Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S4277
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES CADILHA
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
DESPEDIMENTO ABUSIVO
Nº do Documento: SJ200703070042774
Data do Acordão: 03/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I – Não constitui fundamento da caducidade do contrato de trabalho a simples referência genérica, constante da ficha de aptidão elaborada pelo serviço de medicina do trabalho, de que o trabalhador é “inapto” e “não preenche o critério médico para o exercício da função”;

II – Os exames médicos que o empregador deverá promover no âmbito das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho destinam-se a assegurar a vigilância da saúde dos trabalhadores em função dos riscos a que se encontram expostos no local de trabalho e não poderão ser utilizados, em princípio, para declarar a caducidade do contrato por inaptidão para o exercício profissional;

III – Havendo despedimento abusivo em relação a trabalhador que desempenhe funções de delegado sindical, há lugar ao pagamento de uma indemnização por antiguidade correspondente ao dobro daquela que lhe caberia nos termos do artigo 13º, n.º 3, da LCCT, caso não opte pela reintegração, mas apenas ao pagamento em singelo das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento (artigos 24º, n.º 2, e 35º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril).
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Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório.

AA identificado nos autos, intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra Fertagus – Travessia do Tejo, Transportes, S. A., com sede em Lisboa, pedindo que seja declarada a inexistência da causa de caducidade do contrato invocada pela ré, e se considere a cessação do contrato de trabalho com esse fundamento como despedimento ilícito, e, em consequência, seja a ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe uma indemnização substitutiva, e ainda a pagar-lhe em dobro as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, como sanção por despedimento ilícito, e uma indemnização de € 5.000,00 por danos não patrimoniais.

Em sentença de primeira instância, foi a acção julgada procedente, declarando-se ilícito o despedimento, por não subsistir motivo para a cessação da relação laboral por caducidade do contrato, e condenando-se a Ré a reintegrar o autor ao seu serviço, e a pagar-lhe as remunerações vencidas desde a data do despedimento até à efectiva reintegração, bem como a sanção indemnizatória correspondente ao dobro dessas remunerações, por despedimento abusivo, e a indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 3.500,00.

Em apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou o julgado.

É contra esta decisão que se insurge de novo a Ré, através do presente recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões:

