Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SOUTO DE MOURA | ||
Descritores: | HOMICÍDIO HOMICÍDIO QUALIFICADO IMAGEM GLOBAL DO FACTO FRIEZA DE ÂNIMO FINS DAS PENAS MEDIDA DA PENA CULPA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200805150039795 | ||
Data do Acordão: | 05/15/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - No art. 132.º do CP o legislador utilizou a chamada técnica dos exemplos-padrão, estando em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu n.º 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 27 e Teresa Quintela de Brito, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, pág. 191. II - Assim sendo, é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas, se bem que valorativamente equivalentes, as quais revelem a falada especial censurabilidade ou perversidade; e, por outro lado, apesar da descrição dos factos provados apontar para o preenchimento de uma ou mais alíneas do n.º 2 do art. 132.º, não é só por isso que o crime de homicídio cometido, deverá ter-se logo por qualificado. III - A partir da verificação de circunstâncias que o legislador elegeu, com “efeito de indício” (expressão de Teresa Serra, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 126), interessará ver se não concorrerão outros factos que, funcionando como “contraprova”, eliminem a especial censurabilidade ou perversidade do acontecido, globalmente considerado. IV - A “imagem global do facto agravada” (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 26) pode resultar da frieza de ânimo posta na actuação; mas exactamente a propósito desta circunstância é que este autor nos diz que “a hipótese da presente alínea [a então al. i), hoje al. j)], será uma daquelas em que mais frequentemente poderá ser ilidido o efeito qualificador do exemplo padrão” (pág. 40). V - Do art. 40.º do CP fica a indicação que a pena assume agora, entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa; assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido. VI - Com este entendimento tem-se visto, aliás, uma consonância com o imperativo constitucional do n.º 2 do art. 18.º da CRP, sendo certo que não se divisa, no texto fundamental, a eleição dum imperativo ético-penal da retribuição ou expiação da culpa, como direito ou interesse protegido constitucionalmente. VII - As finalidades da punição residem primordialmente na defesa de bens jurídicos – que se traduz na prevenção geral positiva – e na reintegração social do arguido. VIII - A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e como limite inferior, a medida abaixo da qual a comunidade deixaria de ver, na pena aplicada, qualquer reforço da confiança no sistema repressivo gerido pelo Estado. IX - Dentro desta submoldura escolher-se-á a pena que melhor sirva a reinserção social do delinquente e, quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | AA foi condenado no Pº 88/06. OJAGRD, em Tribunal Colectivo e no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, pela prática de um crime de homicídio do artº 131º do C.P., e de outro crime de homicídio na forma tentada p. e p. nos artºs 22º, 23º, e 131º do C.P., respectivamente nas penas de dez anos de prisão e de três anos de prisão. Em cúmulo, foi condenado na pena única de onze anos e seis meses de prisão. O MºPº interpôs recurso da decisão para este S.T.J., pretendendo, no fundamental, uma condenação por crimes de homicídio qualificado, com a consequente modificação das penas. Cumpre portanto conhecer. A – DECISÃO RECORRIDA I – Factos provados (transcrição). “I 1 – No dia 23 de Junho de 2006, cerca das 18.00 horas, em Girabolhos, área desta comarca, os arguidos BB e AA envolveram-se em discussão, tendo no decurso dela o arguido AA caído ao chão. 2 – Tal discussão ocorreu, pelo menos, por causa de uns pagamentos devidos pelo arguido AA a um taxista que transportava a sua mulher a Mangualde, para fazer diálise. 3 – Nesse mesmo dia, às 20 horas, o arguido AA apresentava escoriações leves do cotovelo esquerdo e no pescoço, bem como dor lombar com irradiação para a nádega esquerda, tendo tais lesões causado um período de doença de 8 dias, sem impossibilidade para o trabalho. II 4 - O arguido AA era possuidor de uma pistola marca “Star”, modelo CK (STARLET), de calibre 6.35 mm "Browning" (25 ACP), n.º de série 1301310, fabricada por Bonifácio Echeverria em Elbar, Espanha, de funcionamento semi-automático de movimento simples, com percussão central e indirecta, com um cano de 59 mm, com 6 estrias de sentido dextrógiro no seu interior, munida do respectivo carregador com munições de calibre adequado àquela, marca FEDERAL. 