Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ00039724 | ||
Relator: | FERREIRA VIDIGAL | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE TRAFICANTE-CONSUMIDOR CONTINUAÇÃO CRIMINOSA TRATO SUCESSIVO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO HEROÍNA HAXIXE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ199502150476213 | ||
Data do Acordão: | 02/15/1995 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T J VISEU | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 568/94 | ||
Data: | 05/25/1994 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE / TEORIA GERAL. DIR PROC PENAL - RECURSOS. | ||
Legislação Nacional: | DL 15/93 DE 1993/01/22 ARTIGO 21 ARTIGO 25. CPP87 ARTIGO 410 N2 A. CP82 ARTIGO 72 ARTIGO 78 N5. CPC67 ARTIGO 514. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1986/12/10 IN BMJ N362 PAG357. ACÓRDÃO STJ DE 1986/04/02 IN BMJ N356 PAG126. ACÓRDÃO STJ DE 1988/11/09 IN BMJ N381 PAG300. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I- O erro notório na apreciação da prova enunciado no artigo 410, n. 2, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, é um conceito paralelo ao erro notório definido no artigo 514 do CPC e, tal como este, tem de ser interpretado como facto de que todos se apercebem directamente ou que adquire notoriedade por via indirecta, isto é, mediante raciocínios foram dos sobre factos observados pela generalidade das pessoas - vide Prof. J. Alberto dos Reis, in CPP Anot., Vol. II, pág.262. II- Não se verifica "contradição insanável da fundamentação" do acórdão recorrido, quando se diz, simultaneamente, que o agente destinava a droga à comercialização com lucro e que não se apuraram os lucros que ele obteve. III- Provado que o recorrente detinha e comercializava drogas proíbidas, surge um concurso real entre os tipos de crime dos artigos 21 e 40 do DL 15/93 de 22 de Janeiro. IV- A norma do artigo 25 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, está reservada para os casos em que se comprove uma ilicitude consideravelmente diminuída, designadamente tendo em consideração a qualidade e as quantidades das plantes, substâncias e preparações traficadas, não cabendo, por isso, na previsão da citada norma a conduta de quem traficava heroína e haxixe e a quem, de uma só vez, foram encontradas 18.351 grs de haxixe e 273 mgrs de heroína, esta declaradamente droga dura e aqueloutra - o haxixe - produto cuja nocividade só agora vem sendo conhecida. V- Na generalidade dos casos de narcotráfico, quando o agente pratica múltiplos actos que cabem na previsão do artigo 21 do DL 15/93 e o faz no âmbito da previsão de um procedimento reiterado, só excepcionalmente se poderá falar em crime continuado, surgindo-nos antes um delito de trato sucessivo, cumulando-se materialmente a ilicitude das diversas acções delitivas que, por isso, não se poderá medir para efeitos de punição nos termos do artigo 78, n. 5, do CP/82. VI- Igualmente não se pode falar na generalidade dos casos de narcotráfico na existência de uma circunstância exterior ao agente que o arraste para o crime em termos de lhe reduzir sensivelmente a culpa. VII- Falha a pretensão do arguido em não ser punido pelo crime da previsão do artigo 21, n. 1, do DL 15/93, quando se prova que, logo, após ter saído da cadeia, onde havia cumprido uma pena pela prática de tal ilícito, começou logo a comercializar heroína e haxixe em porções não quantificadas, mas repetidamente, só se conhecendo com certeza que vendeu, em certa altura, 10 grs. de haxixe e que, posteriormente, detinha com um dos seus co-arguidos heroína com o peso bruto de 4,424 grs. e,só ele, 69,057 grs (também peso bruto) de haxixe, drogas estas destinadas ao consumo dos próprios detentores, bem como à sua venda a terceiros. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Jurisdição Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: No 1. Juízo da Comarca de Viseu, em processo comum, perante o respectivo Tribunal Colectivo, responderam, A, nascido em 26 de Julho de 1963; B, nascido em 15 de Outubro de 1960; e C, nascido em 21 de Setembro de 1961, todos melhor identificados no processo, que eram acusados - cada um deles - de haver cometido, sob a forma continuada, o crime da previsão do artigo 21 do DL 15/93, concorrendo contra o B a agravante específica da reincidência. No final, a acusação foi julgada provada e procedente, embora quanto ao primeiro arguido se tivesse considerado haver um delito simples e só relativamente aos dois outros, delitos continuados, sendo o A. e o B condenados, cada um deles, em 5 anos de prisão, e o B em 8 anos de prisão. Dissentindo das respectivas condenações, recorreram da decisão, na parte que lhes respeitava, o A e o B. O Ministério Público na instância pronuncia-se no sentido da confirmação da sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência a que se reporta o artigo 435 do CPP. I Cumpre, agora, decidir. Este Supremo Tribunal, em via de recurso penal, funciona como tribunal de revista mas pode interferir em matéria de facto nos casos taxativamente indicados no artigo 410, n. 2, da mesma lei processual. Convém, assim rememorar a matéria de facto dada como provada - no caso presente enunciada entrelaçadamente com a que não logrou prova -, com vista a determinar se ocorrerá algum daqueles vícios de facto e, caso negativo, se procederão as críticas que, em sede de direito, são dirigidas à decisão em causa. Ora, foi considerado provado e não provado o seguinte: «O Arguido A é consumidor de haxixe, pelo menos há cerca de 7 anos, e a partir de então decidiu dedicar-se também à comercialização dessa substância, Cannabis sativa L, no propósito de auferir lucros. Não se provou que vendesse ao Arguido B algumas vezes em 1993. O Arguido A comprara essa substância em quantidades não concretamente apuradas, normalmente na cidade de Viseu, tendo comprado ao Arguido B. No dia 28 de Outubro de 1993, cerca das 23 horas e 30 minutos, na Quinta de S. Bernardo em Viseu, junto à residência do B, um Agente da P.S.P., viu aí chegar o A e dirigir-se ao B. E já junto ao mesmo, viu o A receber um pequeno embrulho, ao mesmo tempo que lhe fazia a entrega de uma nota de 10000 escudos. O Agente da P.S.P., sabedor da sua actividade relacionada com estupefacientes, de imediato o interceptou e o revistou enquanto o B se punha em fuga. Na posse do A encontraram o referido embrulho que continha pedaços de um produto prensado, acastanhado, com o peso líquido de 18,351 gramas, e ainda uma embalagem de papel estanhado, com o peso líquido de 18,351 gramas, e ainda uma embalagem de papel estanhado contendo pó creme com o peso bruto de 273 mg, encontrando-se, este, no interior do seu veículo. Em exame toxicológico efectuado no L.P.C. da Polícia Judiciária, e como esse arguido bem sabia, se conclui ser haxixe e heroína, respectivamente, o conteúdo de cada embalagem. Essa porção de haxixe e heroína era destinado ao seu consumo e comercialização com lucro. O Arguido B é consumidor de heroína desde fins de 1987 até Novembro de 1993 e, a partir de Dezembro de 1992, altura em que saiu da cadeia, começou a dedicar-se também à comercialização dessa substância e de haxixe, no propósito de auferir lucros. Comprava essas substâncias em quantidades e em locais não apurados. Não se provou que comprava em quantidades de 50 a 60 gramas de haxixe e de 5 a 6 gramas de heroína, de 15 em 15 dias, em Lisboa, no Casal Ventoso. O Arguido B subsidiava as porções compradas e vendia depois, em porções mais pequenas, a maior parte da heroína e do haxixe que comprava, fazendo-o por preços superiores aos da compra. Nãos e provou que comprava o grama de heroína a 10000 escudos e vendia 0,5 gramas a 6000 escudos a 7000 escudos. Assim, desde finais de 1992, e até à data da sua prisão em 9 de Novembro de 1993, por diversas vezes, o Arguido B vendeu, na cidade de Viseu, haxixe e heroína a vários consumidores, nomeadamente, D, E, e F. Não se provou que no período compreendido entre o início de Agosto e princípios de Novembro de 1993, e com uma frequência diária, o Arguido B, vendia a G, para consumo deste, várias porções de heroína. Não se provou que lhe vendia quantidades que oscilavam entre um grama por 15000 escudos e meio grama por 8000 escudos. Não se provou que o pagamento de tais porções era sempre feito em numerário, excepto a última transacção que foi feita em cheque emitido pelo G, no valor de 10000 escudos entregando-lhe ainda, 5000 escudos, em numerário. Não se provou que todas estas transacções foram efectuadas no interior da residência do Arguido B, com o propósito de evitar que alguém os observasse e de assim assegurarem a impunidade. Entre Dezembro de 1992 e Agosto de 1993 o Arguido B vendeu a D, para consumo deste, várias porções de haxixe. Não se provou que lhe vendia 10 gramas de cada vez por 6000 escudos. No dia 12 de