Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ00027086 | ||
Relator: | JOÃO MAGALHÃES | ||
Descritores: | TIPICIDADE CÓPULA VIOLÊNCIA VIOLAÇÃO CONCURSO DE INFRACÇÕES PRESSUPOSTOS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ199503080469703 | ||
Data do Acordão: | 03/08/1995 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. PROVIDO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - TEORIA GERAL. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ARTIGO 26 ARTIGO 30 N1 N2 ARTIGO 78 ARTIGO 142 N1 ARTIGO 160 N1 N2 G ARTIGO 201 N1 ARTIGO 205 N1 ARTIGO 306 N1 N5 ARTIGO 308 ARTIGO 309 N1 N4. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1991/02/13 IN CJ ANOXVI TI PAG21. ACÓRDÃO STJ DE 1983/01/26 IN BMJ N303 PAG208. ACÓRDÃO STJ DE 1987/07/01 IN BMJ N369 PAG325. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - A chamada tipicidade consiste em, formulados pela lei os tipos legais de crimes, impô-los ao juiz como quadros a que este deve sempre subsumir os acontecimentos da vida para lhes poder atribuir a dignidade jurídico-criminal. II - Tendo dois indivíduos mantido cópula, sucessivamente, com a ofendida, por meio de violência, colocando-a na impossibilidade de resistir e constrangendo-a, cada um deles, e de comum acordo entre si, a manter cópula com o outro, é, cada um deles, autor de dois crimes de violação, em concurso real. III - A acção típica prevista no artigo 201, n. 1 do Código Penal - violação - desdobra-se na dupla modalidade: ter cópula ou constranger a ter cópula com terceiro, pelo que é autor quem realiza essa acção em qualquer das duas modalidades apontadas. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1- A, nascido a 25 de Dezembro de 1962, em Espinho, residente na Corredoura, Paramos, Espinho; 2- B, nascido a 31 de Maio de 1995, em Espinho, residente na Corredoura, Paramos, Espinho; foram condenados em co-autoria material e em concurso real de infracções por: - 3 crimes de dano agravado previsto e punido pelos artigos 308 e 309 ns. 1 e 4 do Código Penal na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por cada um dos crimes; - 3 crimes de ofensas corporais simples previsto e punido pelo artigo 142 n. 1 do Código Penal na pena de 8 meses de prisão pelo crime na pessoa do ofendido C e na pena de 12 meses de prisão por cada um dos outros dois crimes; - 1 crime de roubo previsto e punido pelo artigo 306 ns. 1 e 5 do Código Penal na pena de 3 anos de prisão; - 2 crimes de sequestro previsto e punido pelo artigo 160 ns. 1 e 2 alínea g) do Código Penal na pena de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos crimes; - 2 crimes de violação previsto e punido pelo artigo 201 n. 1 do Código Penal na pena de 4 anos de prisão por cada um dos crimes; - 1 crime de atentado a pudor previsto e punido pelo artigo 205 n. 1 do Código Penal na pena de 18 meses de prisão. Inconformados com tal decisão dela interpuseram recurso os arguidos e o Ministério Público. Corridos os vistos e realizada a audiência de julgamento cumpre decidir. Enumeremos, antes de tudo, a matéria de facto provada. 1- No dia 3 de Setembro de 1993 pelas 2 horas os arguidos tapando os seus rostos com camisolas, que envergavam, e munidos dos paus examinados a folha 75 dirigiram-se para a pista do aeródromo de Paramos, Espinho, onde habitualmente costumam permanecer casais no interior dos veículos automóveis. 2- Aí chegados dirigiram-se para perto do veículo GQ, onde se encontrava o seu proprietário C. 3- De imediato começaram a bater com o pau em diversas partes do veículo, amolgando o capot e partindo o retrovisor lateral, o para-brisas e o vidro da porta do lado do condutor, causando no veículo um prejuízo no valor de 103204 escudos. 4- Com aqueles paus bateram no referido C provocando-lhe escoriações na região intercostal esquerda e no antebraço, e traumatismo na grelha costal, que lhe determinaram 5 dias de doença com igual período de tempo de incapacidade para o trabalho. 5- Sabiam os arguidos que aquele veículo era propriedade alheia, querendo com aquela conduta causar prejuízos, como efectivamente causaram. 6- Fizeram-no sem qualquer motivo plausível, revelando um carácter reprovável. 