5 - No dia 29 de Junho de 2006, cerca das 12.00 horas, o arguido AA decidiu passar a andar com a pistola acima descrita por força dos acontecimentos ocorridos no dia 23 de Junho de 2006 (descritos em I), e para que numa próxima situação de conflito pudesse fazer uso daquela arma de fogo contra o CC, o DD e/ou o EE, caso fosse necessário. 6 - Nesse mesmo dia, a hora não concretamente apurada, mas após o jantar, o arguido AA dirigiu-se ao estabelecimento conhecido como "Café da ….”, sito na Rua da ….., em Girabolhos, área desta comarca, onde se encontravam os gémeos DD e EE. 7 - Uma vez ali chegado, permaneceu no local algum tempo, aí tendo consumido um café. 8 – Quando os gémeos DD e EE se preparavam para abandonar o supra aludido café, a fim de se dirigirem para a sua residência, um deles dirigiu-se ao arguido, dizendo que pretendiam falar com ele, tendo o arguido AA retorquido: “Não quero nada convosco, deixem-me em paz”, tendo os gémeos saído para o exterior do Café. 9 – O arguido AA abandonou o Café pouco depois, com a intenção igualmente de se dirigir para sua casa. 10 – Já no exterior do café, o arguido viu os gémeos, e seguiu o seu caminho, no que foi secundado por aqueles, que caminhavam poucos metros atrás do arguido na mesma direcção, pois eram vizinhos muito próximos. 11 – Ao verificar que os irmãos DD e EE seguiam atrás de si, o arguido AA retirou do bolso direito das calças a arma já referida, empunhou-a, virou-se para trás e apontou a arma na direcção de DD e de EE, efectuando dois disparos consecutivos na direcção do peito daqueles, quando estes se encontravam a uma distância não superior a dois metros. 12 - Um dos projécteis atingiu o DD na região torácica, provocando-lhe um orifício de entrada de projéctil de bordo irregular, traduzido em ferida perfurante na face antero-esquerda do hemitórax esquerdo (linha axilar média esquerda a nível do 7º espaço intercostal), e um orifício de saída de bordo irregular que consistiu em ferida perfurante do dorso (9° espaço intercostal posterior). 13 - O projéctil efectuou uma trajectória da esquerda para a direita, da frente para trás e de cima para baixo, atingindo estruturas e órgãos essenciais à vida, que se alojam naquela região do corpo, causando as lesões descritas no relatório da autópsia, designadamente fractura em forma de meia-lua, do bordo inferior, pelo arco médio da 7ª costela, com rotura da pleura, fractura pelo bordo inferior da 9ª costela pelo arco posterior com rotura da pleura, hemotórax à esquerda, trajecto em canal no pulmão esquerdo com existência de três orifícios nesse pulmão, um a nível da face costal do lobo inferior distando cerca de 5 cm do bordo inferior, um segundo na base do lobo inferior distando cerca de 5 cm do bordo, e um terceiro ao nível do bordo posterior do lobo inferior ao nível da 9ª costela (arco posterior), com infiltração sanguínea, parênquima pulmonar do lobo superior seco, parênquima pulmonar do lobo inferior com congestão e sinal de digito-pressão positiva, edema encefálico acentuado, solução de continuidade no diafragma (metade esquerda) e zona de contusão esplénica. 14 - As lesões acima descritas foram produzidas na sequência do disparo efectuado pelo arguido, e constituíram causa directa, necessária e adequada da morte de DD, que veio a ocorrer no dia 3 de Julho de 2006, pelas 7.00 horas. 15 - O outro projéctil atingiu o EE, provocando-lhe um orifício de entrada de projéctil de arma de fogo na face anterior do tórax do lado direito (região peitoral direita), tendo tal projéctil ficado alojado na região abdominal, junto da coluna vertebral, entre a zona dorsal e lombar (localização costal direita), causando derrame sanguíneo no interior do abdómen, tórax e na urina, ráfia de lacerações hepáticas no segmento VIII com tamponamento, frenectomia da hemicúpula esquerda, e hemopneumotórax. 16 - Após os disparos, EE foi conduzido ao Hospital de Seia, de onde foi transferido para os H.U.C, aí tendo sido submetido a diversas intervenções cirúrgicas, e em 28-9-2006 não se encontrava clinicamente curado. 17 - As lesões acima descritas foram produzidas na sequência do disparo efectuado pelo arguido. 18 - Em seguida, o arguido afastou-se, acabando depois por se dirigir aos soldados da GNR que entretanto chegaram ao local, relatando o que havia sucedido e entregando a arma de fogo que tinha utilizado. 