Agosto de 1993, cerca das 23 horas e 30 minutos, no Bar I, foi encontrado na posse do D uma porção de um produto prensado e acastanhado com o peso de 4,5 gramas, que em exame toxicológico efectuado no L.P.C. da Polícia Judiciária se conclui ser haxixe, esta porção era o que lhe restava de um total de 10 gramas dessa substância que havia comprado dias antes ao Arguido B, havendo já fumado a porção em falta. Não se provou que tivesse adquirido essa porção por 6000 escudos. No período compreendido entre Dezembro de 1992 e Outubro de 1993, em Viseu, o Arguido B, por diversas vezes, heroína a R. Não se provou que essas vendas fosse quase sempre em quantidades correspondentes ao preço de 8000 escudos, de cada vez, equivalentes a 0,5 gramas. Não se provou que no período entre Dezembro de 1992 e o início de Novembro de 1993, o Arguido B vendeu heroína a J, por diversas vezes, para consumo deste, como uma frequência quase diária, quantidades de 4 mg de cada vez, por um preço que não foi possível apurar, por cada vez. Durante o Verão de 1993, o Arguido B, vendeu heroína a L, para consumo deste, por várias vezes, quantidades que não foi possível apurar, assim como o respectivo preço. No período entre Maio e Outubro de 1993, o Arguido B cedeu por diversas vezes heroína a M e ao Arguido C. Não se provou que a cedência respeitasse a quantidades correspondente ao preço de 2000 escudos e 3000 escudos de cada vez, para seu consumo. Não se provou que a última venda ocorreu a 8 de Novembro de 1993, data anterior à da detenção do Arguido B. No dia 9 de Novembro de 1993, os Agentes da P.S.P. ao terem conhecimento de que o B se encontrava numa residência, pertença da sogra do Arguido C, pediram a este para entrarem no seu interior, ao que ele acabou por aceder, autorizando essa entrada. Já no interior detiveram o B e apreenderam 68000 escudos em notas do Banco de Portugal, numa caixa em madeira contendo uma balança de precisão, desmontável, contendo três pesos em bronze de 20 gramas, um peso em bronze de 10 gramas, dois pesos do mesmo metal de 5 gramas, um peso em bronze de 2 gramas, duas chapas quadradas em bronze, de meia grama e uma outra de duas miligramas, e um cheque com o valor indicado de 10000 escudos. Foram ainda, encontradas e apreendidas cinco embalagens de plástico, contendo um pó creme com o peso bruto de 4,424 gramas, e vários pedaços de um produto prensado, acastanhado, envolto em plástico com o peso bruto de 69,057 gramas, e em exame toxicológico efectuado do L.P.C. da Polícia Judiciária, e como os Arguidos B e C bem sabiam, se conclui ser a primeira substância heroína e a segunda haxixe. Dos bens e valores apreendidos, o dinheiro, o cheque e o haxixe eram pertença do Arguido B e a balança e pesos eram pertença do Arguido C e a heroína era pertença dos dois Arguidos, em proporção não apurada sendo encontrada parte junto com o haxixe e outra parte junto da caixa da balança. Não se provou que a quantia em dinheiro apreendida fosse resultado da venda de estupefacientes. A balança, os pesos e as chapas destinava-as o Arguido C à passagem de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e haxixe que depois vendia a consumidores. As porções de heroína e haxixe destinavam-nas os Arguidos B e C, ao seu consumo e à sua venda a terceiros, com lucro. O Arguido C, é consumidor de heroína desde Dezembro de 1992, pelo menos, e a partir de então decidiu dedicar-se também à comercialização dessa substância com o propósito de auferir lucros. Não se provou que comprava essa substância, em quantidades não concretamente apuradas, mas de várias gramas por vezes, a diversos indivíduos, normalmente na cidade de Lisboa, aí se deslocando no seu veículo automóvel de marca «BMW», e neste transportando a heroína comprada de regresso a Viseu. As porções adquiridas em quantidades e locais não determinados, eram subdivididas em porções mais pequenas, vendendo depois a maior parte da heroína, fazendo-o por preços superiores aos da compra. Não se provou que se deslocava no veículo referido nele transportando os estupefacientes para a efectuação das vendas. Desde o início de Julho e até fins de Agosto de 1993, por diversas vezes o Arguido C vendeu heroína a diversos indivíduos, nomeadamente o L, para consumo deste. Não se provou que vendesse as quantidades de heroína ao preço de 25000 escudos e 5000 escudos, correspondendo a 1/8 ou 1/4 de grama. Entre o início do mês de Julho e