7- Ao baterem daquela forma quiseram, com aqueles objectos causar dor e sofrimento físico no C. 8- Não satisfeitos, dirigiram-se para perto do veículo OL, onde se encontrava o seu proprietário D, e, com os paus, deram várias pancadas naquele veículo, provocando-lhe amolgadelas e partindo o para-brisas, causando prejuízo no montante de 104339 escudos. 9- Sabiam os arguidos que aquele veículo era alheio, querendo daquela forma causar prejuízos, como causaram. 10- Fizeram-no sem qualquer motivo plausível apenas para dar largas ao seu baixo carácter. 11- Como o D de imediato se pusesse em fuga, os arguidos com os mesmos propósitos já evidenciados, dirigiram-se para junto do veículo 70, onde se encontravam E e sua namorada F. 12- De imediato, com os paus começaram a bater em diversas partes do automóvel partindo os vidros e amolgando-o, causando prejuízos no montante de 197000 escudos apesar de saberem ser o veículo alheio. 13- Em seguida aproximaram-se do E e da F que se mantinham dentro do veículo e de imediato puxaram-nos para fora do veículo ao mesmo tempo que os sovavam com os paus que traziam. 14- Aí arrastaram-nos pelos cabelos para um local mais isolado. 15- Chegados aí disseram à F que queriam dinheiro para ir para Espanha. Esta respondeu que tinha algum dinheiro no veículo automóvel. O arguido A levou-a então para junto da viatura e aí apropriou-se de 83000 escudos, que estavam dentro de uma carteira, os quais eram propriedade da F, factos que os arguidos não ignoravam. 16- Ainda junto do veículo, o A arrancou à F todo o ouro que aquela consigo trazia, quer no pescoço, quer nas mãos, a saber: 5 fios em ouro, 2 pulseiras e 7 anéis, que o arguido bem sabia ser alheio. 17- Regressados O A e a F para junto do E e do arguido B, aí os arguidos repartiram entre si o ouro e o dinheiro, integrando-o no seu património. 18- Enquanto o A se apropriava do dinheiro a F tentou tirar-lhe a camisola da cara para ver se o conhecia. 19- Como resposta o arguido deu-lhe uma paulada na cabeça. 20- Durante o tempo que o A e a F foram ao veículo, o arguido B "mantinha em respeito" o E, evitando que ele reagisse. 21- Estando de novo todos juntos, o A, pela força, rasgou todas as roupas da F e com ela manteve relações de cópula completa. 22- Enquanto isso o B batia no E uma vez que estava a reagir à prática do acto a que estava a assistir. 23- De repente surgiram luzes de veículo automóvel e os dois arguidos agarraram o E e a F pelos cabelos e levaram-nos para um local mais escondido. 24- Aí chegados obrigaram o E e a F a deitarem-se no chão em cima de arbustos e silvas, dizendo que se deveriam manter calados se não matariam a F afogando-a. 25- Afastou, então, o B a F de perto do seu namorado e com ela manteve relações sexuais de cópula completa. 26- O A aproximou-se dos dois e começou a ferrar os seios da F. 27- Como a F gritasse ameaçaram-na, de que lhe cortariam os seios com uma navalha. 28- Enquanto isto sucedia o namorado da F era mantido à distância sob a ameaça de que a matariam se ele reagisse. 29- Nesta altura o E não via o que os arguidos faziam com a F. 30- E sempre que o E tentava reagir os arguidos batiam na F. 31- Após as relações sexuais mantidas pelo B com a F os arguidos levaram-na novamente para junto do namorado que se mantinha deitando no solo. 32- Abandonaram então o local dizendo que se mantivessem quietos e calados. 33- Com a sua actuação provocaram no E traumatismo dorsal do braço esquerdo, escoriações várias na região dorsal do membro superior direito e equimoses várias a nível dos braços, que terão demandado 5 dias de doença com impossibilidade para o trabalho. 34- À F provocaram equimoses na face interna do terço médio do braço direito, escoriações nos antebraços, equimoses na perna direita, traumatismo dorsal do andar superior, hematoma na cabeça e face, ferida interna no lábio inferior, equimose a nível do pescoço, equimose da perna direita, feridas nos pés por picadas das silvas e lacerações a nível vaginal. 35- Ao agirem como agiram, os arguidos sabiam que iriam provocar dor e sofrimento físico, tendo consciência da ilicitude dos seus comportamentos. 