19 - O DD, apesar ter sido atingido por um projéctil proveniente dos disparos efectuados pelo arguido AA, conseguiu chegar ao início das escadas de acesso à sua residência, sita na Rua do ……, nº …, em Girabolhos (a cerca de 200 metros do local onde ocorreram os disparos), onde ficou prostrado, aí sendo encontrado pelos seus pais – J. P. de O. e M. do E. S. A. C. O. -, cerca das 23 horas e 30 minutos e a quem pediu que chamassem uma ambulância. 20 – Na sequência de uma inspecção efectuada por elementos da Polícia Judiciária da Guarda ao local onde ocorreram os factos, foram encontradas duas cápsulas de munição calibre 6,35 mm, deflagradas pela arma de fogo utilizada pelo arguido AA, tendo ainda sido localizadas manchas hemáticas junto casa dos ofendidos, mais concretamente no início das escadas que dão acesso à mesma. 21 - Nas amostras recolhidas no arguido AA, designadamente nas mãos, face e cabelo e nas peças do seu vestuário, nomeadamente camisa, boné e bolso das calças, foram encontradas partículas características de resíduos de disparo de arma de fogo, compostos por chumbo, antimónio e bário, sendo a presença de tais partículas compatível com os disparos de arma de fogo efectuados por este arguido. 22 - O arguido possui experiência de tiro ao alvo com armas de fogo, e trabalhou como cozinheiro nas Forças Armadas - Marinha. 23 - O arguido AA agiu de forma deliberada, livre e consciente, com intenção de tirar a vida a DD e de EE, apenas não o conseguindo em relação ao segundo por circunstâncias alheias à sua vontade, empunhando uma arma de fogo que apontou aos ofendidos, a curta distância. 24 - O arguido AA procurou, e conseguiu, atingir o tórax dos ofendidos, bem sabendo que nessa zona se alojam diversos órgãos vitais, e que os ofendidos se encontravam numa posição particularmente indefesa face ao meio de agressão utilizado, que se trata de um instrumento com extrema potencialidade letal. 25 - Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. - Mais se provou (incluindo da contestação apresentada): 26 – O Café encontrava-se a dezenas de metros de distância do local onde foram disparados os projécteis pelo arguido EE, e o local era ermo. 27 – O FF e os seus filhos DD e EE mantinham alguns conflitos com pessoas da localidade, e com outros familiares. 28 – São vizinhos muito próximos, há muitos anos, do arguido AA, e nunca antes dos factos relatados nos autos tinham mantido qualquer conflito. 29 - Confessou ter efectuado dois disparos contra os ofendidos DD e EE logo perante a autoridade policial. 30 - O falecido DD foi inicialmente internado no Hospital de Seia, sendo depois transferido para o Hospital da Universidade de Coimbra e deste Hospital de novo transportado para Seia, por se ter entendido que o seu estado não apresentava cuidados que justificassem a sua manutenção em Coimbra. 31 – Entretanto, foi diagnosticada uma situação de "delirium tremens" com insuficiência respiratória e ácidos e metabólica. 32 – O falecido DD era alcoólico crónico, tendo-se colocado a hipótese de sofrer de síndrome de privação. 33 – O arguido EEl encontra-se arrependido por ter efectuado os disparos. 34 – Tem mantido ao longo da sua vida, em Girabolhos, um comportamento considerado exemplar, sendo respeitado por todos os vizinhos. 35 – Sempre foi considerado pessoa pacata e pacífica, dedicado aos seus concidadãos, e prestável. 36 - Encontra-se reformado da Marinha, vivendo apenas da sua reforma de, pelo menos, € 500,00. 37 - Prestou serviços na Marinha de Guerra Portuguesa, entre 1/10/1964 e 31/7/1981, onde exerceu as funções de cozinheiro, sempre com comportamento de primeira classe. 38 – Não consta que o arguido AA tenha antecedentes criminais. 39 – O arguido nasceu em Girabolhos, completou o 4º ano de escolaridade, e trabalhou na agricultura até aos 18 anos de idade, altura em que ingressou na carreira militar. 40 – Tem dois filhos, emigrados nos EUA, onde viveu durante 9 anos, depois de deixar a Marinha, tendo regressado a Girabolhos devido a problemas de saúde de que padecia a sua mulher. 41 – O arguido continuou a trabalhar como cozinheiro depois dessa data, em Santa Comba de Seia, tendo deixado a sua actividade devido ao agravamento do estado de saúde da sua mulher, de quem passou a cuidar, e que viria a falecer já depois de se encontrar preso à ordem destes autos. 42 – Não lhe são conhecidos problemas familiares, e o arguido não é considerado quezilento ou mal intencionado, encontrando-se bem inserido na comunidade onde reside, que lhe reconhece a forma cuidadosa como tratou da mulher durante a doença. 