Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | MOREIRA ALVES | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA DEVER ACESSÓRIO CONSTITUIÇÃO PROPRIEDADE HORIZONTAL INCUMPRIMENTO DEFINITIVO MORA INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA PERDA DE INTERESSE DO CREDOR RESTITUIÇÃO DO SINAL | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 03/09/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - Só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato-promessa e a exigência do sinal em dobro (ou a perda do sinal passado); a simples mora não pode ter tal consequência. II - A situação de mora ou retardamento da prestação ainda possível e com interesse para o credor, pode evoluir para uma situação de incumprimento definitivo em três situações distintas: a) quando, em consequência da mora, o credor perder o interesse na prestação, sendo essa perda de interesse apreciada objectivamente; b) quando o devedor em mora não realizar a prestação dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor para o efeito (interpelação admonitória); c) quando o devedor declara, de forma expressa ou tácita, que não cumprirá ou não quer cumprir. III - Frequentemente dos contratos, designadamente dos contratos-promessa de compra e venda, paralelamente à prestação principal, derivam, deles, deveres secundários de prestação, dos quais se distinguem os simples deveres acessórios de conduta. IV - Entre os deveres secundários de prestação importa destacar os deveres acessórios da prestação principal, que se destinam a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução dessa prestação, cuja violação pode gerar mora ou incumprimento definitivo se o seu incumprimento determinar o retardamento ou incumprimento da obrigação principal (que visa preparar ou cujo cumprimento visa assegurar). IV - No caso concreto, se os autores esperaram 5 anos que os réus legalizassem o prédio, de modo a tornar possível a aquisição da “fracção” que estes lhe prometeram vender, de acordo com o convencionado, e, findo tal prazo, os réus nada fizeram de útil, designadamente não constituíram o prédio no regime da propriedade horizontal – o que era absolutamente indispensável para a concretização do negócio –, não entregaram nenhum dos documentos necessários à celebração da escritura prometida, nem alegaram qualquer motivo justificativo para a sua omissão, e perante as insistências dos autores, bem documentadas em 10 cartas que estes lhes remeteram, mantiveram-se inactivos, ignorando-se quando e se têm intenção de legalizar o prédio, é legítimo concluir pela perda de interesse dos autores na aquisição da “fracção” prometida vender, considerando os princípios da boa fé e do bom senso, i.e., tendo em conta critérios de razoabilidade próprios do comum das pessoas. V - Consequentemente, havendo indiscutível mora no cumprimento da obrigação acessória (e quer se considere extensível tal mora à própria obrigação principal, quer não) o certo é que há indissociável ligação desta à obrigação principal, que sem o seu cumprimento não pode concretizar- se: tal mora converteu-se em incumprimento definitivo, por perda objectiva do interesse dos credores, arrastando consigo o incumprimento definitivo da obrigação principal e, portanto, do contrato-promessa em causa, com as legais consequências, gerando a obrigação da restituição do sinal em dobro, visto que o incumprimento é culposo e só pode ser imputado aos réus. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relatório Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, AA e marido, BB intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra, CC e marido DDe 1) EE, alegando resumidamente: - Os A.A. celebraram com os RR um contrato-promessa de compra e venda, através do qual estes prometeram vender-lhes e os AA. Prometeram comprar-lhes o ..