Outubro de 1993, F foi consumidor de heroína, tendo comprado algumas vezes ao Arguido B. Os Arguido B, A e C conheciam as características das substâncias aludidas - heroína e haxixe - e sabiam perfeitamente que a sua detenção, compra, venda e consumo, não eram permitidos. Por acórdão proferido em 4 de Julho de 1988, no processo 892/88 da 2. Secção do 3. Juízo do Tribunal de Viseu, conformado pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 16 de Novembro de 1988, o Arguido B foi condenado na pena de 6 anos de prisão, por ter cometido em 30 de Novembro de 1987, o crime de tráfico de estupefacientes. Cumpriu a pena de prisão em que foi condenado, de 30 de Dezembro de 1987 a 30 de Dezembro de 1992. Entre a prática desse crime doloso, pelo qual o B foi condenado, e a prática dos factos que ora lhe são imputados na acusação, descontando o tempo de prisão por ele cumprido, decorreram menos de cinco anos. Como resulta dos factos cuja prática agora lhe é imputada, essa condenação sofrida pelo Arguido B não foi suficiente para o afastar da criminalidade e conseguir a sua recuperação social mostrando-se o Arguido insensível à advertência contida em tal condenação, e antes vem revelando acentuada propensão para a prática de crimes relacionados com a aquisição, venda, detenção e consumo de estupefacientes. Os Arguidos A e C são primários. Todos os Arguidos, quando em liberdade exerciam trabalhos remunerados. O Arguido B confessou parte dos factos constantes da acusação e por forma relevante. É fraca a situação económica dos Arguidos e era-o antes das suas detenções. Os Arguidos são de condição social modesta. II Antes de mais, deve-se acentuar que, como tem sido entendimento unânime, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações, sendo àquelas que há que atender na apreciação da decisão. Isto posto, apreciar-se-à, em primeiro lugar o recurso do A. A. Este recorrente não se dispensa de invocar um «erro notório na apreciação da prova» que, no seu entender, se consubstanciaria na circunstância de se ter dado como provado que ele traficou estupefacientes com base na convicção firmada pelo Colectivo no depoimento indirecto dos agentes da PSP e no facto de lhe haver sido apreendida uma quantidade de droga que não se provou destinar ao consumo próprio, o que, no seu dizer, constituiria uma inversão do ónus da prova, tanto mais que não se identifica uma só pessoa a quem ele haja abastecido. Simplesmente, tudo quanto vem dito a propósito nada tem a ver com o alegado vício de facto, o qual, como repetidamente tem sido dito e resulta claramente da lei - citado artigo 410, n. 2 -, só tem lugar quando, dos próprios termos da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a outros elementos externos, ainda que constantes do processo, se deva concluir que se teve como provado ou não provado algo que notoriamente não se poderia como tal considerar, o que logo é perceptível ao observador comum. «Erro notório na apreciação da prova» é um conceito paralelo ao de facto notório, decorrente de definição do artigo 514 do Código de Processo Civil e, tal como este, tem de ser interpretado como facto de que todos se apercebem directamente ou que adquire notoriedade por via indirecta, isto é, mediante raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos - vide Prof. José Alberto dos Reis, C.P.C.A., Vol. III, págs. 262. Mas se assim é, o que se invoca como erro notório nada tem a ver com este. A circunstância de o Colectivo haver firmado a sua convicção quanto à conduta do recorrente através do depoimento de guardas da PSP não contende minimamente com o princípio da livre apreciação da prova pelos julgadores, tal como este é expresso no artigo 127 do CPP, tanto mais que tal convicção, sendo conta da motivação da decisão, fundou-se em outros elementos de prova, designadamente nas próprias declarações dos ex-arguidos e nos demais testemunhos arrolados pela acusação. B. Outro vício de facto vem arguido. Desta feita, o que foi denominado «contradição da fundamentação» do acórdão recorrido, o qual se traduziria na circunstância de, por um lado, se dar como apurado que o recorrente destinava a droga à sua comercialização com lucro e de, não se terem provado os lucros obtidos. Ora, para além de só relevar a «contradição insanável da fundamentação» - cfr. alínea b), do n. 2 do dito artigo 410 -, a verdade é que não há qualquer contradição entre o dizer-se simultaneamente, que