36- Quiseram coarctar a liberdade de decisão e de locomoção da F e do E. 37- Obrigaram o E a presenciar actos que violam os sentimentos gerais de moralidade sexual. 38- Agiram com baixeza de carácter. 39- Agiram em conjugação de esforços e identidade de fins, querendo satisfazer os seus desejos. 40- O D teve em consequência da paralisação do O L, pelo período de 6 dias, prejuízos no montante de 30000 escudos. 41- O E vexame ao ver a sua namorada a ser violada pelos arguidos. 42- Os objectos em ouro que os arguidos retiraram à F tinham valor de 100000 escudos. 43- Em consequência das agressões de que foi vítima a F, esta sofreu receio, grandes dores e traumatismo psicológico de que ainda não se libertou. 44- Estes factos foram noticiados na comunicação social e espalhou-se na cidade de Espinho, onde a F mora e exerce a sua actividade, agravando a sua dor. 45- O A trabalhava num bar, auferia cerca de 100000 escudos mensais, é casado, sendo a esposa educadora de infância, tem um filho e possui como habilitações literárias o 7. ano. 46- Vivia com os pais. 47- Sempre teve bom comportamento. 48- O B encontrava-se desempregado, recebia pelo fundo de desemprego 87000 escudos mensais, é casado e tem um filho. 49- Pagava 8000 escudos de renda de casa e possui como habilitações literárias a 3. classe. 50- Ambos os arguidos pertencem a um estrato social sócio-económico e cultural modesto. 51- No decurso da audiência os arguidos reconheceram ter provocado danos nas viaturas, agredido os ofendidos, mas apenas reconheceram ter praticado sexo oral com a F, tendo esta confirmado que além das relações de cópula os arguidos praticaram com ela sexo oral. Posto isto vejamos cada um dos três recursos de per si. I- Recurso do arguido A. Formulou este recorrente as seguintes conclusões: 1- Afigura-se que os "sequestros" não apresentam autonomia em relação aos crimes de violação e de atentado ao pudor por que os arguidos foram "condenados", atendendo às exigências do emprego da "violência" ou "ameaças graves" referidas nos artigos 201 e 205 do Código Penal. Ao considerar que os arguidos tiveram acções autónomas e não instrumentais capazes de integrarem a previsão do artigo 160 da lei penal, o ilustre Colectivo de Espinho fez errónea interpretação daqueles preceitos e indevida aplicação deste último normativo. 2- O Acórdão recorrido considerou a existência de co-autoria de ambos os arguidos na prática dos crimes de violação - dois - de que a ofendida F foi vítima. Terá assim feito errónea interpretação do artigo 26 do Código Penal se - como parece - as circunstâncias de facto apuradas e a natureza do crime de violação deverem levar à conclusão que cada um dos arguidos cometeu uma violação a título singular. 3- As respectivas molduras penais e os factos provados permitem considerar excessivas as penas fixadas ao recorrente quanto aos crimes de ofensas corporais simples, roubo, violação e atentado ao pudor por si praticados. O ilustre Colectivo de Espinho fez uma aplicação punitiva excessiva dos preceitos que, respectivamente, prevêm aqueles delitos: (a saber: artigos 142, 306, 201 e 205 do Código Penal). 4- Aliás, a censurável acção do recorrente e do seu co-arguido na fatídica noite a que os autos se reportam reveste-se de contornos exteriores e integra posturas subjectivas que deveriam ter levado o tribunal à aplicação evolvente e tipificada do artigo 30 do Código Penal. Diferentemente o Acórdão em apreço considerou os comportamentos dos arguidos como heterogéneos e com processos volitivos destrinçados. 5- De todo o modo, e sem prescindir, considera-se excessivamente gravosa a pena apurada em Colectivo em cúmulo jurídico, só possível por errónea aplicação e interpretação do artigo 78 do Código penal. Os Excelentíssimos Representantes do Ministério Público na 1. instância e neste Supremo Tribunal de Justiça defendem que o recurso não merece provimento. E, com efeito, com toda a razão. Preceitua-se no artigo 30 do Código Penal que: 1- O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Ora, como salienta J. Faria Costa, in Jornadas de Direito Criminal, página 181, "o direito penal visa proteger bens jurídicos criminais, juridicamente precipitados no tipo