º andar frente do prédio urbano sito na Rua …., nº…, Lisboa. -Obrigaram-se os RR a fornecer aos A.A., no prazo máximo de 5 anos, a partir da data da celebração do contrato (4/2/1999), toda a documentação necessária à celebração da escritura definitiva, designadamente, a escritura de constituição do prédio em regime de propriedade horizontal e certidão de registo e licença de habitação. - Porém, os R.R. não forneceram aos A.A. tal documentação, nem no prazo convencionado, nem posteriormente, apesar das inúmeras solicitações dos A.A. nesse sentido. - Por isso, os A.A. perderam definitivamente o interesse na concretização do negócio, denunciando o negócio em 19/9/2005, de tudo dando conhecimento aos RR. - alegam ainda que efectuaram benfeitorias na “fracção”, com o que gastaram 8.275.00€. - Como sinal e princípio de pagamento, entregaram aos RR. 5.000.000$00. * Terminaram a sua alegação formulando os seguintes pedidos:1) Declaração de resolução do contrato em causa; 2) Condenação dos RR. a restituir-lhes o dobro do sinal (49.789.78€), acrescido dos juros legais desde a citação. E 3) Condenação dos RR a pagarem-lhes o valor das benfeitorias (8.275.00€), acrescido dos juros legais, desde a citação, * Contestaram os RR e deduziram pedido reconvencional.Pediram a condenação dos A.A. a pagarem-lhes a quantia de 24.300€, correspondente à contrapartida devida pela ocupação do imóvel, durante 6 anos e 9 meses. * Replicaram os A.A. * A reconvenção foi rejeitada por despacho transitado.* O A.A. foram convidados a aperfeiçoar a p. inicial, no que se refere às peticionadas benfeitorias, o que acataram.* Os RR impugnaram a nova factualidade alegada.* Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.* Realizado o julgamento e lida a decisão sobre a matéria de facto, foi a acção julgada totalmente improcedente e os RR absolvidos dos pedidos.* Inconformados recorreram os A.A. (limitando o recurso aos dois primeiros pedidos) e com êxito, visto que a Relação, conhecendo da apelação a julgar procedente e, consequentemente, revogou a sentença recorrida, declarou resolvido o contrato-promessa em causa, condenando os RR a restituírem aos A.A. a quantia recebida a título de sinal em dobro (48.789.78€), acrescida dos juros legais desde a citação até efectivo pagamento.* Recorrem de revista, agora, os RR* Conclusões * Apresentadas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:* a) - No contrato promessa celebrado em 04.02.1999, entre os aqui recorrentes e recorridos não se convencionou um prazo certo, definitivo, fixo, peremptório para a celebração da escritura pública de compra e venda do andar em causa.Conclusão da Revista Dos RR * * b)- Entende-se que é necessário a fixação de um prazo, nos termos supra referidos, para que se gerasse uma situação de exigibilidade para que os devedores pudessem ficar em mora, já que esta existe como forma de não cumprimento da obrigação, desde que, por causa imputável ao devedor, a prestação ainda possível, não foi efectuada em devido tempo. c)- Não tendo sido fixado qualquer prazo certo ou fixo para a realização da escritura, ter-se-à que concluir que a obrigação principal das partes de celebrarem o contrato prometido ficou sem prazo, convertendo-se, portanto, numa obrigação pura, nos termos do disposto no art° 805°, n° 1 do Código Civil, estando, consequentemente, dependente de interpelação para esse efeito. d)- Do contrato promessa de compra e venda consta que competia aos compradores, aqui recorrentes, a marcação da escritura, pelo que sempre poderiam estes ter diligenciado pela realização da mesma. e)- Depois é necessário alegar e provar que os compradores, aqui recorridos, perderam o interesse que tinham na prestação, devendo esse interesse ser sempre apreciado objectivamente ( art° 808°, n° 2 do C.C). f) - Com efeito, contrariamente ao que foi entendido pelo Douto Acórdão de que ora se recorre, não basta que tenha decorrido o prazo de cinco anos sem obtenção os documentos acordados para tal mora desencadear automaticamente a resolução do contrato, é necessário que haja uma situação de mora que objectivamente dê lugar à perda de interesse dos recorridos na prestação acordada. g)- O prazo de 5 anos era tão só e apenas o prazo para a entrega de elementos e documentos necessários à celebração da escritura definitiva e não para a celebração da escritura propriamente dita. h) -No que concerne à perda do interesse na prestação, questão fulcral a apreciar objectivamente, o disposto no art° 808° do C.C, não se conforma com uma simples alteração ou mudança da vontade do credor desacompanhada de uma circunstância que objectivamente leve a concluir que o negócio já não interessa. i) - Não parece ter sido esse o caso dos autos. Com efeito, os recorridos não invocaram e muito menos provaram um qualquer facto que permita concluir pela perda objectiva do interesse pelo negócio, nos termos em que vem consagrado no art° 808° do C.P.C. j)- -Não ficou demonstrada de forma inequívoca uma causa justificativa, objectiva, para se concluir que se verificou perda de interesse do credor. 