Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P2792
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: FURTO DO USO
FURTO QUALIFICADO
AMEAÇA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA DA PENA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
RECURSO DE REVISTA
PODERES DE COGNIÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: SJ200210170027925
Data do Acordão: 10/17/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1 J CASCAIS
Processo no Tribunal Recurso: 951/01
Data: 05/06/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário : 1 - O art. 72.º do C. Penal ao prever a atenuação especial da pena criou uma válvula de segurança para situações particulares em que se verificam circunstâncias que, relativamente aos casos previstos pelo legislador quando fixou os limites da moldura penal respectiva, diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, por traduzirem uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.
2 - As circunstâncias exemplificativamente enumeradas naquele artigo dão ao juiz critérios mais precisos, mais sólidos e mais facilmente apreeensíveis de avaliação dos que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação, mas não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente.
3 - Não é de atenuar especialmente a pena ao autor de 1 furto de uso, 1 furto qualificado e 2 crimes de ameaças aos polícias na própria esquadra com base na falta de antecedentes criminais e na circunstância de o arguido, toxicodependente, ter iniciado um tratamento na prisão, insusceptíveis de diminuir acentuadamente a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
4 - No plano constitucional, e no domínio da aplicação das penas ao lado do princípio da igualdade, e diríamos mesmo acima, situam-se os princípios da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da justiça.
5 - É susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação.
6 - A questão do limite ou da moldura da culpa estará sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista será inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
7 - Não merecem censura as penas de 7 meses de prisão para o furto de uso, 2 anos e 6 meses para o furto qualificado e 4 meses para cada crime de ameaças, todas cumuladas numa pena única de 3 anos.
8- A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
9 - Estando ausente a confissão, mas sendo o arguido primário, tendi iniciado na prisão um tratamento à sua toxicodependência, tendo corrido a prática dos crimes num período restrito de tempo e estando desempregado, por razões desconhecidas, mas tendo formação profissional, não repugna aceitar a suspensão com regime de prova e a obrigação de continuar o tratamento.
Decisão Texto Integral: SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I
1.1.O Tribunal Colectivo do 1º Juízo Criminal de Cascais, por acórdão de 6 de Maio de 2002 (Proc. n.º 951/01), além do mais, condenou:

- o arguido RTVS, como autor material da prática de um crime de crime de furto de uso do art. 208.º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 7 meses de prisão; como autor material da prática de um crime de furto qualificado dos arts. 202.º, al. d), 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do mesmo diploma, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; como autor material da prática de dois crimes de ameaças do art. 153.º, n.º 1, com referência ao disposto no art.143.º, n.º 1 do mesmo diploma, na pena de 4 meses de prisão, por cada um dos crimes;

e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão.

- o arguido HMPP, como autor material da prática, como reincidente, de um crime de crime de furto de uso do art. 208.º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 9 meses de prisão; como autor material da prática, como reincidente, de um crime de furto qualificado dos arts. 202.º, al. d), 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do mesmo diploma, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão.

1.2. Partiu para tanto da seguinte factualidade:

Factos provados:

1 - Durante a noite de 7 para 8 de Novembro de 2001, o veículo de marca "Honda", modelo Civic, matrícula GX, pertencente a JESG, com o valor de 500.000$00, estava aparcado na Rua Aníbal Firmino da Silva, em Carcavelos.

2 - Nessa noite, os dois arguidos, acompanhados por um terceiro indivíduo de identidade não apurada, utilizaram o veículo, nele se deslocando, bem sabendo que o faziam contra a vontade e sem autorização do respectivo dono.

3 - O veículo veio a ser recuperado pela PSP, quando os dois arguidos e o indivíduo que os acompanhava se deslocavam nele pela Rua Dr. Manuel de Arriaga, em Carcavelos, pelas 6h30m, do dia 8/11/2001.

4 - O veículo apresentava estragos, que deram causa à perda integral da viatura.

5 - O dono do veículo veio a ser indemnizado pela seguradora, no valor de 350.000$00.

6 - Durante a mesma noite, os dois arguidos e o terceiro indivíduo de identidade desconhecida dirigiram-se no veículo atrás referido ao restaurante "Fateixa", sito na Praia de Carcavelos e pertencente a JPOC, a fim de nele entrarem, retirarem e fazerem deles os objectos e os valores que sabiam que aí existiam.

7 - Após terem partido o vidro numa das montras, entraram no restaurante.

8 - Quebraram peças de mobiliário, rebentaram portas interiores, estragaram os frigoríficos e rebentaram gavetas, causando estragos no valor de 500.000$00.

9 - Encontraram, levaram e fizeram deles o seguinte: 2 lagostas e um lavagante, com o valor de 50.000$00; 10 Kg de Salsichas, com o valor de 3.000$00; 2 garrafas de Porto Messias, com o valor de 5.000$00; 1 garrafa de Pisang Ambon, no valor de 2.000$00; 1 garrafa de Armagnac Paysegur, no valor de 6.000$00; 1 garrafa de aguardente "Avô", no valor de 7.000$00; 30 discos LP em vinil, no valor de 100.000$00; 4 caixas de charutos, no valor de 1.700$00;

-1 caixa de CD musical, no valor de 1.000$00;

-1 mala Sansonite, no valor de 40.000$00, contendo documentos do restaurante e do respectivo dono;

-1 televisor Sony, no valor de 120.000$00;

-1 aparelhagem de som Sony, no valor de 100.000$00,

tudo no valor total de 420.700$00.

10 - Retiraram e levaram as chaves do estabelecimento, a fim de poderem futuramente regressar ao local.