o agente destinava a droga à sua comercialização com lucro e que não se apuraram os lucros que ele obteve. C. Como vem afirmado na decisão que o recorrente é consumidor de haxixe, pelo menos há cerca de 7 anos, intenta este convencer que a sua condenação devia limitar-se à da previsão do artigo 40 do DL 15/93, no qual se pune o consumo das drogas aí mencionadas. A isto só há que obtemperar que, dada a prova produzida, podia ele também ter sido condenado por aquela infracção, já que estão verificados todos os respectivos elementos integrantes - vide artigos 358 e 359 do CPP. Porém, nada obsta à condenação proferida por isso que, provado que o recorrente também detinha e comercializava drogas proíbidas, surge um concurso real de infracções, não se nos deparando qualquer espécie de incompatibilidade entre os tipos de crime dos artigos 21 e 40 do decreto que tem vindo a ser citado - veja-se, a propósito, o Ac. do STJ de 9 de Novembro de 1988, BMJ 381/300. D. Em alternativa, caso não proceda a sua anterior argumentação, o recorrente coloca a hipótese de ser condenado pelo artigo 25 do mesmo Decreto, isto é, como traficante de menor gravidade. Também, não pode ser deferida a pretensão. Aquela norma está reservada para os caos em que comprove uma ilicitude consideravelmente diminuída, designadamente, tendo em consideração a qualidade e as quantidades das plantas, substâncias e preparações e, porque assim é, no âmbito da previsão da norma não cabe a conduta de quem, como o recorrente, traficava heroína e haxixe e a quem, de uma só vez, foram encontradas 18,351 grs. de haxixe e 273 mgrs. de heroína, esta declaradamente droga «dura» dada a sua indesmentível perigosidade e aqueloutra - o haxixe - produto cuja nocividade só agora vem sendo reconhecida - vide, a propósito o que se anota aos Acs. deste Supremo de 10 de Dezembro de 1986, BMJ 362/357 e de 2 de Abril de 1986 BMJ 356/126. E, Finalmente, o recorrente põe a hipótese de se reduzir a sua pena para o mínimo legal, isto é, para os 4 anos de prisão. Ainda aqui não terá ganho de causa, já que nada lhe diminui sensivelmente a culpa, agiu com dolo directo, a ilicitude da sua conduta é média e não se dá conta de qualquer confissão relevante, de arrependimento sintomático ou de repulsa pela sua criminosa actividade, além de que são grandes - cada vez maiores - as evidências de prevenção desta verdadeira calamidade que é o tráfico e o consequente consumo de estupefacientes. No quadro ao artigo 72 do CP, logra inteiro acolhimento a pena aplicada na instância, tanto mais que, contra o que consta da decisão, vem documentado autenticamente - vide certificado de fls. 52 e o disposto no artigo 169 do CPP, assim como as declarações do arguido quanto aos seus antecedentes criminais - que o A, em 30 de Novembro de 1992, foi julgado e condenado em pena de multa por violação do disposto nos artigos 2, ns. 1 e 4, ns. 1 e 2, alínea a), do DL 124/90, de 14 de Abril, diploma este que fixa o regime sancionatório da condução automóvel sob a influência do álcool, crime de perigo, cada vez mais repetido ... e mais concreto. III É, agora a vez de julgar o recurso interposto pelo arguido B. Previamente, porém, há que proceder a uma rectificação quanto ao enquadramento jurídico-penal da actuação este arguido, enquanto a mesma foi havida como constituindo uma continuação criminosa nos termos e, portanto, para os efeitos do artigo 30 do Código, isto é claro, sem que daí possam advir prejuízos para o recorrente no que toca à medida da pena que lhe foi imposta. É que, na verdade, no caso de narcotráfico, quando o agente pratica múltiplos actos que caibam no âmbito da previsão do artigo 21 do DL 15/93, e o faça no âmbito de um procedimento reiterado, só excepcionalmente se poderá falar em crime continuado, surgindo-nos antes um delito de tracto sucessivo, cumulando-se materialmente a ilicitude das diversas acções delitivas que, por isso, não se poderá medir para efeitos de punição nos termos do artigo 78, n. 5 do CP. No caso presente, a opção pelo tipo de crime continuado, em prejuízo do crime único, feito sem se atentar que a circunstância suposta como sensivelmente redutora da culpa - que, diga-se desde já, não vem concretizada mas apenas afirmada -, não é de natureza exógena mas de cariz endógeno. Foi a apetência pelos lucros que estimulou o agente e, como se disse anteriormente, o narcotráfico é um crime de tracto sucessivo, em