1)- Isto é, não é possível verificar o incumprimento definitivo imputável aos promitentes vendedores, para efeitos da resolução do contrato de compra e venda,"põr perda "do Interesse dos compradores pelo negócio. m)- Nem mesmo nas cartas enviadas pelos aqui recorridos aos recorrentes se fixa qualquer prazo peremptório para o cumprimento, porquanto elas em nada cominam, admoestam ou interpelam. n)- E não se encontrando os ora recorridos dispensados de utilizar a interpelação admonitória dos ora recorrentes a fim de lhes ser possível "ex-post” resolver o contrato não podem agora vir obter a desejada resolução. o)- A interpelação admonitória constitui uma expressa e formal intimação ou advertência ao devedor moroso de que se não cumprir dentro do prazo razoável que o credor lhe fixar, incumpre definitivamente o contrato. p)- Ademais e como se disse supra, a marcação da escritura competia aos aqui recorridos, pelo que sempre poderiam proceder à respectiva marcação interpelando para o efeito os aqui recorrentes, o que nunca fizeram. q)- Mais, os aqui recorridos usufruíram e usufruem gratuitamente do imóvel desde a data em que celebraram o contrato promessa aqui em apreço. r)- É no mínimo pouco razoável que tenham usufruído gratuitamente de um imóvel durante estes anos e que venham agora resolver o negócio sem invocar qualquer causa justificativa para o efeito. s)- Assim e em suma, não tendo sido estabelecido um prazo limite, improrrogável para a realização da escritura prometida, só após a interpelação pelos aqui recorridos aos aqui recorrentes para a realização da escritura, se pode colocar, face à sua falta, uma situação de mora no cumprimento destes, impondo-se, por isso, para a configuração de um incumprimento definitivo, o recurso à interpelação admonitória, o que não ocorreu. t) - Ao decidir como decidiu o Tribunal da Relação violou, por erro ou má aplicação do disposto nos art°s 442° n° 2, 801°, 805° e 808° do C.C Os Factos * 1. Por escrito de 04 de Fevereiro de 1999, sob a designação de "Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo de Quitação" os autores AA e BB prometeram comprar aos réus CC, FF e EE e estes prometeram vender aos autores, o … andar frente do prédio urbano, sito na rua …, n.° …, Freguesia de Santa Engrácia, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 843 e descrito na 2ª conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 12781 nas fls. 142 do livro 45, pelo preço de 18.000.000$00 ( A);* São os seguintes os factos apurados nos autos: * 2. Da cláusula 3ª do escrito referido em 1º, resulta que os autores entregaram nessa data aos réus, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 5.000.000$00 (€24.939,89), ficando de entregar a restante parte do preço no montante de 13.000.000$00/ € 64.843,73 (B ); 3. Consta da cláusula 4a do escrito referido em A) que: Após a data da entrega, por parte dos l°s outorgantes (os RR), dos documentos necessários à celebração da escritura de compra de venda, esta será marcada, pelos segundos outorgantes (os AA), num prazo máximo de 30 dias (ou período necessário para a celebração dos registos provisórios na Conservatória do Registo Predial, caso seja exigido pela entidade de crédito que apoiará o financiamento da compra do andar após a entrega de todos os documentos necessários à realização da escritura) e realizada no prazo máximo de 90 dias (C); : 4. De acordo com a cláusula 5ª os autores ficaram incumbidos de informar os réus do local e hora da escritura de compra e venda (D); 5. Decorre da cláusula 7ª que: "os segundos outorgantes receberão a chave da fracção objecto do presente contrato de compra e venda na data da sua assinatura com vista a proceder ãs