legal. É no tipo que se focaliza o núcleo do juízo de ilicitude que tem como suporte material, como vimos, o "bem jurídico". Daí que não possa deixar de ser visto como uma referência essencial para a determinação do número de crimes praticados". E como também salienta o Professor Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de Infracções, página 107 no "tipo legal de crime (Tatbstand) escreve o legislador aquelas expressões da vida humana que em seu critério encarnam a negação dos valores jurídico-criminais que violam, portanto, os bens ou interesses jurídico-criminais. Neles vasa a lei em moldes os seus juízos valorativos, neles formula de maneira típica a anti-juridicidade, a ilicitude criminal. Depois, uma vez formulados esses tipos legais de crimes, impõe-os ao Juiz como quadros, a que este deve sempre subsumir os acontecimentos da vida para lhes poder atribuir a dignidade jurídico-criminal. Nisto consiste precisamente a chamada tipicidade, intimamente ligada ao princípio do "nullum crimen sine lege". O tipo legal é, pois, o portador, o interposto da valoração jurídico-criminal, ante o qual se acham colocados o tribunal e o intérprete. Mas sabido isto, e se dermos mais um passo, sabido fica através de que critérios é possível determinar a unidade ou pluralidade de valores jurídico-criminais que numa certa actividade criminosa viola e, portanto, a unidade ou pluralidade de crimes a que ela dá lugar. Na verdade, se todos os juízos de valor jurídico- criminais hão-de ser fornecidos através de tipos legais de crimes, é por outro lado certo que cada tipo legal há-de ser informado por um específico valor jurídico- criminal, no sentido amplo que lhe demos. É, portanto, a esta luz que temos de decidir a questão posta pelo recorrente quanto aos crimes de sequestro, de violação e de atentado ao pudor. Há que acentuar desde logo que no artigo 160 do Código Penal se tutela a chamada liberdade ambulatória, a capacidade de cada um se fixar ou movimentar livremente no espaço físico, contra a ilícita restrição por qualquer forma ou medida temporal desse direito. Como diz Nelson Hungria, Comentário ao Código Penal Brasileiro, volume VI, páginas 19 e seguintes, o sequestro é a "arbitrária privação ou compressão da liberdade de movimentação no espaço", e "o que a lei penal protege, na espécie, particularmente é a liberdade pessoal de movimento da pessoa no âmbito espacial que a lei lhe assegura... o direito de ir ou vir, ou escolher o lugar onde se quer ficar". Bem diferente é a tutela dos artigos 205 n. 1 e 201 n. 1 do Código Penal, isto é, tutela da liberdade sexual. Na violação dispensa-se a protecção da honra e da inviolabilidade sexual da mulher e no atentado ao pudor do pudor individual de uma pessoa de qualquer sexo (v. Luís Osórios, Notas ao Código Penal Português, volume III, páginas 227 e 240). Tal significa que o conceito de liberdade sexual apresenta certas especificidades em relação ao conceito geral de liberdade pessoal, entendido geralmente como a liberdade de deslocação e de movimentos - tutelada pela incriminação das ameaças, da coacção, do sequestro, entre outros, que derivam do facto de a sexualidade constituir um dos domínios mais relevante da vida dos indivíduos e que melhores perspectivas de auto-realização pessoal lhes possibilita. A plasticidade do instinto sexual faz com que o livre exercício da sexualidade revista uma importância fundamental para o desenvolvimento da personalidade individual, justificando assim a sua especificidade no seio dos crimes contra a liberdade em geral (v. Karl Prellaz Natscheradetz, O Direito Penal Sexual, Conteúdo e Limites, páginas 156 a 158). Assente, assim, que cada uma das supramencionadas disposições legais protege interesses ou bens jurídicos distintos há que salientar que no caso "sub judice" foram bem patentes os actos de sequestro praticados pelos arguidos, que chegaram ao ponto de obrigarem os ofendidos E e F a deitarem-se no chão em cima de arbustos e silvas, dizendo que se deveriam manter calados se não que matariam a F afogando-a, isto ao surgirem de repente luzes de veículo automóvel. Actos, portanto, distintos dos relativos à violação