1. Constitui objecto do presente recurso dilucidar-se se foi ilícita a cessação do contrato de trabalho do Autor, com fundamento na sua incapacidade absoluta e definitiva para a prestação das funções de maquinista (dado que o requisito da superveniência fica demonstrado pela natureza das coisas).
2. No acórdão em crise, sustenta-se que dos elementos probatórios, leia-se, exames e opiniões médicas constantes dos autos, se colhe que o Autor era (e é) totalmente capaz para o exercício da função de maquinista.
3. Todavia, tais exames não aferiram as aptidões psico-profisionais próprias do particular desempenho dessa profissão.
4. Antes se limitaram a concluir que o mesmo não padecia de qualquer patologia ou doença neurológica, conclusões que não foram compreendidas com o seu verdadeiro significado.
5. Dado que, não importava verificar se o Autor era pessoa sã e saudável, mas se (ainda) detinha aptidão para conduzir comboios.
6. O que nenhum Tribunal, neste mesmo este Supremo Tribunal pode desmentir é que no dia 29 de Maio de 2003, o Autor foi sujeito a um EEG e evidenciou alterações electroencefalográficas, traduzidas numa actividade lenta inespecífica, em linguagem comum, perdas de consciência ou conhecimento.
7. Ora, em nenhum dos outros exames realizados posteriormente a essa data, e em que se estriba o Acórdão em apreço, se concluiu, mesmo que de forma imperfeita, que o Autor não evidenciasse alterações electroencefalográficas, dado se recorrer a outras nomenclaturas, tais como "inexistência de qualquer actividade patológica" ou "inexistência de alterações com significado patológico" que por falta de conhecimentos específicos, se desconhece se correspondem a conceitos cientificamente idênticos.
8. Aliás, em nenhum desses relatórios se afirma que o Autor é apto para conduzir comboios, uma vez não se saber, nem tais documentos explicitam, se o facto de não existir actividade patológica é equivalente a possuir capacidade para condução de comboios.
9. Contrariamente ao Parecer médico em que se fundou a Recorrente, que é inequívoco na afirmação de que o Autor é inapto para essa profissão.
10. O.E nem mesmo o Parecer do IML é susceptível de dissipar quaisquer dúvidas, bem pelo contrário.
11. Com efeito, não consta dos autos, nem se infere do escrito que emitiu, que o IML tivesse sujeito o Autor a algum exame médico, nem mesmo a um simples electroencefalograma, único diagnóstico fundante da prognose de inaptidão, pelo que parece pouco (e tecnicamente reprovável) a emissão de Parecer baseado exclusivamente na observação visual e empírica.
12.Acresce que a própria opinião emitida pelo IML, por que de nada mais cientificamente se pode falar do que uma mera asserção, se presta a objectiva dúvida, uma vez que tal entidade se limita a enunciar uma premissa.
13.Ou seja, o IML não afirma (nem poderia afirmar, sob pena de ser objecto de generalizada desconsideração científica) que as alterações electroencefalográficas não constituem causa de incapacidade determinante do juízo de inaptidão para o desempenho das funções de maquinista.
14.Mas que essas alterações só constituem causa de incapacidade para o exercício das funções de maquinista se associadas a epilepsia ou a outras alterações clínicas.
15.Verificação essa que, ao que se saiba, o IML não realizou, motivo pelo qual se desconhece se o Autor padecia de epilepsia ou de outras alterações clínicas.
16.Razão pela qual todas as instâncias e porventura este Supremo Tribunal, caso se baste com a sua confirmação, se têm estribado em argumentos verosímeis e não demonstrados, o que, como mandam os ditames da boa administração, impõe, pelo menos, que tal dúvida seja dissipada junto do IML, o que obrigaria à baixa dos autos para esse efeito.
17.Certamente que este Supremo Tribunal, consciente da importância em deixar alguém que tem perdas momentâneas de conhecimento, resultado das alterações electroencefalográficas, conduzir um comboio que em diversas alturas do dia transporta milhares de pessoas, não deixará de tomar a decisão que melhor proteja bens invioláveis como são o caso do direito à vida e à integridade física.
18. De resto, o Senhor Desembargador Relator parece também não ter ficado convencido com os argumentos que elegeu como fundantes da decisão que proferiu, a não ser assim, fica sem se compreender porque havia necessidade da Recorrente demonstrar que a incapacidade era absoluta e definitiva se, como expendeu, nem de incapacidade poderia ser qualificada.
19.Certo é, como ressalta do aresto citado a esse propósito, não poder a Recorrente obrigar o Autor ao exercício de outras funções, nem era crível que aquele as aceitaria como se colhe do que se provou nos factos 57, 58 e 62.
20.Sem conceder é juridicamente absurdo, por carecer de base ou sustentação legal, que se tenha confirmado a condenação da Recorrente no pagamento ao Autor do dobro das remunerações vencidas e vincendas, o que só pode ser explicado pelo emoção evidenciada nas expressões utilizadas, desajustadas do actual contexto sócio-economico, o de um País que comemorou vinte anos de integração europeia.
21. Dado que, como sublinha a Doutrina citada nos acórdão deste Supremo Tribunal a que se faz referência, não se tratou, nem mesmo de forma encapotada, da aplicação de um qualquer sanção disciplinar.
22. Antes foi o resultado de um processo sério, cometido a uma entidade cientificamente credível e aplicado, não apenas ao Autor, mas aos seus outros dezassete colegas, comos demonstrou.
23.De resto, se fosse o facto do Autor ter aderido à greve a causa determinante da cessação da relação de trabalho, como se lê apaixonadamente no acórdão em crise, então a Recorrente teria posto fim ao contrato de trabalho de todos os dezanove maquinistas.
24.Além de se fazer tábua rasa do Regulamento interno da Recorrente segundo o qual sujeita obrigatoriamente a exames médicos todos os maquinistas, e foram todos os que foram sujeitos, que estejam sem conduzir durante mais de 90 dias.
25.Donde e de boa-fé só se poderá concluir que a Recorrente apenas se norteou por critérios médicos que, obviamente não pode por em causa.
26.Sempre sem conceder, afigura-se também destituída de base legal, a condenação da Recorrente em indemnizar o Autor por danos não patrimoniais, não porque estes não sejam ressarcíveis, antes por inexistir um dos pressupostos típicos da obrigação de indemnizar, como é o caso da culpa.
27.Dado como ficou sobejamente demonstrado, a Recorrente apenas se limitou a aplicar ao Autor um regulamento interno que era do seu conhecimento e que ninguém ousará reprovar, dado consubstanciar objectiva preocupação pela regular verificação das aptidões profissionais dos maquinistas, com vista a assegurar a segurança dos passageiros transportados.
28.Processo esse de verificação de aptidão que foi cometido a uma entidade especializada em Medicina no Trabalho, no caso a UNIMED, como constitui obrigação legal.
29.Que, de acordo com a discricionariedade e competências técnicas que possui, definiu a bateria de exames necessária à aferição da concreta e específica aptidão funcional para a condução de comboios.
30.Sendo certo, e ficou demonstrado, que a Recorrente não teve qualquer interferência nem nas várias fases do processo de aferição de aptidão, nem na respectiva decisão final, subscrita por Médico do Trabalho.
31.Razão pela qual, só por excesso de imaginação se pode admitir a imputação à Recorrente da prática do acto ilícito lesivo e gerador de danos.

32.Impõe-se, como resulta da argumentação expendida e em nome da boa administração da justiça que, quando se entenda não haver necessidade de ordenar a baixa dos autos para permitir a dissipação das flagrantes dúvidas de que se fez eco, seja revogada a decisão proferida e substituída por outra que julgando procedente o presente recurso, decida pela total improcedência da acção, absolvendo a Recorrente dos pedidos ou, pelo menos, a absolva da condenação no pagamento em dobro da remunerações vencidas e vincendas, ou na condenação em danos não patrimoniais, cujo montante é juridicamente desajustado à respectiva lesão, dado que doutro modo será feita incorrecta aplicação da lei e haverá sobeja.

Não houve contra-alegação, e, neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Procuradora-geral adjunta emitiu parecer no sentido de ser negada a revista.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto.

