Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B2740
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NEVES RIBEIRO
Nº do Documento: SJ200210170027407
Data do Acordão: 10/17/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 1737/01
Data: 01/31/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
Razão da Revista

A . "A" pede com a presente acção ordinária n° 347/96, do 2° Juízo Cível de Santarém intentada contra as RR. B, C e D, que lhe seja reconhecido o direito ao arrendamento do rés do chão direito e cave do prédio, sito na Rua ........, n°s ... e ...., em Santarém, e que seja autorizada a manter a sua posse.
A fundamentar o pedido, alega, em síntese:
A primeira ré propôs acção executiva contra a segunda no âmbito da qual foi penhorado "o direito ao trespasse e arrendamento das instalações da executada", sitas na Rua ..... n° .... r/c, nesta cidade, direito esse que viria a ser levado á praça na qual a ora autora apresentou protesto reivindicando o bem;
Relativamente ao mencionado local, celebrou a A. com os respectivos senhorios, em 16 de Maio de 1996, um contrato de arrendamento, tendo tomado -de imediato, posse de tais instalações, sem que nada a levasse a pensar haver outro arrendatário.
A sentença julgou a acção improcedente. E a Relação de Évora confirmou o assim julgado. Daí a revista proposta pela autora.
II
Objecto da Revista
São as seguintes as conclusões da recorrente pelas quais se traça o objecto da revista:
1ª- Só os bens do devedor/executado são passíveis de penhora (art.º 821°, n.º 1 CPC). Consequentemente:
2ª- Não poderiam ser penhorados bens ou direitos, da Ré D, da A. dos proprietários do prédio em causa, ou de outros, mas, apenas, e tão só, da executada C.
3ª- Face aos documentos juntos aos autos, nomeadamente cópia do despacho que mandou deprecar a penhora e o de fls. 39, forçoso era considerar-se a C, como mera subarrendatária e não como arrendatária; logo,
4ª- Atento o disposto no art.º 1060° CC não poderia haver-se o direito ao trespasse e arrendamento do locado como direito da C, que não o detinha, mas da subarrendante D; Logo,
5ª- Nunca poderia ter sido ordenada a penhora no direito em causa, esta de todo ineficaz.
6ª- Assim não o reconhecendo, a sentença da 1ª Instância e o Acórdão recorrido, violaram as disposições dos art.ºs art.º 821°, n.º 1 CPC e 1060º CC.
7ª- Face ao disposto no art.º 836° CPC, a penhora de direitos (entre os quais o em pareço no caso dos autos), para ser eficaz, necessitaria de ter sido notificada aos proprietários senhorios, E e marido, F e à subarrendante D.
8ª- Demonstram os documentos juntos aos autos e a resposta dada ao Quesito 6° que não o foram, pelo que, deve, uma vez mais, considerar-se a penhora como não realizada e ineficaz.
9ª- Consequentemente, forçoso é considerar-se inexistir penhora sobre o direito em causa.
10ª- Reconhecendo o Acórdão recorrido que a penhora incidiu sobre bem que não era do devedor/executado, não poderia ter considerada como subsistente e oponível ao direito que a RECORRENTE pretende fazer valer por esta acção.
11ª- Tal matéria era possível ser alegada pela RECORRENTE e o Tribunal da Relação dela tomar conhecimento, na medida em que se incluiu na base instrutória e é facto susceptível de ser levado em consideração da decisão de mérito a tomar, não estando vedada a sua arguição.
12ª- Deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso, as decisões recorridas revogadas, e substituídas por outra, que considere como válido e subsistente o arrendamento celebrado pela ora RECORRENTE.
III
Matéria de facto
Vêm dados como provados os seguintes factos :
1. B, propôs acção executiva contra C, que correu termos com o nº 6156/95, pela 1ª Secção do 7° Juízo Cível da Comarca de Lisboa - al. A) da especificação;
2. Nesses autos foi penhorado o "direito ao trespasse e arrendamento das instalações da executada", sitas na Rua ....., n° .... r/c em Santarém - B);
3. Tal penhora ocorreu em 5 de Maio de 1995- C);
4. Por escritura publica de 22 de Março de 1991, certificada a fls. 98 a 101, a "..... - Equipamentos de Frio e Hotelaria, Ldª" , trespassou à D, Lda, pelo preço de 5.000.000$00 (cinco milhões, de escudos), o estabelecimento comercial de equipamentos hoteleiros, instalado na fracção autónoma pertencente a E, designada pela letra "A" do prédio, em regime de propriedade horizontal, situado na Rua ........, nºs .... a .... em Santarém , inscrito na matriz sob o art° 1649, abrangendo o trespasse a cedência da respectiva chave e dos direitos e obrigações de arrendatário do local, mercadorias e móveis nele existentes, nessa data - D);
5. Por escritura pública de 16 de Maio de 1996, certificada a fls. 7 a 11 - G, na qualidade de procurador da referida E e marido e de F, deu de arrendamento à autora, pelo prazo de seis meses, renovável, por iguais períodos de tempo, com início em 1 de Janeiro de 1996, a fracção autónoma referida em 4.- E).