obras que acharem necessárias e posterior ocupação para habitação própria" ( E ); 6. Consta da cláusula 9ª do escrito referido em A) que os réus se obrigaram fornecer num prazo máximo de 5 (cinco) anos, a partir da data do escrito, todos os elementos necessários à celebração da escritura definitiva, inclusive a licença de habitação e autorizar o registo provisório da transacção em questão, caso fosse necessário (F); 7. Os Autores remeteram à Ia ré CC as cartas datadas de 17 de Fevereiro, 4 de Março e 17 de Março de 2005, constantes de fls. 18 a 23, cujo teor aqui se dá por reproduzido, solicitando a marcação da escritura e a marcação de uma reunião com vista a acelerar o processo de aquisição do imóvel referido em A. ( G); 8. Em 12 de Abril de 2005, na sequência de uma reunião realizada em 06.04.2005 no escritório da 1ª Ré,- o autor dirigiu conjuntamente com GG e HH, à ré CC, carta nos termos constantes do documento de fls. 24, cujo teor aqui se dá por reproduzido e na qual solicita o envio de cópia do processo de legalização dos andares, conforme esta se comprometera a fazer na dita reunião (H); 9. Em 11 de Julho de 2005 o autor dirigiu conjuntamente com GG e HH, à 1ª Ré, outra carta registada, na qual referiu expressamente que "agradecemos que nos contacte (contactos no final da carta) impreterivelmente até amanhã (12/7) para informar-nos da evolução do processo", conforme documentos de fls. 25 e 26, cujo teor aqui se dá por reproduzido (I); 10. Em 14 de Julho de 2005 o autor dirigiu conjuntamente com GG e HH, à 1ª ré, nova carta nos termos constantes de fls. 27, cujo teor aqui se reproduz, afirmando na parte final da carta que "a situação está a ultrapassar os limites do razoável" (J). 11. Em 19 de Setembro de 2005, foi dirigida aos réus uma nova carta, subscrita pela mandatária dos autores, informando que se encontra denunciado o contrato promessa e será intentada acção judicial com vista à sua condenação em dobro do sinal dado pelos promitentes compradores, conforme documento de fls. 28, cujo teor aqui se dá por reproduzido ( K); 12. Os réus não deram qualquer resposta às cartas referidas em G. ( L); 13. Os réus não entregaram aos autores os documentos referidos em H) para efeitos de marcação das escrituras (M); 14. Em 18.01.2006 a Câmara Municipal de Lisboa declarou que relativamente ao prédio sito na rua …, n° …, em Lisboa não foi emitido auto de vistoria para efeitos de constituição edifício de propriedade horizontal", conforme documento de fls. 126 e 127, cujo teor aqui se dá por reproduzido (N); 15. Na data referida em A), a cozinha da fracção ali identificada não tinha óveis (1º); 16. Os autores substituíram a porta de entrada (18°); 17. Devido à colocação do gás natural, as tubagens tiveram de ser substituídas (22° ); 18.0 imóvel referido em A) foi todo remodelado no ano de 1998, a expensas dos réus, não carecendo de obras (27°); Fundamentação. * Ao que resulta das conclusões, a questão que aqui se coloca consiste em saber se a factualidade provada permite ou não concluir que os A.A. perderam objectivamente o interesse na celebração do contrato do contrato prometido em causa, por efeito da mora dos RR, promitentes vendedores.* Vejamos* Concordamos inteiramente com o acórdão recorrido recorrida quando afirma que só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato-promessa e a exigência do sinal em dobro (ou a perda do sinal passado).A simples mora não pode ter tal consequência, como é jurisprudência e doutrina maioritário – (sobre o assunto conf. Acc. Deste S.T.J. e desta conferência, proferido no Proc. nº 3607/2006 -1º). * Porém, a situação de mora ou retardamento da prestação ainda possível e com interesse para o credor, pode evoluir para uma situação de incumprimento definitivo.Tal acontece em três situações distintas. Verifica-se a primeira quando, em consequência da mora, o credor perder o interesse na prestação, sendo certo que essa perda de interesse tem de ser apreciada objectivamente (Art.