As instâncias deram como assente a seguinte factualidade:

1. O Autor é maquinista da carreira de condução-ferrovia, achando-se ao serviço da Ré, nesta categoria profissional, desde 11/10/1999, auferindo a remuneração base mensal de € 1.007,73, à qual acrescem subsídio de prestação de trabalho nocturno, subsídio de refeição, ajudas de custo e outros, como flui da cópia do recibo remuneratório do mês de Agosto de 2002 que se junta e se dá aqui por reproduzida como Documento n.º 1;
2. O Autor foi nomeado delegado sindical do Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses [SMAQ], em 15/04/2003, como se extrai da cópia que se junta e aqui se dá por reproduzida como Documento n.º 2;
3. O Autor substituiu neste cargo o seu colega BB, dado que este foi despedido pela Ré durante o exercício das suas funções e no decurso do processo grevista a que adiante melhor se fará referência;
4. Já o anterior delegado sindical havia substituído um outro maquinista, analogamente despedido pela Ré;
5. Na Ré existiram até hoje 3 delegados sindicais dos maquinistas; os 3 foram despedidos pela Ré;
6. O A. recebeu em 08/07/2003, sem aviso-prévio, a comunicação acompanhada de um anexo cuja cópia constitui o documento n.º 3 (fls. 28);
7. Nela, designadamente, se refere que o A. não desempenhou "a sua actividade, profissional por um período consecutivo superior a 90 dias";
8. Em 25/08/2002, o SMAQ desencadeou uma greve de âmbito empresarial, no seio da Ré, pelos motivos que enunciou no pré-aviso de 14/08/2002, cujo teor se dá aqui por reproduzido e cuja cópia constitui o Documento n.º 4;
9. O conflito manteve-se até 22/04/2003;
10. Todavia, a Ré adoptou em resposta, e por todo aquele período de tempo, a interdição do acesso dos trabalhadores aos locais de trabalho e, ainda, da recusa em fornecer trabalho e remuneração;
11. Isto é, a Ré forçou o Autor à inactividade, recusando-lhes trabalho e remuneração;
12. Por este motivo, em litisconsórcio activo, o Autor e mais 19 maquinistas intentaram contra a Ré uma providência cautelar comum, cujos termos correram pelo 2° Juízo deste Tribunal, sob o n.º 2/03.5TTALM-A, tendo em vista pôr fim ao lock out e às nefastas consequências dele decorrentes;
13. Foi proferida decisão que julgou ilegal a actuação da entidade patronal por cerceadora do direito à greve "consubstanciando-se na prática num verdadeiro lock out" in sentença;
14. Acha-se entretanto pendente a correspectiva acção principal;
15. Na referida comunicação da Ré, de 08/07/2003, refere-se ainda que "resultou que V. a Ex. a fosse, neste momento, considerado inapto para o exercício das suas funções profissionais de maquinista, conforme se extrai da documentação clínica que se anexa";
16. Mais se refere na aludida comunicação que "Tal circunstancialismo determina, de imediato, a caducidade do seu contrato de trabalho ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 4 do regime jurídico aprovado pelo DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestação da sua actividade profissional";
17. Ao longo do processo grevista acima referido, a Ré proferiu quatro despedimentos sob a alegação de justa causa;
18. Os quatro maquinistas, BB, este, como se referiu antes, também delegado sindical do sindicato que decretou a greve então em curso, CC, DD e EE, requereram e obtiveram a suspensão judicial dessas sanções mercê das sentenças que foram proferidas nos processos cujos termos correram no Tribunal do Trabalho de Almada, respectivamente pelo l° Juízo, sob os n.ºs 169/03.2TTALM, 163/03.3TTALM e 1 62/03.5TTALM-A, e pelo 2° Juízo, sob o n.º 161/03.7TTALM;
19. Acham-se pendentes as correlativas acções principais, respectivamente no 1º Juízo, sob o n.º 270/03.2TTALM, no 2° Juízo, sob o n.º 269/03.9TTALM, no 1 ° Juízo, sob o n.º 268/03.0TTALM e no 2° Juízo, sob o n.º 267/03.2TTALM;
20. Acresce que o Autor não é o único visado pela Ré nesta nova actuação contra os trabalhadores que desencadearam e mantiveram a greve iniciada em 25/08/2002;
21. Simultaneamente, em 04/07/2003, foram os maquinistas FF e GG destinatários de uma comunicação em termos e consequências, em tudo análogos;
22. São, pois, até agora, sete os casos de despedimento consumados pela Ré;
23. O Anexo à comunicação atrás referida denominado "Ficha de Aptidão n.º 371876" contém um campo onde, em 2 linhas manuscritas se lê "Não preenche o critério médico para o exercício para a função de maquinista. Deve ser reconvertido para outra profissão";
24. Assina, sem data, esta declaração o Dr. J... B..., identificado como médico do trabalho;
25. O autor não conhece o autor desta declaração;
26. O Autor foi submetido, por iniciativa da Ré, a exames médicos e complementares de diagnóstico nos dias 16,20 e 29/05/2003;
