Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25106/10.4T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
IMÓVEL DESTINADO A LONGA DURAÇÃO
CONDOMÍNIO
EMPREITEIRO
DEFEITO DA OBRA
DIREITO A REPARAÇÃO
CADUCIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
DIREITO DE ACÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
FACTO NOVO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DE REVISTA
Data do Acordão: 11/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO - SENTENÇA - RECURSOS
Doutrina: - Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, p. 372.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2, 1225.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 490.º, N.º 2 E 659.º, N.º 3, 646.º, N.º4, 722.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 1/03/2007, EM WWW.DGSI.PT .
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 25/03/2010, EM WWW.DGSI.PT .
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 15/02/2005, EM WWW.DGSI.PT
-DE 21/05/2009, PROCESSO Nº. 08B1356 E DE 24/09/2009, PROCESSO N.º 2210/06.8TVPRT.S1, AMBOS DA 7ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 3/11/2009, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 1/06/2010, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - O regime do art. 1225.º, n.º 1, do CC, prevê um prazo máximo de garantia dentro do qual devem ocorrer e ser denunciados os defeitos, e não exige que a acção judicial destinada a exigir a reparação e/ou indemnização tenha de ser proposta no prazo de 5 anos.
II - Estando em causa a reparação de defeitos verificados em partes comuns de um prédio submetido ao regime da propriedade horizontal, tal prazo começa a correr quando é instituída a administração do condomínio, seja por iniciativa do construtor vendedor, seja por acção dos próprios condóminos.
III - Incumbe ao autor alegar e demonstrar a verificação dos defeitos e a sua denúncia e à ré alegar e demonstra que o direito foi exercido para além do prazo.
IV - A data de recebimento da carta, alegada em recurso de revista, é matéria de facto que, não tendo sido invocada na contestação, constitui facto novo, subtraído aos poderes de cognição do STJ.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

Condomínio do Prédio sito na Rua ............., n° 00, Algueirão, Mem Martins intentou contra AA, L.da (actualmente, BB, S.A.) acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a efectuar as obras necessárias à cabal e definitiva eliminação dos descritos defeitos de construção, ou, em alternativa, ao pagamento de € 140.000, custo das obras que são necessárias realizar para eliminar definitivamente os defeitos de construção, cuja responsabilidade é exclusivamente da Ré.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que o Autor representa as partes comuns do edifício sito na Rua ............., n° 00, Algueirão, Mem Martins, construído pela Ré, que vendeu as referidas fracções, cuja condomínio terá sido entregue, presumivelmente e de forma tácita, na Assembleia-Geral de Condóminos realizada em Março de 2005.

O edifício sofre de vários defeitos de construção - deficiente isolamento das paredes exteriores, dos terraços e das cantarias das janelas, que provocam manchas de humidade, bolsas de água, fissuras nas paredes, bem como nos mosaicos, que, pela sua gravidade e crescente agravamento, põem em causa a salubridade e habitabilidade das fracções.

Todos estes defeitos foram atempadamente comunicados à Ré, solicitando-se a sua intervenção, por forma a corrigi-los com a maior celeridade possível.

A Ré, reconhecendo os defeitos e prometendo corrigi-los, interveio após lhe ter solicitado pela Administração do Condomínio.

Porém, os resultados de tais intervenções não lograram os seus intentos, mantendo-se os problemas.

Como última forma de tentar resolver o problema, a mandatária da Autora enviou à Ré, em Março de 2010, duas cartas, datadas de 8/03/2010 e de 31/03/2010, a solicitar as reparações necessárias, cartas essas que juntou aos autos a fls. 17 e 19.

Mais uma vez, o Autor não logrou obter a resolução dos defeitos.

Para realizar as obras necessárias à eliminação dos defeitos, caso a Ré não as venha a efectuar, o Autor terá de despender, no mínimo, € 140.000.

A Ré contestou, por excepção, invocando a caducidade do direito que o Autor pretende fazer valer na acção e, por impugnação, propugna pela improcedência da acção.

O Autor replicou, propugnando pela improcedência da excepção de caducidade deduzida.

Foi proferido despacho saneador - sentença, no qual se julgou verificada a excepção de caducidade invocada, absolvendo-se, em consequência, a Ré do pedido contra si formulado pelo Autor.

Não se conformando com a sentença, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 20/03/2012, julgando improcedente a excepção de caducidade, revogou a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.