º 808 nº1 – primeira parte). Quer isto dizer que tal perda de interesse na prestação terá de resultar de todo um circunstancialismo fáctico muito concreto e bem definido, que revele justificadamente tal perda de interesse segundo um critério de razoabilidade próprio do comum das pessoas. Como ensina A. Varela “a lei não se contenta com a simples perda (subjectiva) do interesse do credor na prestação em mora para decretar a resolubilidade do contrato; o nº2 do artigo exige que a perda de interesse seja apreciada objectivamente A perda de interessa na prestação não pode filiar-se numa simples mudança de vontade do credor desacompanhada de qualquer circunstância além da mora, como seja o facto de, por causa da mora, o negócio, já não ser do seu agrado; também não basta, para fundamentar a resolução qualquer circunstância que justifique a extinção do contrato aos olhos do credor” (cof. R.L.J. 118-54). * A segunda situação consiste em o devedor em mora não realizar a prestação dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor para o efeito.Trata-se da interpelação os efeitos que lhe são típicos deve conter uma intimação clara para cumprir fixar um prazo peremptório razoável, consoante as circunstâncias do caso, para o efeito, e informar inequivocamente que o não cumprimento dentro do prazo terá a consequência de ter-se por não cumprida definitivamente a prestação. * Portanto, em ambos os casos referidos, a mora converte-se em incumprimento definitivo com todas as suas consequências (quanto ao contrato-promessa, veja-se o Art.º 442 do C.C.), sendo evidente que no primeiro caso, dada a perda de interesse do credor não há lugar a qualquer interpelação admonitória, que só se justifica na segunda situação descrita, em que o interesse do credor na prestação se mantém durante o prazo fixado para o cumprimento.* Para além das ditas situações tipificados existe uma outra situação que o doutrina e a jurisprudência equiparam ao incumprimento definitivo (sem prejuízo do eventual recurso à acção de cumprimento ou à execução específica proposta pelo contratante inocente) e que se traduz na declaração expressa ou tácita, do devedor de que não cumprirá ou não quer cumprir.* O que acaba de se expor refere-se directamente ao incumprimento da obrigação principal ou tipificada no contrato.* * * Por exemplo, no caso de contrato- promessa com sinal passado, a obrigação principal traduz-se na celebração da escritura definitiva (obrigação de facere) e o regime sancionatório e o previsto no Art.º 442 nº2 do C.C.). * Acontece, porém, que frequentemente, dos contratos, designadamente dos contratos-promessa de compra e venda, como é o caso, paralelamente à prestação principal, derivam deles, deveres secundários de prestação (dos quais se distinguem os simples deveres acessórios de conduta.).* No caso, interessa-nos apenas, entre os deveres secundários de prestação caracterizar, os denominados deveres acessórios da prestação principal, que, como observa A. Varela, se destinam a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução da prestação principal.* Na formulação de Mota Pinto tais deveres secundários ou acessórios distinguem-se ainda entre os deveres secundários com prestação autónoma e deveres secundários acessórios da prestação principal.* Ora, enquanto a violação de um dever secundário com prestação autónoma não fará, por regra, o violador entrar em mora quanto à obrigação principal emergente do contrato, nem justificará, por maioria de razão, a resolução do negócio (embora possa gerar obrigação de indemnizar, pelos prejuízos emergentes), já a violação de um dever acessório da prestação principal pode gerar qualquer uma das referidas situações (mora ou incumprimento definitivo) se o seu incumprimento determinar o retardamento ou o incumprimento da obrigação principal que vise preparar ou cujo cumprimento visa assegurar.* Postas estas prévias considerações de direito e revertendo ao caso concreto, sabemos que em 4/2/1999, os A.A. e os RR celebraram um contrato-promessa de compra e venda por via do qual os primeiros prometeram comprar aos segundos e estes prometeram vender-lhes, o 1º andar frente do prédio urbano sito na Rua…, nº…, da Freguesia de Santa Engrácia – Lisboa, pelo preço de 18.000.000$00, do qual os A.A. logo entregaram aos RR, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 5.000.000$00.