que mera detenção da droga ou qualquer outra das actividades estigmatizadas na norma do tão citado artigo 21, é logo punida como crime consumado, dada a sua vocação (e ainda um crime de crime presumido) para o tráfico. Portanto, não se podendo falar «in casu», como, de resto, na generalidade dos casos, de narcotráfico, na existência de uma circunstância exterior ao agente que o arraste para o crime em termos de lhe reduzir sensivelmente a culpa, não há também que falar de crime continuado, mas tão só de crime de tracto sucessivo. Outra não poderá ser a solução quando o agente procede com vista a obter meios para poder adquirir drogas proíbidas de cujo consumo seja dependente, por isso que, ainda então, é um factor interno e não exógeno que o impele para a delinquência e que, portanto, exclui a possibilidade de se considerar a existência de uma culpa sensivelmente diminuída e, com isso, a hipótese de um crime continuado. IV Este segundo recorrente fundamenta assim a impugnação que faz à decisão: Deve ser punido como autor de um crime previsto e punido pelo artigo 25 do DL 15/93 e, em consequência, reduzida a sua punição para não mais de 2 anos e meio de prisão; Persistindo-se em que o crime por si cometido é o da previsão do artigo 21 do mesmo diploma, a pena deve situar-se nunca acima dos 6 anos e meio de prisão. Em ambos os casos há que fazê-lo beneficiar do disposto no artigo 8, n. 1, alínea d), da Lei 15/94, de 11 de Maio. Vejamos, pois, se poderá ser como se pretende. A. Como se viu pela exposição da matéria de facto, o B, logo depois que saiu da cadeia, onde esteve a cumprir pena pelo mesmo crime por que agora respondeu, começou logo a comercializar heroína e haxixe, o que fez em porções não quantificadas, mas repetidamente, só se conhecendo ao certo que vendeu em 12 de Agosto, 10 grs. de haxixe e que, e 9 de Novembro de 1993, detinha, juntamente co o C, heroína com o peso bruto de 4,424 grs. e, só ele, 69,057 (também peso bruto) de haxixe, drogas estas destinadas ao consumo dos próprios detentores, bem como à sua venda. Neste condicionalismo falha totalmente o pressuposto de subsunção dos factos à disposição daquele artigo 25 para aplicação do qual se requer, além do mais, uma ilicitude consideravelmente diminuída em razão da qualidade e da quantidade das plantas, substâncias ou das preparações. É que não só as porções efectivamente determinadas como todas as demais porções que foram transaccionadas, ainda que se vá ao ponto de presumir que estas últimas eram mínimas, não constituem quantidades despiciendas e referem-se a drogas cuja nocividade é por demais conhecida, pelo que é impensável neste condicionalismo acertar-se num comportamento de diminuta ilicitude. B. Também não procede a argumentação em prol de uma redução da pena para os limites propostos, a qual visa claramente a oportunidade para se alcançar o benefício que decorreria do disposto naquele artigo que se citou como sendo da Lei 15/94, uma vez que o arguido é reincidente - facto que nem ele discute - o que faz logo subir a pena mínima do artigo 25 para 5 anos e meio - vide artigo 77 do CP -, agiu sempre com dolo directo, a ilicitude é de grau médio, apenas beneficiando de uma confissão parcial e não se dando conta de qualquer arrependimento. É certo que se trata de um heroinomano o que, necessariamente, se lhe reflecte desfavoravelmente no psíquico, mas a verdade é também, como já houve ocasião para recordar, que o consumo de heroína, como o das demais drogas proíbidas, constitui crime. A pena abstractamente aplicável podia ir até 12 anos de prisão e quedou-se o tribunal «a quo» pela de 8 anos, o que, no conjunto das directrizes fixadas pelo artigo 72 do CP, se tem como proporcionado e que, portanto, se confirma. Outra, de resto, não podia ser a solução atendendo também à insensibilidade do recorrente à ameaça penal, já que logo voltou a reincidir no narcotráfico mal saiu da cadeia onde entrara para cumprir a pena - a de 6 anos de prisão - pela mesma actividade. Conclusão Julgam-se improcedentes os recursos e confirma-se inteiramente a decisão recorrida. Cada um dos recorrentes pagará 4 Ucs., a título de taxa de justiça e, solidariamente, as custas eventuais, fixando-se no mínimo a procuradoria devida. Fixa no mesmo os honorários devedores ao Defensor Oficioso. Lisboa, 15 de Fevereiro de 1995 Ferreira Vidigal, Silva Reis, Pedro Marçal, Lopes Rocha (com dispensa de visto). |