6. Em 22.6.1995, foi junta à referida execução pelo mencionado G, carta por este assinada do seguinte teor, na parte que aqui interessa considerar :
«Ilustre Senhor: na qualidade e senhorio neste processo conforme fui informado por esse tribunal em 5/5/95 da penhora do direito ao trespasse e renda à Firma executada C, venho informar esse tribunal de que, desde 3/4/91, que passo os recibos de renda em nome da Firma D que cedeu a exploração a C com a condição de os recibos serem passados sempre em nome da D.
O que tem sucedido é que a C paga a D 100.000$00 de renda mensal e a D paga ao senhorio 39.153$00» - certidão de fls. 74 e 75 e 108».
7. Notificada dessa junção, a B apresentou na execução, em 14.7.95, o requerimento certificado a fls. 109, do seguinte teor, na parte que aqui interessa :
«"B", exequente nos autos à margem referenciados, notificada da junção aos autos de um requerimento pelo senhorio das instalações da executada, vem expor e requerer a v. a. o seguinte:
«A situação descrita é uma situação de subarrendamento com consentimento do senhorio».
«O direito ao trespasse e arrendamento ao estabelecimento da subarrendatária é licito».
«Termos em que se requer a V. Exa a continuação da execução, nomeadamente, que se proceda às citações nos termos do artº 864° do CPC ».
8. Em 1.2.96 , foi proferido, na execução, despacho do seguinte teor, certificado a fls. 110 e 111:
«Depreque a venda em hasta pública em 1ª e 2ª praça do estabelecimento penhorado a fls. 36 ...»
«Indique na deprecada quem é o senhorio e que há subarrendamento à D que cobra rendas à executada, devendo-se-lhes comunicar o acto da venda».
«Entretanto notifique a executada para indicar qual a sede da aludida D que lhe subarrendou o estabelecimento»
«Prazo de 8 dias».
IV
Direito aplicável
1. Como é bom de ver, o problema que vem colocado pela revista é simples.
Cinge-se com prevalência, mais a uma verificação da existência, ou não, de um direito de arrendamento comercial, a favor da recorrente, do que a uma avaliação normativa tout court em que aquela verificação se possa converter.
É este o caminho que vai fazer-se.
2. Na parte que agora releva, para exame, a acção dirigiu-se ao reconhecimento, a benefício da autora, do direito ao arrendamento do questionado rés do chão direito e cave do prédio sito na Rua Pedro de Santarém, n°s 35 e 45, em Santarém.
E suportou-se no seguinte:
a) a autora celebrou com os respectivos senhorios, em 16 de Maio de 1996, um contrato de arrendamento, tendo tomado de imediato, posse das instalações locadas, sem que nada a levasse a pensar haver arrendamento anterior.
b) Á data em que celebrou o contrato de arrendamento, nem a C, nem a D eram titulares do direito penhorado.
c) A D, titular do direito de arrendamento e que cedera as instalações àquela, havia denunciado o contrato, entregando o locado livre e devoluto aos senhorios
3. Donde: Saber quem é titular do arrendamento - eis a questão da revista, que se deve apurar, através da indagação já aludida.
O essencial da resposta está na descrição da matéria de facto, que, para tal fim, e de seguida, vai reordenar-se, dentro do quadro que vem proposto pela acção, como atrás se enunciou. ( Alíneas a, b, c, do n.º 2).
Recuperemos, então, dessa matéria, reproduzida na Parte III, os dados mais significativos, com vista a responder à questão colocada:
- Por escritura publica de 22 de Março de 1991, certificada a fls. 98 a 101, a ".......- Equipamentos de Frio e Hotelaria, Ldª", trespassou à D, pelo preço de 5.000.000$00 (cinco milhões, de escudos), o estabelecimento comercial de equipamentos hoteleiros, instalado na fracção autónoma pertencente a E, designada pela letra "A" do prédio em regime de propriedade horizontal, situado na Rua ......., nºs ..... a .... em Santarém , inscrito na matriz sob o art° 1649, abrangendo o trespasse a cedência da respectiva chave e dos direitos e obrigações de arrendatário do local, mercadorias e móveis nele existentes nessa data - (Sublinhámos).