* * * * À data da celebração do contrato inexistia licença de utilização e ainda não tinha sido dado início ao procedimento destinado à constituição do prédio em regime de propriedade horizontal, o que era do conhecimento dos A.A. .Mas, por isso mesmo, obrigaram-se os R.R, promitentes vendedores, a fornecer aos A.A., num prazo máximo de 5 anos, a partir da data do contrato (4/2/1999) todos os elementos e documentos necessários à celebração da escritura definitiva, incluindo a licença de habitação e autorizar o registo provisório da transacção, caso seja necessário (cláusula 9ª do contrato). * Mais se, convencionou que, após a data da entrega dos documentos necessários à celebração da escritura, esta seria marcada pelos A.A., num prazo máximo de 30 dias (ou período necessário para a celebração dos registos provisórios... caso seja exigico pela entidade de crédito que apoiará o financiamento da compra... após a entrega de todos os documentos necessários à realização da escritura) e seria realizada (a escritura definitiva, entenda-se) no prazo máximo de 90 dias (cof. Clausula 4º do contrato).* Foram entregues aos A.A. as chaves da “fracção” com vista a proceder às obras que acharem necessárias e posterior ocupação para habitação própria.* Porém, passados os 5 anos (o tal prazo terminou em 4/2/2004) acordados na cláusula 9ª, os RR não entregaram aos A.A., quaisquer dos documentos necessários à realização da escritura de compra e venda, designadamente não constituíram o prédio em regime de propriedade horizontal, sabendo-se, mesmo, que, em 18/1/2006, tal regime ainda não fora constituído (cof. Doc. de fls. 127 e ponto 14 dos factos provados).* Mesmo antes de terminar tal prazo (os referidos 5 anos), como depois, os A.A. enviaram aos RR. várias cartas, solicitando informação sobre a situação do prédio com vista à celebração da escritura, sem que os RR se dignassem responder ou informar o que quer que fosse (foi o que se passou com as cartas de 13/1/2004, 27/2/2004 e 27/4/2004 – nesta ultima os A.A. lembram aos RR a ultrapassagem do prazo convencionado e solicitam informação sobre a situação do prédio em ordem a poder efectuar-se a escritura definitiva )Em 17/2/2005 remetem as AA aos RR. nova carta, insistindo pela marcação da escritura o mais breve possível, lembrando que fora assumido pela Ré CC, que o processo estaria concluído até ao fim de 2004, mas que até então nada mais fora comunicado – os RR. não responderam-. Foi expedida em 4/3/2005 nova carta, alertando-se mais uma vez para a falta de cumprimento do prazo de 5 anos convencionado (que terminou em 4/2/2004) e pede-se novamente a marcação da escritura o mais breve possível – não houve resposta – nova carta em 15/3/2005 , voltando a alegar o incumprimento, solicitando mais uma vez a marcação da escritura o mais depressa possível, além de uma reunião com a Ré. Em, 17/3/2005 foi enviada nova carta insistindo-se pela realização da escritura – sem resposta – nova carta em 12/4/2005 dando conta de uma reunião em 6/4/2005 e solicitando o cumprimento do que nela se definiu, ou seja, a remessa aos A.A. da cópia do processo de legalização do prédio e informação sobre a sua evolução. Nova carta em 11/7/2005. voltando a solicitar cópia do processo e informação do seu estado. Em 14/7/2005 os A.A. remeteram outra carta com conteúdo essencialmente idêntico à anterior. * Foi só após toda esta correspondência a que os RR nada ligaram, que os A.A. , por intermédio do seu ilustre advogado, lhes remeteu a carta de 19/9/2005 a denunciar o contrato-promessa.* Ora, perante a decisão da Relação a julgar justificada objectivamente a perda de interesse dos A.A. na celebração do negócio prometido, com o consequente incumprimento imputável aos RR, que condenou a restituir o sinal em dobro, reagiram estes através da presente revista, argumentando, no essencial, que não entraram em mora, uma vez que no contratrato-promessa não se convencionou prazo certo, fixo ou peremptório para a celebração da escritura.Como tal, competia contratualmente aos A.A. marcar a escritura, o que não fizeram, como nunca procederam a qualquer interpelação admonitória. Não havendo mora, nunca os A.A. a podiam converter em incumprimento definitivo por falta de interesse na prestação... * Vejamos melhor.