43 – A generalidade das pessoas de Girabolhos ficou surpreendida com a prática dos factos em causa nos autos pelo arguido, tendendo a desculpabilizá-lo. 44 – O arguido assume uma postura de auto-crítica pelos factos praticados, e conta com o apoio de familiares e amigos quando regressar à liberdade. 45 – No estabelecimento prisional, tem recebido visitas de familiares e amigos, mantendo um comportamento adequado às normas vigentes. 46 – A casa onde reside em Girabolhos é propriedade dos seus filhos. 47 – Do certificado do registo criminal do arguido BB nada consta. 48 – O arguido BB é analfabeto, vive com a mulher e com o filho EE (ofendido nos autos), tendo mais 3 filhos, todos maiores, emigrados na Suíça e na Alemanha. 49 – Viveu sempre da agricultura, sendo pessoa muito trabalhadora, e passando a quase totalidade dos dias nas terras que cultiva.” II – Factos não provados (transcrição parcial). “a) No dia 23 de Junho de 2006, cerca das 18.00 horas, em Girabolhos, área desta comarca, o arguido BB abeirou-se de AA e, de modo súbito e inesperado, agarrou-o na zona da cabeça e fez com que ele caísse desamparado ao solo, após o que lhe desferiu diversos pontapés que o atingiram por todo o corpo. b) Desde há vários dias que AA andava a ser ameaçado e perseguido, quer pelos ditos DD e EE, quer pelo pai dos mesmos, FF, conhecido por "CC". c) E desde há vários dias que o arguido José e os seus filhos DD e EE implicavam com o arguido AA, provocando-o, por causa dos pagamentos referidos em 2.. d) No dia 23 de Junho, o referido FF, DD e EE, agindo conjuntamente, agrediram o contestante causando-lhe ferimentos de que teve de ser socorrido no Hospital de Seia. e) As lesões provadas em 3. foram provocadas pela actuação do arguido BB.” III – Qualificação (transcrição parcial). “(…)o arguido encontra-se acusado da prática do crime na forma qualificada, nos termos do art. 132º do Código Penal. Entendemos que as circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas do n.º 2 daquele preceito não serão de aplicação automática, por resultar do n.º 1 da mesma norma a exigência, de carácter geral, de que o agente tenha agido com “especial censurabilidade ou perversidade”, tratando-se os elementos descritos no n.º 2 de meros exemplos que poderão – ou não – preencher a exigência do n.º 1, dependendo das circunstâncias concretas do caso (1) . Segundo o despacho de acusação, a conduta do arguido é susceptível de integrar a circunstância qualificativa previstas nos n.ºs 1 e 2, al. i), do art. 132º do Código Penal. Vejamos: Esta al. i) afirma um factor índice que poderá preencher a exigência de especial censurabilidade ou perversidade do agente, a saber, “agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas”. Compulsada a factualidade provada, impõe-se concluir não se poder ter por preenchido este factor: é certo que o arguido transportava consigo a arma desde cerca das 12 horas desse dia, tendo os factos ocorrido à noite. Porém, quando decide trazer consigo a arma não decidiu, desde logo, matar as vítimas; fê-lo, digamos, por “cautela”. Nem se pode defender que o facto de as vítimas se encontrarem desarmadas e, assim, indefesas perante o meio empregue pelo arguido (arma de fogo) possa integrar a qualificativa em causa; é que, se assim fosse, todos os homicídios seriam qualificados, apenas incorrendo na prática do crime simples quem matasse outrem no decurso de uma qualquer contenda física. Relativamente ao meio empregue, é particularmente perigoso, mas não será apenas por essa razão que o agente manifesta especial perversidade ou censurabilidade: trata-se de um instrumento normal para a prática do crime em causa nos autos, que viola o bem jurídico supremo, sendo assim sempre o meio empregue perigoso. A forma como o arguido utilizou a arma de fogo que transportava será tida em conta na medida da pena a aplicar, nos termos do art. 71º, n.º 2, do Código Penal (…)”. B – RECURSO O Mº Pº concluiu a sua motivação, no recurso por si interposto, do seguinte modo (transcrição): “I. O tipo qualificado do crime de homicídio, p. e p. pelo art.132° do Código Penal na sistemática do Código, é construído sobre o tipo simples de homicídio a partir da constatação na conduta do agente de uma culpa agravada, que repousa sobre uma cláusula geral abrangente de conceitos indeterminados, sob a denominação de especial censurabilidade e perversidade, de que são factos-índice os exemplos-padrão, técnica legislativa usada pelo legislador, descritos em forma exemplificativa no seu n.