11 - Agiram com o propósito de fazer dos referidos objectos coisa sua, bem sabendo que os mesmos lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade do respectivo dono.

12 - Cerca das 7 horas desse dia, os arguidos foram interceptados pela PSP, transportando consigo os objectos atrás referidos, com excepção do televisor, aparelhagem e mala Sansonite, a que derem destino desconhecido.

13 - O arguido RTVS trazia ainda com ele, 1 alicate de corte, 1 canivete com 5 cm de lâmina e 1 chave de fendas, dobrada, com 30 cm de comprimento.

14 - Durante a madrugada de 8/11/2001, após ter sido detido nas instalações da esquadra da PSP, em Carcavelos, o arguido RTVS dirigiu ao Agente nº3318, RFS e ao Agente nº 3506, MB, que o detiveram, ambos em serviço nesse corporação e unidade, as seguintes expressões:

"A prisão tem paredes, mas as paredes ficam e eu venho e hei-de-me vingar. Não me vou esquecer das vossas caras".

15 - Por essas palavras quis significar estar na disposição de, quando restituído à liberdade, maltratar os referidos Agentes na respectiva integridade física, pela razão de o terem detido, o que sabia ser apto a provocar a esses Agentes inquietação quanto a tal ocorrência vir a ter lugar.

16 - Em todas as descritas condutas, os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que as respectivas condutas eram proibidas por lei.

17 - O arguido RTVS é toxicodependente, estando em tratamento no EP.

18 - Vivia com os pais.

19 - Desde que veio para Portugal com os pais, deixou de trabalhar.

20 - Tem o 9º ano e um curso de servir à mesa.

21 - Não tem antecedentes criminais.

22 - O arguido HMPP, antes de preso, estava a trabalhar como técnico de gás, auferindo a quantia mensal de 140.000$00.

23 - Vivia com os pais.

24 - Tem o 10º ano.

25 - Era toxicodependente.

26 - Actualmente não consome, estando integrado nos Narcóticos Anónimos, no EP.

27 - Está a trabalhar como faxina da cozinha, no EP.

28 - Tem o 10º ano.

29 - Sofreu as seguintes condenações:

- Por sentença de 1/3/95, proferida no Proc. nº144/93, do 1º Juízo Criminal de Oeiras, foi o arguido condenado pela prática, em 8/4/93, de um crime de furto qualificado, na pena de 12 meses de prisão, declarada perdoada.

- Por Acórdão de 18/10/95, proferida no Proc. nº334/95, do 2º Juízo Criminal de Cascais, foi o arguido condenado pela prática, em 3/12/94, de um crime de furto qualificado, na pena de 24 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

- Por sentença de 17/11/95, proferida no Proc. nº378/93, do 1º Juízo Criminal de Oeiras, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 12 meses de prisão, declarada perdoada, o perdão foi posteriormente revogado.

- Por Acórdão de 11/12/95, proferido no Proc. nº621/93, do 1º Juízo de Círculo de Oeiras, foi o arguido condenado pela prática, em 13/5/93, de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 30 dias de multa. declarada perdoada, o perdão foi posteriormente revogado.

- Por Acórdão de 21/12/95, proferido no Proc. nº359/93, do 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Oeiras, foi o arguido condenado pela prática, em 17/8/93, de um crime de furto qualificado, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 400$00, declarada perdoada.

- Por Acórdão de 8/2/96, proferida no Proc. nº511/95, do 4º Juízo Criminal de Cascais, foi o arguido condenado pela prática, em 13/6/95, de 2 crimes de furto qualificados na forma tentada e 2 crimes de furto consumados., na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos.

- Por Acórdão de 28/5/96, proferido no Proc. nº828/94, do 2º Juízo de Círculo de Oeiras, foi o arguido condenado pela prática, em 2/12/94, de um crime de introdução em lugar vedado ao público e um crime de furto qualificado, na pena de 18 meses de prisão.

- Por sentença de 28/5/96, proferida no Proc. nº408/95, do 2º Juízo Criminal de Oeiras, foi o arguido condenado pela prática, em 21/4/95, de um crime de furto, na pena de 3 meses de prisão.

- Por Acórdão de 3/6/96, proferido no Proc. nº24/96, da 2ª Vara Criminal de Lisboa, foi o arguido condenado pela prática, em 1996, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos de prisão.

- Por Acórdão de 5/6/96, proferido no Proc. nº45/94, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, foi o arguido condenado pela prática, em 29/3/94, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.

- Por Acórdão de 16/10/96, proferido no Proc. nº252/95, do 2º Juízo de Círculo de Oeiras, foi o arguido condenado pela prática, em 5/3/95, de um crime de furto qualificado, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

- Por sentença de 29/11/96, proferida no Proc. nº433/95, do 2º Juízo Criminal de Cascais, foi o arguido condenado pela prática, em 26/3/95, de um crime de furto qualificado e um crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena única de 19 meses de prisão.

- Por Acórdão de 2379/97, proferido no Proc. nº862/95, do 2º Juízo do Tribunal de Círculo de Oeiras, foi o arguido condenado pela prática, em 7/6/95, de um crime de furto qualificado, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

- Por Acórdão de 28/10/97, proferido no Proc. nº7/96, da 3ª Vara Criminal de Lisboa, foi o arguido condenado pela prática, em 14/5/95, de um crime de furto qualificado, na pena de 4 meses de prisão.

- Por Acórdão de 28/11/97, proferido no Proc. nº1940/93, do 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Oeiras, foi o arguido condenado pela prática, em 31/10/93, de um crime de furto qualificado, na pena de 10 meses de prisão.

