Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | MIRANDA GUSMÃO | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO ÓNUS DA ALEGAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ20302130045777 | ||
Data do Acordão: | 02/13/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1076/02 | ||
Data: | 06/06/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | O regime do ónus de afirmação (e prova) na oposição à execução (embargos de executado) traduz-se em ser o embargante (executado) a ter de afirmar o fundamento (causa de pedir) do seu pedido. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Na 2ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, AA intentou acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra BB, dando à execução sete letras de câmbio. - Alega que tais títulos representam o valor que havia sido adiantado pela exequente ao executado, a título de compra bem imóvel, que, contudo, não se chegou a efectuar, por incumprimento de contrato promessa por parte do executado, tendo este aceite as referidas letras com a finalidade de reembolsar a exequente da quantia que esta havia despendido com a aludida finalidade. 2. O executado deduziu embargo à execução, alegando que: - as letras ajuizadas foram entregues à exequente em branco, pois que só continham a assinatura do aceitante, ora em embargante: - O preenchimento ficou de ser feito de acordo com as instruções do executado: - As letras foram preenchidas abusivamente pelo exequente, atenta a assinar de instruções, por parte do executado, para que tal preenchimento se fizesse. - na data da comissão das ditas letras, o embargante não celebrou qualquer contrato de compra e venda com a embargada. 3. A embargada contestou os embargos, alegando que: - as letras em branco lhe foram entregues pelo embargante para serem preenchidas pelo valor em dívida, relacionado com o frustrado negócio de compra e venda, no caso de este pagar e não apresentou um plano de pagamento, o que efectivamente veio a acontecer, isto é, nem pagou, nem apresentou o mencionado plano. - o embargante não pode limitar-se a afirmar o preenchimento abusivo, antes tinha de articular factos nesse sentido, o que não fez. - competia ao embargante o ónus de alegar e provar que as letras houvessem sido adquiridas de má fé, ou que a embargada, ao adquiri-las, houvesse cometido uma falta grave, nos termos do artigo 10º da LULL, o que também não fez. 4. Foi proferido despacho saneador, onde se conheceu imediatamente do mérito da causa., julgando-se os embargos improcedentes e determinando-se o prosseguimento da execução. 5. O embargante apelou, a Relação de Lisboa, por acórdão de 06 de Junho de 2002, negou provimento ao recurso. 6. O embargante pede revista - o acórdão recorrido deve ser substituído "que mande elaborar pertinente fase instrutória com questionário -, formulando conclusões nas suas alegações no sentido de ser apreciado a questão de saber se a partir do momento da dedução dos embargos, caberia à embargada a invocação mais pormenorizada do circunstancialismo de que decorre alegada responsabilidade do embargante pelo pagamento das letras, com vista a salvaguardar a sua pretensão executiva de defesa por impugnação deduzida nos embargos. 7. A embargada apresentou contra-alegações. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Se a partir do momento da dedução dos embargos, caberia à embargada a invocação mais pormenorizada do circunstancionalismo de que decorre alegada responsabilidade do embargante pelo pagamento das letras, com vista a salvaguardar a sua pretensão executiva da defesa por impugnação deduzida nos embargos.1. Posição da Relação e das Partes: 1a) A Relação de Lisboa decidiu que o estado do processo permitia conhecer no despacho saneador do mérito da causa, porquanto, por um lado, a embargante limitou-se a invocar o preenchimento abusivo das letras dadas à execução, alegando o anúncio de instruções da sua parte; por outro lado, a exequente havia alegado, no requerimento executivo, a relação subjacente ou obrigação causal das letras, de sorte que cabia ao executado, nos embargos, alegar e mostrar que, em face da relação jurídica substancial formada entre ele e a exequente, a pretensão executiva derivada dos títulos era infundada. 1b) O recorrente BB sustenta que cabe ao exequente embargado provar a respectiva matéria indiciada no título executivo, quando o executado alega uma causa diversa do invocado pelo exequente, no caso de reconhecimento, de dívida ou de promessa de cumprimento não causal (cfr. art. 458º, do C.C.), ou ainda quando o executado ponha em causa a autoria do título negocial particular cuja assinatura não esteja presencialmente reconhecida - cf. art. 374º/2 e 375º, ambos do Código Civil, sendo certo que tal invocação foi feita mas os factos a ela subjacentes não passaram pelo crivo da prova a produzir em sede de julgamento. 1c) A recorrente AA sustenta que é ao recorrente, enquanto executado que cabe demonstrar que a relação subjacente à comissão das letras foi abusivamente desrespeitada pela recorrida, sendo certo que os embargos de executado são, na prática, uma acção declarativa de carácter negativo, já que é o devedor que tem de provocar a abertura de um juízo de declaração em que se verifique a inexistência do direito de crédito e se destrua a eficácia do título executivo. Que dizer? 2. Diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título e (ou) da acção que nele se baseia - cfr. Lebre de Freitas, a acção Executiva, págs. 162; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1992 - BMJ. nº 419, pág. 640. 3. Presentes os diversos tipos de acções contemplados no artigo 4º, do Código Proc.Civil, e consabido que esses diversos tipos de acção definem-se de acordo com a natureza da pretensão requerida ao órgão Judiciário - cf. A. Varela, Manuel Proc. Civil, 2ª ed., pág. 16 -, poderá precisar-se que os embargos de executado traduzem-se numa acção de simples apreciação negativa. 4. Apesar de ser uma acção declarativa de simples apreciação negativa não se obsta a regra do ónus da prova contida no nº 1, do artigo 343º, do Código Civil: nas acções de simples apreciação ou declaração negativa compete ao Réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, ou seja, que ao embargado (o exequente) incumbe provar a exigibilidade da obrigação exequenda. - Não é este o regime do ónus da prova no caso de oposição à execução (embargos de executado), já que as razões que ficaram o legislador a inverter o ónus da prova nas acções de simples apreciação declarativa (razões estas que são, segundo A. Varela, "o seu mais fácil provar a existência de um direito ou de um facto ... do que demonstrar a sua inexistência, eliminando todas as causas possíveis da sua produção" - cf. Obra Citada, págs. 445), não têm cabimento nos embargos de executado em causa: os embargantes, na sua posição de contestante da participação executiva, fundamentou o seu pedido da inexigibilidade da obrigação exequenda no preenchimento abusivo das letras por parte da exequente, atento a ausência de instrução da sua parte para que tal preenchimento se fizesse. 5. Se os embargos de executado exercem a função de uma acção declarativa em que o embargante(s) aparece como "Autor", e o embargado (s) como Réu, não se vê razões para que aos embargos não sejam aplicados os critérios gerais para a repartição do ónus da afirmação (e prova) que se sintetizam no seguinte: - o autor terá o ónus de afirmar ( e provar)os factos constitutivos correspondentes à situação de facto (tathestand) traçado na norma substantiva em que funda a sua pretensão. - ao Réu compete-lhe a afirmação ( e prova) dos factos impeditivos ou extintivos da pretensão da contra-parte, determinados de acordo com a norma em que assenta a excepção por ele invocada. O que se acaba de dizer vem a significar que sobre o embargante recai o ónus de afirmar (e provar) o preenchimento abusivo das letras dadas à execução por parte da exequente, ora embargada, sendo certo que sobre o embargado apenas competia-lhe afirmar factos impeditivos da pretensão do embargante. Daqui surgir a questão de saber se o embargante cumpriu o seu ónus de afirmação. Entende-se que não, com apoio no alegado na petição inicial. Analisando-se a petição inicial verificou-se que tão somente se alegou: as ajuizadas letras foram entregues à exequente em branco art. 1º); só continham a assinatura do aceitante, ora embargante (art. 2º); o preenchimento ficou de ser feito de acordo com as instruções do executado (art. 3º); as letras dos autos foram preenchidas abusivamente pela exequente, atenta a assinado de instruções por parte do ora executado, parece que tal preenchimento se fizesse (art. 4º). O que se alegou na petição inicial não permite precisar, ainda que viesse a ser provado, que houvera preenchimento abusivo das letras entregues em branco à exequente. Na verdade, o embargante deveria ser alegado, com vista ao preenchimento abusivo das letras entregues em branco, factos integrativos das cláusulas ou termos do acordo do preenchimento, sendo certo que quando se fale em acordos de preenchimento da letra em branco tanto se considera os expressos ou directos como os tácitos ou indirectos - cf. Pinto Coelho Lições de Direito Comercial, 2º vol., as letras, fase II - 1943- pags. 37. A não alegação dos factos integrativos das cláusulas ou termos do acordo do preenchimento estabelecido entre o embargante e a embargada quanto às letras em branco entregues a esta, significa como bem se salientou no acórdão recorrido, que os presentes embargos de executados encontram-se propostos em termos de naufragarem. III Conclusão:Do exposto, poderá extrair-se que: "o regime do ónus de afirmação (e prova) na oposição à execução (embargos de executado) traduz-se em ser o embargante (o executado) a ter de afirmar o fundamento (causa de pedir) do seu pedido". Face a tal conclusão, em conjugação com os factos alegados na petição inicial, poderá precisar-se que: 1) O embargante (executado) não alegou factos integrativos ou cláusulas ou termos do acordo de preenchimento das letras em branco que entregou à exequente, ora embargada, de sorte que os embargos terão de ser julgados improcedentes. 2) O acórdão recorrido não merece censura dado não ter inobservado a afirmação em 1. Termos em que se nega a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 13 de Fevereiro de 2003 Miranda Gusmão Sousa Inês Nascimento Costa |