º 2. II. No que se reporta à circunstância qualificativa traduzida em frieza de ânimo, será de entender que a mesma terá lugar, para alem do mais, sempre que interceda um hiato temporal entre a ideação do meio a usar e a passagem à acção, por seu intermédio. III. O agente age com frieza de ânimo quando selecciona os meios a utilizar na agressão, quando reflecte na opção pelo meio mais adequado, repudiando o que menos probabilidade de êxito se lhe oferece de um ponto de vista pragmático, por ter em mente o que menos possibilidade de defesa representa para a pessoa da vítima, devendo reconduzir-se às situações em que se verifica calma, reflexão ou sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução . IV. A matéria factual dada como provada no acórdão proferido pelo Tribunal "ad quo", impunha, salvo melhor opinião, que se qualificassem os crimes de homicídio pelos quais foi condenado o arguido, uma vez que, e com o respeito por diferente entendimento, ter-se-á de se considerar que o arguido reflectiu e persistiu na decisão de utilizar nos ofendidos, a arma de fogo que passou a trazer consigo, durante pelo menos 9/10 horas, sendo inquestionável a verificação deste lapso de tempo, de várias horas, que permitiu a congeminação do modus faciendi e da execução do crime, e configurará a qualificativa da frieza de ânimo prevista na i) do n.º 2 do art.132° do Código Penal. V. No caso em apreço, não se pode olvidar que, e segundo o que foi dado como provado, o arguido AA conhecia o potencial letal da arma que transportava, uma vez que tinha experiência de tiro ao alvo com armas de fogo, os factos ocorreram após um decurso temporal de várias horas, após ter decidido utilizar nos ofendidos a arma de fogo e a execução revelou uma calma e determinação muito acentuadas, dado que o arguido disparou a sangue frio e à queima roupa, sem que sequer tivesse havido qualquer provocação por parte dos ofendidos que se limitavam a caminhar na mesma direcção. VI. Nesta decorrência, entende o Ministério Público que os factos dados como provados permitem a condenação pela prática de crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts.131 ° e art.132° n.º 1 e nº2 i) do Código Penal. VII. A proceder a argumentação acima aduzida quanto à qualificação jurídica dos factos, impõe-se a alteração da medida da pena. VIII. Tendo por base os critérios de determinação da medida concreta da pena plasmados no Código Penal bem como os princípios inerentes aos fins das penas que norteiam o nosso ordenamento jurídico penal e atendendo à natureza do ilícito criminal em causa e às demais circunstâncias do caso concreto, consideramos que as exigências de prevenção geral e especial impõem a alteração na medida da pena. IX. Apesar do que milita a favor do arguido (a idade, a ausência de antecedentes criminais, a inserção social, a humilde condição cultural e social), há que ponderar o elevadíssimo grau de ilicitude dos factos, porquanto o arguido atentou contra o bem jurídico supremo da ordem jurídica e fê-lo por duas vezes, a intensidade do dolo, que foi directo, as especiais circunstâncias em que os factos se deram; ao elevadíssimo grau de culpa; ao modo de execução; aos motivos que determinaram a actuação do arguido, as gravíssimas consequências dos factos: as elevadas exigências de prevenção especial e as elevadíssimas e gritantes exigências de prevenção geral. X. Face a todas as circunstâncias a atender na determinação da medida concreta da pena e às molduras abstracta das penas em causa nos presentes autos, entendemos que deve ser aplicada ao arguido uma pena nunca inferior a l5 anos e 6 meses para o crime consumado e de 6 anos para o crime na forma tentada. XI. A pena conjunta, através da qual se pune o concurso de crimes. tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 15 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 21 anos e 6 meses de prisão. XII. Tudo ponderado, considera o Ministério Público que realizado o cúmulo jurídico deverá ser aplicada ao arguido AA uma pena única não inferior a 17 anos, por só uma pena desta dimensão responder satisfatoriamente às necessidades de prevenção geral e especial, não ultrapassando, por outro lado, a medida da culpa. XIII. No caso de não merecer acolhimento a alteração da qualificação jurídica que acima se sustentou, optando-se por punir o arguido pela prática de crime de homicídio simples p. e p. pelo art.131° do Código Penal, entende o Ministério Público que, mesmo assim, as penas aplicadas não interpretaram da forma mais adequada os critérios de determinação da medida da pena. XIV. Neste particular, e aplicando mutatis mutantis o que acima foi dito acerca da medida da pena, entendemos face a todas as circunstâncias e às molduras abstracta das penas em causa nos presentes autos que deve ser aplicada ao arguido uma pena nunca inferior a 12 anos para o crime consumado e de 4 anos e 6 meses anos para o crime na forma tentada, e, em cúmulo jurídico, não inferior a 14 anos, por só uma pena desta dimensão responder satisfatoriamente às necessidades de prevenção geral e especial, não ultrapassando, por outro lado, a medida da culpa. XV. Pelo exposto, considera o Ministério Publico que o acórdão recorrido violou os arts. 40°, 71°, 72°, 77° n.