- Por sentença de 17/12/97, proferida no Proc. nº436/95, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Almada, foi o arguido condenado pela prática, em 31/5/95, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

- Por Acórdão de 25/2/98, proferido no Proc. nº770/94, do 1º Juízo Criminal de Sintra, foi efectuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, sendo o mesmo condenado na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão e em 170 dias de multa, à taxa diária de 500$00.

- Iniciou o cumprimento de pena em 26/11/96, tendo terminado em 7/2/2001, data em que foi restituído à liberdade.

- Por Acórdão de 18/12/2000, proferido no Proc. nº205/93, do 2º Juízo Criminal de Oeiras, foi o arguido condenado pela prática, em 20/5/93, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Factos não provados.

Nenhuns outros factos se provaram em audiência, não se tendo provado que:

- os arguidos quiseram fazer deles o veículo de marca Honda, tendo-se dirigido ao veículo e posto o mesmo em marcha com esse propósito.


II

2.1. O arguido RTVS inconformado recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação:

A - Por Douto Acórdão foi condenado como autor material de um crime de furto de uso, p. e p. pelo disposto no art. 208°, n.º l do CP, na pena de 7(sete) meses de prisão, como autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo disposto nos arts. 202°, al. d), 203°, n.o I e 204°, n.o 2, ai. e) do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos e seis meses de prisão, e como autor material de dois crimes de ameaças, Art. 153°, n° 1, com reporte ao disposto no art. 143°, n.º 1 do mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, por cada um dos crimes. Em cúmulo foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão efectiva.

Salvo o devido respeito e Melhor Opinião

B - Não houve proporcionalidade e igualdade na medida concreta da pena aplicada ao Recorrente, sendo que os presentes princípios consagram o principio de: "Para situações iguais a aplicação de decisões iguais e para situações diversas a aplicação de decisões diversas",

C - Sendo que, deve ser inerente à escolha da pena uma ponderação e razoabilidade, e , atento todo o passado criminal do outro Arguido, o facto do Recorrente não ser reincidente, pois não tem antecedentes criminais, e ter iniciado um tratamento para libertar-se do consumo de estupefacientes, os quais desde 8.1.2002 não consome.

D - Terá sido violado o Princípio da Igualdade previsto no art. 13.° da Constituição da República Portuguesa,

E - Tal como terá sigo violado o Princípio da Proporcionalidade da Pena previsto no Art. 40° n.ºs 2 e 3 do Código Penal.

F - Devendo haver lugar a atenuação especial da pena o que agora se pede,

Mesmo assim não se entendendo,

G - Sempre deverá ser atenuada a pena aplicada, pelo facto do arguido não só não ter antecedentes criminais, como também por ter deixado de consumir estupefacientes e ter iniciado um tratamento contra a toxicodependência, mesmo dentro do Estabelecimento Prisional.

H - Pelo que foi violado o disposto nos arts. 70°, 71.º e 72° do Código Penal,

I - Atendendo-se que, por existirem condições de reinserção social do Recorrente, foi violado o art. 40.º n.º 1 do Código Penal.

J - Sendo certo que, a pena a aplicar ao Recorrente, por respeito ao Principio da necessidade da pena, será mais pedagógica e ressocializadora a ameaça de executar a pena, devendo ser concedido ao recorrente, pela Primeira vez Julgado uma Primeira Oportunidade.

I - Não esqueçamos que 11 crimes de furto qualificado, 3 crimes de furto qualificado na forma tentada, 3 crimes de furto simples, 1 crime de furto de uso de veículo, e 1 crime de introdução em lugar vedado ao público separa o passado do Arguido HMPP em relação ao Recorrente/Arguido RTVS que até à data não tinha antecedentes criminais.

M - Face ao exposto, entendemos que também se violou o disposto no art. 50° do Código Penal, devendo ser a aplicada ao recorrente a Suspensão da Execução da Pena de Prisão, o que agora se pede (em períodos a fixar por Vossas Excelências). subordinando-a a, eventualmente, deveres, regras de conduta e regime de prova (Art. 51.º, 52.° e 53.° todos do Código Penal. ).

2.2. Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, concluindo, por sua vez:

a) Porque não inquinada de qualquer vício que afecte a sua bondade, a factualidade dada como provada e não provada no âmbito do acórdão sob impugnação considera-se definitivamente fixada;

b) Ao longo da motivação de .recurso questiona-se, tão-só, a dosimetria da pena e o respectivo modo de execução;

O que constitui matéria de direito e para cuja apreciação é competente o Supremo Tribunal de Justiça - vd. art.os 432.0 e 434.0 do C.P.Penal;

c) Do confronto das penas (parcelares e unitárias) impostas aos arguidos RTVS e HMPP não flui alguma violação da regra contida no art. 13.º da C.R.P. e, especificamente, do princípio da igualdade aí inserto;

Com efeito, bem se intui que a situações de facto objectivamente diferentes, em razão do número de crimes cometido e do passado criminal patenteado, correspondeu punição diversa;

d) A conduta do recorrente mostra-se enformada por materialidade bem demonstrativa de elevados graus de culpa e de ilicitude do facto, não ocorrendo circunstâncias com relevante aptidão atenuativa;

Por outro lado, ao recorrente não é conhecida qualquer ocupação profissional (e já tem mais de 30 anos!) e é consumidor habitual de drogas;

Neste contexto, as, penas parcelares encontradas e a pena unitária fixada, para além de reflectirem tal circunstancialismo, cumprem também as exigências de prevenção geral e especial necessariamente equacionáveis;

