatura de matrícula 33-71-CQ. 9. O recurso extraordinário de revisão de sentença é estabelecido e regulado pelo Código de Processo Penal, como também pelo Código de Processo Civil, como forma de obviar a decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito, a que o caso julgado dá caução. Com efeito, este tem na sua base «uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade …», como observou EDUARDO CORREIA, in Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Livraria Atlântida, 1948 p. 7). Porém, não se pode levar longe de mais a homenagem tributada a tal princípio, de reconhecida utilidade pela estabilidade e certeza que proporciona do ponto de vista das necessidades práticas da vida, do ponto de vista do próprio direito, que, de contrário, perderia credibilidade com a possibilidade de julgados contraditórios, reflectindo-se na estruturação da própria organização social, e do ponto de vista da paz jurídica, que é um objectivo a que almejam os cidadãos. Mas nem tudo se alcança só com a estabilidade e a segurança, mormente se o sacrifício da justiça material - esse princípio estruturante de qualquer sociedade e pedra de toque de um Estado de direito democrático, que tem a dignidade humana como valor supremo em que assenta todo o edifício social e político – fosse levado a extremos que deitassem por terra os sentimentos de justiça dos cidadãos, pondo-se, assim, em causa, por essa via, a própria estabilidade e a segurança, que se confundiriam com a «tirania», como opinou CAVALEIRO DE FERREIRA (cit. por MAIA GONÇALVES no seu Código de Processo Penal Anotado, 10ª Edição, p. 778) ou com a «segurança do injusto», na expressão de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 44). E se tanto no processo civil como no processo penal a certeza e a segurança do direito cedem, em certos casos, ao triunfo da justiça material, há-de convir-se que no processo penal esta se impõe com muito mais pujança, dado o realce diferente e mais exigente de certos princípios que constituem a raiz mesma dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Daí que a Constituição no art. 29.º n.º 6 estabeleça: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos. A revisão extraordinária de sentença transitada, se visa tais objectivos, conciliando-os com a necessidade de certeza e segurança do direito, não pode, por isso mesmo, ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa com base em algum dos fundamentos indicados no n.«º 1 do art. 449.º do CPP: - A decisão transitada ter assentado em falsos meios de prova, reconhecidos em outra sentença transitada em julgado; - Tiver sido feita prova, também por sentença transitada, de crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com a sua função no processo;. - Os factos em que assentou a decisão serem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e daí resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; - Descoberta de novos factos ou meios de prova, que, de per si ou combinados com os do processo suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. 10. O caso dos autos enquadrar-se-ia no terceiro dos fundamentos indicados – um dos fundamentos da designada revisão pro reo e que diz respeito à revisão da sentença condenatória, tendo por base a inconciliabilidade dos factos dados como provados nessa decisão com os dados como provados noutra, daí devendo resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou seja, dúvidas tão sérias, que se ponha fundadamente o problema de o condenado poder vir a ser absolvido, embora se não ponha necessariamente o problema da sua inocência. Desse modo, sendo de concluir que a decisão condenatória assentou, com toda a probabilidade, num erro de facto, aqui indiciado pelo carácter contraditório dos factos dados como provados numa e noutra das decisões, concede-se a revisão para que, em novo julgamento da causa, se obtenha uma nova decisão. Assim é que o recurso de revisão não consiste numa reapreciação ou reexame do anterior julgado. O recorrente sustenta que foram dados como provados factos contraditórios na decisão que o condenou (proc. n.º ……TACVD) e na decisão do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, proferida no proc. comum colectivo n.º …….TAVNF. Antes de mais, procedamos a uma correcção do que foi alegado pelo recorrente. Este foi condenado na 1.ª instância na pena de 10 anos de prisão por um crime de tráfico agravado, previsto e punido pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, als. b) e c) do DL 15/93, de 22/1. No recurso interposto para a Relação, foi o acórdão condenatório revogado em parte, e o recorrente foi condenado pelo crime de tráfico agravado, porém sem a agravante da alínea b), na pena de 10 anos de prisão. Quanto ao crime de detenção de arma proibida, foi convolado para o crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. no art. 6.º da Lei n.º 22/99, de 27/6, e condenado na pena de 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi o recorrente condenado na pena única de 10 anos e 3 meses de prisão. Interposto recurso para este Supremo Tribunal, foi o recorrente condenado, na procedência parcial do recurso, na pena de 8 (oito) anos de prisão, tendo o recurso sido rejeitado quanto ao crime de detenção de arma. Feito o cúmulo jurídico, foi o recorrente condenado na pena única de 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de prisão. Feita esta correcção, encaremos a invocada contradição entre factos dados como provados. O recorrente concretiza-a deste modo: «Se por um lado, diz-se que a arguida BB comprou 100 grs. de heroína ao arguido AA, noutro acórdão dá-se como provado que a referida arguida comprou heroína a outro arguido, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar.» Os factos em causa são os seguintes: No processo da condenação – 322/01 (Cf. n.