º 2, 131° e 132° n.º 2 n.º 1 e n.º 2 i), todos do Código Penal, devendo o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido, condenando-se o arguido AA pela prática de crime de homicídio qualificado (um na forma tentada e outro na forma consumada), p. e p. pelos arts.131° e 132° n.º 1 e n.º 2 i) do Código Penal, em penas parcelares nunca inferiores a 15 anos e 6 meses para o crime consumado e de 6 anos para o crime na forma tentada. e pena única não inferior a 17 anos de prisão. e no caso de se manter a qualificação jurídica da 1ª instância, em penas parcelares nunca inferiores a 12 anos para o crime consumado e de 4 anos e 6 meses para o crime na forma tentada, e pena única não inferior a 14 anos de prisão”. A terminar a sua resposta, o arguido concluiu do modo que se segue: “1. No entender do respondente, o douto Acórdão recorrido, fez uma correcta interpretação dos factos, aplicou correctamente a Lei aos mesmos e aplicou ao recorrente uma pena que esta reconhece como justa; 2. Desde o primeiro momento que assumiu a sua culpa e que se manifesta profundamente arrependido, dos factos que praticou; 3. As circunstâncias em que os factos ocorreram, os factos dados como provados pelo Tribunal Colectivo, excluem especial censurabilidade e afastam qualquer perversidade da parte do arguido; 4. O Tribunal deu expressamente como não provado, que o arguido tenha agido com reflexão sobre a eficácia do meio de agressão que utilizou: 5. A censurabilidade do seu acto, é a censurabilidade normal, decorrente de quem ofende o facto típico ilícito penal; 6. O modo como os factos ocorreram excluem a verificação da circunstância, frieza de ânimo, prevista no art° 132° n° 2 i) do C. Penal; 7. E não se verificando no caso, especial censurabilidade ou perversidade, os crimes praticados pelo arguido, não deverão ser qualificados, mas sim apenas um crime de homicídio simples consumado e um crime de homicídio simples na forma tentada; 8. As penas parcelares aplicadas, tiveram em conta os critérios do art° 71 ° do C. Penal, sendo certo que, a pena não deve exceder a culpa do agente e que, as exigências da prevenção geral, se encontram acauteladas com a pena aplicada; 9. Não foi pois violado o disposto no art° 71° do C. Penal; 10. Deve negar-se provimento ao recurso; 11. Confirmando-se assim o Acórdão recorrido, quer quanto à qualificação dos crimes, quer quanto à medida da pena aplicada”. Já neste Supremo Tribunal, o MºPº pronunciou-se sobre o recurso, concluindo pela promoção de designação de data para julgamento. Colhidos os vistos procedeu-se a audiência de julgamento. C – APRECIAÇÃO A primeira questão que importa conhecer é a da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, e depois a da medida das penas aplicadas. I – Qualificação Importa recordar a chamada técnica dos exemplos-padrão utilizada pelo legislador no artº 132º do C.P., e o facto de estarem em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu nº 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente (assim Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, pag. 27, e para uma resenha da controvérsia, na doutrina, sobre se as circunstâncias em causa respeitam ao tipo de culpa ou ao tipo de ilícito, vide Teresa Quintela de Brito in “Direito Penal - Parte Especial: Lições, Estudos e Casos”, pag. 191 e seg.). Assim sendo, é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas, se bem que valorativamente equivalentes, as quais revelem a falada especial censurabilidade ou perversidade. E, por outro lado, apesar da descrição dos factos considerados provados apontar para o preenchimento de uma ou mais alíneas do nº 2 do artº 132º, não é só por isso que o crime de homicídio, cometido, deverá ter-se logo por qualificado. A partir da verificação de circunstâncias que o legislador elegeu, “com efeito de indício” (expressão de Teresa Serra, in “Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena”, pag. 126), interessará ver se não concorrerão outros factos que, funcionando