Daí que, pese embora se afastem de qualquer severidade, a tais penas deve ser reconhecida inquestionável bondade;

e) No caso em apreço não ocorreu nenhum dos pressupostos que ditam a atenuação especial da pena prevista no art. 72.º do C. Penal;

Daí a inoportunidade do apelo a tal instituto;

f) Tão-pouco se mostra adequada a suspensão da execução da pena imposta, pois a personalidade exibida pelo arguido e o condicionalismo económico e social em que se integra não asseguram, como bastantes, a simples censura do facto e a ameaça de prisão (vd. art. 50.º do C. Penal);

g) De facto, e muito embora se reconheçam os efeitos criminógenos desencadeados em meio prisional, é forçoso concluir que não se divisa alternativa eficaz à boa consecução dos fins pretendidos com a pena imposta pelo recorrente.

h) O recurso deve ser julgado improcedente.


III

O Ministério Público neste Tribunal teve visto do processo.

Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência em que foram produzidas alegações orais. Nelas, o Ministério Público suscitou a questão de saber se devem considerar-se participados criminalmente os crimes de ameaças, conduzindo à absolvição por tais crimes, a resposta negativa e pronunciou-se pela suspensão da execução da pena com regime de prova. O recorrente acompanhou as alegações da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta e lembrou que o desemprego é um factor que deve ser atendido com especial cuidado no domínio da medida concreta da pena.

Cumpre, pois, conhecer e decidir.


IV

E conhecendo.

Não vem discutida a matéria de facto apurada pela 1.ª Instância, nem a qualificação jurídica efectuada, mas tão só:

a medida concreta da pena infligida ao recorrente;

a não atenuação especial da pena (conclusões G e H); e

o não uso da pena de substituição da suspensão da execução da pena.

A essas questões há que juntar a suscitada pelo Ministério Público em audiência, e será por ela que se iniciará o conhecimento.

4.1. Importa começar por estabelecer se a mesma questão cabe nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista em que não vem questionada a punibilidade dos crimes de ameaça por falta e participação criminal.

Sinteticamente, deve reter-se que este Tribunal entendeu em diversas decisões (cfr. Acs (Acs. do STJ de 8.2.01, proc. n.º 2745/00-5, de 8.11.001, proc. n.º 2243/01-5, de 13.12.01, proc. n.º 3745/01-5, de 17.1.02, proc. n.º 3132/01-5, Acs STJ ano X, t. 1, pág. 183, do mesmo Relator), que:

O acórdão uniformizador de jurisprudência n.° 4/95, de 7.6.95 (DR IS-A de 6-7-95 e BMJ n.º 448 pág. 107) que decidiu: "o Tribunal Superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus", e assento n.º 2/93 do STJ, em cuja senda aquele se situa, reformulado, na seguinte forma (Assento n.º 3/2000, 15-12-1999, DR IS-A de 11-2-2000.): "Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo, ao arguido, da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo possa organizar a respectiva defesa." fundam-se na ideia de que constitui núcleo essencial da função de julgar, o enquadramento jurídico dos factos apurados, a determinação do direito, pelo que não está limitada por errado enquadramento que haja sido feito pelos interessados ou pelas partes.

Ideia reafirmada no mencionado acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/95 com redobrado valor, tratando-se já não de pronúncia, mas de sentença penal condenatória que potencia o exame e crítica em via de recurso e que ganha ainda maior sentido tratando-se, como se trata, de um recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, cuja natureza e funções tornariam incompreensível que, detectado um erro de direito em relação a uma condenação submetida a recurso, se abstivesse de o corrigir, mesmo tratando-se de fazer respeitar a sua jurisprudência obrigatória, defesa cuja importância justifica, só por si, a existência de um recurso extraordinário próprio - o do art. 446.º do CPP.

Ainda que o recorrente não ponha concretamente em causa a incriminação definida pelo Colectivo (no caso, o objecto do recurso circunscreve-se à questão da medida da pena aplicada), não pode nem deve o STJ - enquanto tribunal de revista e órgão, por excelência e natureza, mentor de direito - dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções.

Sendo o Supremo Tribunal um tribunal de revista, só conhece de direito e estando em causa a medida da pena irá sindicar a aplicação da lei punitiva curando de saber da sua legalidade. Mas para poder exercer esse controlo necessário se torna saber se a lei aplicada ou cuja aplicação é solicitada é a que cabe ao caso. O mesmo é dizer que só pode apreciar da subsunção dos factos ao direito se a norma em causa for a aplicável. Se chegar à conclusão que não é a norma aplicável não pode ficcionar a sua aplicabilidade para apreciar a aplicação que teve em concreto lugar.

Se está em causa não a possibilidade de reformatio in pejus, mas sim de reformatio in melius, uma vez que está equacionada a possibilidade de se entender que a matéria de facto apurada não integra o tipo legal do crime em causa, diversamente do que foi entendido pelo Tribunal a quo, isso significa que uma vez que o arguido foi acusado (e até condenado) como autor de dois desses crimes, foi exercido o princípio do contraditório na acepção mais exigente, pelo que está completamente afastada a ocorrência de surpresa para a defesa, que foi indicada, como limite à apreciação da subsunção.

Posição igualmente válida para a questão suscitada, em que eventualmente faleceria legitimidade ao Ministério Público para exercer a acção penal, por falta de participação.

Entendendo-se, pois, que o STJ pode conhecer dessa questão, deve referir-se que não procede a posição sobre a mesma assumida.