Inconformada, recorreu a Ré para o Supremo Tribunal de Justiça, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

1ª - O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 20 de Março de 2012, decidiu julgar procedente o recurso de apelação e revogar a decisão recorrida de primeira instância, tendo ordenado a sua substituição por outra "que julgue improcedente a excepção de caducidade invocada, determinando o demais processado";

2ª - O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que o artigo 1225º do Código Civil "não prevê um prazo de cinco anos, a contar da entrega do imóvel, dentro do qual terá que ser feita a denúncia e proposta a acção de indemnização, sob pena de caducidade do direito que se pretende fazer valer, antes prevendo o prazo máximo de garantia, durante o qual devem ocorrer e ser denunciados os defeitos";

3ª - Nenhuma crítica ou reparo merece o douto Acórdão recorrido da parte da Recorrente quando interpreta e decide que a regra do artigo 1225º, n.º 1 do Código Civil não exige que a acção judicial destinada a exigir a reparação e/ou indemnização tenha de ser proposta dentro do prazo de cinco anos;

4ª - Não tendo considerado como assente e provada a respectiva factualidade, o Tribunal da Relação de Lisboa concluiu, errada e precipitadamente, que "a alegada denúncia foi feita dentro do prazo de garantia" pelo Recorrido;

5ª - A Recorrente sustenta que, em qualquer dos casos, em 12 de Março de 2010, já tinha decorrido o prazo de garantia de cinco anos consagrado na lei geral civil, tendo caducado o direito do Recorrido de requerer a eliminação dos alegados defeitos de construção ou o direito de exigir o pagamento do valor pecuniário requerido nesta demanda;

6ª - No dia 12 de Março de 2010, data em que foi enviada a carta da Sra. Advogada do Recorrido para alegadamente fazer operar a denúncia dos defeitos, o prazo de garantia dos cinco anos contados sobre a data em que a gestão e administração do condomínio em causa deixou de ser feita pela própria Recorrente havia já decorrido;

7ª - Quer tendo em consideração o mês de Outubro de 2004 (entrega da gestão do prédio segundo a tese defendida pela Recorrente), quer tendo em consideração a data de 11 de Março de 2005 (entrega da gestão do prédio segundo a tese e confissão do próprio Recorrido);

8ª - Não é aceitável o entendimento e conclusão do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa;

9ª - Não está provado nem demonstrado nos autos que a carta da Sra. Advogada do Recorrido — meio ou instrumento para fazer operar a denúncia, dentro do prazo de garantia de cinco anos - foi remetida à Recorrente em 8 de Março de 2010;

10ª - Não está provado nem demonstrado nos autos também que "a denúncia dos defeitos foi feita à Ré anteriormente, por várias vezes, sendo a mencionada carta de 8 de Março de 2010 a derradeira tentativa para solucionar, de forma consensual, o litígio emergente";

11ª - Não pode o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa dar como assente e provado qualquer um dos factos anteriormente mencionados, concluindo, sem qualquer suporte e fundamentação de facto, pela improcedência da excepção de caducidade invocada;

12ª - O estado do processo não contém todos os elementos, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, para ter sido conhecida no despacho saneador a excepção da caducidade;

13ª - Tendo tal sucedido, mais concretamente no Tribunal da Relação de Lisboa, há violação clara da regra do artigo 510º, n.º 1, alínea b) CPC, assim como violação manifesta do comando do artigo 513ª CPC;

14ª - Não esteve bem o Tribunal da Relação de Lisboa quando conheceu a excepção da caducidade, não tendo nos autos todos os factos necessários e indispensáveis para poder formar e tomar tal conclusão e pronúncia;

15ª - O Tribunal da Relação de Lisboa devia, não considerando como assente e provada a data do envio da primeira carta, datada de 8 de Março de 2010 e remetida em nome do Recorrido em 12 de Março de 2010, ter ordenado o prosseguimento do processado, quesitando-se os factos controvertidos, em sede de base instrutória, e realizando-se oportunamente o julgamento da matéria de facto;

16ª - É manifesto que o Recorrido assenta nas duas cartas de "Março de 2010", subscritas e enviadas pela Sra. Advogada e mandatária do Condomínio, o meio e instrumento pelo qual o Recorrido denunciou à Recorrente os alegados defeitos de construção, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1225º, n.º 2 do Código Civil;

17ª - A primeira carta - datada de 8 de Março de 2010 - não consubstancia, materialmente, "qualquer denúncia de quaisquer defeitos de construção;

18ª - A segunda carta - datada de 31 de Março de 2010 - envolve, materialmente, denúncia dos supostos e alegados defeitos de construção;