como “contraprova”, eliminem a especial censurabilidade ou perversidade do acontecido, globalmente considerado. A “imagem global do facto agravada” (Figueiredo Dias ob.cit. pag. 26) pode resultar da frieza de ânimo posta na actuação [al. i) à data dos factos, al. j) depois da entrada em vigor da Lei 59/2007 de 4 de Setembro]. Mas, exactamente a propósito desta circunstância é que Figueiredo Dias nos diz que “a hipótese da presente alínea [a então al. i), hoje al. j)], será uma daquelas em que mais frequentemente poderá ser ilidido o efeito qualificador do exemplo padrão” (ob. cit. pag. 40). Como resulta da recensão feita no acórdão proferido no Pº 1224/08 desta 5ª Secção (Rel. Cons. Simas Santos), a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se pronunciado, uniformemente, a tal propósito do seguinte modo: “– As circunstâncias contempladas no n.º 2 do art.º 132 não são taxativas nem implicam só por si a qualificação do crime. Tais circunstâncias não são elementos do tipo e antes elementos da culpa não sendo o seu funcionamento automático (Acs. de 13.2.97, proc. n.º 986/96 e de 3.6.98, proc. n.º 301/98). Tais circunstâncias não são elementos do tipo, mas da culpa, devendo existir no momento do crime, ou preceder a sua execução. (Ac. de 8.7.98, proc. n.º 646/98). Essencial, é que, as circunstâncias em que o agente comete o crime revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, uma censurabilidade ou perversidade distintas (pela sua anormal gravidade) daquelas que, em maior ou menor grau, se revelem na autoria de um homicídio simples. (Ac. de 21.5.97, proc. n.º 188/97). – (2) O tipo do art. 132.º, do C. Penal, (homicídio qualificado) consiste em ser a morte causada em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente (art. 132.º, n.º 1), enumerando o n.º 2 do mesmo artigo um conjunto de circunstâncias, não taxativas, susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade. (3) Por isso, pode verificar-se qualquer das circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2, do art. 132.º do C. Penal, e não existir especial censurabilidade ou perversidade justificativa da qualificação do homicídio e podem outras circunstâncias, diversas daquelas descritas, revelar a censurabilidade e a perversidade pressupostas como qualificativas. (Ac. de 10.12.97, proc. n.º 1207/97). – O legislador utilizou no art. 132.º, do C. Penal, a chamada técnica dos exemplos-padrão, sendo as circunstâncias elencadas nas diversas alíneas do n.º 2 meros indícios não taxativos e meramente enunciativos da existência ou inexistência da especial censurabilidade ou perversidade do agente aludida no n.º 1. É a especial censurabilidade ou perversidade do agente o fundamento da aplicação da moldura penal agravada do homicídio qualificado; e não as circunstâncias indicadas nos exemplos-padrão, que não são de funcionamento automático. (Ac. de 18.2.98, proc. n.º 1086/97). – A verificação dos exemplos-padrão do n.º 2 do art. 132.º, do C. Penal, não funciona automaticamente, em termos de logo se dar por demonstrada a especial censurabilidade ou perversidade do agente. Como elementos da culpa, implicam ainda um exame global dos factos de modo a chegar, ou não, àquela conclusão. (Ac. de 7.12.99, Acs STJ VII, 3, 234).” Quanto à circunstância qualificativa “frieza de ânimo”, que o Mº Pº entende estar verificada, também abunda a jurisprudência deste S.T.J. quanto ao respectivo sentido. Seleccionamos, por mais recentes, os seguintes acórdãos: “A frieza de ânimo tem sido definida como o agir “de forma calculada, com imperturbada calma, revelando indiferença e desprezo pela vida”, um comportamento traduzido na “firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução criminosa” (AcSTJ de 06-04-2006, proc. n.º 362/06-5 ) A frieza de ânimo, a que se refere a al. i) do n.º 2 do art. 132.° do CP, traduz a formação da vontade de praticar o facto de modo frio, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução, persistente na resolução; trata-se, assim, de uma circunstância agravante relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime, devendo reconduzir-se às situações em que se verifica calma, reflexão ou sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução. (AcSTJ de 21-06-2006, proc. n.º 913/06-3) Frieza de ânimo traduz a formação da vontade de praticar o facto de modo frio, lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução, persistente na resolução; trata-se, assim, de uma circunstância agravante relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime, devendo reconduzir-se às situações em que se verifica calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução. (AcSTJ de 21-06-2006, proc. n.º 1559/06-3) A jurisprudência deste STJ tem afirmado que a frieza de ânimo é uma acção praticada a coberto de evidente sangue-frio, pressupondo um lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo e imperturbado processo na preparação e execução do crime, que maquinou, por forma a denotar insensibilidade e profundo desrespeito pela pessoa e vida humanas. (AcSTJ de 26-09-2007, proc. nº 2591/07-3)”.