- Por escritura pública de 16 de Maio de 1996, certificada a fls. 7 a 11 -G, na qualidade de procurador da referida E e marido e de F, deu de arrendamento à autora, pelo prazo de seis meses, renovável, por iguais períodos de tempo, com início em 1 de Janeiro de 1996, a fracção questionada .
Entretanto:
- A ré B, Lda. propôs acção executiva contra C, que correu termos com o n.º 6156/95, pela 1ª Secção, do 7° Juízo Cível, da Comarca de Lisboa;
- Nesses autos foi penhorado o "direito ao trespasse e arrendamento das instalações da executada", sitas na Rua ....... , n° .... r/c , em Santarém);
- A penhora ocorreu em 5 de Maio de 1999;
E o procedimento executivo continuou, consoante se assinalou no pronto 8, da Parte III, que aqui retomamos, e só por economia de processo não reproduzimos.
4. Ora, afigura-se que não é preciso largo esforço, para se concluir que
o titular do direito de arrendamento - pese embora as vicissitudes, aparentemente menos claras que a carta assinalada no facto 6, pode representar - é a ré, D a seu tempo executada, na execução aludida - e por isso mesmo.
É inquestionável que a matéria em conflito, que opõe autora e rés, é regida por um princípio fundamental à sua solvência, assim formulado: em caso de colisão de direitos idênticos sobre mesmo objecto, prevalece o direito primeiro, e validamente, constituído.
Ressalvam-se, claro, os direitos que se suportam num registo público, quer como condição de eficácia ( artigo 7º do Código de registo Predial), quer como condição constitutiva ( artigo 687º do Código Civil) do negócio jurídico a que o direito reporta - e para aqui não tem relevância.
É a aplicação da velha máxima do direito romano prior tempus - princípio este, que cruza transversalmente todo o direito privado, para lhe conferir estabilidade, certeza e segurança.
E dele nos podemos socorrer como elemento ponderativo essencial que dá luz à resolução do problema que a acção, a apelação e a revista levantam.
No quadro da prova recolhida no processo, bem como da que se retira da execução - elementos, todos eles, sinalizados na Parte III - não deixa grande hesitação, se lhe associarmos aquele princípio, responder à pergunta, (?) quem é titular do direito de arrendamento cujo reconhecimento é solicitado pela autora?
Naturalmente, quem o viu primeiramente constituído a seu favor por negócio jurídico celebrado em 1991, (ponto 4, Parte III) - a ré D, com exclusão de qualquer outro titular!
Se esta ré, por qualquer modo, ou causa, fez cessar os efeitos do arrendamento, transmitido-os a beneficio da autora - como esta quer - é prova de um facto integrativo do seu alegado direito - prova que não fez - tal como reconheceu a Relação e decorre dos elementos que se expuseram, na parte III.
5. Ainda uma palavra, em síntese, sobre um outro aspecto suscitado pelas conclusões dos recorrentes ( parte II, em especial conclusões 7ª a 11ª).
A ilegalidade da penhora de direito alheio ao executado, é questão ultrapassada pelo tempo, pelo lugar e pelo modo de reacção contra este alegado vicio.
Pelo tempo, porque só foi levantada em apelação, não tendo sido objecto de apreciação pela sentença, nem se enquadrar no figurino da causa por que, na acção, se pediu o reconhecimento do direito arrendatício - figurino que, a este propósito, se deixou desenhado no ponto 2.
Nesta perspectiva, é uma questão nova, como já foi dito pela decisão recorrida - fls.192.
Mas ainda que não seja, a verdade é que não é ocasião de ser invocada, pelo lugar e pelo modo.
Pelo lugar, porque seria em sede executiva que a impugnação devia ter sido feita. E pela forma, ou modo, porque deviam ser adequados ao tipo de reacção pretendida então, se acaso correspondesse a uma situação real, impeditiva da penhora do direito questionado, e que o direito material acautela, seja quanto aos bens, seja quanto aos créditos afectados pela penhora - artigos 819º e 820º, do Código Civil - substância a que o Processo Civil dá forma própria, através, entre outros, e consoante os casos, dos artigos 863º-A, e 908º a 911º.
V
Decisão
Termos em que, sem necessidade de maiores explanações, acordam no Supremo Tribunal de Justiça - 7ª secção - em negar provimento à revista, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 17 Outubro de 2002.
Neves Ribeiro
Araújo de Barros (votei a decisão)
Oliveira Barros (votei a decisão)