19ª - A "decisiva" data de 11 de Março de 2005 - entrega da gestão do prédio segundo a tese e confissão do próprio Recorrido (eleição da administração do condomínio) -avançada quer pela M. Juiz "a quo", quer pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, tem como consequência, a ser provada a data de envio daquela carta, como tendo sido remetida em 12 de Março de 2010, a procedência da excepção da caducidade invocada pela Recorrente, fazendo decair quaisquer direitos alegados pelo Recorrido;

20ª - Em 12 de Março de 2010, tinha já decorrido o prazo de garantia de cinco anos, estabelecido no artigo 1225°, n.º1 do Código Civil;

21ª - É inapelável que os supostos defeitos de construção não foram denunciados pelo Recorrido dentro do referido prazo de garantia de cinco anos, conforme exige a regra do artigo 1225º do Código Civil, ao contrário do que foi sustentado pelo Recorrido e ao contrário do que foi decidido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa;

22ª - Motivação suficiente para se julgar procedente em qualquer caso o presente recurso de revista, julgando-se desde já procedente a excepção da caducidade dos direitos invocados nesta demanda ou ordenando-se, pelo menos, o prosseguimento dos autos, seleccionando e quesitando os factos controvertidos, em sede de base instrutória, com realização do julgamento da matéria de facto;

23ª - Donde, nesta medida, com a motivação e os fundamentos expostos, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Março de 2012 violou o artigo 1.225º do Código Civil e o artigo 510º, n.º 1, alínea b) e o artigo 513º do Código de Processo Civil.

Não houve contra – alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

2.

A Relação considerou provados os seguintes factos:

1º - A Ré construiu o edifício em causa e vendeu as respectivas fracções;

2º - O edifício em causa foi "entregue" na Assembleia Geral de Condomínio realizada em 11 de Março de 2005;

3º - A presente acção foi intentada em 12 de Novembro de 2010.

3.Ao intentar a presente acção, o Autor, ora Recorrido, que representa as partes comuns do edifício sito na Rua ............., n.º00, Algueirão, Mem Martins, pretendia a condenação da Ré, construtora do mencionado prédio, a eliminar os defeitos de construção que, alegadamente, o mesmo apresentava, ou, caso a Ré os não eliminasse, a pagar ao Autor o valor dessa reparação.

No despacho saneador foi proferida decisão que julgou verificada a excepção peremptória de caducidade do direito do Autor de intentar a presente acção, invocada pela Ré, com o fundamento de que a acção tinha sido intentada após o decurso de 5 anos sobre a data considerada como a da entrega do edifício ao condomínio, não se verificando o alegado factor impeditivo da caducidade - reconhecimento pela Ré da existência dos defeitos denunciados - uma vez que o Autor não alegou factos demonstrativos do alegado reconhecimento.

O acórdão recorrido considera que a 1ª instância interpretou de forma errada o artigo 1225º do Código Civil, uma vez que do mesmo não decorre que a acção destinada a obter a reparação dos defeitos e/ou indemnização tenha de ser proposta no prazo de 5 anos, a contar da entrega do imóvel, sob pena de caducidade do direito que se pretende fazer valer, antes prevendo o prazo máximo de garantia, durante o qual devem ocorrer e ser denunciados os defeitos, concluindo, por isso, que o tribunal a quo não podia ter julgado improcedente a invocada excepção de caducidade com o fundamento de terem decorrido, à data da propositura da acção, mais de cinco anos desde a entrega do imóvel.

O acórdão recorrido concluiu que a alegada denúncia dos defeitos foi feita dentro do prazo de garantia, pelo que a invocada excepção de caducidade não pode proceder, ordenando, consequentemente, o prosseguimento dos autos.

É deste segmento do acórdão que discorda a Ré/recorrente, defendendo que, na data em que foi enviada a carta da Sra. Advogada do Autor para alegadamente fazer operar a denúncia dos defeitos, o prazo de garantia de cinco anos sobre a data em que a gestão e administração do condomínio em causa deixaram de ser feitas pela própria Recorrente havia já decorrido.

Assim sendo, a questão que importa resolver consiste em saber se os defeitos de construção que o edifício construído pela Ré alegadamente apresenta, foram, ou não, denunciados dentro do prazo de 5 anos estabelecido no artigo 1225º do Código Civil.

4.

Na jurisprudência é hoje consensual o entendimento segundo o qual, quando o vendedor do prédio tenha sido o seu construtor, não obstante inexistir contrato de empreitada entre ele e o comprador, é aplicável aos defeitos do prédio o regime do artigo 1225º e não o do artigo 916º, ambos do Código Civil.