Importa de seguida debruçarmo-nos sobre a factualidade disponível. Em primeiro lugar, o episódio de 23/6/06. Vê-se que pelas 18h desse dia o arguido se envolveu “em discussão” com FF, pai das vítimas dos autos, no decurso dessa discussão caiu ao chão, e pelas 20h do mesmo dia apresentava as lesões descritas nos autos, e que demandaram oito dias de doença sem impossibilidade para o trabalho. A leitura de fls 997 e seg. dos autos ilustram as dificuldades sentidas, na formação da convicção do tribunal, a tal respeito, do que resulta que os factos que foi possível considerar provados são, necessariamente, apenas parte da descrição do que se terá passado. De qualquer modo, é só a eles que nos devemos ater, sem prejuízo de se poder ter em conta que a G.N.R. foi ao local, na altura (fls 997) e que o ora arguido foi socorrido, em consequência desses eventos no Hospital de Seia. De sublinhar que foi por causa dos acontecimentos de 23/6/06 que o arguido resolveu andar armado (ponto 5 da matéria de facto), e que tudo resultaria de uma falta de pagamentos de viagens de táxi para transporte da mulher do arguido (ponto 2).
Quanto ao que se passou a 29/6/06, deu-se por provado que pelas 12.00 horas desse dia, o arguido decidiu passar a andar armado “para que numa próxima situação de conflito pudesse fazer uso daquela arma de fogo contra o CC, o DD e/ou o EE, caso fosse necessário”. Daqui resulta, desde já, a enorme dificuldade em dar-se por provado que nessa altura o arguido tenha formulado uma intenção de matar qualquer um dos três. O que se depreende do que ficou provado é que nessa altura o arguido admitiu a eventualidade de novo confronto, e que admitiu a eventualidade de ter que fazer uso da arma no decurso desse confronto. Uso que pode ter sido previsto com um propósito de defesa. E, na dúvida, é exactamente para aí que nos devemos encaminhar (in dubio pro reo), como aliás parece ter feito o tribunal a quo, ao discorrer sobre a qualificação do comportamento do arguido: “quando decide trazer consigo a arma não decidiu, desde logo, matar as vítimas; fê-lo, digamos, por “cautela” (fls. 1009). Com este entendimento tem-se visto, aliás, uma consonância com o imperativo constitucional do nº 2 do artº 18º da Constituição da República, de acordo com o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.” Sendo certo que se não divisa, no texto fundamental, a eleição dum imperativo ético-penal da retribuição ou expiação da culpa, como direito ou interesse protegido constitucionalmente. Quando pois o artº 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele artº 40º. E, assim, as finalidades da punição residem primordialmente na defesa de bens jurídicos e na reintegração social do arguido, e não, com se viu, na retribuição da culpa . Certo que a defesa de bens jurídicos é finalidade comum a todo o sistema penal e não tem só que ver com a tarefa de escolha da pena. Tal propósito tem por isso que ser encarado em termos de prevenção geral, para o distinguirmos da prevenção especial, expressa através do desiderato da reintegração do arguido na sociedade. A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, a medida abaixo da qual a comunidade deixaria de ver, na pena aplicada, qualquer reforço da confiança no sistema repressivo gerido pelo Estado. Dentro desta “sub-moldura” escolher-se-á a pena que melhor sirva a reiserção social do delinquente, e, quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. Numa moldura de 8 a 16 anos de prisão (relativa ao crime de homicídio consumado), o arguido foi condenado a 10 anos de prisão. Pelo crime tentado, numa moldura de 1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão, foi o arguido condenado em 3 anos de prisão. Também neste ponto não temos especiais reparos a fazer ao acórdão recorrido. D – DECISÃO Tudo visto e ponderado, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça e 5ª Secção em negar provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida. Lisboa, 15de Maio de 2008 Souto de Moura (Relator) |