27. No dia 29/05/2003, ao Autor foi feito um electroencefalograma, adiante EEG, relatado pela Dr.ª L... R...;
28. Aquando da realização do exame, a médica que observou o A., a Dra. I... P..., referiu que, da leitura dos resultados, se imporia submetê-lo a uma tomografia axial computorizada [TAC];
29. Segundo a mesma médica, verificava-se no traçado um segmento que careceria de melhor apreciação, única razão por que cautelarmente recomendava o aprofundamento dos dados, através daquele outro meio auxiliar de diagnóstico;
30. Contudo, nada no EEG denotava doença ou sinalizava negativamente o seu estado clínico;
31. Na análise do exame em apreço a mesma médica nada encontrou que inspirasse cuidado.
32. O autor ficou a aguardar ser convocado para a tal T AC;
33. Da parte da Ré, o Autor apenas recebeu a comunicação de 08/07/2003 referida no facto sob o n.º 6;
34. O EEG decorreu no núcleo de Radio-Diagnóstico, sito na Av. Columbano Bordalo Pinheiro, em Lisboa;
35. Em nenhuma destas ocasiões, o A. contactou com o referido médico do trabalho, de nome Dr. J... B...;
36. O qual nunca observou, directamente, o autor;
37. Este, face ao teor da referida comunicação, tentou obter toda a documentação respeitante à avaliação física e psicológica a que fora submetido;
38. Em 10/07/2003, obteve cópia do Relatório e do Exame Electroencefalográfico, a que foi submetido;
39. A "Conclusão" que aí se formula é "Traçado revela actividade lenta inespecífica (banda teta) de projecção predominantemente fronto-temporal direita, a valorizar consoante a clínica";
40. O autor entendeu por bem procurar, por si, esclarecer melhor o exacto sentido da conclusão transcrita;
41. Por isso, e por não ter sido convocado para a T AC, de que lhe falara a médica que o observara por iniciativa da Ré, decidiu procurar um outro neurologista;
42. Escolheu o chefe de serviço dos HCL, Dr. J... S...;
43. Foi à sua consulta;
44. Realizou os exames que este médico especialista lhe prescreveu, cujas cópias se juntam e aqui dão por reproduzidas como Documentos n.ºs 7 e 8;
45. Solicitou depois, e obteve, o Relatório que se junta e aqui dá por reproduzido como Documento n.º 9;
46. No primeiro exame, um novo EEG, concluiu-se "sem actividade patológica";
47. No segundo exame, a TAC crâneo-encefálica, concluiu-se "não revelando alterações com significado patológico";
48. O chefe do serviço de neurologia, Dr. J... S..., de posse de todos os elementos, escreve no seu Relatório "a clínica, referida, não apoia uma eventual situação patológica";
49. E, por sua vez, conclui: "Não se confirmam, nem através da clínica, nem dos exames complementares, nomeadamente da TAC craneo-encefálica e nem dos Electroencefalogramas, a existência de eventual doença neurológica no observado, Sr. AA";
50. Do um ponto de vista médico, o autor não deveria ter sido objecto de um parecer final com o sentido daquele que foi extraído pelo médico subscritor, i.e., " Não preenche o critério médico para a função de maquinista. Deve ser reconvertido para outra profissão"...;
51. A Ré aderiu à conclusão de que o A. não preenchia o critério médico para a função de maquinista dando como boas, suficientes e definitivas as informações clínicas de que dispôs;
52. A Ré não apreciou a possibilidade de reconversão sugerida pelo seu médico do trabalho;
53. O autor padeceu moralmente com a forma como a Ré deu por cessado o contrato de trabalho;
54. E sofreu assinalável desgosto;
55. Sentiu-se acometido de profundo desânimo e frustração;
56. Considerou que a Ré investiu injustamente contra si;
57. Que visou atingir o cerne da sua compleição anímica, rotulando-o de inapto para o exercício da profissão que abraçou;
58. Profissão, na qual, de resto, o autor é visto como muito capaz, diligente e cumpridor;
59. Nunca tendo sofrido qualquer censura disciplinarmente relevante;
60. Nem lhe tendo vez alguma sido apontada falha no estrito desempenho das suas funções;
61. Em Julho de 2003, viu-se este apodado de inapto, definitivamente incapaz;
62. O A. abraçou a profissão de maquinista por ter as qualidades para isso, e a vontade de se realizar desta maneira;
63. Segundo o manual da empresa, a Ré deve sujeitar a exames médicos os maquinistas com ausência superior a 90 dias para verificação da manutenção da aptidão funcional para o desempenho das funções de maquinista;
64. O processo de verificação da aptidão do A. para o exercício da profissão de maquinista foi efectuado por entidade especializada em Medicina do Trabalho, a UNIMED, contratada pela Ré;
65. A Ré desconhece a que exames os trabalhadores são sujeitos naquela entidade e quais os meios de diagnóstico utilizados;
66. Não tem, nem teve no caso dos autos, qualquer interferência no processo de realização dos exames médicos.