da liberdade sexual da F (cf. o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1991, C.J. XVI, I, página 21) e também com perfeita autonomia em relação ao ofendido E. Teremos assim de concluir que face às ditas condutas dos arguidos estamos quanto ao ponto em questão em presença não de uma única infracção, mas de uma pluralidade de infracções, nos termos constantes do Acórdão recorrido. Avançando na análise das afirmações feitas por este recorrente diremos também que de modo algum se pode sufragar a ideia da existência de um crime continuado. Como se sabe o n. 2 do artigo 30 do Código Penal estabelece que constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime, que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Ora bem evidente se torna que no caso presente não se vê que os arguidos tenham agido por este último modo, isto é, que cada acto das suas condutas tenha sido precedido da renovação da respectiva motivação ou resolução criminosa, resultante de uma situação exterior, que tenha enfraquecido a sua vontade e facilitado a sucessiva sucumbência, diminuindo-lhe a capacidade de resistência para se determinarem conforme ao direito. Tal é o que resulta da matéria fáctica dada como provada e é nessa que devemos atentar, e tão só - nada há nela que permita concluir pela existência de circunstâncias exteriores a facilitar a repetição dos actos criminosos, e, portanto, do condicionalismo que concorre para diminuir o grau de culpa, tornando menos exigível comportamento diverso (v. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1983, Boletim do Ministério da Justiça 303/208, por todos). Carece, assim, também neste ponto de razão o recorrente, já que se não pode falar em crime continuado no caso sub judice, como de igual modo não é de acolher a sua afirmação de que não houve co-autoria na prática dos dois crimes de violação de que a F foi vítima. Com efeito, preceitua-se no n. 1 do artigo 201 do Código Penal que "quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, grave ameaça ou, depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, ou ainda, pelos mesmos meios, a constranger a ter cópula com terceiro, será punido com prisão de 2 a 8 anos". E assim não há dúvida de que cada um dos réus cometeu dois crimes de violação daquele preceito legal, em concurso real, pois da parte final deste se vê que a relação sexual violenta pode resultar do constrangimento ao acto em favor de terceiro, que é outra das modalidades que o crime pode assumir (v. Leal Henriques e Simas Santos, O Código Penal de 1982, volume 3, página 201). Repare-se que face à conduta dos arguidos que já se deixou relatada, sempre o namorado da F ficou manietado por um dos arguidos enquanto o outro violava a F, estando assim esta (e aquele) impossibilitada de resistir. Como bem se diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 1987, e assim se decidiu, (B.M.J. 369/325) "tendo A. e B. mantido cópula, sucessivamente, com a ofendida, por meio de violência, colocando-a na impossibilidade de resistir e constrangendo-a, cada um deles, e de comum acordo entre si, a manter cópula com o outro, é, cada um, autor de dois crimes de violação, em concurso real". "A acção típica prevista no artigo 201 n. 1 do Código Penal - violação - desdobra-se na dupla modalidade: ter cópula ou constranger a ter cópula com terceiro, pelo que é autor quem realiza essa acção em qualquer das duas modalidades apontadas". Tornaram-se assim os arguidos "autores" do referido crime ao manterem em tais circunstâncias cópula sucessiva com a ofendida. Por outro lado, cada um dos arguidos de comum acordo tomou parte directa na execução do crime pelo outro cometido, assumindo a qualidade de "co-autor" (cf. artigo 26 do Código Penal). Hoje, porém, perante a redacção do n. 1 do artigo 201 do Código Penal não se faz mister recorrer ao conceito de comparticipação criminosa para punir, como autor, quem constrange a mulher a ter cópula com terceiro, mediante os meios descritos nesse número, porquanto esse constrangimento preenche o tipo de crime em causa. Trata-se segundo parece de uma solução inspirada no direito germânico e destinada a evitar dúvidas sobre