Com efeito, como resulta da participação de fls 4 a 6 dos autos, os agentes da polícia ameaçados manifestaram a vontade de participar os respectivos factos, para ser em relação a eles ser instaurado o respectivo procedimento criminal. A circunstância de não terem qualificado esses factos como crime de ameaça e de se terem considerado ofendidos com as palavras usadas, não impedia a qualificação da conduta do recorrente no quadro do crime de ameaças e não de injúrias.

Deve, pois, considerar-se, como se considerou, apresentada a devida participação.

4.2. Dentro das questões que constituem o objecto do recurso, comecemos, por imperativo metodológico pela pedida atenuação especial da pena que o recorrente ancora no seu comportamento.

Dispõe o art. 72.º do C. Penal que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (n.º 1), dispensando-se o recorrente de indicar expressamente qualquer das elencadas no n.º 2 desse artigo.

Assim se criou uma válvula de segurança para situações particulares, que foi já apresentada da seguinte forma:

«Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo "normal" de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena» [Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 302. Cfr. no mesmo sentido, a sua intervenção na Comissão Revisora (Acta n.° 8, 78-9): ora, o que na verdade aqui ocorre é uma visão integral do facto que leva o julgador a concluir por uma especial atenuação da culpa e das exigências da prevenção].

Seguiu-se neste art. 72.º o caminho de proceder a uma enumeração exemplificativa das circunstâncias atenuantes de especial valor, para se darem ao juiz critérios mais precisos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação (Cfr., neste sentido Leal-Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I, em anotação ao art. 72.º).

Assim, sem entravar a necessária liberdade do juiz, oferecem-se princípios reguladores mais sólidos e mais facilmente apreensíveis para que se verifique, em concreto, quando se deve dar relevo especial à atenuação.

As situações a que se referem as diversas alíneas do n.° 2 não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente.

Importa agora ver se as circunstâncias alegadas pelo recorrente permite o atenuação especial pretendida.

São elas o ingresso do recorrente num tratamento de desintoxicação no próprio Estabelecimento Prisional, pondo fim ao consumo de estupefacientes (n.ºs 22 a 25 da motivação) e a total ausência de antecedentes criminais (n.º 26.º da motivação).

Neste domínio está provado que: «17 - O arguido RTVS é toxicodependente, estando em tratamento no EP.» e que «21 - Não tem antecedentes criminais», o que é diferente de ter posto fim ao consumo, como sustenta.

De todo o modo, não se vê que estas circunstâncias diminuam acentuadamente a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, como o exige o art. 72.º do C. Penal.

A ausência de antecedentes criminais, bem como a circunstância de, sendo toxicodependente, estar em tratamento na prisão, são alheias à ilicitude da conduta e à culpa do agente.

Podem, é certo, sem consideradas a propósito da «necessidade da pena», mas sem êxito, adiante-se.

Com efeito, a ausência de antecedentes criminais nunca diminuiria acentuadamente, só por si, essa necessidade, pois que mais não corresponde do que ao dever primário de todos os cidadãos: não cometerem crimes; e é certo que o arguido é toxicodependente (em tratamento no estabelecimento prisional), tem 30 anos e não trabalha, o que contrairia fortemente um especial valor atenuativo da primaridade do agente.

O mesmo se diga, por idênticos motivos, do estado de toxicodependência, em tratamento. Esse estado reforça a necessidade da pena, não a atenua, e a circunstância de estar em tratamento, sem que se conheça o êxito, não ter exactamente por isso sequer valor para contrabalançar aquele reforço que a toxicodependência gera.

Aliás, as circunstâncias invocadas não se revêm, em qualidade ou quantidade, na casuística exemplificativa do n.º 2 do art. 72.º do C. Penal.

4.3.1. No que se refere à medida concreta da pena infligida ao recorrente, sustenta o mesmo, em síntese, que não houve proporcionalidade e igualdade na medida concreta da pena aplicada ao Recorrente, sendo que os presentes princípios consagram o principio de: " Para situações iguais a aplicação de decisões iguais e para situações diversas a aplicação de decisões diversas" (conclusão B); sendo que, deve ser inerente à escolha da pena uma ponderação e razoabilidade, e , atento todo o passado criminal do outro Arguido, o facto do Recorrente não ser reincidente, pois não tem antecedentes criminais, e ter iniciado um tratamento para libertar-se do consumo de estupefacientes, os quais desde 8.1.2002 não consome (conclusão C).

Deve começar-se por rectificar que não está provado que o recorrente tenha deixado de consumir em 8.1.2002, mas sim que, sendo toxicodependente, está em tratamento na prisão.

No que refere ao princípio da igualdade invocado, como lembra o Ministério Público na resposta à motivação, enquanto o princípio da igualdade, no domínio da criação do direito impõe ao órgão legislativo que garanta, por via legislativa, não só tratamento semelhante para quem se posiciona em condições idênticas, mas sim que recebam tratamento semelhante os que se acham em condições semelhantes, já no domínio da aplicação do direito significa que nessa aplicação não há lugar a discriminação em função das pessoas; todos beneficiam por forma idêntica dos direitos que a lei estabelece, todos por forma idêntica se acham sujeitos aos deveres que ela impõe (Pareceres da PGR, n.º I, pág. 184).

Um dos princípios fundamentais do direito penal é o da igualdade nas decisões de justiça e o problema conexo das disparidades na aplicação das penas tem preocupado quase todas as sociedades democráticas.