3. Fundamentação de direito.

A questão que em primeira linha se coloca é a de saber se deve entender-se como verificada a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente de o trabalhador prestar o seu trabalho.

O acórdão recorrido sustenta que incumbia à ré o ónus da prova dos factos integradores da impossibilidade superveniente para o trabalho e que esta não logrou efectuar essa prova, porquanto não trouxe ao processo os elementos que pudessem consubstanciar o juízo conclusivo em que alicerçou a alegada inaptidão do trabalhador para o exercício do cargo, ao passo que diversos exames, relatórios e pareceres médicos, juntos pelo autor, apontam no sentido oposto, já que não revelam a existência de qualquer patologia justificativa de incapacidade para o trabalho

A ré, ora recorrente, discorda deste entendimento por considerar, em síntese, que os diversos elementos clínicos juntos aos autos não permitem aferir a aptidão do trabalhador para o exercício da actividade de maquinista, e quanto a essa questão o que releva essencialmente é o resultado do exame feito pelo médico do trabalho, que declara o autor inapto para o desempenho daquela função.

A causa de caducidade que está agora em análise é a prevista no artigo 4º, alínea b), da LCCT, ainda aplicável, que prevê que o contrato de trabalho caduque, nos termos gerais de direito, quando se verifique “a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber”

A impossibilidade superveniente, tal como surge caracterizada na lei, pressupõe que o contrato, aquando da sua celebração, podia ser cumprido e, posteriormente, ocorreu um impedimento que obsta à realização de uma das prestações. Tratando-se, porém, de uma impossibilidade absoluta há-de resultar do facto de a prestação não poder, de todo, ser efectuada, não bastando uma mera difficulta praestandi; e sendo uma impossibilidade definitiva deverá consistir num impedimento não meramente temporário (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, II Vol., 2º Tomo, 3ª edição, Lisboa, 1999, págs. 287-288).

Por outro lado, a jurisprudência tem vindo a interpretar a impossibilidade absoluta como sendo uma incapacidade para todo o tipo de trabalho, de tal modo que se a entidade patronal puder colocar o trabalhador a exercer outras funções, o contrato não caduca, mas mantém-se ainda que com eventual modificação do seu objecto (acórdão do STJ de 23 de Maio de 2001, Processo n.º 2956/00). E tem sublinhado que é sobre a entidade patronal que impende o ónus de alegar e provar, quer os factos caracterizadores da impossibilidade, quer os factos que revelem a inexistência, no seio da empresa, de um posto de trabalho compatível com a capacidade diminuída do trabalhador, por se tratar, em qualquer dos casos, de factos constitutivos do direito de declarar a caducidade (acórdãos do STJ de 23 de Maio de 2001, citado, e de 28 de Junho de 2001, no Processo n.º 375/01).

No caso vertente, a ré remeteu ao autor uma comunicação, datada de 8 de Julho de 2003, pela qual declarava a caducidade do contrato por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva da prestação da actividade profissional, por este ter sido considerado inapto para o exercício das funções de maquinista, de acordo com o documento clínico que era junto em anexo (n.º 6 da matéria de facto). Esse documento consiste numa ficha de aptidão, segundo o modelo aprovado pela Portaria n.º 1031/2002, de 10 de Agosto, que se destina a inscrever os resultados dos exames de saúde que, realizados nos termos do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, tenham em vista verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua profissão, reportando-se, no caso, a um exame médico realizado em 16 de Maio de 2003.

O referido documento atesta que o trabalhador se encontra “inapto para o posto de trabalho”, podendo desempenhar outras funções “a definir pela empresa”, e isso com base no seguinte diagnóstico clínico: "Não preenche o critério médico para o exercício para a função de maquinista. Deve ser reconvertido para outra profissão" (n.º 23).

Por outro lado, e conforme se demonstra nos autos, o autor nunca foi observado pelo médico do trabalho que subscreveu a ficha de aptidão (n.ºs 25, 35 e 36), e o exame complementar de diagnóstico a que foi submetido (eletroencefalograma) teve lugar em 29 de Maio de 2003, e, portanto, em momento posterior, ao do exame médico que ditou a incapacidade para o trabalho (n.º 28).

Ainda que o exame realizado em 29 de Maio de 2003, cujo resultado se encontra transcrito no n.º 39 da matéria de facto, pudesse justificar uma avaliação complementar e, designadamente, uma tomografia axial computorizada, como foi sugerido pelo médico que elaborou o respectivo relatório (n.º 28), o certo é que a ré não adoptou qualquer outra providência e limitou-se a enviar a comunicação pela qual declarava a caducidade do contrato de trabalho (n.ºs 32 e 33).

Acresce que o autor realizou novos exames, por sua iniciativa, incluindo um novo eletroencefalograma, que não detectaram qualquer patologia ou doença neurológica (n.ºs 44 a 49).

Como bem se vê, a declaração de caducidade do contrato de trabalho teve por base um juízo médico meramente conclusivo, que se não se encontra apoiado em qualquer observação ou exame clínico que explicite os motivos concretos que possam justificar a declarada inaptidão para o exercício da actividade profissional. A ré não apresentou, nem na contestação nem na fase de produção de prova, quaisquer outros elementos que pudessem esclarecer a situação clínica do autor. O exame que, na opinião da ré, evidenciou alterações eletroencefalográficas, foi realizado em 29 de Maio de 2003, posteriormente ao exame periódico de saúde que determinou a elaboração da ficha de aptidão, e não poderia, por conseguinte, ter influenciado o resultado final que surge indicado naquela ficha quanto à incapacidade para o exercício da função. E, além disso, o Instituto de Medicina Legal, em perícia requisitada pelo tribunal interpretou as ditas “alterações eletroencefalográficas” como não acarretando, de per si, “quaisquer efeitos mentais”, concluindo que a anomalia detectada, “quando não acompanhada de eplipesia ou outras manifestações clínicas não determinam inaptidão para as funções em apreço” (fls 142).

Afirma a recorrente que o parecer médico em que se fundou para decretar a caducidade do contrato (a referida ficha de aptidão) é inequívoco no sentido de que o autor é inapto para a profissão, e que os outros exames realizados por iniciativa do autor não permitem desmentir esse resultado, já que não se destinaram a determinar a aptidão profissional, mas apenas a avaliar o estado de saúde do trabalhador. E acrescenta que mesmo o relatório pericial elaborado pelo Instituto de Medicina Legal não afasta a conclusão extraída pelo exame feito nos serviços de medicina do trabalho, já que tal relatório apenas declara que as “alterações eletroencefalográficas” não são relevantes quando se não encontrem associadas a eplipesia ou a outras manifestações clínicas, sem que entretanto se tenha feito qualquer avaliação para determinar se o autor sofre ou não de algum desses distúrbios.

A argumentação da recorrente labora num evidente equívoco.