a verificação da autoria no caso a que alude. E com esta certeza de que também aqui o Acórdão recorrido decidiu por forma correcta, acrescentaremos que os factos dados como provados relevam um alto grau de ilicitude e um intenso dolo directo, o que desde logo afasta a pretensão do recorrente de ver diminuídas as penas parcelares aplicadas aos vários crimes que cometeu e bem assim a pena única de 10 anos que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico. Não relevam, como se torna óbvio, assim, considerações feitas pelo recorrente só na base de certa gravidade das ofensas corporais, do reduzido valor dos bens roubados, e menos ainda da situação de mulher adulta e não virgem quanto às violações de que foi vítima a ofendida F e do meio do nível máximo previsto no preceito aplicável quanto ao atentado ao pudor. Infundada, pois, a sua afirmação de que o Tribunal Colectivo fez uma aplicação punitiva excessiva dos preceitos que prevêm os delitos por que foi condenado. Por tudo o exposto se concluiu pela total improcedência das conclusões da fundamentação deste recorrente. II- Recurso do arguido B. Formula este recorrente nas suas alegações as seguintes conclusões: 1- Não existiu qualquer crime de sequestro na pessoa do ofendido E. 2- Igualmente não existiu, nem podia existir na pessoa da ofendida F, uma vez que a privação da liberdade foi um dos elementos necessários e essenciais à prática do crime de violação. 3- A pena concretamente aplicada mais alta foi de 4 anos. 4- Sem menosprezar ou minimizar a gravidade dos actos cometidos eles foram-no num quadro de ignorada solicitação exterior anormal. 5- O arguido sempre foi cidadão social e familiarmente bem inserido, pelo que se não pode concluir pela existência de uma personalidade excepcionalmente perversa. 6- O Tribunal entendeu que a ameaça de praticar um mal maior à F contra a liberdade de movimentos ao E e que tal integraria um crime de sequestro. 7- A menos que esteja a referir-se à privação de liberdade fisicamente imposta à F, mas aqui também teria feito errónea aplicação da lei, porquanto tal é elemento tipificador do crime de violação. 8- Assim sendo interpretou erradamente os preceitos contidos nos artigos 160 e 201 do Código Penal. 9- Devendo ter-se pronunciado pela absolvição dos crimes de sequestro. 10- Igualmente fez errada aplicação do artigo 78 do Código Penal. 11- Uma vez que o arguido é primário e tendo a pena, concretamente aplicada mais elevada sido de 4 anos, os factos e a personalidade do arguido haviam de conduzir a uma pena única de molde a nunca ser superior a 6 anos. Defende também aqui o Ministério Público coerentemente a improcedência deste recurso. E não há duvida de que se tem de negar provimento a este recurso. Com efeito, desde logo se mostra de todo infundada a afirmação do recorrente de que houve erro notório na apreciação da prova já que o ofendido E nunca esteve privado da liberdade de movimentos, na realidade, e a razão que o mantinha no local era o receio de que o seu afastamento pudesse ser causa de males maiores para a ofendida F, em atitude nobre mas que não integra a pratica do crime de sequestro. Pensamos que esta rotulagem de atitude nobre relativa à conduta do E, mais faz salientar a catalogação da conduta do arguido recorrente como de baixeza de carácter feita no Acórdão recorrido... Mas isto não faz esquecer a existência dos apontados crimes de sequestro nas pessoas dos ofendidos F e E - veja-se só que os arguidos munidos de paus e em atitude intimidatória partiram os vidros do veículo onde aqueles se encontravam e amolgaram aquele e depois como eles se mantivessem dentro do veículo puxaram-nos para fora do veículo ao mesmo tempo que os sovavam com os ditos paus, tendo-os arrastado pelos cabelos para um local mais isolado, e depois durante o tempo que o A e a F foram de novo ao veículo o arguido B "mantinha em respeito" o E evitando que ele reagisse. Só aquela primeira parte é suficiente para se concluir, como bem se diz no Acórdão recorrido, que os arguidos "quiseram cortar a liberdade de decisão e de locomoção da F e do E. Cremos que isto esclarece suficientemente que cada um dos arguidos cometeu, em