* É certo, já o dissemos, só o incumprimento definitivo autoriza a resolução do contrato e só este justifica a devolução do sinal em dobro ou a sua perda.* Certo é também que nenhuma das cartas remetidas pelas A.A. aos R.R. contém interpelação que possa ter-se por admonitória.* Finalmente, é verdade que não foi fixado prazo certo ou fixo para a celebração da escritura de compra e venda pelo que sempre se imporia em princípio, a interpelação para o efeito.* Só que, no contexto específico do contrato em causa, e atenta a falta de licença de habitação ou de utilização e sobretudo a inexistência do regime de propriedade horizontal, convencionaram as partes a fixação de um prazo dilatado para permitir aos RR. legalizar o prédio em ordem a permitir a transacção da “fracção” prometida vender aos A.A..Foi nesse circunstancialismo, que as partes incluíram no contrato-promessa a cláusula 9ª, acima referida, pela qual os RR. se obrigaram, no prazo de 5 anos (prazo máximo) a contar da data do contrato, a fornecer aos A.A. toda a documentação necessária à celebração da escritura. E aqui, embora não se trate de um prazo certo, no sentido da fixação de um dia determinado para cumprir, não há nenhuma dúvida, que era certo quanto ao seu termo final. Quer dizer, se os RR. podiam cumprir a obrigação em questão em qualquer dia ao longo de 5 anos convencionados, teriam de cumprir, necessariamente, até ao dia 4/2/2004, o que, como se provou, não fizeram, nem sequer posteriormente apesar de insistentemente interpelados para o efeito. Por conseguinte, os R.R. não tinham de ser interpelados para a entrega da documentação necessária, pois sabiam exactamente quando terminava esse prazo. Como observa Galvão Telles – Obrigações, 3º-193” Para que a interpelação se torne indispensável não basta a existência de prazo. É preciso que se trate de prazo certo ou fixo, de duração previamente determinada. Sabe-se de forma exacta o dia em que o prazo findará. O devedor tem de dispor as suas coisas para nesse dia cumprir, sem necessidade de qualquer aviso.” * Quer dizer, as RR incumpriram manifesta e grosseiramente uma obrigação secundária do contrato, mas uma obrigação secundária acessória da obrigação principal (sendo esta a celebração da escritura prometida).E, no caso, tal acessoriedade é de tal modo forte e indissociável da prestação principal, que, sem o cumprimento da obrigação secundária (fornecimento, por parte dos RR, da documentação necessária) não é legalmente possível aquela, isto é, pura e simplesmente não é possível cumprir o contrato-promessa, celebrando a escritura definitiva, desde logo e enquanto o prédio em que se insere a “fracção” prometida vender aos A.A. não estiver constituído em regime de propriedade horizontal. * Ora, não tendo os RR cumprido a referida obrigação secundária (entrega da documentação essencial à celebração da escritura) no prazo acordado para tal, não haverá duvidas sérias de que incorreu em mora quanto a tal obrigação. Mora que não pode deixar de se considerar culposa, não só porque o prazo de que dispunham para legalizar o prédio era mais do que suficiente para o efeito, como a culpa se presume, uma vez que os RR nem sequer procuraram demonstrar que o não cumprimento dessa obrigação não foi devida a culpa sua. * Mas, dada a acessoriedade dessa obrigação em relação em relação à prestação principal, não pode deixar de se considerar terem os RR, também entrado em mora, quanto a esta, visto que ela não era legalmente possível sem o cumprimento da obrigação ou prestação secundária.Portanto, o retardamento da obrigação secundária provoca necessária e logicamente o retardamento da escritura de compra e venda (prestação ou obrigação principal), sem necessidade de os A.A. interpelaram os RR para a escritura, que não podiam celebrar, nem sequer preparar, sem estarem de posse da necessária documentação. A posição diferente defendida pelos, RR não pode proceder porque, além de ilógica, face à factualidade provada, seria manifestamente abusiva, e o direito existe para resolver os problemas das pessoas e não para dar cobertura a expedientes mais ou menos censuráveis, posto que com aparência formal inocente... * Concluímos, portanto que ocorreu mora culposa dos RR quanto à obrigação secundária referida, a qual arresta necessariamente consigo o retardamento da prestação principal.