Com efeito, a desigualdade no sistema de justiça penal é uma questão fundamental pois que, mal é notada, perturba não só a paz social mas também as infracções a que pretende responder. E tal problema deve ser abordado de maneira operacional, pois confrontar os sistemas de justiça penal com um ideal absoluto e mítico - por essência, inacessível - parece constituir o tipo de operação vã e sem futuro.

Mas o objectivo da busca de uma maior certeza na pena não deve significar indirectamente o regresso a uma concepção de justiça retributiva que tornaria acessória a individualização judiciária.

A determinação da pena deve ser encarada de maneira aberta, sem limitar a abordagem às disparidades resultantes do sistema, pois a ausência de disparidade ou a existência de disparidades insuficientes pode ser contrária aquele objectivo

E a busca de uma redução das disparidades deve tomar o sentido de limitar o sofrimento que o sistema penal causa ao condenado.

Na individualização da pena o juiz deve procurar não infringir o princípio constitucional de igualdade, o qual exige que na individualização da pena não se façam distinções arbitrárias.

Na sequência do 8.º Colóquio de Criminologia do Conselho da Europa, (1987) dedicado às «Disparidades na aplicação das penas: causas e soluções», que reflectiu sobre: a desigualdade na determinação da pena; sobre o contexto das disparidades na administração da justiça penal e sobre as técnicas de redução das disparidades subjectivas na aplicação das penas, o Conselho da Europa aprovou a Recomendação n.º R(92)17, de 19 de Outubro de 1992, relativa à coerência na aplicação das penas, em que considerou, além do mais:

- que um dos princípios fundamentais da justiça exige que os casos análogos sejam tratados de maneira análoga;

- que as disparidades injustificadas e os sentimentos de injustiça podem lançar o descrédito sobre o sistema de justiça penal;

- que a decisão do tribunal deve sempre ser fundada nas circunstâncias particulares do caso e na situação pessoal do contraventor;

- que a coerência na aplicação das penas não deve conduzir a condenações mais severas.

E recomendou: «aos governos dos Estados membros, tendo em consideração os seus princípios constitucionais ou as respectivas tradições jurídicas, em particular a independência dos magistrados, que tomem medidas apropriadas para a promoção dos princípios e das recomendações (...), para evitar disparidades injustificadas na pronúncia das penas».

Sem deixar de reconhecer que considerações de justiça relativa impõem que se considerem na fixação de penas em caso de comparticipação as penas dos restantes co-autores, importa notar que a questão das disparidades injustificadas nas penas deve gerar essencialmente uma resposta sistémica, tendente a, em geral, compreender e reduzir o fenómeno

E mesmo essas preocupações de justiça relativa intraprocessuais têm o seu domínio privilegiado no momento em que pela primeira vez são aplicadas as penas num determinado processo.

Em via de recurso já outras dificuldades adicionais se postulam, por via designadamente dos poderes de cognição do tribunal superior, do âmbito do recurso e da proibição da reformatio in pejus.

No plano constitucional, ao lado do princípio da igualdade, e diríamos mesmo acima, situam-se os princípios da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da justiça.

Com efeito, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18.º, n.º 2).

Um dos pressupostos materiais para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste, pois, no princípio da proporcionalidade (princípio da proibição do excesso) que se desdobra nos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade.

Resultará, assim, a inconstitucionalidade da lei penal quando o legislador ordinário se exceda no tipo e/ou medida da pena, toda a vez que se deve concluir que a prisão não deverá ser prevista ou aplicada quando se mostrem suficientes e adequadas outras reacções criminais, outras penas não detentivas.

No domínio do direito ordinário, impõe-se a especial consideração do princípio da legalidade e da culpa, uma vez que devem ser respeitados os critérios e valores legais e a pena deve ser ajustada à culpa, que constitui um limite inultrapassável.

Assim, não se poderia atribuir, em recurso, ao recorrente uma pena menor do que a merecida, se erradamente a 1.ª instância houvesse aplicada em situação idêntica tal pena mais favorável, por ser tal comportamento violador das regras a respeitar na fixação da pena e que a mera invocação do princípio da igualdade não permite ultrapassar.

Assim, o que no plano do caso sujeito a invocação daquele princípio impõe é saber se o recorrente foi discriminado.

Deve, desde logo, dizer-se que se é verdade que o recorrente é primário e o co-arguido tem um rosário de condenações, isso não significa que em outros parâmetros não seja o co-arguido beneficiado com a comparação.

Na verdade, no presente processo o recorrente tem contra si a prática de mais crimes e que dizem da sua personalidade, é toxicodependente em tratamento na prisão e, tendo 30 anos, não trabalha.

Já o co-arguido, como se refere na decisão recorrida aquando da apreciação da sua qualidade de delinquente por tendência a que se respondeu negativamente, saiu da prisão, e integrou-se socialmente, trabalhando, tendo voltado a delinquir por razões ligadas à situação de toxicodependência. Mais está provado que era toxicodependente (n.º 25 dos factos), actualmente não consome, estando integrado nos Narcóticos Anónimos, no EP (n.º 26 dos factos) e está a trabalhar como faxina da cozinha, no EP (n.º 27 dos factos).

Não pode, assim, concluir-se, como faz o recorrente, que em relação ao seu co-arguido, lhe deve aplicar uma pena ainda mais benévola do que já foi, por beneficiar de mais e maiores circunstâncias atenuativas.