co-autoria, dois crimes de sequestro, um na pessoa da F e outro na pessoa do E. No mais referido pelo recorrente quanto a estes crimes já deixamos expresso ao tratarmos do recurso do seu co-arguido que estamos em face de uma pluralidade de infracções - sequestro e violação - no referente à ofendida F. Como também já salientamos, além do mais, o alto grau de ilicitude e um intenso dolo directo, aliados ao evidenciar por parte dos arguidos da sua personalidade com insensibilidade manifesta relativamente a valores consagrados pela sociedade, afastam desde logo a pretensão do recorrente de ver diminuídas as penas parcelares aplicadas aos vários crimes que cometeu, e bem assim a pena única de 10 anos que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico. Por tudo exposto, se conclui pela total improcedência das conclusões da fundamentação deste recorrente. III- Recurso do Ministério Público. Formula o recorrente nas suas alegações as seguintes conclusões: 1- Os arguidos A e B foram condenados pela prática de três crimes previstos e punidos pelos artigos 308 e 309 ns. 1 e 4 do Código Penal, de três crimes previstos e punidos pelo artigo 142 n. 1 do Código Penal, de um rime previsto e punido pelo artigo 306 ns. 1 e 5 do Código Penal, de dois crimes previstos e punidos pelo artigo 160 ns. 1 e 2 alínea g) do Código Penal, de dois crimes previstos e punidos pelo artigo 201 n. 1 do Código Penal e de um crime previsto e punido pelo artigo 205 n. 1 do Código Penal em penas parcelares cuja soma perfaz 27 anos e 8 meses de prisão. 2- O tribunal operou os respectivos cúmulos jurídicos e condenou cada um dos arguidos na pena concreta unitária de 10 anos de prisão. 3- Contudo, entendemos que essa pena unitária concreta deveria ser para cada um dos arguidos de 12 anos de prisão, como reacção penal justa em sede ético-retributiva, dissuasora em termos de prevenção geral e terapêutico-correctiva no tocante à prevenção especial. 4- Deverá manter-se em tudo o mais douto Acórdão recorrido. Os arguidos não responderam. Começaremos por salientar que o Ministério Público recorrente "concorda integralmente com os factos dados como provados, com a fundamentação jurídica e com as penas parcelares aplicadas na douta sentença recorrida", discordando apenas da pena concreta unitária de 10 anos aplicada em cúmulo jurídico a cada um dos arguidos. Entendemos que tem razão nessa discordância. Com efeito, resulta do preceituado no artigo 78 do Código Penal que na determinação concreta da pena do concurso de crimes serão considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Há assim que tomar em consideração a gravidade do ilícito global e que proceder à avaliação da personalidade do agente, e isso no caso "sub judice" só pode significar que aquela é alta e que esta, é também em relação a cada um dos arguidos, muito defeituosa, revelando os seus actos baixeza de carácter. Praticaram os arguidos factos merecedores de forte censura ético-jurídica, sendo intensas as necessidades de prevenção especial e de prevenção geral, devendo salientar-se-se também, dado o que foi referido, as consequências traumáticas dos ofendidos vítimas de crimes como os praticados pelos arguidos. Assim sendo, entendemos que se deve alterar a pena única de 10 anos de prisão aplicada a cada um dos arguidos para a pena única de 12 anos de prisão. Pelo exposto precedentes são inteiramente as conclusões da fundamentação do recorrente. Decisão 1- Nega-se provimento ao recurso do arguido A. 2- Nega-se provimento ao recurso do arguido B. 3- Dá-se provimento ao recurso do Ministério Público. 4- Nessa conformidade revoga-se a decisão recorrida na parte em que condenou cada um dos arguidos na pena única de 10 anos de prisão, e condena-se cada um deles, em cúmulo jurídico, na pena única de 12 anos de prisão. 5- Condena-se cada um dos arguidos em 7 ucs, em 1/3 deste montante de taxa de justiça, fixando-se em 7500 escudos, em relação a cada arguido recorrente, os honorários do defensor oficioso. Lisboa, 8 de Março de 1995. Fernandes de Magalhães. Vaz dos Santos. E Marçal. Silva Reis. Decisão impugnada: Acórdão de 2 de Fevereiro de 1994 do 1. Juízo de Espinho. |