Também, as partes não põem em causa o entendimento sufragado pelo tribunal de 1ª instância e acolhido pela Relação de que ao caso sub judice é aplicável o regime do artigo 1225º do Código Civil.

Este normativo contempla três prazos: (i) um ano para fazer a denúncia dos defeitos, prazo que se conta a partir do descobrimento dos defeitos; (ii) um ano, a partir da denúncia, para a interposição da acção judicial a pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos; (iii) cinco anos, a contar da entrega do imóvel, dentro dos quais terá que ser feita a denúncia.

Com efeito, o artigo 1225º não prevê um prazo de cinco anos, a contar da entrega do imóvel, dentro do qual terá de ser feita não só a denúncia, como também terá de ser proposta a acção, sob pena de caducidade do direito que se pretende fazer valer, como defendeu a 1ª instância, antes prevendo o prazo máximo de garantia, durante o qual devem ocorrer e ser denunciados os defeitos, como considerou o acórdão recorrido.

A recorrente aceita e corrobora este entendimento do acórdão recorrido quando interpreta e decide que a regra do artigo 1225º, n.º 1 do Código Civil não exige que a acção judicial destinada a exigir a reparação e/ou indemnização tenha de ser proposta dentro do prazo de cinco anos[1].

Este o entendimento que tem sido sufragado neste Supremo Tribunal. Como se escreveu no Acórdão do STJ de 3/11/09[2], “a lei não impõe que a acção destinada a eliminar defeitos ou a pedir a indemnização seja proposta dentro desses 5 anos; importa que os defeitos ocorram nesse período, o que é coisa diversa”.

A recorrente, ao contrário do que defendia na contestação, aceita também, nas suas alegações, o entendimento das instâncias, quando sustentam que esse prazo de garantia começa a correr a partir da entrega do imóvel ao condomínio, considerando-se que esse acto de entrega não se reporta à data da entrega das fracções aos condóminos, mas à data em que foi eleita a primeira administração do condomínio, o que ocorreu em 11 de Março de 2005[3].

Aqui chegados, importa, então, saber se os defeitos de construção foram denunciados dentro do prazo de garantia, conforme concluiu e decidiu o acórdão recorrido, ou se, pelo contrário, foram denunciados depois de decorrer esse mencionado prazo de cinco anos, a partir da data em que foi eleita a primeira administração do condomínio.

Na petição inicial, procurou o autor alegar e demonstrar a verificação dos defeitos nas partes comuns do prédio e a sua denúncia à Ré, como lhe incumbia (artigo 342º, n.º 1 Código Civil).

Na contestação, invocou a Ré a caducidade do direito do autor, competindo-lhe alegar e demonstrar que o direito foi exercitado para além do prazo, ou seja, que a denúncia dos defeitos foi efectuada para além do prazo de garantia (artigo 342º, n.º 2 do Código Civil).

E para o fazer, alegou a Ré que, “com datas de 8 de Março e 31 de Março de 2010, recebeu as duas cartas assinadas pela Advogada da Administração do Condomínio, que estão juntas aos autos, como documentos 4 e 5 da petição inicial” (artigo 68 da contestação), pelo que, “em 8 de Março de 2010, tinha já decorrido o prazo de garantia dos cinco anos sobre todas as datas em que foram feitas as vendas das fracções comerciais e habitacionais do edifício identificado, a favor dos respectivos adquirentes e condóminos, apenas com excepção do primeiro andar B, cuja compra e venda foi celebrada em 14 de Novembro de 2005” (artigo 75° da contestação).

Ora, tendo em conta que a 1ª administração do condomínio ocorreu em 11/03/2005, é inequívoco que, ao contrário do sustentado pela Ré, a alegada denúncia foi feita dentro do prazo de garantia.

Procurando afastar o ónus que sobre si recaía, continua a Recorrente a sustentar que é manifesto que se verifica a excepção da caducidade dos direitos invocados pelo Recorrido contra a Recorrente nesta demanda, conducente à absolvição total do pedido da Recorrente, com o fundamento de que “não está provado nem demonstrado nos autos que a carta da Sra. Advogada e mandatária do Recorrido – meio ou instrumento para fazer operar a denúncia, dentro do prazo de garantia de cinco anos – foi remetida à Recorrente em 8 de Março de 2010.

Como atrás se explicitou, incumbia à autora alegar e demonstrar a verificação dos defeitos e a sua denúncia, cabendo à Ré que invocou a caducidade do direito do Autor, alegar e demonstrar que o direito foi exercitado para além do prazo.