Este Supremo Tribunal de Justiça já teve, aliás, ocasião de se pronunciar sobre a aplicação do princípio da igualdade no domínio da aplicação da pena, da forma seguinte, e de que aqui se não afasta:

«(2) A aplicação das sanções penais aos factos, sendo estes praticados por individualidades que se determinam e agem por motivos e segundo uma compleição somático-psíquica diferente, movimenta uma multitude de factores endógenos e exógenos, pelo que logo se evidencia a dificuldade de considerar duas situações como iguais, a merecerem tratamento sancionatório exactamente igual. (3) No âmbito do direito e processo penal a noção de justiça relativa mostra-se mais profícua, na medida em que atende à globalidade dos factos e à personalidade dos agentes, apreciados no seu conjunto, proporcionando, em bloco, uma comparação das situações na sua relação com a pena a aplicar a cada um deles. (Ac. de 26-09-2001, proc. n.º 1287/01-3)

«(2) Mesmo que aos co-arguidos, acusados pelos mesmos factos, sejam aplicadas penas diversas não se pode concluir, sem mais, pela violação do princípio da igualdade. Basta que as circunstâncias que depõem a favor de um e outro sejam diversas, para que, nos termos do art. 71, n.º 2 do C. Penal, também as penas devam ser diversas. (3) Mas mesmo que as circunstâncias tivessem sido idênticas, sempre seria preciso demonstrar que a pena do arguido não estava dentro dos limites definidos na lei e referidos no art. 71.º do C. Penal. É que, em direito penal vigora, acima de tudo mais, o princípio da legalidade, pelo que, não é pelo facto de um caso ser apreciado em termos de fixação de pena benevolamente que nos deva conduzir a procedimento idêntico, mas ilegal, em relação a outro julgamento para outro arguido. (Ac. de 26-03-1998, proc n.º 1483/97)

«(1) O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (art.º 13, da CRP) também abrange a igualdade de aplicação do direito e relaciona-se estreitamente com a vinculação jurídico-material do juiz a tal princípio. (2) Assim, verificando-se idêntico circunstancialismo relativamente a dois arguidos do mesmo processo, autores do mesmo crime de tráfico de estupefacientes, impõe aquele princípio da igualdade que a pena a aplicar a ambos seja idêntica.» (Ac. de 17-12-1997, proc n.º 1156/97).

4.3.2. Mas merecerá censura a medida concreta da pena, fora deste quadro?

Como tem decidido este Supremo Tribunal de Justiça mostra-se hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a "arte de julgar", em que à lei cabia, no máximo, o papel de definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo de individualização interviriam, de resto coeficientes de difícil ou impossível racionalização.

A escolha e a medida da pena é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito (art.ºs 70.º a 82.º do Código Penal).

É susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação.

A questão do limite ou da moldura da culpa estará sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista será inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.

Posto isto, vejamos o que se escreveu a esse propósito na decisão recorrida:

«- Da Medida e Escolha da Pena:

Na determinação da medida concreta da pena a aplicar aos arguidos há que ter em conta a moldura penal aplicável ao crime, bem como o critério global do art.71º, nº1 do CP que impõe que se atenda à culpa do agente e às exigências de prevenção, enunciando, de forma exemplificativa, as circunstâncias vertidas no nº2 do mesmo normativo legal, relevantes quer para a culpa, quer para a prevenção.

A ponderação deste binómio culpa-prevenção impõe que, na fixação da pena, se tenha em conta que a culpa, enquanto censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa traduzida num certo facto individualizado, estabelece o máximo da pena concreta, limitação que é consequência do principio da culpa, subjacente a todo o Código Penal e segundo o qual não há pena sem culpa, nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Além do exposto, e porque a medida da pena é dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos, o limite inferior da medida concreta da pena decorrerá de considerações ligadas à prevenção geral, entendida esta como prevenção geral positiva ou de reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente. A pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. A justificação assenta na ideia de sociedade considerada como um macro sujeito activo que sente e padece o conflito e que viu violado o seu sentimento de segurança com a violação da norma, tendo, portanto, direito a participar e ser levada em conta na solução de conflito (cfr. Neste sentido, "Culpabilidade Y Prevencion, Mercedes Péres Menzano Ed, da Universidade Autónoma de Madrid, pág.26).

I) - Em relação ao arguido RTVS:

Tendo presentes as considerações expostas e ponderando as circunstâncias enunciadas no art.71º, nº2 do Cód. Penal, há que ponderar:

- O grau de ilicitude dos factos, agravado em relação ao crime de furto de uso pelos estragos provocados no veículo e no caso do crime de furto qualificado pelo valor dos objectos e pelos estragos provocados no restaurante.

- O dolo é directo, de normal intensidade.

- O arguido RTVS é toxicodependente, estando em tratamento no EP.

- Vivia com os pais.

- Desde que veio para Portugal com os pais, deixou de trabalhar.

- Tem o 9º ano e um curso de servir à mesa.

- Não tem antecedentes criminais.

Ponderando as circunstâncias enunciadas, reputa-se adequada à sua conduta as penas seguintes:

- Pela prática do crime de furto de uso, a pena de 7 meses de prisão;

- Pela prática de cada um dos crimes de ameaças, a pena de 4 meses de prisão;

- Pela prática do crime de furto qualificado, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Ponderando o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, reputa-se adequada à sua conduta a pena única de 3 anos de prisão.

Esta pena não poderá deixar de ser efectiva, assim o exigindo as razões de prevenção geral e especial, atento o número de crimes cometidos e o facto de o arguido ser toxicodependente e não estar a trabalhar, nada garantindo que, em liberdade, não volte a delinquir.

II) - Em relação ao arguido HMPP:

Na acusação vem requerida a punição do arguido como reincidente.

(...)