Não é ao autor, e muito menos ao Instituto de Medicina Legal, que cabe provar que não existe qualquer impedimento físico ou psicológico para exercício da actividade profissional. É a ré, que entendeu declarar caduco o contrato de trabalho, que carece de demonstrar a existência de uma situação de impossibilidade absoluta e definitiva, por parte do trabalhador, para prestar o seu trabalho. A entidade empregadora tinha de invocar quais os motivos concretos relacionados com o estado de saúde do trabalhador que o torna incapaz para a função, não bastando a simples referência genérica de que é “inapto” ou “não preenche o critério médico”.

A ré não provou quais as razões que constituem o fundamento da caducidade e isso seria bastante para declarar ilegal a sua decisão. Mas, apesar disso, o autor ainda fez a contraprova, demonstrando que não sofre de qualquer doença neurológica que pudesse justificar o veredicto de incapacidade.

A recorrente pretende fazer crer, no entanto, que nada tem a ver com a declaração de caducidade e que se limitou a cumprir a decisão técnica da entidade competente para realizar os exames de saúde quanto à aptidão do trabalhador para o exercício profissional.

Também não tem razão.

A cessação do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente do trabalhador prestar a sua actividade não é automática mas depende de uma declaração negocial do empregador que de algum modo exteriorize a sua posição. Só o empregador pode esclarecer, por exemplo, se em caso de incapacidade do trabalhador para o exercício da sua função habitual não existe outro posto de trabalho compatível com a sua capacidade residual, que possa evitar a caducidade do contrato.

E para além de tudo isso as avaliações clínicas feitas pelos serviços de medicina do trabalho não são vinculativas para o empregador. A ficha de aptidão em que o médico do trabalho deve inscrever o resultado do exame de saúde não tem sequer o efeito que a ré lhe atribui.

Basta notar que os exames periódicos de saúde são uma imposição da lei que se insere no dever que decorre para a entidade patronal de assegurar aos trabalhadores a possibilidade de realizarem a sua prestação laboral em condições de saúde. O Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, faz impender sobre as entidades empregadoras a obrigação de organizar as actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho, remetendo para legislação própria aspectos atinentes ao regime de organização e funcionamento dos serviços e às qualificações dos técnicos que asseguram tais funções. Essa regulamentação foi efectuada pelo Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, e, como se depreende do disposto no seu artigo 3º, a organização da segurança, higiene e saúde no trabalho tem em vista a prevenção dos riscos profissionais e a promoção da saúde dos trabalhadores.

O empregador está vinculado a garantir aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, e entre as suas obrigações conta-se a de “assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores em função dos riscos a que se encontram expostos no local de trabalho” (artigo 8º, n.º 1, e n.º 2, alínea h), do Decreto-Lei n.º 441/91). É em execução desse princípio geral que se enquadram os exames de saúde que o empregador deverá promover, e que se destinam a verificar não só a aptidão física e psicológica do trabalhador para exercer a sua profissão, como também a repercussão do trabalho e das condições em que ele é exercido na saúde do trabalhador (artigo 19º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 26/94).

A lógica do regime de protecção sanitária, no âmbito mais geral da organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde na empresa, como logo se intui, não é a de sujeitar os trabalhadores a exames médicos para os expulsar dos postos de trabalhos quando estes revelem alguma doença ou situação incapacitante, mas antes a de vigiar as condições em que o trabalhador presta o seu trabalho, e tem como única consequência que a entidade patronal deva encaminhar o trabalhador, de acordo com o resultado do exame, para uma outra função quando ele se encontre condicionado por razões de saúde para a sua actividade habitual, para os serviços públicos de saúde, com suspensão da prestação laboral, quando ele se encontre temporariamente incapacitado para o trabalho, ou para a reforma por invalidez, no quadro da protecção concedida pelo sistema de segurança social, quando se conclua que o trabalhador está incapacitado, por razões de saúde, para o todo e qualquer trabalho.

Para além de que a circunstância de o exame médico em causa ter sido realizado por uma entidade externa, a quem a ré contratou os serviços de saúde no trabalho, não isenta o empregador das responsabilidades que lhe são atribuídas por aqueles referidos diplomas legais, nem pela legislação geral do trabalho, mormente no tocante ao regime jurídico da cessação do contrato de trabalho. A contratação de serviços externos destina-se unicamente a assegurar o cumprimento das obrigações que impendem sobre as entidades patronais no domínio da segurança, higiene e saúde no trabalho, e constitui apenas uma das modalidades de organização dos serviços, que poderiam, aliás, ser executados por estruturas internas da empresa (artigos 4º, 5º e 9º do Decreto-Lei n.º 26/94).

No caso vertente, a ficha de aptidão declarava o autor inapto para o posto de trabalho, mas apto para outras funções para as quais deveria ser reconvertido, como se sugeria no diagnóstico médico. Já vimos que o documento não esclarece minimamente quais eram as condicionantes de ordem clínica que conduziram a tão drástico resultado. E era da mais elementar prudência que a ré realizasse diligências complementares para determinar, com conhecimento de causa, se o estado de saúde do trabalhador era na verdade incompatível com a manutenção do seu posto de trabalho. Por outro lado, a ré também não se preocupou em reavaliar a situação laboral do trabalhador em termos de poder atribuir-lhe uma outra actividade para qual se não encontrasse incapacitado.

E cabe recordar que a impossibilidade superveniente susceptível de determinar a caducidade do contrato é, nos termos da lei, uma impossibilidade absoluta e definitiva e, portanto, deverá traduzir-se numa incapacidade total e irreversível para todo e qualquer trabalho dentro da empresa.