º 3 dos factos provados no ponto 7. ): No dia 16 de Maio de 2001 foi detida pela Policia Judiciária BB e seu irmão HH, imediatamente após se terem dirigido a casa dos arguidos AA e GG, onde adquiriram ao primeiro 103,340 gramas de heroína, com o peso líquido de 99,210 gramas, por preço não concretamente apurado. No processo de Vila Nova de Famalicão – 411/02 - (Cf. n.ºs 19, 20, 21 e 22 dos factos provados constantes do ponto 8. 1. ): No dia 16 de Maio de 2001, cerca das 12 horas e 15 minutos, o arguido AAA dirigiu-se para casa do seu irmão AA, sita na Rua……, em São……, Trofa, onde chegou (no seu veículo automóvel de matrícula n.º …-…-…. Cerca das 13 horas e 34 minutos, o arguido AAA recebeu naquele local a referida BB, que aí se havia dirigido cora o propósito ele comprar cerca de 100 gramas de heroína. Mediante solicitação daquela, o arguido AAA entregou à BB, a troco do pagamento por esta do respectivo preço, que foi de Esc. 4.500$00 por grama, uma embalagem em plástico contendo heroína, com o peso líquido de 99,240 gramas. Na posse de tal heroína, a referida BB abandonou o local pelas 13 horas e 38 minutos, vindo então a ser abordada por elementos da Polícia Judiciária, que encontraram aquele produto na sua posse, dando origem à sua detenção no âmbito do inquérito n° ……TAMTS, no qual já era investigada a sua actividade de tráfico de estupefacientes. Para além disso, o recorrente alega que a prova testemunhal é dotada de subjectividade e, por isso, pede a reinquirição de várias testemunhas, e diz que devia ter sido valorado o relatório do exame feito à viatura Opel Corsa, no qual não constariam impressões digitais do recorrente, sendo certo que outra pessoa referiu ser a proprietária de tal veículo. Ora, o que importa, com vista à solução do presente recurso, é saber se ocorre ou não contradição entre os factos dados como provados em ambas as decisões, a ponto de se poder dizer que da oposição resultam graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Atentando naqueles factos que se puseram em destaque, não se vê que exista contradição entre uns e outros. Com efeito, como salienta a Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste STJ, aqueles factos não se excluem, «na medida em que nada efectivamente impede que um dos arguidos (como antes referido, o AA e o EEE são irmãos, como destes também o é o QQ, os dois últimos, arguidos no aludido proc. n.º…), fosse o dono da droga vendida e apreendida à dita BB e o outro fosse o responsável directo pela transacção e recebimento do respectivo preço, contra a entrega do produto ⌠situação em absoluto compatível com os termos em que o negócio se concretizou: na casa do arguido AA, onde o arguido EEE se deslocou no referido dia 16/5/2001 e para onde a mencionada BB (acompanhada do seu irmão HH) se dirigiu, na mesma data, com o propósito de adquirir droga ao AA.» Ora, se os factos dados como provados num e noutro processo não são incompatíveis quanto àquele segmento da matéria de facto comum às duas decisões (no restante, os factos são completamente diversos), não se pode falar de contradição ou inconciliabilidade de decisões em tal matéria. E sendo assim, não há sequer dúvidas sobre a justiça da condenação, muito menos graves dúvidas. Para que ocorresse o referido pressuposto, seria necessário que os factos dados como provados numa decisão brigassem com os factos dados como provados na outra, mas não é isso o que sucede, face às relações de parentesco entre o arguido AAA e os arguidos FF e AA, e a posição que aquele AAA ocupava no negócio dos dois irmãos, sendo directo colaborador do António e como tal condenado no proc. n.º 411/02, e tendo-se deslocado na data dos factos – 16 de Maio de 2001 – , em circunstâncias de tempo que coincidem nos dois processos, a casa do irmão AA, e por isso bem podendo ter sido ele a fornecer a BB a droga por esta comprada e a receber o respectivo preço, sendo todavia dono do negócio o irmão AA. Claro que há diferenças de pormenor nos factos dados como provados numa e noutra das decisões, mas no essencial ajustam-se. Quando ocorrem julgamentos diversos em matérias conexas, pode sempre haver o perigo de desfasamento nas respectivas decisões. Porém, a lei só permite compreensivelmente a revisão de sentença, quando as divergências sejam de tal modo, que se possa falar de decisões incompatíveis e daí possam, além disso, resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Não é o caso dos autos. Daí que, sendo de negar a revisão sob este prisma, não faça sentido a reinquirição de quaisquer testemunhas, que eventualmente só teriam de ser novamente ouvidas, se se anulassem as decisões inconciliáveis e, na sequência disso, se procedesse a julgamento conjunto pelos mesmos factos, como previsto no art. 458.º do CPP. Antes disso, também se não impunha a produção de tal prova, mormente na fase de instrução do recurso, porque tal só sucede quando o fundamento da revisão seja o da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º - descoberta de novos factos ou meios de prova – (Cf. art. 453.º, n.º1 do CPP). E quanto ao veículo Opel Corsa, a pretensão do recorrente é completamente desajustada, não só porque a pretendida contradição nada tem a ver com tal veículo, como também porque não é altura de fazer uma reapreciação de tal questão, ainda por cima atinente à decisão de facto, há muito transitada em julgado, como, aliás, a decisão de direito, apenas competindo ao STJ, no âmbito do recurso extraordinário de revisão, autorizar ou denegar esta, efectuando-se novo julgamento da causa se for de autorizar a revisão, com reenvio do processo a tribunal de categoria e composição idênticas às do que proferiu a decisão condenatória (art. 457.º do CPP). Mas, pelos motivos expostos, não há fundamento para a pedida revisão. III: DECISÃO 11. Nestes termos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão pedida pelo recorrente AA. 12. Custas pelos recorrentes com 8 Ucs. de taxa de justiça. Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Julho de 2006 Artur Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor Oliveira Rocha Carmona da Mota |