Em face do exposto, entende este tribunal que, no caso concreto, se mostram preenchidos os pressuposto materiais da reincidência, nos termos exigidos pelo art.75º do Código Penal.(...)

Na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido há que atender às seguintes circunstâncias:

- O grau de ilicitude dos factos, agravado em relação ao crime de furto de uso pelos estragos provocados no veículo e no caso do crime de furto qualificado pelo valor dos objectos e pelos estragos provocados no restaurante.

- O dolo é directo, de normal intensidade.

- O arguido HMPP, antes de preso, estava a trabalhar como técnico de gás, auferindo a quantia mensal de 140.000$00.

- Vivia com os pais.

- Tem o 10º ano.

- Era toxicodependente.

- Actualmente não consome, estando integrado nos Narcóticos Anónimos, no EP.

- Está a trabalhar como faxina da cozinha, no EP.

- Tem o 10º ano.

- Sofreu várias condenações por crimes contra o património.

Ponderando todas as circunstâncias enunciadas reputa-se adequada à sua conduta as penas seguintes:

- Pela prática do crime de furto de uso de veículo, a pena de 9 meses de prisão;

- Pela prática do crime de furto qualificado, a pena de 3 anos e 6 meses.

Em cúmulo jurídico, ponderando o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, nos termos do art.77º do Código Penal, reputa-se adequada à sua conduta a pena única de 3 anos e 10 meses de prisão.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

A medida das penas determina-se em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.

Ao crime de furto de uso (prisão até 2 anos) foi aplicada uma pena de 7 meses, ao crime de furto qualificado (prisão de 2 a 8 anos) foi aplicada uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão e por cada crime de ameaças (prisão até 1 ano ou multa), 4 meses de prisão, e, em cúmulo, foi aplicada a pena única de 3 anos de prisão.

Temos que perante os elementos de facto que se destacaram na decisão recorrida, nem as penas parcelares, nem a pena única, se mostram desproporcionadas, ou violadoras das regras de experiência, por forma a permitirem o correcção por este Supremo Tribunal de Justiça nos termos já referidos.

Com efeito, a favor do recorrente só milita a falta de antecedentes criminais, sem que privilegie sequer o bom comportamento anterior, sendo que várias circunstâncias enumeradas já o agravam e, no entanto as penas não se afastam muito do mínimo, designadamente a mais grave referente ao furto qualificado.

4.4. Finalmente, impugna o recorrente o não uso da suspensão da execução da pena, sustentando que as circunstâncias invocadas a propósito da atenuação especial e da medida concreta da pena impunham o recurso a essa pena de substituição, eventualmente subordinada à imposição de deveres, regras de conduta e regime de prova.

Escreveu-se, a propósito, na decisão recorrida:

«Esta pena não poderá deixar de ser efectiva, assim o exigindo as razões de prevenção geral e especial, atento o número de crimes cometidos e o facto de o arguido ser toxicodependente e não estar a trabalhar, nada garantindo que, em liberdade, não volte a delinquir.»

Já decidiu este Tribunal (Ac. de 25.10.2001, proc. n.º 2058/01-5, do mesmo Relator), entendimento que se mantém, que:

A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.

É substitutivo particularmente adequado das penas privativas de liberdade que importa tornar maleável na sua utilização, libertando-a, na medida do possível, de limites formais, de modo a com ele cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão.

A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter nas sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.

São os seguintes os elementos a atender nesse juízo de prognose:

- a personalidade do réu;

- as suas condições de vida;

- a conduta anterior e posterior ao facto punível; e

- as circunstâncias do facto punível.

Devem atender-se a todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do réu, atendendo somente às razões da prevenção especial. E sendo essa conclusão favorável, o tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período de suspensão.

O Supremo Tribunal de Justiça tem doutrinado que, por via de regra, não será possível formar o juízo de prognose favorável de que se falou, em relação a arguido, não primário, na ausência de confissão aberta onde possam ser encontradas razões da sua conduta e sem arrependimento sincero em que ele pode demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica. (...)

Mas também já decidiu que "nada impõe a aceitação pelo agente da própria culpa como condição indispensável à suspensão. Certo que ela abonará um prognóstico sobre a vontade de regeneração e a desnecessidade do efectivo sofrimento da pena para a reprovação; mas sem dúvida também que a sua falta não impede tal prognóstico".

O caso sujeito está no limite do risco prudente que o Tribunal deverá correr na formulação do juízo de prognose social favorável.

Por uma lado, está ausente a confissão, com o seu significado de assunção do desvalor da conduta, mas sobressai a primariedade do recorrente.

Está presente a toxicodependência, mas no estabelecimento prisional, iniciou o recorrente um tratamento, o que constitui um bom indício.

A conduta do recorrente envolveu vários crimes, mas num período relativamente circunscrito.

Não está o recorrente a trabalhar, mas ignora-se as razões desse desemprego, sendo certo que fez formação profissional a que poderá recorrer e tem família.

Daí que não esteja totalmente afastada a formulação de juízo de prognose social favorável que possa fundar a suspensão da execução da pena.

Mas tal exige a aplicação do regime de prova cm o devido acompanhamento e a continuação do tratamento iniciado, pelo período da suspensão que se fixa em 3 anos.


V

Termos em que acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso, suspendendo a execução da pena por 3 anos, com regime de prova da forma descrita, no mais confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, no decaimento, com a taxa de justiça de 4 Ucs.

Honorários à Defensora Oficiosa.

Lisboa, 17 de Outubro de 2002

Simas Santos (Relator)

Abranches Martins

Oliveira Guimarães

Dinis Alves