Em resumo, nem a ré se encontrava vinculada ao resultado do exame de medicina do trabalho, nem esse exame tinha como objectivo e poderia servir de fundamento à caducidade do contrato, nem ele era esclarecedor quanto à incapacidade que afectava o trabalhador, nem tão pouco poderia justificar, sem mais, a declaração de caducidade do contrato de trabalho já que não propunha a inaptidão para todo e qualquer trabalho, mas apenas para o posto de trabalho habitual.

Em derradeiro termo, se bem se entende o exposto nas conclusões 16ª e 17ª da alegação de recurso, a ré parece pretender imputar aos tribunais a responsabilidade última pela fundamentação da declaração de caducidade do contrato de trabalho. Na perspectiva da recorrente, caberia ao tribunal de primeira instância, à Relação e, em última análise, ao Supremo pôr em prática o princípio da segurança na circulação ferroviária e, assim, suprir – presume-se – as insuficiências probatórias da ré e dar como fundamentada a declaração de caducidade do contrato de trabalho que o porventura o não esteja, e, em caso de dúvida, no mínimo, determinar a ampliação da matéria de facto para verificar se o autor está ou não em condições de conduzir comboios.

Sucede que a acção judicial está sujeita a regras de direito probatório que convém observar. Como já vimos, cabe à entidade patronal o ónus de alegar e provar os factos em que se funda a impossibilidade superveniente para o trabalhador prestar trabalho (que inclui a inexistência, no seio da empresa, de um posto de trabalho compatível com a capacidade residual do trabalhador, quando este não se encontre incapacitado para todo o serviço), e perante um non liquet probatório sobre os factos materiais da causa, o juiz terá de desfazer a dúvida, na apreciação do direito, em desfavor da parte sobre quem impende esse ónus (artigos 346º, in fine, do Código Civil e 516º do Código de Processo Civil). Por outro lado, o Supremo pode ordenar a ampliação da matéria de facto, mas apenas quando se torne necessário para constituir base suficiente para a decisão de direito, isto é, quando exista um erro de direito resultante da insuficiência da matéria de facto que inviabilize a solução jurídica do pleito (artigo 729º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Todavia, esse poder apenas pode ser exercido se as partes tiverem articulado factos, que, sendo relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, não tenham sido levados à base instrutória (artigo 664º do Código de Processo Civil).

No caso, a ré assentou a sua defesa no exame médico realizado pelo serviço de medicina do trabalho - que considerou prevalecer sobre quaisquer outros exames -, e até lhe pareceu não relevante a perícia médico-legal que fora requerida pelo autor, na petição inicial, para determinar a sua aptidão funcional. A ré claudicou na prova do fundamento da caducidade do contrato e nenhuns factos alegou que careçam ainda de ser apurados para efeito de ser proferida a decisão de direito. Nada justifica, nestes termos, o uso do poder processual previsto no citado artigo 729º, n.º 3.

5. A ré insurge-se ainda contra a decisão recorrida no ponto em que aplicou a sanção indemnizatória correspondente a despedimento abusivo, com fundamento no disposto no artigo 33º da LCT, invocando, em resumo, que se limitou a aplicar o regulamento interno, que sujeita obrigatoriamente a exames médicos todos os maquinistas que estejam sem conduzir durante mais de 90 dias, e que apenas se norteou, na declaração de caducidade do contrato, por critérios médicos, que não poderia pôr em causa, dado que os exames de saúde foram realizados por entidade especializada em medicina do trabalho, sem qualquer interferência da ré.

É verdade que na comunicação pela qual a ré deu conhecimento ao autor da cessação do respectivo contrato de trabalho invoca-se como fundamento a caducidade do contrato por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de prestação da actividade profissional, tomando por base a declaração de inaptidão para o exercício de funções emitida pelo serviço de medicina de trabalho, que acompanhava aquela comunicação, e justificando ainda a sujeição do autor a exame médico por virtude da sua inactividade durante um período consecutivo superior a 90 dias.

Resulta, porém, da matéria de facto que a paralisação da actividade do autor foi imposta pela própria ré na sequência de um conflito de trabalho que culminou com uma greve desencadeada pelos trabalhadores (n.ºs 8 a 13), sucedendo ainda que o autor não é sequer o único visado, visto que outros trabalhadores receberam idênticas comunicações de cessação de contrato de trabalho por caducidade (n.ºs 20 e 21), e a ré despediu sucessivamente todos os trabalhadores que, tal como o autor, exerceram funções de delegados sindicais dos maquinistas no âmbito da empresa (n.ºs 2 a 5).

Acresce que a ré tomou por base, para adoptar a referida decisão, um juízo médico meramente conclusivo, que constava da ficha de aptidão (n.ºs 6 e 23), prescindindo de uma avaliação complementar mais completa (n.ºs 27 a 33), e deixando de apreciar a possibilidade de reconversão num outro posto de trabalho que era sugerida pelo médico de medicina do trabalho (n.º 52).

A ré não logrou provar, por fim, como se deixou amplamente demonstrado, a existência de fundamento para a caducidade do contrato.