Ora, se, como vimos, é a própria Ré que, na contestação, alega ter recebido, com a data de 8 de Março de 2010, a carta de fls. 17/18, não pode vir agora defender a tese da caducidade, com o fundamento (novo) de que não está provado que, naquela data, haja recebido a aludida carta.

Como se sabe, ainda que não tenha sido considerado assente um facto confessado em articulado, é de atender ao mesmo na sentença ou acórdão, salvo se estiver em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível a confissão sobre ele ou se só puder ser provado por documento escrito (artigos 490º, n.º 2 e 659º, n.º 3, ambos do CPC). Ou seja, o efeito legal da admissão dos factos, por força do preceituado no n.º 2 do artigo 490º do Código de Processo Civil, prevalece sobre a prova produzida em audiência, tendo-se por não escritas as respostas dadas em contrário, em conformidade com o disposto na parte final do n.º 4 do artigo 646º do CPC.

Assim, todos os factos admitidos por acordo que não constem da matéria de facto provada pelas instâncias devem ser tidos em consideração pelo Supremo Tribunal de Justiça se relevantes forem para a decisão do pleito (vide artigo 722º, n.º 2 CPC).

In casu, o facto supra referido é importante para a boa decisão da causa, pelo que, no uso dos poderes conferidos pela 2ª parte do artigo 722º, n.º 2 do Código de Processo Civil, decidindo que houve ofensa de disposição expressa da lei sobre determinado meio de prova (força probatória plena resultante do acordo das partes – artigo 490º, n.º 2 CPC), tem legitimidade este Supremo Tribunal para concluir que houve erro na fixação da matéria de facto, por não se ter atendido aos factos que as partes admitiram por acordo (com datas de 8 de Março e 31 de Março de 2010, a Ré recebeu as duas cartas assinadas pela Advogada da Administração do Condomínio, que estão juntas aos autos, como documentos 4 e 5 da petição inicial), dando os mesmos como plenamente provados, fazendo-os acrescer aos factos fixados pela Relação.

«Em abono desta posição, invoca-se a autoridade de Vaz Serra, transcrevendo esta passagem duma anotação sua, na RLJ n.º 111, página 276: “…se os factos estiverem plenamente provados por documento ou por acordo das partes, essa prova não pode ser modificada mediante outros meios de prova: há, então, disposição legal que fixa a força de determinado meio de prova, pelo que o erro na fixação dos factos materiais da causa pode ser objecto de recurso de revista[4]”».

Acresce que a (outra) data de recebimento da carta, alegada em recurso de revista, é matéria de facto que, não tendo sido invocada na contestação, constitui facto novo, subtraído aos poderes de cognição do STJ.

Deste modo, decidido que se não verifica a invocada excepção da caducidade, devem os autos prosseguir, para se ajuizar das pretensões do Autor.

Concluindo:

I - O regime do artigo 1225º, n.º 1, do CC, prevê um prazo máximo de garantia dentro do qual devem ocorrer e ser denunciados os defeitos, e não exige que a acção judicial destinada a exigir a reparação e/ou indemnização tenha de ser proposta no prazo de 5 anos.

II - Estando em causa a reparação de defeitos verificados em partes comuns de um prédio submetido ao regime da propriedade horizontal, tal prazo começa a correr quando é instituída a administração do condomínio, seja por iniciativa do construtor vendedor, seja por acção dos próprios condóminos.

III - Incumbe ao autor alegar e demonstrar a verificação dos defeitos e a sua denúncia e à ré alegar e demonstra que o direito foi exercido para além do prazo.

IV – Todos os factos admitidos por acordo que não constem da matéria de facto provada pelas instâncias devem ser tidos em consideração pelo Supremo Tribunal de Justiça se relevantes forem para a decisão do pleito.

V - A data de recebimento da carta, alegada em recurso de revista, é matéria de facto que, não tendo sido invocada na contestação, constitui facto novo, subtraído aos poderes de cognição do STJ.

5.

Pelo exposto, na improcedência da revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 15 de Novembro de 2012

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

______________________________


[1] Vide Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, página 372. No mesmo sentido, Acs do STJ de 21/05/2009, Processo 08B1356 e de 24/09/2009, Processo 2210/06.8TVPRT.S1, ambos da 7ª Secção, in www.dgsi.pt
[2] In www.dgsi.pt/jstj
[3] Ac. RL de 1/03/2007, Ac. RP de 25/03/2010, Ac. STJ de 1/06/2010, todos in www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do STJ de 15/02/2005, in www.dgsi.pt.