* Ora, como já se disse, não existe interpelação admonitória convertendo a mora em incumprimento definitivo.* * * Mas já se referiu igualmente, que não é necessária tal interpelação admonitória para se verificar tal conversão, quando, por causa da mora, o credor (os aqui A.A.) perdeu o interesse na prestação. * Será, então, que, no caso concreto, pode dizer-se que os A.A. perderam objectiva e legitimamente o interesse na prestação dos RR?* O circunstancialismo de facto provado e acima descrito, justifica resposta positiva sem necessidade de grande argumentação.* * Basta pensar que os A.A. esperaram 5 anos que os RR legalizassem o prédio de modo a tornar possível a aquisição da “fracção” que estes lhes prometeram vender, tudo de acordo com o convencionado.Porém, findo tal prazo, os RR nada fizeram de útil, designadamente, nem sequer constituíram o prédio no regime de propriedade horizontal, o que era absolutamente indispensável para a concretização do negócio. Não entregaram aos A.A. nenhum dos documentos necessários à celebração da escritura prometida, e nem sequer alegaram qualquer motivo justificativo para a sua omissão. Acresce que, perante as naturais insistências dos AA., bem documentadas em 10 cartas que remeteram aos RR, estes mantiveram-se inactivos, ou, pelo menos, não consta dos autos que os RR tivessem diligenciado no sentido de conseguirem a legalização do prédio e a obtenção da documentação necessária à celebração da escritura. Diferentemente, a julgar pelo teor das referidas cartas (que os RR. não impugnaram) foi praticamente completa a indiferença dos RR, que nem lhes deram resposta, nem nada de útil informaram ou fizeram. * Está provado que em Janeiro de 2006, ainda não existia auto de vistoria do prédio com vista à sua constituição no regime de propriedade horizontal.Ignora-se quando e se os RR têm intenção de legalizar o prédio de modo a tornar possível a celebração do negócio prometido. Assim, perante esta incerteza, da única responsabilidade dos RR, que se mantém, passados quase 2 anos sobre o termo do prazo de 5 anos ( tendo em conta a data da instauração da acção – 31/10/05), já de si suficientemente longo, ou seja decorridos 6 anos e 10 meses sobre a celebração do contrato ( hoje já decorreram cerca de 10 anos) sem que os RR. tenham diligenciado pela legalização do prédio e obtenção da necessária documentação, como se obrigaram e sem que, sequer, expliquem as razões de tal dilação apesar das constantes solicitações dos AA, é para nós evidente que não pode exigir-se aos A.A ., depois de todas as tentativas falhadas que empreenderam junto dos RR, que permaneçam nesta indecisão, à mercê do arbítrio dos RR., amarrados a um contrato que não sabem se e quando se concretizará. * Perante tal circunstancialismo é legítimo concluir pela perda de interesse dos A.A. na aquisição da “fracção” prometida vender, considerando os princípios da boa-fé e do bom senso, isto é, tendo em conta critérios de razoabilidade próprios do comum das pessoas.* Consequentemente, havendo indiscutível mora no cumprimento da referida obrigação secundária (e quer se considere extensível tal mora à própria obrigação principal, como acima se defendeu, quer não) o certo é que há indissociável ligação desta à obrigação principal, que sem o seu cumprimento não pode concretizar-se, tal mora converteu-se em incumprimento definitivo, por perda objectiva do interesse dos credores, arrastando consigo o incumprimento definitivo da obrigação principal e portanto do contrato-promessa em causa, com as legais consequências, designadamente, no que aqui interessa, gerando a obrigação da restituição do sinal em dobro, visto que o incumprimento é culposo e só pode ser imputado aos RR.(cof. Ana Prata – Contrato Promessa e seu Regime Civil – 2ª Reip. – 776/778). * Improcedem, assim, todas as conclusões da revista..* * * * Decisão Termos em que acordam neste STJ em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. * Lisboa 9 de Março de 2010Cons. Moreira Alves (Relator) Cons. Alves Velho Cons. Moreira Camilo |