Neste condicionalismo, a declaração de caducidade tem toda a aparência de uma sanção disciplinar. A ré colocou o autor, tal como outros trabalhadores, numa situação de inactividade, para o fazer recair no âmbito de aplicação de uma norma do regulamento interno da empresa que sujeita os maquinistas a exames médicos. Satisfez-se com um diagnóstico inespecífico (“não preenche o critério médico para o exercício da função de maquinista”) e não encetou qualquer diligência para colocar o autor num outro posto de trabalho, apesar da sugestão feita pelo médico do trabalho. Decretou a caducidade do contrato de trabalho com base na ficha de aptidão, apesar da manifesta insuficiência da informação clínica dela constante, e contrariando ainda assim a própria proposta que o documento clínico formulava, e que era, não no sentido da incapacidade total mas da reconversão num outro posto de trabalho.

Já vimos que não faz qualquer sentido, neste plano, alegar que o exame médico foi realizado por uma entidade especializada em medicina do trabalho. A contratação de serviços de saúde a entidades externas não desresponsabiliza o empregador relativamente às decisões que adopte no âmbito da relação laboral e os exames que venham a ser efectuados naquele âmbito, justificando-se por razões de prevenção e de vigilância, não tem por objectivo sancionar os trabalhadores.

A declaração de caducidade, sem qualquer fundamento, e num contexto de conflito laboral, surge como um despedimento de facto, ao qual se justifica aplicar o regime do despedimento sem justa causa.

O autor era, como se comprova, delegado sindical (n.º 2).

Nos termos do artigo 35º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, “o despedimento de trabalhadores que desempenhem funções de delegado sindical, ou que as hajam desempenhado há menos de cinco anos (…), presume-se feito sem justa causa”. Não se provando a justa causa de despedimento – como acrescenta o n.º 2 – aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 24º, do mesmo diploma, que “dá ao trabalhador despedido o direito de optar entre a reintegração na empresa, com os direitos que tinha à data do despedimento, e uma indemnização correspondente ao dobro daquela que lhe caberia nos termos da lei, do contrato de trabalho ou da convenção colectiva aplicável, e nunca inferior à retribuição correspondente a doze meses de serviço”.

Estas disposições, regulando ex novo a matéria do despedimento quanto incida sobre os membros dos corpos gerentes de uma associação sindical ou delegado sindical, prevalecem, nessa parte, sobre o preceituado nos artigos 32º e 33º da LCT. O sentido útil dessas normas é, no entanto, o mesmo.

O artigo 33º, n.º 2, da LCT estabelecia como consequência para o despedimento abusivo o pagamento de uma indemnização não inferior ao dobro da prevista no artigo 109º desse diploma. E este preceito previa, na verdade, que a extinção do contrato de trabalho por decisão unilateral, sem justa causa nem prévio aviso, determinava o pagamento à outra parte, a título de indemnização, do valor da retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta. Sucede que o artigo 109º da LCT foi entretanto revogado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, e a remissão para essa norma deve considerar-se agora como feita para o disposto no artigo 13º da LCCT (ainda aplicável), que ampliou os efeitos da ilicitude do despedimento, atribuindo ao trabalhador despedido o pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento e a reintegração do trabalhador ou, segundo a sua opção, uma indemnização por antiguidade.

Por outro lado, a solução que decorre inequivocamente do actual artigo 24º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 215-B/75 é a do pagamento em dobro da indemnização por antiguidade, quando o trabalhador por ela opte em substituição da reintegração. As retribuições intercalares, por sua vez, são devidas por virtude da reconstituição do vínculo contratual, em decorrência da declaração de ilicitude do despedimento, pelo que o seu pagamento apenas se mostra justificado em singelo, no ponto em que corresponde à contrapartida da ficcionada prestação de trabalho.

A caracterização da declaração de caducidade do contrato de trabalho como um despedimento abusivo não justifica, nestes termos, a sanção indemnizatória do pagamento de retribuições em dobro, e não tem outra consequência que não seja a reintegração no posto de trabalho, pela qual o autor optou, e o pagamento em singelo das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, tudo nos termos do citado artigo 13º da LCCT.

Por esta razão, e não por qualquer das que foram aduzidas em recurso pela ré, a revista merece, nesta parte, provimento.

6. A recorrente impugna ainda o segmento decisório do acórdão recorrido que condena em indemnização por danos não patrimoniais, não – como faz questão de observar - porque estes danos não sejam ressarcíveis, mas antes por inexistir um dos pressupostos típicos da obrigação de indemnizar, como é o caso da culpa.

Nesses termos, a ré não põe também em causa o montante indemnizatório fixado, mas apenas o aludido pressuposto da responsabilidade.

Ora, como já foi amplamente exposto, e não deixou de ser assinalado pela Relação, a conduta da ré, para além de ilegal, é censurável em alto e relevante grau, já que a ré se desinteressou de levar a efeito uma avaliação adequada das condições de saúde do autor, perante o resultado indicado na ficha de aptidão, e descurou a possibilidade de colocação do trabalhador numa outra função, avançando para a aplicação de uma medida extrema sem fundamento válido e ao arrepio da própria sugestão que lhe fora fornecida pelos serviços de medicina de trabalho.

A decisão recorrida não merece, neste ponto, reparo.

6. Decisão

Em face do exposto, acordam em conceder parcialmente à revista, revogando a decisão recorrida na parte em condenou a ré no pagamento em dobro das retribuições deixadas de auferir desde o despedimento, as quais serão devidas apenas em singelo, mantendo no mais o julgado.

Custas nas instâncias e no recurso a cargo do autor e da ré na proporção do decaimento.

Lisboa, 7 de Março de 2007

Fernades Cadilha (relator)
Mário Pereira
Maria Laura Leonardo